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Document 62015CC0195

Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 26 de maio de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:369

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 26 de maio de 2016 ( 1 )

Processo C‑195/15

SCI Senior Home, em recuperação

contra

Gemeinde Wedemark,

Hannoversche Volksbank eG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha)]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Cooperação judicial em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Artigo 5.o — Conceito de ‘direitos reais de terceiros’ — Imposto sobre imóveis — Legislação de um Estado‑Membro que prevê que o imposto sobre imóveis constitui um ónus público que recai sobre os bens imóveis que pode ser executado contra qualquer eventual proprietário»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe um administrador judicial da falência de uma sociedade sedeada em França a um município alemão, relativamente à venda coerciva de um imóvel situado na Alemanha, de que a referida sociedade é proprietária, devido à existência de encargos prediais em dívida ( 2 ).

2.

A questão submetida pelo Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha) levará o Tribunal de Justiça a debruçar‑se sobre o conceito de direito real à luz do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 ( 3 ). Mais precisamente, o Tribunal de Justiça terá a oportunidade de esclarecer se, no âmbito particular de um ónus público que recai sobre um imóvel, há que limitar, através de critérios de qualificação autónoma, a qualificação nacional desse ónus como direito real, para efeitos da aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000.

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

3.

O artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000, intitulado «Direitos reais de terceiros», prevê:

«1.   A abertura do processo de insolvência não afeta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, quer sejam bens específicos, quer sejam conjuntos de bens indeterminados considerados como um todo, cuja composição pode sofrer alterações ao longo do tempo, pertencentes ao devedor e que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de outro Estado‑Membro.

2.   Os direitos referidos no n.o 1 são, nomeadamente:

a)

O direito de liquidar ou de exigir a liquidação de um bem e de ser pago com o respetivo produto ou rendimentos, em especial por força de um penhor ou hipoteca;

b)

O direito exclusivo de cobrar um crédito, nomeadamente quando garantido por um penhor ou pela cessão desse crédito a título de garantia;

c)

O direito de reivindicar o bem e/ou de exigir que o mesmo seja restituído por quem o detiver ou usufruir contra a vontade do titular;

d)

O direito real de perceber os frutos de um bem.

3.   É equiparado a um direito real o direito, inscrito num registo público e oponível a terceiros, que permita obter um direito real na aceção do n.o 1.

4.   O n.o 1 não obsta às ações de nulidade, de anulação ou de impugnação referidas no n.o 2, alínea m), do artigo 4.o»

B – Direito alemão

4.

O § 9, n.o 2, do Código do Imposto sobre Imóveis (Grundsteuergesetz, a seguir «GrStG») dispõe:

«O imposto é devido no início do ano relativamente ao qual é fixado.»

5.

O § 12 do GrStG, intitulado «Garantia real», tem a seguinte redação:

«O imposto sobre imóveis constitui um ónus público que recai sobre o imóvel tributado.»

6.

O § 77, n.o 2, primeiro período, da Lei Geral Tributária (Abgabenordnung, a seguir «AO») prevê:

«O proprietário de um imóvel é obrigado a tolerar a execução, sobre esse imóvel, de uma dívida tributária que constitua um ónus público.»

7.

O § 10, n.o 1, do Código das Vendas Coercivas (Zwangsversteigerungsgesetz) dispõe:

«Conferem o direito à satisfação do credor pelo produto do imóvel, pela seguinte ordem […]:

[...]

3.

os créditos resultantes dos ónus públicos que recaem sobre imóveis, devidos nos últimos quatro anos; as prestações periódicas, em especial o imposto sobre imóveis, os juros, os complementos ou prestações sob forma de renda […] só beneficiam desta primazia em relação aos montantes correntes e aos montantes devidos nos últimos dois anos […].

4.

os créditos derivados de direitos sobre o imóvel […]».

III – Factos do litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8.

A société civile immobilière Senior Home (a seguir «sociedade devedora») está sedeada em França. É proprietária de um imóvel situado em Wedemark (Alemanha).

9.

Por acórdão de 6 de maio de 2013, o Tribunal de Grande Instance de Mulhouse (Tribunal de Grande Instância de Mulhouse, França) declarou a sociedade devedora em recuperação judicial e nomeou um administrador judicial com funções de assistência.

10.

Em 15 de maio de 2013, o Gemeinde Wedemark (município de Wedemark) requereu a venda coerciva do imóvel devido à existência de impostos sobre imóveis em dívida, relativos ao período entre 1 de outubro de 2012 e 30 de junho de 2013, no valor de 7471,19 euros, e certificou a exequibilidade coerciva dos créditos.

11.

Por despacho de 21 de maio de 2013, o Amtsgericht Burgwedel (Tribunal de Cantonal de Burgwedel, Alemanha) ordenou a venda coerciva. A oposição deduzida pela devedora contra essa decisão foi indeferida. O Landgericht Hannover (Tribunal provincial de Hannover, Alemanha) negou provimento ao seu recurso. Com o recurso interposto para o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), a sociedade devedora pede a anulação da decisão que ordenou a venda coerciva e o cancelamento do respetivo averbamento no registo predial.

12.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que o litígio que lhe foi submetido é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000. Em aplicação do artigo 4.o, n.os 1 e 2, segundo período, alínea f), deste regulamento, o processo de insolvência obedece à lei francesa, a qual rege igualmente, em princípio, os efeitos da abertura do processo sobre as ações individuais.

13.

Esse órgão jurisdicional salienta que, no direito francês, a abertura do processo de recuperação judicial implica uma proibição geral de execução e não existem regras especiais para os credores com garantias reais nem para a administração fiscal. Todavia, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000, a abertura do processo de insolvência não afeta os direitos reais de um credor ou de um terceiro sobre bens imóveis que se encontrem no território de outro Estado‑Membro.

14.

Ora, no direito alemão, as dívidas relativas ao imposto sobre imóveis constituem, segundo o órgão jurisdicional de reenvio e em conformidade com o § 12 do GrStG, ónus públicos que são direitos patrimoniais reais, devendo o proprietário aceitar a execução forçada sobre o imóvel, nos termos do § 77, n.o 2, primeiro período, da AO. Os ónus públicos sobre imóveis constituem‑se independentemente da questão de saber se foi ou não iniciado um processo de venda coerciva.

15.

Resulta da decisão de reenvio que subsistem, todavia, dúvidas quanto à questão de saber se o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado como uma norma de conflito, segundo a qual é a lex rei sitae, ou seja, no caso em apreço, a lei alemã, que deve reger a questão da existência ou não de um direito real. Com efeito, a doutrina admite frequentemente uma interpretação autónoma do conceito de «direito real».

16.

O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, nesta perspetiva, o artigo em questão tem como objeto fundamental, por um lado, proteger as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico, como decorre do considerando 24 do referido regulamento. Por outro lado, segundo o considerando 25 deste regulamento, existe uma necessidade particular a este respeito no caso dos direitos reais, dado que estes se revestem de substancial importância para o reconhecimento de créditos. Ora, os interesses das autoridades fiscais distinguem‑se, em vários aspetos, dos interesses dos mutuantes privados.

17.

Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), por decisão de 12 de março de 2015, que deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2015, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O conceito de direitos reais, no sentido do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1346/2000], abrange um regime nacional como o previsto no § 12 do [GrStG], conjugado com o § 77, n.o 2, primeiro período, da [AO], segundo o qual as dívidas relativas ao imposto sobre imóveis constituem, por força da lei, um ónus público sobre o imóvel e, nessa medida, o respetivo proprietário deverá tolerar a execução forçada, sobre o imóvel, dessas dívidas?»

18.

Foram apresentadas observações escritas pelo Reino de Espanha e pela Comissão Europeia. As mesmas partes foram ouvidas na audiência realizada em 10 de março de 2016.

IV – Análise

A – Observações preliminares

1. Génese do Regulamento n.o 1346/2000

19.

O Regulamento n.o 1346/2000, que entrou em vigor em 31 de maio de 2002, é não só o primeiro regulamento consagrado aos processos de insolvência ( 4 ), como também a concretização de longas negociações iniciadas nos anos 60 no âmbito da Comunidade Económica Europeia, que incluía então apenas os seis Estados fundadores ( 5 ). Foi só em 1970 que surgiu uma primeira versão do projeto de convenção ( 6 ), sem obter, todavia, suficiente aceitação. Foi preciso esperar dez anos para que um segundo projeto fosse publicado ( 7 ). O sistema adotado por este segundo projeto baseava‑se nos princípios da unidade (um único processo para todo o território do que era então a Comunidade Económica Europeia) e da universalidade (o processo abrange todos os ativos do devedor, onde quer que se encontrem) ( 8 ). Depois de se ter deparado com uma série de obstáculos, este projeto foi abandonado em 1985, por falta de consenso suficiente ( 9 ). Foi então elaborado um novo projeto de convenção, inspirado, desta vez, na teoria mitigada da universalidade das falências ( 10 ).

20.

A Convenção relativa aos Processos de Insolvência, elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, foi aberta à assinatura em Bruxelas em 23 de novembro de 1995, mas não foi assinada por todos os Estados‑Membros ( 11 ). Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão e por iniciativa da República Federal da Alemanha e da República da Finlândia, o texto da Convenção foi finalmente retomado sob a forma de um regulamento adotado com base nos artigos 61.°, alínea c), CE e 67.°, n.o 1, CE ( 12 ).

2. Economia do mecanismo instaurado pelo Regulamento n.o 1346/2000

21.

Neste contexto, Importa recordar que, tal como a Convenção relativa aos Processos de Insolvência, o Regulamento n.o 1346/2000 obedece não a um modelo assente no princípio da universalidade dos processos de insolvência, mas a um modelo de universalidade mitigado. Este regulamento parte, portanto, de um modelo universal, prevendo, simultaneamente, uma série de regras especiais que funcionam como exceções e que corrigem ou atenuam a sua universalidade ( 13 ).

22.

De um modo geral, a existência de regras especiais que corrigem ou atenuam a universalidade dos processos de insolvência justifica‑se por razões que respondem a um duplo fundamento. Por um lado, a proteção dos direitos adquiridos num Estado‑Membro que não o da abertura do processo de insolvência face à aplicação da lex concursus de outro Estado‑Membro ( 14 ) e, por outro, a necessidade de reduzir a complexidade dos processos de insolvência. A este respeito, o considerando 11 do regulamento é muito claro ao indicar que «não é praticável instituir um processo de insolvência de alcance universal em toda a Comunidade, tendo em conta a grande variedade de legislações de natureza substantiva existentes. Nestas circunstâncias, a aplicabilidade exclusiva do direito do Estado de abertura do processo levantaria frequentemente dificuldades. Tal vale, por exemplo, para a grande diversidade das legislações sobre as garantias vigentes na Comunidade. Além disso, os privilégios creditórios de alguns credores no processo de insolvência são, muitas vezes, extremamente diferentes» ( 15 ).

23.

Mais precisamente, no que respeita ao mecanismo instituído pelo Regulamento n.o 1346/2000, o seu artigo 4.o, n.o 1, prevê que a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo (lex fori concursus). Como enuncia o considerando 23 do mesmo regulamento, esta lei regula todas as condições relativas à abertura, à tramitação e ao encerramento do processo de insolvência ( 16 ). Porém, para preservar as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico nos Estados‑Membros que não o de abertura do processo de insolvência, o Regulamento n.o 1346/2000 prevê, nos seus artigos 5.° a 15.° ( 17 ), um certo número de exceções à regra da lei aplicável quanto a certos direitos e situações jurídicas que, como recordei no número precedente, são entendidos, nos termos do considerando 11, como particularmente importantes ( 18 ). Estas exceções à aplicação da lex concursus são previstas nas situações em que os elementos de conexão (por exemplo, a localização de um bem) ligam uma determinada situação à lei de outro Estado‑Membro ( 19 ).

24.

É neste contexto que deve ser examinada a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B – Quanto à questão prejudicial

25.

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que um ónus público que recai sobre um imóvel, em benefício da administração fiscal, como o que está em causa no processo principal, é abrangido pelo conceito de direito real à luz deste artigo.

26.

Para responder a esta questão, há que examinar se um ónus público que recai sobre um imóvel constitui efetivamente um direito real e, consequentemente, se as condições do artigo 5.o do referido regulamento estão preenchidas no caso em apreço. Com efeito, é só no caso de o ónus sobre o imóvel ser um direito real que a sociedade devedora proprietária do imóvel é obrigada a tolerar a execução forçada sobre o mesmo. Daqui decorre que abordarei, em primeiro lugar, o alcance do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 antes de examinar, em segundo lugar, os limites possíveis da qualificação nacional de um direito como direito real para efeitos deste artigo.

1. Quanto ao alcance do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000

27.

Importa esclarecer, antes de mais, que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 só é aplicável se a lei do local onde o bem se encontra (lex rei sitae) qualificar o direito em questão como direito real.

28.

No que respeita, seguidamente, à proteção dos direitos reais assegurada pelo artigo 5.o deste regulamento, recordo que a economia do mecanismo por ele instituído se baseia na não afetação dos direitos reais sobre os bens situados noutros Estados‑Membros, o que equivale, em princípio, a excluir tais direitos dos efeitos do processo de insolvência ( 20 ). Esta solução foi adotada por razões de fundo, tais como o objetivo de assegurar a proteção do comércio no Estado‑Membro onde os bens estão situados e a segurança jurídica dos respetivos direitos. Os direitos reais têm uma função muito importante para o crédito e para a mobilização da riqueza. Com efeito, protegem os seus titulares do risco de insolvência do devedor e permitem obter créditos em condições vantajosas ( 21 ). Assim, a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima dos credores nas transações efetuadas afiguram‑se elementos fundamentais.

29.

Além disso, razões de ordem processual justificam igualmente uma proteção acrescida dos direitos reais, como os objetivos institucionais do Regulamento n.o 1346/2000 ligados à necessidade de simplificar e de facilitar a administração do património ( 22 ). Importa observar, a este respeito, que os processos de insolvência são relativamente complexos e a sua administração é bastante onerosa. A redução dos custos pode privilegiar alguns credores, beneficiando também, simultaneamente, todos os outros, na medida em que os custos totais da administração processual sejam igualmente reduzidos ( 23 ).

30.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o alcance do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 é esclarecido pelos seus considerandos 11 e 25, nos termos dos quais é necessário estabelecer para os direitos reais um vínculo especial «diverso do da lei do Estado de abertura», uma vez que esses direitos se revestem de substancial importância para a concessão de créditos. Assim, nos termos do considerando 25, o fundamento, a validade e o alcance de tal direito real devem ser geralmente determinados pela lei do local onde se encontra o bem que é objeto do referido direito (lex rei sitae) e não ser afetados pela abertura de um processo de insolvência ( 24 ).

31.

Por conseguinte, há que entender o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 como uma disposição que, afastando a regra da lei do Estado de abertura do processo, permite aplicar ao direito real de um credor ou de um terceiro sobre determinados bens pertencentes ao devedor a lei do Estado‑Membro em cujo território se encontra o bem em questão (lex rei sitae) ( 25 ). Só beneficiam da proteção deste artigo os direitos reais sobre bens do devedor situados num Estado‑Membro que não o da abertura do processo no momento da abertura do processo de insolvência ( 26 ). Com efeito, o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 não é uma norma de conflito, mas uma norma material «negativa» ( 27 ) que visa assegurar a proteção dos direitos reais adquiridos antes da abertura do processo de insolvência ( 28 ).

32.

Todavia, importa precisar que, uma vez que a proteção dos direitos reais dos credores e dos terceiros e, portanto, a sua imunidade, é relativa, a exclusão de tais direitos do domínio da lex fori concursus não é absoluta ( 29 ).

33.

Em primeiro lugar, a regra do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 não obsta a que o síndico peça a abertura de um processo secundário no Estado‑Membro onde os bens estejam situados se o devedor tiver um estabelecimento neste Estado‑Membro ( 30 ). Tal processo secundário teria os mesmos efeitos sobre os direitos reais que um processo principal. O artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 dispõe que o processo de insolvência não afeta os direitos reais sobre os bens situados noutros Estados‑Membros e não que o processo não terá efeitos sobre os bens (ou créditos) situados noutro Estado‑Membro, protegidos por esses direitos. Dado que o processo principal é, em princípio, um processo universal, abrange todos os bens do devedor. Este elemento é importante se o valor da garantia for superior ao valor do crédito garantido pelo direito real. Assim, não sendo aberto um processo secundário, o credor será obrigado a restituir ao síndico do processo principal o eventual excedente do produto da venda (v. considerando 25 e artigo 20.o do Regulamento n.o 1346/2000). Em contrapartida, se o crédito estiver coberto pelo valor da garantia, o credor que obtiver satisfação pelos seus créditos garantidos por direitos reais nada tem a restituir aos restantes credores ( 31 ).

34.

Em segundo lugar, o artigo 5.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1346/2000 estabelece uma exceção à exceção prevista por este artigo 5.o, dispondo que o n.o 1 do mesmo artigo não obsta às ações de nulidade, de anulação ou de impugnação referidas no artigo 4.o, n.o 2, alínea m), deste regulamento ( 32 ). Assim, a lex fori concursus é aplicável quando a constituição ou o exercício dos direitos reais for contrária aos interesses do processo de insolvência e os atos puderem ser qualificados como prejudiciais para a massa dos credores. Este artigo não visa, portanto, as impugnações paulianas baseadas nas regras de direito comum (ações ordinárias de direito civil e comercial) ( 33 ) mas as baseadas nas regras dos processos de insolvência. Porém, o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 prevê uma exceção à aplicação da lex fori concursus, nos termos da qual o ato em questão não pode ser validamente impugnado se quem tiver beneficiado de um ato prejudicial a todos os credores fizer prova de que «esse ato se rege pela lei de um Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo, e no caso em apreço, essa mesma lei não permite a impugnação do ato por nenhum meio» ( 34 ).

35.

Em terceiro e último lugar, importa salientar que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 não pode ser utilizado para melhorar a posição do titular do direito real, relativamente a outros privilégios, fora do âmbito do processo de insolvência. Por outras palavras, este artigo admite o direito de execução separada do titular sem alterar o regime de direito preferencial que este direito real deve respeitar fora do âmbito do processo de insolvência ( 35 ).

2. Quanto aos limites da qualificação nacional de um direito como «direito real» para efeitos da aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000

36.

No que toca à qualificação de um direito como direito real, observo, desde já, que o Regulamento n.o 1346/2000 remete para o direito nacional, sob reserva das disposições do seu artigo 5.o, n.os 2 e 3 ( 36 ).

37.

A este respeito, conforme já expliquei nos n.os 34 e 35 das minhas conclusões no processo Lutz ( 37 ), a qualificação de um direito à luz do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser feita em dois momentos claramente diferenciados.

38.

Num primeiro momento, há que examinar se a qualificação de um direito como «direito real» decorre do direito nacional, o qual regula, nos termos das normas de conflitos aplicáveis anteriormente ao processo de insolvência, os direitos reais (normalmente, a lex rei sitae) ( 38 ). Por conseguinte, a constituição, a validade e o alcance destes direitos reais são regulados pela lei do local onde se encontra o bem que é objeto do direito real ( 39 ).

39.

Num segundo momento, uma vez determinada a natureza real do direito examinado à luz da lex rei sitae, importa verificar se este direito preenche os critérios de aplicação do artigo 5.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1346/2000. Estes critérios de qualificação autónoma ( 40 ) vêm, portanto, limitar a qualificação nacional de um direito como direito real para efeitos da aplicação do artigo 5.o deste regulamento ( 41 ).

40.

Gostaria ainda de acrescentar algumas observações relativamente às que já apresentei nas minhas conclusões no processo Lutz ( 42 ).

41.

Em primeiro lugar, segundo o relatório Virgós/Schmit, o objetivo do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000 consiste em facilitar a aplicação do seu n.o 1. Como resulta dos n.os 100 e 102 deste relatório, a sua função é limitar a qualificação nacional de um direito como direito real para efeitos da sua aplicação, sem impor, todavia, uma definição autónoma do conceito de direito real ( 43 ).

42.

A este respeito, parece‑me que o facto de o Regulamento n.o 1346/2000 não fornecer tal definição não significa, de modo algum, que não preveja certos limites para o conceito de direito real, para efeitos da aplicação do seu artigo 5.o A este propósito, e como indica o relatório Virgós/Schmit no seu n.o 102, «há que ter em conta que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 constitui uma exceção importante à aplicação da lei do Estado de abertura do processo e ao alcance universal do processo principal». Na minha opinião, resulta da leitura global deste relatório que os seus n.os 100 e 102 devem ser lidos conjuntamente, tendo em conta que se completam mutuamente. Uma vez que este relatório fornece elementos úteis para interpretar o Regulamento n.o 1346/2000 ( 44 ), tenho dúvidas quanto à pertinência de uma leitura isolada dos diferentes parágrafos que analisam o artigo 5.o deste regulamento (n.os 94 a 106).

43.

Em segundo lugar, observo que este mesmo relatório insiste no facto de que uma interpretação demasiado ampla do conceito nacional de direito real, que equipararia, nomeadamente, direitos que conferem simplesmente a faculdade de requerer um pagamento preferencial, como é o caso de alguns de privilégios, esvaziaria o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 do seu conteúdo ( 45 ).

44.

Em terceiro lugar, embora a lista contida no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000, relativa aos direitos que são, em princípio, considerados direitos reais pelos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, não seja exaustiva ( 46 ), o relatório Virgós/Schmit parece admitir ( 47 ) que a mesma é inspirada, nomeadamente, no facto de um direito real se caracterizar essencialmente por dois critérios ( 48 ). Trata‑se, por um lado, da «relação direta e imediata com o bem objeto do direito, que continua afeto à sua satisfação, sem depender da pertença do bem ao património de uma pessoa nem da relação do titular do direito com outra pessoa» e, por outro, do «caráter absoluto da atribuição do direito ao titular, que significa que o titular pode opor o seu direito real a qualquer pessoa que o viole ou o lhe cause danos sem o seu consentimento […]; que o direito pode subsistir à alienação do bem a um terceiro (é oponível erga omnes, com os limites que decorrem da proteção do adquirente de boa‑fé); [e] que o direito pode, assim, subsistir às medidas de execução individuais de terceiros e às tomadas em processos coletivos de insolvência (pela sua separação ou pela satisfação individualizada do direito)» ( 49 ).

45.

Por último, recordo que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 prevê que a abertura do processo de insolvência não afeta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens específicos e «conjuntos de bens indeterminados considerados como um todo, cuja composição pode sofrer alterações ao longo do tempo». Por outras palavras, para efeitos deste artigo, pode constituir‑se um direito real não só sobre bens específicos como também sobre o conjunto do património ( 50 ).

46.

Por conseguinte, é à luz destes elementos que deve ser examinada a qualificação de um ónus público sobre imóveis, como o do caso em apreço, para efeitos do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000.

a) Qualificação do ónus público sobre imóveis segundo a lei do local onde se situa o bem em causa (lex rei sitae)

47.

Antes de mais, recordo que órgão jurisdicional de reenvio é o único competente para verificar e apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido, bem como para interpretar e aplicar o direito nacional ( 51 ). Por conseguinte, compete‑lhe determinar se, nos termos do direito nacional, tal ónus público sobre imóveis é um direito real.

48.

No que respeita ao processo principal, resulta da decisão de reenvio que, segundo o direito alemão, lei do local da situação do imóvel em questão, as dívidas relativas ao imposto sobre imóveis na origem da decisão que ordenou a venda coerciva constituem ónus públicos, em conformidade com o § 12 do GrStG, que são direitos patrimoniais reais, uma vez que o proprietário deverá aceitar a execução forçada sobre o imóvel, em conformidade com o § 77, n.o 2, primeiro período, da AO ( 52 ). Segundo este órgão jurisdicional, correspondem a um direito de penhor imobiliário e não são inscritos no registo predial.

49.

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, por força do § 9, n.o 2, do GrStG, o imposto sobre os imóveis é devido no início do ano pelo que, no caso em apreço, pelo menos os créditos relativos ao período compreendido entre 1 de outubro de 2012 e 5 de maio de 2013 venceram‑se antes da abertura do processo de insolvência e, consequentemente, são abrangidos pelo ónus sobre imóveis. Este último é acessório, à semelhança de uma hipoteca, dado que depende da existência de uma dívida fiscal. Todavia, não pressupõe necessariamente que o proprietário seja, ele próprio, devedor do imposto, e que seja pessoalmente responsável pelo mesmo. Com efeito, continua a existir quando o imóvel é transmitido após a determinação do crédito fiscal, na medida em que o crédito se tenha vencido e possa ser objeto de uma execução. Durante um processo de insolvência, a administração fiscal beneficia, com base no ónus público sobre imóveis, do direito de ser ressarcida de modo separado e preferencial ( 53 ). Por conseguinte, pode requerer a venda coerciva do imóvel, como no caso em apreço.

50.

Resulta claramente da decisão de reenvio que, segundo o direito alemão, o ónus público que recai sobre o imóvel em questão é uma garantia real. Consequentemente, estando a qualificação «ex lege causae» claramente estabelecida por esse órgão jurisdicional, coloca‑se a questão de saber se o ónus em questão no processo principal pode ser qualificado como direito real, para efeitos do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000.

51.

Para responder a esta questão, importa verificar se estão preenchidos os critérios de qualificação autónoma previstos no artigo 5.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1346/2000 (v. n.os 41 a 45 das presentes conclusões).

b) Qualificação do ónus público sobre imóveis à luz do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000

52.

Em primeiro lugar, como decorre do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1346/2000, um direito real é, nomeadamente, o «direito de liquidar ou de exigir a liquidação de um bem e de ser pago com o respetivo produto ou rendimentos, em especial por força de um penhor ou hipoteca». Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um ónus público sobre imóveis, como o que está em causa no processo principal, corresponde a um penhor imobiliário. Consequentemente, a proteção do titular, neste caso, a administração fiscal, é, em princípio, assegurada pelo seu direito de execução forçada sobre o bem imóvel da sociedade devedora, em conformidade com o § 77, n.o 2, primeiro período, da AO. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, durante o processo de insolvência, a administração fiscal, com base no ónus público sobre imóveis, tem direito à reclamação e liquidação do crédito em separado, em conformidade com o § 49 da Lei alemã da insolvência (Insolvenzordnung) ( 54 ).

53.

Em segundo lugar, resulta igualmente da decisão de reenvio que, com base na enumeração constante do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000 ( 55 ), bem como nos critérios de qualificação autónoma expostos no relatório Virgós/Schmit e mencionados no n.o 44 das presentes conclusões, um ónus público sobre imóveis decorrente do § 12 do GrStG preenche efetivamente as duas características essenciais de um direito real: por um lado, está diretamente ligado ao próprio bem, independentemente da questão do património a que o bem em causa pertença e independentemente da relação com outra pessoa diferente do titular do direito e, por outro, reveste um caráter absoluto, o que significa que o seu titular pode invocá‑lo em justiça contra qualquer pessoa que o viole sem o seu consentimento ou que o lese, que continua a existir em caso de alienação do bem a terceiros e que continua a existir quando terceiros invoquem direitos individuais e em caso de processo coletivo, através da separação da massa, que é o seu corolário, ou do ressarcimento individual.

c) Conclusão intercalar

54.

Resulta inequivocamente dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que a legislação alemã, ou seja, a legislação nacional do local onde se encontra o imóvel (lex rei sitae), prevê que o ónus público sobre imóveis em causa no processo principal é uma garantia real sobre o imóvel em questão. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este ónus «continua a existir mesmo que o imóvel seja alienado, é oponível a terceiros e, em caso de insolvência, dá origem ao direito de reclamar e liquidar o crédito em separado». Consequentemente, tal ónus preenche os critérios de aplicação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000.

55.

Constato também que, segundo as afirmações desse órgão jurisdicional, o ónus sobre imóveis em questão preenche igualmente as características essenciais de um «direito real» enumeradas no relatório Virgós/Schmit ( 56 ). Todavia, considera necessário que o Tribunal de Justiça clarifique a questão de saber se este resultado é compatível com o objetivo do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 e com a conceção deste regulamento no seu conjunto.

3. Quanto à natureza fiscal do ónus público sobre imóveis e à análise da sua compatibilidade com o Regulamento n.o 1346/2000

56.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 tem como objetivo essencial a proteção das expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico (considerando 24). Este regulamento indica que esta proteção é particularmente necessária no caso dos direitos reais, dado que estes revestem substancial importância para a concessão de créditos. Porém, os interesses das autoridades fiscais distinguem‑se, em vários aspetos, dos interesses dos mutuantes privados ( 57 ).

57.

Segundo a Comissão, que propõe que se responda em sentido negativo à questão prejudicial, não basta que um direito seja considerado um direito real ao abrigo da lex rei sitae para que seja aplicável o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000. Com efeito, um simples reenvio pode revelar‑se contrário ao princípio da aplicação exclusiva da lex fori concursus (lei do Estado de abertura) previsto no artigo 4.o do mesmo regulamento. Por conseguinte, o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado estritamente, como derrogação desse princípio ( 58 ).

58.

A Comissão acrescenta que o objetivo prosseguido pelo artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 justifica a sua interpretação restritiva, no sentido de que só devem ser considerados direitos reais os direitos concedidos pelo devedor ao credor no âmbito de uma transação comercial. Em contrapartida, este objetivo não abrange a proteção de uma autoridade fiscal. Quando, como no caso do processo principal, um ónus público sobre imóveis prevalece sobre os direitos dos mutuantes no processo de venda coerciva, tem mesmo como consequência penalizar tais mutuantes, apesar de o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 visar a proteção destes.

59.

Pelo contrário, o Governo espanhol, que é de opinião que se deve responder em sentido afirmativo à questão prejudicial, considera que, atendendo à diversidade dos sistemas e das tradições jurídicas dos Estados‑Membros, e com o objetivo de preservar o efeito útil deste regulamento, o legislador da União quis determinar os direitos que, devido às suas características e por razões de segurança jurídica, exigem o reconhecimento desta exceção, independentemente de tais direitos serem ou não qualificados como «reais» pelo Estado‑Membro que os reconhece. Na sua opinião, é por este motivo que o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000 indica que certos direitos devem ser considerados direitos reais para efeitos do n.o 1 deste mesmo artigo.

60.

Consequentemente, importa colocar a seguinte questão: deve entender‑se que a natureza fiscal do ónus público sobre imóveis em causa no processo principal é um fator determinante para considerar que o objetivo do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 não abrange a proteção de um credor público, neste caso a administração fiscal?

61.

Penso que não.

62.

Em primeiro lugar, no que respeita à letra do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000, não decorre dos seus n.os 1 e 2 que o crédito deva ser um crédito privado nem que deva, além disso, estar ligado apenas a uma operação puramente comercial ( 59 ).

63.

Em segundo lugar, no que respeita aos objetivos do Regulamento n.o 1346/2000, a solução adotada pelo seu artigo 5.o, conforme expus nos n.os 28 e 29 das presentes conclusões, responde não só a razões de fundo, como a proteção do comércio no Estado‑Membro onde os bens estão situados, a segurança jurídica dos direitos que lhes estão associados e a confiança legítima dos credores e de terceiros, mas também a razões de ordem processual ligadas à necessidade de simplificar e de facilitar a administração do património. A este respeito, importa sublinhar que uma interpretação demasiado restritiva deste artigo do Regulamento n.o 1346/2000, que reduza de um modo geral a proteção relativa por ele prevista ( 60 ), não tomaria suficientemente em conta nem a sua génese (v. n.os 21 a 23 das presentes conclusões) nem os mecanismos previstos pelo referido regulamento para evitar eventuais «excessos de proteção» em razão da exceção prevista por esta disposição (v. n.os 32 a 35 das presentes conclusões).

64.

Em terceiro lugar, importa salientar que o Regulamento n.o 1346/2000 tem igualmente como objetivo fundamental a eliminação das discriminações e a igualdade de tratamento dos credores. Assim, nos termos do seu artigo 4.o, a lex fori concursus determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência, bem como, nomeadamente, a graduação dos créditos. Porém, os artigos 39.° a 42.° do Regulamento n.o 1346/2000 preveem as regras relativas à informação dos credores e à reclamação dos seus créditos. Em particular, o artigo 39.o deste regulamento refere expressamente as autoridades fiscais dos Estados‑Membros ( 61 ). Consequentemente, a nacionalidade dos credores não tem qualquer incidência sobre a reclamação dos seus créditos e não podem ser excluídos do processo de insolvência por terem sede num Estado‑Membro que não o da abertura do processo nem em razão do caráter de direito público dos seus créditos ( 62 ).

65.

Neste contexto, no que respeita à obrigação dos órgãos jurisdicionais competentes (do Estado de abertura do processo de insolvência) e do síndico nomeado por estes de informarem os credores, por um lado, o artigo 40.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1346/2000 dispõe que a comunicação «deve igualmente indicar se os credores cujo crédito seja garantido por [...] uma garantia real devem reclamar o seu crédito» e, por outro, o artigo 41.o do mesmo regulamento prevê que os credores devem enviar cópia dos documentos comprovativos, caso existam, e indicar, nomeadamente, «se reivindicam, em relação a esses créditos, [...] uma garantia real [...], e quais os bens sobre os quais incide a garantia que invocam». Consequentemente, resulta da leitura conjugada dos artigos 39.° a 41.° do Regulamento n.o 1346/2000 que este regulamento não exclui a reclamação de créditos por parte das autoridades fiscais, incluindo no caso de os mesmos serem garantidos por um direito real.

66.

Além disso, ainda no que respeita à reclamação dos créditos, recordo que as Diretivas 2001/24/CE ( 63 ) e 2009/138/CE ( 64 ), relativas ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito e ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício, preveem disposições análogas ao artigo 39.o do Regulamento n.o 1346/2000, que referem também expressamente as autoridades públicas dos Estados‑Membros ( 65 ). Este último aspeto parece‑me pertinente para a minha análise. Com efeito, estes artigos preveem que os créditos de todos os credores que tenham o seu domicílio, residência habitual ou sede estatutária num Estado‑Membro que não o de origem beneficiam do mesmo tratamento e são graduados da mesma forma que os créditos de natureza equivalente suscetíveis de ser reclamados por credores que tenham a sua residência habitual, o seu domicílio ou a sua sede estatutária no Estado‑Membro de origem ( 66 ).

67.

Consequentemente, na minha opinião, o Regulamento n.o 1346/2000 não confere nenhum privilégio nem nenhuma preferência aos créditos públicos mas, se o legislador nacional previr que as autoridades públicas nacionais beneficiam de tal privilégio, de uma preferência ou de uma garantia real, estes devem ser igualmente reconhecidos aos créditos públicos de outros Estados‑Membros ( 67 ). A pertinência desta interpretação está ligada, na minha opinião, ao facto de o Regulamento n.o 1346/2000 integrar, como regra geral, o sistema de insolvência do direito da União, sendo as regras especiais, nomeadamente, as diretivas relativas ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito e ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício ( 68 ) referidas no número anterior. Assim, a coerência do referido sistema exige que os problemas de interpretação de todos estes atos sejam resolvidos de modo coerente, tomando em conta o sistema no seu conjunto.

68.

É certo que estes argumentos (v. n.os 64 a 66 das presentes conclusões) dizem respeito, em princípio, à aplicação das disposições do Regulamento n.o 1346/2000 (e, nomeadamente, das diretivas referidas por analogia) relativas à informação dos credores e à reclamação dos seus créditos. Porém, pelas razões já expostas no número anterior, a própria coerência do regulamento ficaria comprometida se os direitos reais de direito público fossem excluídos da proteção relativa do artigo 5.o deste regulamento.

69.

Em quarto lugar, recordo que, no acórdão Lutz ( 69 ), o Tribunal de Justiça já considerou que um direito de penhor executório (uma penhora de contas bancárias) constitui um direito real, apesar de não resultar de um ato jurídico, mas se tratar de um direito ipso jure ( 70 ).

70.

Em quinto lugar, estou evidentemente de acordo com o facto de que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000, enquanto exceção ou regra especial, deve ser interpretado estritamente. Porém, devo recordar que o ónus público sobre imóveis em causa no processo principal preenche estritamente não só as condições do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 mas também os critérios de qualificação autónoma de um direito real para efeitos do referido artigo, mencionados no relatório Virgós/Schmit e defendidos pela doutrina.

71.

Além disso, na minha opinião, seria contrário à génese e ao próprio mecanismo instituído por este regulamento que uma eventual exclusão do ónus público sobre imóveis em causa pudesse basear‑se apenas num único dos seus objetivos, a saber, a proteção do comércio no Estado‑Membro da situação dos bens, sem tomar igualmente em conta os objetivos relativos à segurança jurídica e à confiança legítima dos credores e dos terceiros, à necessidade de simplificar e de facilitar a administração do património, bem como à eliminação das discriminações e à igualdade de tratamento dos credores.

72.

Por último, a exclusão do ónus público sobre imóveis em questão poderia ter consequências importantes para os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros que reconhecem ónus públicos sobre imóveis semelhantes ou análogos ao que está em causa no processo principal ( 71 ).

73.

A este respeito, recordo que o legislador da União, no novo Regulamento 2015/848 relativo aos processos de insolvência, não introduziu nenhuma alteração material ao artigo 8.o deste regulamento, que reproduz o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 ( 72 ).

V – Conclusão

74.

Atendendo a todas as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça) do seguinte modo:

O artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 583/2011 do Conselho, de 9 de junho de 2011, deve ser interpretado no sentido de que um ónus público sobre um imóvel a favor da administração fiscal, como o que está em causa no processo principal, é abrangido pelo conceito de direito real à luz deste artigo.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Importa salientar que a decisão de reenvio não contém nenhum elemento relativo ao papel desempenhado pelo Hannoversche Volksbank eG no processo principal.

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1), com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 583/2011 do Conselho, de 9 de junho de 2011 (JO 2011, L 160, p. 52) (a seguir «Regulamento n.o 1346/2000»).

( 4 ) Este regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (reformulação) (JO 2015, L 141, p. 19). Porém, em conformidade com o seu artigo 84.o, este último regulamento só é aplicável aos processos de insolvência abertos após 26 de junho de 2017.

( 5 ) Recordo que as falências, as concordatas e outros processos análogos estavam excluídos do que era então a Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968 (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186) (a seguir «Convenção de Bruxelas de 1968»).

( 6 ) Uma primeira versão do projeto de convenção, baseada no artigo 220.o, quarto travessão, do Tratado CEE, foi elaborada já em 1970. V. Doc. Com. 3.327/1/XIV/70. V., igualmente, Noël, J. e Lemontey, J., Projet de convention relative à la faillite, aux concordats et aux procédures analogues, 1970, 16.775/XIV/70‑E.

( 7 ) V. projeto de convenção de 1980, publicado com o relatório explicativo de J. Lemontey no Bulletin des Communautés européennes, suplemento 2/82.

( 8 ) Quanto a estes princípios v., nomeadamente, Lopucki, L. M., «Cooperation in international bankruptcy: A post‑universalist approach», Cornell Law Review, 1999, 84/3, pp. 696 a 762.

( 9 ) Segundo o relatório explicativo de M. Virgós e E. Schmit sobre a Convenção relativa aos Processos de Insolvência de 3 de maio de 1996, documento do Conselho da União Europeia, 6500/96, DRS 8 (CFC), n.o 3 (a seguir «relatório Virgós/Schmit»), o projeto de convenção de 1980 previa «um processo único [da competência exclusiva do Estado em que está situado o centro das atividades do devedor] que devia ser reconhecido nos outros Estados contratantes, sem que fossem permitidos processos locais paralelos nesses outros Estados. Os princípios da unidade [...] e da universalidade [...] do processo eram, portanto, estritamente observados neste texto». Resulta deste relatório que o projeto de convenção de 1980 conduzia a disposições muito complexas.

( 10 ) Este projeto era inspirado na Convenção Europeia relativa a Certos Aspetos Internacionais da Falência, assinada em Istambul em 5 de junho de 1990, que resultava de negociações conduzidas no âmbito do Conselho da Europa mas que não entrou em vigor. A sua abordagem era já a de flexibilizar os princípios da unidade e da universalidade. V., a este respeito, Convention européenne sur certains aspects internationaux de la faillite, Conselho da Europa, Séries de traités européennes n.o 136. V., igualmente, o relatório explicativo publicado com a convenção. Quanto a esta convenção v., nomeadamente, Volken, P., «L’harmonisation du droit international privé de la faillite», Recueil de Cours de La Haye, 1991, t. 230, p. 343. Na perspetiva do direito comparado, constatou‑se que são os sistemas «intermédios» que dominam em muitos Estados‑Membros. V., neste sentido, nomeadamente, Watté, N., e Marquette, V., «Les sûretés dans les faillites internationales», relatório geral para ao Congresso de Direito Comparado de Bristol, European Review of Private Law, 1999, pp. 287 a 317.

( 11 ) Consequentemente, o relatório Virgós/Schmit que a acompanhava não foi publicado oficialmente. Importa salientar desde já que, embora este relatório apenas respeite à convenção relativa aos processos de insolvência, a doutrina considera que fornece elementos úteis para a interpretação do Regulamento n.o 1346/2000. V. neste sentido, igualmente, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Eurofood IFSC (C‑341/04, EU:C:2005:579, n.o 2).

( 12 ) V. Watte, N., e Marquette, V., «Le Règlement communautaire, du 29 mai 2000, relatif aux procédures d’insolvabilité», Revue de droit commercial belge, 2000, p. 564.

( 13 ) V., neste sentido, relatório Virgós/Schmit, n.o 5.

( 14 ) Por conseguinte, é razoável que, em determinadas condições, a confiança na lei ao abrigo da qual um direito foi configurado seja protegida, nomeadamente, para refletir, no âmbito de uma norma de conflito, a intensidade com a qual os direitos materiais isolam certos credores do risco de insolvência, como é o caso dos direitos reais. Além disso, a função normativa de certos domínios do direito consiste em conferir segurança aos direitos, como, por exemplo, as disposições legais relativas ao estado civil. V., neste sentido, Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., Comentario al Reglamento europeo de insolvencia, Thomson‑Civitas, Madrid, 2003, p. 92, bem como Virgós, M., e Garcimartín, F., The European Insolvency Regulation: Law and Practice, Kluwer Law International, Haia, 2004, p. 90.

( 15 ) O sublinhado é meu.

( 16 ) Acórdão de 5 de julho de 2012, ERSTE Bank Hungary (C‑527/10, EU:C:2012:417, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 17 ) A universalidade mitigada resulta igualmente da possibilidade de abertura de processos de insolvência secundários. V. considerando 25 e n.o 33 das presentes conclusões. V., também, Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F., op. cit., p. 27.

( 18 ) Acórdão de 5 de julho de 2012, ERSTE Bank Hungary (C‑527/10, EU:C:2012:417, n.o 39. V., igualmente, considerando 24 do Regulamento n.o 1346/2000.

( 19 ) Estas exceções devem ser interpretadas mais como regras especiais do que como «exceções». V., a este respeito, Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., op. cit., p. 98, bem como Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 96.

( 20 ) Saliento que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 pressupõe uma localização não fraudulenta dos bens num Estado‑Membro diferente do de abertura do processo de insolvência. V., a este respeito, relatório Virgós/Schmit, n.o 105, e Ingelmann, T., «Article 5», European Insolvency Regulation, K. Pannen (ed.), De Gruyter Recht, Berlim, 2007, p. 252.

( 21 ) Relatório Virgós/Schmit, n.o 97. V., igualmente, Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., Moss, Fletcher and Isaacs on the EC Regulation on Insolvency Procedures, Oxford University Press, 3.a edição, 2016, p. 170.

( 22 ) Relatório Virgós/Schmit, n.o 97.

( 23 ) V., neste sentido, Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 92.

( 24 ) Acórdão de 5 de julho de 2012, ERSTE Bank Hungary (C‑527/10, EU:C:2012:417, n.o 41). V., igualmente, acórdão de 16 de abril de 2015, Lutz (C‑557/13, EU:C:2015:227, n.o 27).

( 25 ) Acórdão de 5 de julho de 2012, ERSTE Bank Hungary (C‑527/10, EU:C:2012:417, n.o 42).

( 26 ) Para que este artigo possa ser aplicado, uma interpretação teleológica exigiria que tivessem sido praticados todos os atos necessários para a constituição de um direito real antes da abertura do processo de insolvência. Se a constituição de um direito real se verificar após a abertura do processo, é aplicável o artigo 4.o do Regulamento n.o 1346/2000. V. relatório Virgós/Schmit, n.os 95 e 96; Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., op. cit., pp. 96 e 101, bem como Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit., pp. 171 e 347.

( 27 ) Quanto ao caráter material desta disposição, v. relatório Virgós/Schmit, n.o 99; Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 163; Ingelmann, T., «Article 5», op.cit., p. 250; Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit., p. 346; Hess, B., Oberhammer, P., e Pfeiffer, T., European Insolvency Law. The Heidelberg‑Luxembourg‑Vienna Report on the Application of the Regulation No 1346/2000/EC on Insolvency Proceedings, Beck‑Hart‑Nomos, C. H., Munique/Oxford, 2014, p. 178, e Klyta, W., Uznanie zagranicznych postępowań upadłościowych, Oficyna Wolters Kluwer business, Varsóvia, 2008, p. 149. V., igualmente, Haubold, J., Gebauer, M. e Wiedmann, T., Zivilrecht unter europäischem Einfluss, 2.a edição, Estugarda, 2010, capítulo 32, n.o 110.

( 28 ) Com efeito, no acórdão de 10 de setembro de 2009, German Graphics Graphische Maschinen (C‑292/08, EU:C:2009:544, n.o 35), relativamente ao artigo 7.o do Regulamento n.o 1346/2000, disposição análoga ao artigo 5.o do mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça considerou que, «[p]or outras palavras, a referida disposição é apenas uma norma material que visa proteger o vendedor relativamente aos bens que se encontram fora do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência». Segundo Hess, B., Oberhammer, P., e Pfeiffer, T., op. cit., a doutrina maioritária em 17 Estados‑Membros analisa o artigo 5.o como uma norma material (p. 181).

( 29 ) A proteção pode ser absoluta se o devedor não dispuser de um estabelecimento no Estado‑Membro da situação dos bens. Todavia, o regime das ações de nulidade, de anulação ou de impugnação é aplicável. V. n.os 33 e 34 das presentes conclusões.

( 30 ) V., neste sentido, Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit., p. 347. V., igualmente, artigo 27.o do Regulamento n.o 1346/2000.

( 31 ) V., neste sentido, relatório Virgós/Schmit, n.os 99 e 173, e Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., op. cit., pp. 106 e 236. V., igualmente, Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit, p. 348, bem como Porzycki, M., Zabezpieczenia rzeczowe w transgranicznym postępowaniu upadłościowym w Unii Europejskiej, Czasopismo kwartalne całego prawa handlowego, upadłościowego oraz rynku kapitałowego, Nr 3 (5) 2008, p. 405.

( 32 ) V., a este respeito, acórdão de 16 de abril de 2015, Lutz (C‑557/13, EU:C:2015:227), bem como as minhas conclusões nesse processo (C‑557/13, EU:C:2014:2404). V., igualmente, artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1346/2000.

( 33 ) Estas últimas obedecem às normas gerais de conflitos. Todavia, essas ações de direito comum só são admissíveis na medida em que a lex fori concursus o permitir. Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 135.

( 34 ) Quanto ao alcance do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000, v. acórdão de 16 de abril de 2015, Lutz (C‑557/13, EU:C:2015:227, n.os 32 a 49), bem como as minhas conclusões nesse processo (C‑557/13, EU:C:2014:2404, n.os 56 a 61).

( 35 ) Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., op. cit., p. 100.

( 36 ) Recordo que, para efeitos do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000, o n.o 3 deste mesmo artigo considera como direito real, diretamente e de modo autónomo relativamente à lei nacional, o direito inscrito num registo público e oponível a terceiros. É, portanto, a única derrogação deste regulamento, no contexto do seu artigo 5.o, ao reenvio para a lex rei sitae. V. relatório Virgós/Schmit, n.o 101, in fine. V., igualmente, Virgós Soriano, M., e Garcimartín Alférez, F. J., op. cit., p. 99.

( 37 ) C‑557/13, EU:C:2014:2404.

( 38 ) Ingelmann, T., «Article 5», op. cit., p. 253.

( 39 ) Relatório Virgós/Schmit, n.os 95 e 100.

( 40 ) V., a este respeito, Veder, P.M., Cross‑border insolvency proceedings and security rights: a comparison of Dutch and German law, the EC Insolvency Regulation and the UNCITRAL Model Law on Cross‑Border Insolvency, Deventer, 2004, pp. 334 a 336: «An independent interpretation of rights in rem is facilitated by the references that the second paragraph contains of the types of rights Art. 5 IR refers to». V., igualmente, Klyta, W., op. cit., p. 150.

( 41 ) Relatório Virgós/Schmit, n.o 100. V. igualmente, Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 96.

( 42 ) C‑557/13, EU:C:2014:2404.

( 43 ) Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., p. 96: «Its function [of article 5] is to operate as a limit to the characterization of a right as a right in rem for the purposes of Article 5. Only those rights conferred by national laws that conform to its typological characterization are protected by Article 5.1 of Regulation.»

( 44 ) V. nota 11 das presentes conclusões.

( 45 ) Relatório Virgós/Schmit, n.o 102.

( 46 ) «Os direitos referidos no n.o 1 são, nomeadamente [...]». O sublinhado é meu.

( 47 ) V. n.o 103 do referido relatório.

( 48 ) Este relatório remete igualmente para o n.o 166 do relatório Schlosser sobre a Convenção de 9 de outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda o do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (JO 1979, C 59, p. 71).

( 49 ) Relatório Virgós/Schmit, n.o 103, e Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit, p. 173.

( 50 ) É esse o caso, nomeadamente, dos «floating charges» reconhecidos pelo direito do Reino Unido e da Irlanda, que podem, consequentemente, ser considerados direitos reais para efeitos do Regulamento n.o 1346/2000. V. relatório Virgós/Schmit, n.o 104, bem como Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit, p. 172.

( 51 ) Acórdão de 25 de outubro de 2012, Rintisch (C‑553/11, EU:C:2012:671, n.o 15).

( 52 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora o GrStG não defina o conceito de «ónus público sobre imóveis», é consensual que constitui uma obrigação tributária de direito público, que deve ser cumprida mediante uma prestação pecuniária periódica ou única e que implica não só a responsabilidade pessoal do devedor, mas também a garantia real do imóvel. O sublinhado é meu.

( 53 ) Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos do § 10, n.o 1, ponto 3, da Lei das vendas coercivas, num processo de venda coerciva são privilegiados os créditos resultantes de imposto sobre imóveis do ano em curso e dos dois últimos anos. Por conseguinte, na repartição do produto da venda, estes créditos gozam de uma posição prioritária em relação, nomeadamente, aos direitos de penhor imobiliários dos mutuantes, como as hipotecas e as dívidas prediais.

( 54 ) A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que estes tipos de ónus sobre imóveis se distinguem dos privilégios«das ordens jurídicas romanas», cujos titulares estão limitados a uma satisfação preferencial e relativamente aos quais se afirmou que não são abrangidos pelo artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000. O sublinhado é meu.

( 55 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se também ao conceito de «direito real» subjacente ao Regulamento n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), a que o relatório Virgós/Schmit faz igualmente referência no seu n.o 103.

( 56 ) V. n.o 44 das presentes conclusões.

( 57 ) V. n.o 16 das presentes conclusões.

( 58 ) A este respeito, a Comissão faz referência ao n.o 97 do relatório Virgós/Schmit, sem mencionar outros números deste relatório.

( 59 ) Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.

( 60 ) A simplificação da administração do património é um dos objetivos institucionais deste regulamento. V., neste sentido, Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., pp. 92, 106 e 107. A doutrina cita como exemplos de interpretação restritiva as tentativas de limitação do alcance da exceção nos processos de recuperação judicial ou a defesa do caráter conflitual e não material do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000. Ibidem, p. 106.

( 61 ) Este artigo dispõe que «[o]s credores que tenham residência habitual, domicílio ou sede num Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo, incluindo as autoridades fiscais [...] dos Estados‑Membros, têm o direito de reclamar os seus créditos por escrito no processo de insolvência». O sublinhado é meu.

( 62 ) A doutrina considera que embora este artigo respeite apenas à reclamação dos créditos, no que toca ao pagamento de dividendos também não é possível discriminar os credores, incluindo as autoridades fiscais, sem violar a ratio do artigo 39.o do Regulamento n.o 1346/2000. V., neste sentido, Fletcher, I. F., Insolvency in Private International Law, 2.a edição, Oxford University Press, 2005, p. 436.

( 63 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito (JO 2001, L 125, p. 15), com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (JO 2014, L 173, p. 190).

( 64 ) Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação) (JO 2009 L 335, p. 1). Esta diretiva revogou a Diretiva 2001/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das empresas de seguros (JO 2001, L 110, p. 28).

( 65 ) O artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2001/24 e o artigo 282.o, n.o 1, da Diretiva 2009/138 (antigo artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2001/17) preveem que os credores que tenham o seu domicílio, a sua residência habitual ou a sua sede estatutária num Estado‑Membro que não o Estado‑Membro de origem, incluindo as autoridades públicas dos Estados‑Membros, têm o direito de proceder à reclamação dos seus créditos ou de apresentar por escrito observações relativas a esses créditos. O sublinhado é meu. V., quanto a estes artigos, Moss, G. e Wessels, B., EU Banking and Insurance Insolvency, Moss, G., e Wessels, B.,Oxford University Press, 2006, pp. 76 e 136. Quanto à definição do «Estado‑Membro de origem», v. artigo 2.o da Diretiva 2001/24 e artigo 268.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2009/138. Ibidem, pp. 53 e 114.

( 66 ) A este respeito, a doutrina considera igualmente que «it would seem contrary to the coherence of the Community law system to allow any other solution in the context of this Regulation», Virgós, M., e Garcimartín, F., op. cit., pp. 150 e 151.

( 67 ) Ibidem, p. 151: «The same argument can be made in favour of admitting claims of Member States’ public authorities other than tax or social security autorithies».

( 68 ) Nomeadamente, o artigo 286.o da Diretiva 2009/138, relativo aos direitos reais de terceiros, é análogo ao artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000.

( 69 ) Acórdão de 16 de abril de 2015 (C‑557/13, EU:C:2015:227, n.os 27 e 28).

( 70 ) Este direito real baseava‑se na notificação ao devedor de um despacho de injunção de pagamento. Segundo a doutrina, os direitos reais na aceção do artigo 5.o do Regulamento n.o 1346/2000 são não só os que resultam de um ato jurídico mas também os que nascem e se produzem de pleno direito (ipso jure). Porzycki, M., loc. cit., p. 405.

( 71 ) Ónus constituídos de pleno direito a favor do Estado enquanto credor parecem estar previstos, nomeadamente, no direito austríaco e no direito dinamarquês (o Reino da Dinamarca não é abrangido pelo regulamento). O direito helénico parece prever um privilégio do Estado que permite ao Tesouro Público confiscar bens imóveis para satisfazer os créditos fiscais. Os legisladores nacionais recorreram igualmente a garantias reais (hipotecas legais) previstas pela lei, frequentemente de direito público, como parece ser o caso, nomeadamente, do direito francês, polaco ou português. Também previram encargos que oneram bens móveis com o objetivo de garantir a cobrança de créditos públicos, por exemplo, sob a forma de privilégios legais em direito francês, de penhor do Tesouro Público em direito polaco, ou de penhores marítimos em direito cipriota, dinamarquês, finlandês ou sueco.

( 72 ) V. considerandos 22 e 68. V., neste sentido, Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., op. cit., p. 455.

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