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Document 62015CC0218

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 26 de maio de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:370

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 26 de maio de 2016 ( 1 )

Processo C‑218/15

Processo penal

contra

Gianpaolo Paoletti e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale ordinario di Campobasso (Tribunal de Campobasso, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Direitos fundamentais — Aplicação retroativa da lei penal mais favorável — Efeito da adesão da Roménia à União Europeia no delito de auxílio à imigração clandestina no território italiano cometido antes da adesão»

1. 

No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a analisar o efeito da adesão da Roménia à União Europeia na infração de auxílio à entrada e à residência irregulares de cidadãos romenos no território italiano, quando tal infração tenha sido cometida antes dessa adesão. Mais especificamente, o Tribunale ordinario di Campobasso (Tribunal de Campobasso, Itália) questiona‑se sobre a questão de saber se a referida adesão, depois da prática dessa infração e antes de o seu autor ser julgado, teve como efeito extinguir a infração de auxílio à entrada e à residência irregulares no território italiano.

2. 

Nas presentes conclusões, explicaremos as razões por que pensamos que a adesão de um Estado à União depois da prática da infração de auxílio à entrada e à residência irregulares de cidadãos desse Estado no território de um Estado‑Membro e antes de o seu autor ser julgado não tem como efeito extinguir essa infração.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

3.

O artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 2 ) enuncia:

«Ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida. Se, posteriormente à infração, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada.»

4.

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares ( 3 ), prevê que os Estados‑Membros devem adotar sanções adequadas «[c]ontra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros», e «[c]ontra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros».

5.

A Decisão‑quadro 2002/946/JAI do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares ( 4 ), prevê, no seu artigo 1.o, n.o 1, que «[o]s Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações definidas nos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 2002/90[...] sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas, suscetíveis de conduzir à extradição». O artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro indica também que as sanções penais podem, se necessário, ser acompanhadas, nomeadamente, de uma medida de expulsão.

B – Direito italiano

6.

O artigo 25.o, segundo parágrafo, da Constituição refere que ninguém pode ser punido a não ser por força de uma lei que tenha entrado em vigor antes da prática do ato.

7.

O artigo 2.o, primeiro parágrafo, do codice penale (Código Penal) prevê que ninguém pode ser punido por um facto que, segundo a lei vigente no momento da sua prática, não constituía infração. Nos termos do artigo 2.o, segundo parágrafo, deste código, ninguém pode ser punido por um facto que, de acordo com uma lei posterior, não constitui uma infração. No caso de condenação, cessa a sua execução e os seus efeitos penais.

8.

O artigo 12.o, n.o 3, alíneas a) e d), do Decreto Legislativo n.o 286 — Texto único das disposições respeitantes à regulamentação da imigração e às normas relativas à condição de estrangeiro, de 25 de julho de 1998, (decreto legislativo n.o 286 — Testo unico delle disposizioni concernenti la disciplina dell’immigrazione e norme sulla condizione dello straniero) ( 5 ), conforme alterado pela Lei n.o 94, de 15 de julho de 2009 ( 6 ), prevê que, salvo se os factos forem constitutivos de um delito mais grave, quem, em violação das disposições deste texto único, promover, dirigir, organizar, financiar ou efetuar o transporte de estrangeiros em Itália ou executar outros atos destinados a permitir a sua entrada ilegal em Itália ou no território de outro Estado‑Membro do qual não sejam nacionais ou não disponham de um título de residência permanente incorre numa pena de prisão de cinco a quinze anos e numa multa de 15000 euros por cada pessoa, quando os factos digam respeito à entrada ou à presença ilegais de cinco ou mais pessoas em Itália ou quando os factos sejam cometidos por três ou mais pessoas agindo em conjunto, ou utilizando serviços de transportes internacionais ou documentos falsificados ou alterados ou, em todo o caso, obtidos de forma ilícita.

9.

O artigo 12.o, n.o 3‑A, do Decreto n.o 268/1998 refere que, se os factos visados no n.o 3, deste artigo forem cometidos com recurso a duas ou a mais das hipóteses previstas nas alíneas a) a c), deste n.o 3, a pena aí prevista é agravada.

II – Quadro factual

10.

G. Paoletti e diversas outras pessoas foram constituídos arguidos num processo penal por ter, nomeadamente, permitido a entrada ilegal de 30 cidadãos romenos, numa data anterior à adesão da Roménia à União. São acusados, mais especificamente, de ter, de forma premeditada e fraudulenta, contornado as disposições que regem o fluxo dos trabalhadores estrangeiros para tirarem proveito da exploração intensiva e contínua de mão‑de‑obra estrangeira barata, factos que caraterizam a infração prevista no artigo 12.o, n.os 3 e 3‑A, do Decreto Legislativo n.o 286/1998.

11.

O órgão jurisdicional de reenvio precisa, assim, que os acusados tinham constituído em Pescara (Itália), a Oma Srl, uma sucursal fictícia da Api Construction SRL, cuja sede é em Bucareste (Roménia). Tinham pedido e obtido da Direzione Provinciale del Lavoro di Pescara (direção provincial do trabalho de Pescara, Itália) as autorizações de trabalho e, consequentemente, as correspondentes autorizações de residência no território italiano para 30 trabalhadores romenos, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, alínea g), do Decreto Legislativo n.o 286/1998, que permite a admissão temporária, a pedido do empregador e para além do contingente de trabalhadores estrangeiros previsto na lei, de trabalhadores empregados por organizações ou empresas a laborar em território italiano, a fim de exercerem funções ou missões específicas por uma duração limitada ou determinada.

III – Questões prejudiciais

12.

Por ter dúvidas quanto à interpretação a dar ao direito da União, o Tribunale ordinario di Campobasso (Tribunal de Campobasso) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 7.° [da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 4 de novembro de 1950 ( 7 )], 49.° da Carta [...] e 6.° [TUE] ser interpretados no sentido de que a adesão da Roménia à União [...], em 1 de janeiro de 2007, determinou a extinção do crime previsto e punido pelo artigo 12.o do Decreto Legislativo n.o 286/1998 [...], relativo ao auxílio à imigração e à permanência ilegal de cidadãos romenos no território do Estado italiano?

2)

Devem esses artigos ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro não pode aplicar o princípio da retroatividade da lei mais favorável (in mitius) às pessoas que, antes de 1 de janeiro de 2007 (ou de outra data posterior àquela em que o Tratado passou a produzir plenos efeitos), data de adesão da Roménia à União [...], tenham infringido o artigo 12.o do Decreto Legislativo n.o 286/1998 [...], por auxílio à imigração ilegal de cidadãos romenos, facto que deixou de ser punível a partir de 1 de janeiro de 2007?»

IV – A nossa análise

13.

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 7.o da CEDH, o artigo 49.o da Carta e o artigo 6.o TUE devem ser interpretados no sentido de que a adesão da Roménia à União tem como efeito extinguir a infração de auxílio à entrada e à residência irregulares de cidadãos romenos no território italiano, quando, depois da prática dessa infração e antes do seu autor ser julgado, esses cidadãos tenham adquirido a cidadania da União.

14.

O Governo italiano considera que estas questões são inadmissíveis na medida em que as disposições penais italianas em causa, a saber, a criminalização do auxílio à entrada ilegal de cidadãos estrangeiros no território italiano, não se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União. Alega que o tratamento penal reservado aos comportamentos destinados a auxiliar a imigração ilegal de cidadãos estrangeiros não é regulado pelo direito da União. Assim, a legislação italiana pertinente no presente processo não é uma aplicação do direito da União pela República Italiana, sendo a Carta, por conseguinte, inaplicável.

15.

Como a Comissão Europeia recorda, com razão, o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90 prevê que os Estados‑Membros devem adotar sanções adequadas contra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros, e contra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros. Por outro lado, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑quadro 2002/946, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações definidas nos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 2002/90 sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas, suscetíveis de conduzir à extradição.

16.

Consequentemente, há que constatar que a legislação italiana pertinente no caso em apreço visa precisamente cumprir as obrigações decorrentes do direito da União e, consequentemente, aplicá‑lo.

17.

Por conseguinte, não há dúvida de que a Carta é aplicável ao litígio do processo principal.

18.

Quanto à questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, encontra, na nossa opinião, a sua resposta mediante uma análise que incida sobre os elementos constitutivos da infração, e mais especificamente, neste caso, dois deles, a saber, o elemento legal e o elemento material.

19.

Em relação ao elemento legal, de acordo com um princípio geralmente aceite, uma infração penal baseia a sua legitimidade na sua necessidade. Uma vez preenchida esta condição prévia, a infração, para ser qualificada como tal, deve, evidentemente, preencher outras, igualmente essenciais, mas que só se colocam depois daquela. É, assim, o caso da condição imposta pelo princípio da legalidade, conforme expresso por Beccaria, e da exigência de proporcionalidade da sanção prevista. No entanto, nenhuma dessas últimas condições precisa de ser analisada se não for necessário legislar.

20.

O poder de punir pertence à Autoridade Pública, investida da autoridade legiferante. Esta última dispõe desse poder para proibir comportamentos que constituem, na sua perspetiva, atentados aos conceitos que considera essenciais à luz quer da sua moral social quer dos seus princípios fundamentais de funcionamento, isto é, atos que violam o que mais comummente se chama a ordem pública.

21.

Posto isto, considerando a natureza das infrações cometidas pelas pessoas acusadas, há que determinar qual a ordem pública que foi prioritariamente afetada pela infração cometida. Trata‑se da ordem pública própria do Estado italiano ou a da própria da União?

22.

Do nosso ponto de vista, não há dúvida nenhuma de que se trata, neste caso, da ordem pública da União. Com efeito, a legislação penal italiana só existe em execução das disposições do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90, que dispõe que os Estados‑Membros devem adotar sanções adequadas contra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros, completada pelo artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑quadro 2002/946, que impõe aos Estados‑Membros que adotem sanções que comportem uma pena que permita executar uma medida de extradição.

23.

Deste modo, a legislação penal dos Estados‑Membros limita‑se, neste caso, a apoiar uma disposição imperativa de uma norma que decreta regras, elas próprias, comuns aos Estados‑Membros e a garantir o seu respeito.

24.

Ora, para que serve essa norma? Para proteger, no âmbito do mercado interno, as regras específicas próprias da União e aplicáveis apenas aos cidadãos da União, isto é, para proteger um funcionamento que põe em jogo, combinando‑os, liberdades e conceitos tão fundamentais como a liberdade de circulação, a liberdade de estabelecimento e a cidadania, a saber, os próprios fundamentos da construção da União. Concordamos facilmente com a necessidade dessa legislação repressiva.

25.

Uma precisão introduzida pelo elemento legal da infração conforme deve ser concebido pelos Estados‑Membros, que permite, assim, medir a gravidade que essa violação da ordem pública reveste aos olhos do legislador da União, pode decorrer do facto de, na Decisão‑quadro 2002/946, a sanção penal imposta aos Estados‑Membros dever permitir a extradição dos autores da infração e poder, se for caso disso, ser acompanhada de uma medida de expulsão. A preocupação de poder, consoante a situação em concreto, quer julgar o culpado residente no estrangeiro pela perturbação causada na ordem pública da União, quer expulsá‑lo, demonstra até que ponto esta ordem pública foi perturbada por esse tipo de delito.

26.

Por conseguinte, é efetivamente da ordem pública da União que se trata. Ora, não vemos nenhuma disposição na Diretiva 2002/90 nem, aliás, em nenhum outro diploma que permita considerar que a acessão a uma «completa» cidadania da União deve, ou pode, conduzir ao desaparecimento da violação desta ordem pública superior e, consequentemente, da infração cometida pelos acusados que se dedicavam ao que se denomina, em linguagem corrente, tráfico de mão‑de‑obra.

27.

Decidir em sentido contrário equivaleria, na realidade, a encorajar esse género de tráfico a partir do momento em que um Estado tivesse iniciado o processo definitivo de adesão à União, uma vez que os traficantes teriam a garantia de beneficiar, em seguida, de imunidade. Assim, o objetivo alcançado seria exatamente contrário ao pretendido pelo legislador da União.

28.

Por último, não é inútil observar que o texto da lei penal italiana, em total coerência com as obrigações impostas pelas disposições da Diretiva 2002/90 e pelas da Decisão‑quadro 2002/946, cuja aplicação efetiva assegura, só diz estritamente respeito aos traficantes e não às pessoas que recorrerem a esse procedimento.

29.

Por conseguinte, pouco importa, a este respeito, que, posteriormente à sua entrada ilegal em território da União, essas pessoas tenham adquirido a qualidade de cidadãos da União ou a totalidade dos direitos correspondentes.

30.

Perguntamo‑nos, aliás, qual seria a justificação teórica de tal efeito.

31.

Parece‑nos incontestável que essa justificação não poderia ser encontrada numa situação em que uma alteração do direito da União viesse paralisar uma infração do direito nacional, pela simples e evidente razão, já sublinhada, de que o texto legal nacional decorre do direito da União e que só a alteração deste último poderia ser repercutida no direito nacional em questão. Ora, o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90 não sofreu nenhuma alteração e, como vimos, é indiferente quanto à aquisição da cidadania da União posteriormente à prática da infração.

32.

Também entendemos que o princípio da retroatividade in mitius, para o qual nos parece remeter a referência ao artigo 49.o da Carta, seria invocado em vão. Com efeito, este princípio é, na realidade, uma modalidade da aplicação sucessiva de leis no tempo, conforme recorda a própria redação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta. É ainda preciso que haja uma sucessão de leis que respeitem à mesma infração, o que não é aqui o caso, uma vez que não ocorreu nenhuma alteração em relação à criminalização ou à pena da infração.

33.

Com efeito, tal solução só poderia resultar do facto de a infração em causa ter perdido a sua necessidade. Demonstrámos, anteriormente, que não é, de forma alguma, esse o caso no que diz respeito aos traficantes.

34.

Independentemente das considerações relativas à ordem pública, outros elementos de análise respeitantes à estrutura jurídica da infração também abonam a favor da rejeição da tese dos recorrentes no processo principal.

35.

Chegamos, assim, à análise do segundo elemento constitutivo da infração, a saber, o elemento material.

36.

O modo de realização do elemento material da infração impõe que esta seja classificada na categoria das infrações instantâneas. Com efeito, o auxílio à entrada encontra‑se materialmente realizado quando a pessoa que recorreu aos «passadores» atravessou a fronteira externa da União, e o auxílio à residência quando lhe foram entregues os documentos, fraudulentamente obtidos, que lhe permitem dar a aparência de que tem o direito de beneficiar das vantagens associadas à cidadania da União ou à qualidade de trabalhador estrangeiro em situação regular.

37.

Tendo em conta as datas referidas na decisão de reenvio, as infrações imputadas aos recorrentes no processo principal estavam total e definitivamente praticadas no dia da entrada em vigor do ato de adesão da Roménia à União, o qual não determinou nenhuma alteração à redação do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/90, norma de alcance geral.

38.

Este raciocínio parece‑nos reforçado pela comparação com a própria situação dos cidadãos romenos que se encontravam, eles mesmos, em infração no momento em que ocorreu essa alteração fundamental de estatuto, infração que consistia numa residência ilícita. Com efeito, a diferença é substancial.

39.

Nesta hipótese, a infração cometida pelo nacional do ex‑Estado terceiro é uma infração continuada cujo elemento material, a saber, o facto de se encontrar num território onde não devia estar, nunca é alcançado enquanto essa situação se prolongar. Uma das consequências mais evidentes em matéria de infração continuada é o facto de a prescrição só começar a correr a partir do momento em que a infração tenha terminado.

40.

Uma vez que a aquisição da nacionalidade ocorre enquanto a infração está em curso, desaparece um dos elementos constitutivos do crime específico de residência ilegal aplicável apenas ao interessado, visto ser o elemento material, ainda em curso e indivisível, da infração que se encontra diretamente afetado. Com efeito, no dia da aquisição plena dos direitos da cidadania da União, desaparece um dos elementos constitutivos da infração continuada, a saber, o facto de não ser cidadão da União de pleno direito.

41.

Quanto ao resto, pelo mesmo motivo, a infração que visava apenas as pessoas cidadãs de um Estado terceiro perde a sua necessidade relativamente aos cidadãos romenos, o que justifica que já não sejam intentadas ações penais contra aqueles que, por exemplo, tenham regressado ao seu Estado de origem, mas em relação aos quais a referida infração ainda não tenha prescrito.

42.

Tendo em conta todas estas considerações, é nosso parecer que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90, o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/946 e o artigo 49.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que a adesão de um Estado à União depois da prática da infração de auxílio à entrada e à residência irregulares de cidadãos desse Estado no território de um Estado‑Membro e antes de o seu autor ser julgado não tem como efeito extinguir essa infração.

V – Conclusão

43.

Tendo em atenção os elementos que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda ao Tribunale ordinario di Campobasso (Tribunal de Campobasso, Itália) da seguinte maneira:

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑quadro 2002/946/JAI do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, e o artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que a adesão de um Estado à União depois da prática da infração de auxílio à entrada e à residência irregulares de nacionais desse Estado no território de um Estado‑Membro e antes de o seu autor ser julgado não tem como efeito extinguir essa infração.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) A seguir «Carta».

( 3 ) JO 2002, L 328, p. 17.

( 4 ) JO 2002, L 328, p. 1.

( 5 ) Suplemento ordinário do GURI n.o 191, 18 de agosto de 1998.

( 6 ) GURI n.o 170, de 24 de julho de 2009, a seguir «Decreto Legislativo n.o 286/1998».

( 7 ) A seguir «CEDH».

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