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Document 62015CC0164

Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi apresentadas em 5 de julho de 2016.
Comissão Europeia contra Aer Lingus Ltd e Ryanair Designated Activity Company.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Imposto nacional sobre o transporte aéreo — Aplicação de taxas diferenciadas — Taxa reduzida aplicável aos voos cujo destino se situe no máximo a 300 km do aeroporto nacional — Vantagem — Caráter seletivo — Apreciação no caso de a medida fiscal ser suscetível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços — Recuperação — Imposto especial sobre o consumo.
Processos apensos C-164/15 P e C-165/15 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:515

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 5 de julho de 2016 ( 1 )

Processos apensos C‑164/15 P e C‑165/15 P

Comissão Europeia

contra

AerLingus e Ryanair

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Imposto irlandês que incide sobre os passageiros de transportes aéreos — Aplicação de taxas diferenciadas — Montante reduzido para os destinos situados no máximo a 300 km do aeroporto de Dublim — Vantagem — Caráter seletivo — Apreciação no caso em que a medida fiscal é suscetível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços — Recuperação — Impostos especiais sobre o consumo — Repercussão da vantagem nos clientes da empresa beneficiária»

1. 

Nos presentes processos apensos, a Comissão pede a anulação parcial dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Geral, em 5 de fevereiro de 2015, nos processos T‑473/12, Aer Lingus/Comissão (EU:T:2015:78, a seguir «acórdão Aer Lingus») e T‑500/12, Ryanair/Comissão (EU:T:2015:73; a seguir «acórdão Ryanair») (a seguir, quando referidos em conjunto, «acórdãos recorridos»). Esses recursos colocam a questão de saber se, e em que medida, a Comissão deve ter em conta, ao determinar o montante do auxílio a recuperar, o facto de a vantagem económica obtida pelos beneficiários do auxílio ter sido repercutida, por estes, nos clientes.

2. 

A Aer Lingus e a Ryanair (a seguir, quando referidas em conjunto, «recorrentes») apresentaram, cada uma, um recurso subordinado dos mesmos acórdãos, suscitando diversas questões relativas à qualificação de uma medida estatal como auxílio, em especial quando essa medida é suscetível de constituir, simultaneamente, uma restrição a uma liberdade fundamental.

I – Antecedentes do litígio

3.

Os antecedentes dos litígios, constantes dos acórdãos recorridos, podem ser sintetizados como se segue.

4.

A partir de 30 de março de 2009, a Irlanda institui um imposto especial sobre o consumo, denominado «Air Travel Tax» (imposto sobre o transporte aéreo, a seguir «ATT»), por cada passageiro que viaja num avião com partida de qualquer aeroporto localizado na Irlanda, cobrado diretamente às companhias aéreas ( 2 ). No momento da sua introdução, o ATT era calculado com base na distância percorrida entre o aeroporto em que tinha início a viagem e o aeroporto final, no montante de 2 euros no caso de um voo para um aeroporto situado a uma distância máxima de 300 km do aeroporto de Dublim e de 10 euros em todos os outros casos.

5.

A Ryanair apresentou à Comissão duas queixas separadas contra o ATT, uma por violação das disposições em matéria de auxílios de Estado e a outra ao abrigo do artigo 56.o TFUE e do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 ( 3 ). Dando seguimento à segunda queixa, a Comissão abriu um inquérito sobre uma possível violação das disposições em matéria de livre prestação de serviços e, em 18 de março de 2010, enviou às autoridades irlandesas uma carta de notificação para cumprir (a seguir «carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas»). Neste contexto, a Irlanda alterou, a partir de 1 de março de 2011, as regras para o cálculo do ATT, introduzindo um montante único de 3 euros aplicável independentemente da distância do voo ( 4 ). Na sequência disso, a Comissão encerrou o inquérito.

6.

Em 13 de julho de 2011, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente ao montante de tributação reduzido aplicado no âmbito do ATT para o período compreendido entre 30 de março de 2009 e 1 de março de 2011. Em 25 de julho de 2012, a Comissão adotou a Decisão 2013/199/UE, relativa ao auxílio estatal SA.29064 (11/C, ex 11/NN) — Taxas de tributação diferenciadas aplicadas pela Irlanda ao transporte aéreo de passageiros (a seguir «decisão impugnada») ( 5 ). O artigo 1.o desta decisão declarava que o auxílio estatal sob a forma de uma taxa mais baixa sobre o transporte aéreo de passageiros aplicada a todos os voos operados por aeronaves com capacidade para transportar mais de 20 passageiros e não usadas ao serviço do Estado nem para fins militares, que partam de um aeroporto que movimente mais de 10000 passageiros por ano para um destino situado a uma distância máxima de 300 km do aeroporto de Dublim, ilegalmente concedido pela Irlanda, no período entre 30 de março de 2009 e 1 de março de 2011, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, era incompatível com o mercado interno. O artigo 4.o, n.o 1, obrigava a Irlanda a proceder à recuperação do auxílio. O considerando 70 da decisão fixava o montante do auxílio na diferença entre a taxa de tributação mais baixa do ATT e a taxa normal de 10 euros (ou seja, 8 euros por passageiro), e incluía as recorrentes, nos beneficiários do auxílio.

II – Tramitação no Tribunal Geral e acórdãos recorridos

7.

Em 1 de novembro de 2012 e em 15 de novembro de 2012, respetivamente, a Aer Lingus e a Ryanair interpuseram um recurso no Tribunal Geral, que visava obter a anulação da decisão impugnada. Cada uma das recorrentes invocou cinco fundamentos de recurso.

8.

Nos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral examinou e rejeitou o quinto fundamento de ambos os recursos, relativo à contestação de uma alegada violação do dever de fundamentação ( 6 ), e o quarto fundamento do recurso da Ryanair, relativo a uma alegada falta de comunicação da decisão de recuperação por parte da Comissão ( 7 ). Os recursos subordinados não incidem sobre estas partes dos acórdãos recorridos. Seguidamente, o Tribunal Geral examinou e rejeitou o primeiro fundamento de ambos os recursos, relativo, no essencial, à contestação da qualificação do montante de tributação reduzido do ATT como auxílio. Estas partes dos acórdãos recorridos constituem o objeto dos recursos subordinados. Por último, o Tribunal Geral examinou e acolheu parcialmente os terceiro e quarto fundamentos de recurso da Aer Lingus e os segundo e terceiro fundamentos de recurso da Ryanair, referentes às regras de cálculo do montante do auxílio. Os recursos da Comissão incidem sobre estas partes dos acórdãos recorridos.

9.

No n.o 1 da parte decisória dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral anulou o artigo 4.o da decisão impugnada «na parte em que ordena a recuperação do auxílio junto dos beneficiários num montante que se encontra fixado no considerando 70 da referida decisão em oito euros por passageiro». Os acórdãos recorridos negam provimento aos recursos quanto ao restante (n.o 2 das respetivas partes decisórias) e condenam a Comissão a suportar, para além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pela Aer Lingus e pela Ryanair (n.o 3 das respetivas partes decisórias).

III – Análise

10.

Os recursos da Comissão têm por objeto o n.o 1 da parte decisória dos acórdãos recorridos. A Comissão, apoiada pela Irlanda, pede ao Tribunal de Justiça que anule este número da parte decisória, negue provimento, na totalidade, aos recursos no Tribunal Geral, ou, em alternativa, que remeta os processos ao Tribunal Geral e condene a Aer Lingus e a Ryanair nas despesas (ou que reserve para final a decisão quanto às mesmas, no caso de remessa ao Tribunal Geral). Em apoio de ambos os recursos, a Comissão invoca um único fundamento, relativo à violação, por parte do Tribunal Geral, do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 ( 8 ).

11.

Os recursos subordinados, pelo contrário, têm por objeto o n.o 2 da parte decisória dos acórdãos recorridos, no qual o Tribunal Geral negou provimento «quanto ao restante» aos recursos da Aer Lingus e da Ryanair. Estas últimas pedem ao Tribunal de Justiça que anule esse número da parte decisória, que anule a decisão impugnada e que condene a Comissão nas despesas. Os recursos subordinados invocam um único fundamento, dividido em quatro partes, e que tem por objeto a improcedência, declarada pelo Tribunal Geral, dos fundamentos de recurso invocados pela Aer Lingus e pela Ryanair relativos à qualificação de auxílio de Estado do montante de tributação reduzido aplicado no âmbito do ATT.

12.

Começarei por analisar os recursos subordinados, uma vez que dizem respeito a um aspeto dos acórdãos recorridos (a qualificação de auxílio da medida em causa) que é logicamente anterior ao que é objeto dos recursos principais (a legalidade da ordem de recuperação).

A – Quanto aos recursos subordinados

13.

As críticas formuladas pela Aer Lingus e pela Ryanair nos respetivos recursos e a argumentação desenvolvida em apoio dos mesmos são largamente coincidentes. Para facilidade de tratamento, sempre que possível, irei agrupá‑los e examiná‑los conjuntamente.

1. Quanto à crítica relativa ao erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao considerar que o caráter ilegal de uma medida é irrelevante para efeitos da sua qualificação de auxílio de Estado (primeira parte do único fundamento do recurso subordinado da Aer Lingus)

a) Acórdão Aer Lingus

14.

A primeira crítica formulada pela Aer Lingus, no âmbito do seu único fundamento de recurso, tem por objeto o n.o 43 do acórdão Aer Lingus, no qual o Tribunal Geral recorda, a título preliminar, que o conceito de auxílio é objetivo e que a questão da existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE «deve ser analisada tendo em conta os efeitos anticoncorrenciais causados pela medida de auxílio em causa e não outros elementos como a legalidade da medida através da qual foi concedido o auxílio».

b) Apresentação sucinta dos argumentos das partes

15.

A Aer Lingus alega que, caso o n.o 43 do acórdão Aer Lingus deva ser interpretado no sentido de que a análise quanto à existência de uma vantagem seletiva não deve, em caso algum, ter em conta o facto de a medida nacional contestada ser parcialmente ilegal, ou fazer parte integrante de uma medida ilegal, o mesmo enferma de um erro de direito. Segundo a Aer Lingus, não considerar a ilegalidade da medida nacional de que resultou a referida vantagem seria contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, de acordo com a qual existência de um auxílio deve ser avaliada à luz da medida, na sua globalidade, e do contexto em que esta se insere. A Aer Lingus recorda que tinha sustentado perante o Tribunal Geral que o montante superior do ATT era ilegal, na medida em que violava o artigo 56.o TFUE e o Regulamento n.o 1008/2008, e que o ATT pago a essa taxa estava sujeito a reembolso. Caso se verificasse, tal ilegalidade seria relevante para efeitos de apreciar tanto a existência como a extensão da alegada vantagem económica a favor das companhias aéreas que foram sujeitas ao montante inferior. Com efeito, essa vantagem não poderia resultar do facto de a Irlanda não ter cobrado, a essas empresas, um imposto ilegal e, de qualquer forma, a mesma consistiria apenas no benefício da aplicação imediata do montante inferior, sem necessidade de apresentar um pedido de reembolso.

16.

A Comissão e o Governo irlandês rejeitaram a crítica, com argumentos muito semelhantes.

c) Apreciação

17.

Na minha opinião, a crítica em causa parte de uma interpretação errada do n.o 43 do acórdão Aer Lingus. Na primeira parte desse número, o Tribunal Geral recorda, parafraseando‑a, jurisprudência constante, igualmente evocada pela própria Aer Lingus no seu recurso subordinado, segundo a qual o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, define as intervenções estatais em função dos respetivos efeitos ( 9 ). De acordo com esta jurisprudência, nem a situação dos organismos públicos ou privados que concedem o auxílio ( 10 ), nem o comportamento ou as declarações das instituições da União ( 11 ), nem a forma, a causa ou a finalidade ( 12 ) prosseguida por intervenções estatais são elementos suficientes para as fazerautomaticamente escapar à qualificação de auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, embora possam, se for caso disso, ser relevantes para efeitos da apreciação da compatibilidade destas intervenções com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 3, TFUE ( 13 ) ou na determinação da obrigação de recuperação ( 14 ).

18.

Com base na jurisprudência acima referida, na segunda parte do n.o 43 do acórdão Aer Lingus, o Tribunal Geral afirma, no essencial, que a legalidade da medida estatal não é relevante para efeitos da apreciação da existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. O raciocínio subjacente a esta afirmação — ou seja, que, quando foi concedida uma vantagem seletiva, o simples facto de a medida poder revelar‑se ilegal, nos termos do direito interno ou do direito da União ou de ambos, não é, por si só, suficiente para a fazer escapar à qualificação de auxílio — resulta implícita, mas claramente, da leitura do n.o 43, no seu todo, e é confirmado pela alusão ao acórdão de 7 de outubro de 2010, DHL Aviation e DHL Hub Leipzig/Comissão (T‑452/08, EU:T:2010:427). Nessa decisão, o Tribunal Geral não aceitou o argumento invocado pelas sociedades recorrentes, segundo o qual o facto de as medidas de auxílio em causa constarem nas cláusulas de um acordo que deviam ser consideradas nulas, por força do direito alemão — na medida em que foram acordadas em violação do artigo 88.o, n.o 3, CE ‐, e, portanto, insuscetíveis de serem executadas, fazia com que não tivessem realmente beneficiado de qualquer vantagem económica que pudesse ser objeto de reembolso ( 15 ). No n.o 40 do acórdão, referido no n.o 43 do acórdão Aer Lingus, o Tribunal Geral afirmou que a eventual nulidade ab origine das cláusulas contratuais, por força do direito alemão, não punha em causa o facto de as sociedades recorrentes utilizarem efetivamente essas cláusulas, que lhes concediam uma vantagem competitiva no mercado relativamente aos seus concorrentes, nem afetava, no caso em apreço, a obrigação de reembolso do auxílio de que as mesmas tinham beneficiado efetivamente ( 16 ). Assim, se o Tribunal Geral deixava em aberto a possibilidade de a eventual ilegalidade da medida estatal poder, de alguma forma, ter influência na ordem de recuperação, o mesmo excluía simultaneamente, com firmeza, que essa ilegalidade pudesse eliminar a qualificação de «vantagem» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE de uma vantagem económica de que efetivamente beneficiaram a empresa ou as empresas em causa.

19.

Contrariamente ao que defende a Aer Lingus, afirmar, como faz o Tribunal Geral, que a eventual ilegalidade da medida estatal (ou de uma medida a ela associada) não é relevante quando, da análise dos seus efeitos, resulte que a mesma concede, efetivamente, uma vantagem seletiva e anticoncorrencial a uma ou mais empresas, não significa excluir, a priori, que essa ilegalidade possa ter repercussão na apreciação dos referidos efeitos e, por conseguinte, não está em contradição com a jurisprudência anterior invocada pela Aer Lingus, relativa ao reembolso de taxas cobradas em violação do direito da União ou ao pagamento de montantes a título de ressarcimento de prejuízos causados pelas autoridades públicas ( 17 ). Com efeito, em cada um desses processos, o Tribunal de Justiça excluiu a qualificação de auxílio da medida em causa, não tendo em consideração o caráter ilegal ou ilícito da intervenção estatal associada ao mesmo ( 18 ), mas atendendo a que não podia ser identificada qualquer vantagem concorrencial numa medida destinada a eliminar as consequências dessa intervenção, para o destinatário da mesma. Assim, o reembolso de uma taxa cobrada em violação do direito da União, quando considerado em conjunto com o pagamento anteriormente efetuado pelas empresas que são sujeitos passivos ‐ o qual configurava um pagamento indevido, dada a ilegalidade do ato de tributação ‐, efetuava uma operação economicamente neutra para essas empresas ( 19 ). O mesmo se aplica ao ressarcimento por parte do Estado de prejuízos anteriormente causados pela atuação das autoridades públicas ( 20 ). No caso em apreço, pelo contrário, a situação é substancialmente diferente. A vantagem de que, segundo a decisão impugnada, a Aer Lingus beneficiou nos seus voos internos (a saber, a aplicação de um imposto num montante inferior ao considerado normal pela Comissão) não tinha por objetivo compensar uma desvantagem suportada por causa de uma anterior intervenção ilegal do Estado e resultou, portanto, para aquela, num benefício líquido (independentemente da identificação e da quantificação desse benefício). No que respeita ao acórdão de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp. Acciai Speciali Terni/Comissão (T‑62/08, EU:T:2010:268), igualmente invocado pela Aer Lingus em apoio dos seus argumentos, tal como a Comissão salientou corretamente, o mesmo dizia respeito não à reparação por parte do Estado dos prejuízos causados por uma medida ilegal anterior, mas a uma indemnização concedida a título de compensação pela expropriação de bens ( 21 ).

20.

Por conseguinte, interpretado nos termos acima descritos, o n.o 43 do acórdão Aer Lingus afigura‑se, pois, compatível tanto com a jurisprudência do Tribunal Geral como com a do Tribunal de Justiça referidas no n.o 17 supra e não é contrária aos precedentes a que é feita referência no n.o 19 supra. Portanto, o mesmo não enferma do erro de direito de que se queixou a Aer Lingus no âmbito da primeira crítica do seu único fundamento de recurso.

2. Quanto às críticas relativas a alegados erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral ao considerar que a ilegalidade do montante superior do ATT não se opunha à sua qualificação de montante normal, para efeitos da aplicação do artigo 107.o TFUE (segunda parte do fundamento único do recurso subordinado da Aer Lingus; segunda parte do fundamento único do recurso subordinado da Ryanair)

a) Acórdãos recorridos

21.

Nos respetivos recursos em primeira instância, a Aer Lingus e a Ryanair alegaram, no âmbito do seu primeiro fundamento de recurso, que a Comissão não podia considerar o montante superior do ATT como montante de referência, para efeitos de avaliação da existência de uma vantagem seletiva, uma vez que esse montante era contrário ao artigo 56.o TFUE. No n.o 58 do acórdão Aer Lingus e no n.o 83 do acórdão Ryanair, o Tribunal Geral afirmou que estas críticas se baseavam numa premissa errada, ou seja, que, na carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas, a Comissão tinha considerado que esse montante, e não a aplicação de taxas de tributação diferenciadas aos voos internos e aos voos entre os países da União Europeia, constituía uma restrição às disposições do Tratado em matéria de livre circulação dos serviços.

b) Apresentação sucinta dos argumentos das partes

22.

Ambas as recorrentes alegam que se a aplicação, aos voos entre os países da União Europeia de uma taxa de tributação superior à que é aplicada aos voos internos constitui uma restrição à livre prestação de serviços, essa taxa deve necessariamente ser reconhecida como ilegal. Isto resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 22 ) e, em especial, do acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis (C‑92/01, EU:C:2003:72) ( 23 ).A Ryanair acrescenta que, adotar a taxa superior, reconhecida como ilegal, como taxa de referência para efeitos da análise em matéria de auxílios estatais, além de não ser razoável, é contrário aos princípios da unidade e coerência do direito da União e prejudica o efeito útil do controlo dos auxílios, uma vez que dissuade as empresas de denunciarem medidas fiscais semelhantes se beneficiaram, ainda que de forma muito limitada, da taxa inferior.

23.

Utilizando argumentos muito semelhantes, a Comissão e o Governo irlandês alegam que as críticas em causa carecem de fundamento. Segundo a Comissão, os argumentos da Ryanair são, além disso, inoperantes.

c) Apreciação

24.

Na minha opinião, os argumentos apresentados pela Aer Lingus e pela Ryanair não são suscetíveis de pôr seriamente em causa a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual as recorrentes partiam de uma premissa errada. Independentemente do caráter definitivo, ou não, e do teor da afirmação que consta da carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas ( 24 ), penso que é, de facto, claro que não é, em si mesma, a aplicação de uma taxa de tributação no montante de 10 euros aos voos para um destino situado a uma distância máxima de 300 km do aeroporto de Dublim (de facto, a quase totalidade dos voos entre os países da União Europeia) a suscitar dúvidas quanto à compatibilidade com as disposições em matéria de livre circulação dos serviços, mas sim a estrutura do imposto, no seu todo. Mais concretamente, considero que nem sequer a diferenciação das taxas, enquanto tal, que dá lugar às referidas dúvidas, mas sobretudo o facto de essa diferenciação se traduzir na aplicação, sem aparente justificação admissível ( 25 ), de condições mais onerosas aos voos entre países da União Europeia do que aos voos domésticos ou — o que é o mesmo — na aplicação de condições menos onerosas aos segundos em relação aos primeiros. Contrariamente ao que as recorrentes alegam, essa análise é confirmada, e não prejudicada, pelo acórdão Stylianakis (C‑92/01, EU:C:2003:72), no qual estava em causa um imposto com uma estrutura semelhante à daquele que é objeto dos presentes processos ( 26 ). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, dado que as taxas aeronáuticas afetam diretamente e de forma mecânica o preço do percurso, a diferenciação nas taxas suportadas pelos passageiros repercutia‑se automaticamente no custo do transporte ( 27 ). Depois de ter verificado que, apesar do caráter aparentemente neutro do critério da diferenciação dos montantes da taxa em questão, a mais onerosa respeitava especificamente a voos que não eram internos ( 28 ), o mesmo concluiu que as disposições relativas à livre circulação dos serviços se opõem «a uma medida tomada por um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que impõe, para a maioria dos voos com destino a outros Estados‑Membros, uma taxa aeroportuária mais elevada do que a aplicada a voos internos desse Estado‑Membro». Essa conclusão estava ainda expressamente sujeita à condição de que não fosse demonstrado «que estas taxas remuneram serviços aeroportuários necessários ao tratamento dos passageiros e que o custo dos referidos serviços prestados aos passageiros com destino a outros Estados‑Membros é superior, na mesma proporção, ao custo necessário ao tratamento dos passageiros dos voos internos». Parece evidente que, segundo o Tribunal de Justiça, é o sistema fiscal considerado globalmente, à luz dos seus efeitos e dos seus objetivos, e não um elemento isolado deste, que cria, se for o caso, entraves à livre prestação de serviços incompatíveis com o direito da União.

25.

Portanto, o Tribunal Geral não cometeu os erros que as recorrentes lhe censuram, nem entrou em qualquer contradição, quando, no n.o 58 do acórdão Aer Lingus e no n.o 83 do acórdão Ryanair, considerou que as teses das recorrentes partiam da premissa errada de que montante superior do ATT era, em si, ilegal.

26.

Por outro lado, mesmo analisando o ATT da forma fragmentada adotada pelas recorrentes, a conclusão segundo a qual a sua contrariedade com as disposições relativas à livre prestação de serviços implica necessariamente a ilegalidade da taxa superior (rectius da parte dessa taxa que ultrapassa a taxa inferior) não me parece de todo automática. Com efeito, tendo em conta os dados constantes da decisão impugnada ‑ que indicam que apenas 10‑15% da totalidade dos voos que estavam sujeitos à taxa preenchiam as condições para a aplicação da taxa de 2 euros ‑ afigura‑se mais correto afirmar que «elemento ilegal» do imposto é, pelo contrário, a taxa inferior, na medida em que derroga a taxa geralmente aplicada, concedendo, de facto, uma redução fiscal às companhias aéreas que operam voos domésticos (na proporção da diferença entre a taxa superior e a inferior) ( 29 ). Portanto, contrariamente ao que alega a Aer Lingus, a vantagem que, na decisão impugnada, a Comissão constatou a favor das empresas que, no período considerado, operaram voos internos, não consiste no facto de essas companhias não terem estado sujeitas a um excesso de imposto ilegal, mas sim no facto de as mesmas terem beneficiado, para esses voos, de uma isenção fiscal, a qual resultaria, em simultâneo, num auxílio de Estado e numa restrição à livre prestação de serviços, segundo um padrão que o Tribunal de Justiça teve já ocasião de examinar ( 30 ).

27.

Por último, mesmo que se considerasse, como pretendiam as recorrentes, que, tendo em conta a afirmação que consta da carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas, a taxa de tributação no montante de 10 euros aplicada aos voos entre países da União Europeia é ilegal, na medida em que resulta numa restrição à livre prestação de serviços, tal não excluiria, em meu entender, a possibilidade de a Comissão adotar essa taxa como taxa de referência para a análise da natureza seletiva da vantagem de que beneficiaram companhias aéreas que foram sujeitas ao montante inferior. Não considero, de facto, que essa qualificação jurídica possa, por si só, afetar a adequação da referida taxa para mostrar a materialidade e a seletividade da vantagem obtida por essas companhias. Nesta fase da apreciação da medida estatal, a análise da Comissão incide, efetivamente, sobre os efeitos dessa medida durante o período de referência. Por conseguinte, os fatores que não afetaram concretamente esses efeitos não são, em princípio, relevantes. Do acórdão de 3 de março de 2005, Heiser (C‑172/03, EU:C:2005:130), invocado pela Comissão, podem ser retiradas algumas indicações nesse sentido, embora as circunstâncias dos presentes processos sejam objetivamente diferentes das do processo que deu origem à referida decisão. Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça excluiu que o facto de a medida que impunha o encargo do qual o recorrente ficava isento ser, eventualmente, contrária ao direito comunitário pudesse impedir que essa isenção fosse considerada uma vantagem, na aceção das disposições em matéria de auxílios. Segundo o Tribunal de Justiça, a referida medida era, por conseguinte, «suscetível de produzir efeitos enquanto não for revogada, ou, pelo menos, enquanto não for declarada a sua ilegalidade». Ora, nos presentes processos, mesmo admitindo, como refere a Aer Lingus, que, contrariamente ao processo Heiser, a ilegalidade do ATT a taxas de tributação diferenciadas tivesse sido já definitivamente declarada na carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas, deve sublinhar‑se que essa declaração não impediu, no entanto, a cobrança da taxa durante o período de referência — cerca de metade do qual é, além disso, anterior ao envio da carta de notificação para cumprir ( 31 ) — e os efeitos decorrentes da aplicação de taxas de tributação diferenciadas.

28.

Tendo em conta o que precede, conclui‑se que o argumento avançado pela Ryanair, segundo o qual, ao adotar, como taxa de referência, a taxa de tributação no montante de 10 euros, que a mesma considera ilegal, a Comissão tinha violado os princípios da unidade e da coerência do direito da União, também não tem fundamento. Como a seguir se verá melhor, o presente processo suscita, sem dúvida, a questão delicada da coordenação entre os dois blocos de regras do Tratado relativas às liberdades e aos auxílios estatais, mas não no sentido indicado pela Ryanair na crítica em exame.

29.

Com base nas considerações anteriores, entendo que as críticas apresentadas pelas recorrentes relativas ao impacto do alegado caráter ilegal do montante superior do ATT são destituídas de fundamento e devem, por conseguinte, ser rejeitadas.

3. Quanto à crítica relativa a um alegado erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao considerar irrelevante o facto de o montante inferior e o montante superior do ATT terem sido introduzidos pela mesma regulamentação (quarta parte do fundamento único do recurso subordinado da Ryanair)

a) Acórdão Ryanair

30.

A Ryanair tinha criticado, perante o Tribunal Geral, a escolha da Comissão de considerar «normal» a taxa superior de tributação no montante de 10 euros, também de uma perspetiva diferente. Segundo a Ryanair, contrariamente à hipótese típica em matéria de auxílios de caráter fiscal, no caso em apreço não há um regime fiscal geral preexistente e medidas introduzidas posteriormente para favorecer ou discriminar uma categoria específica de contribuintes. A ausência dessa configuração impedia, em seu entender, que o montante inferior do ATT fosse considerado uma exceção ao montante superior. No n.o 89 do acórdão Ryanair, o Tribunal Geral rejeitou este argumento, recordando que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não estabelece qualquer distinção entre as intervenções estatais, em função das técnicas utilizadas pelas autoridades nacionais e que, por conseguinte, o facto de as duas taxas do ATT terem sido introduzidas simultaneamente não era relevante, uma vez que a Comissão tinha demonstrado suficientemente as razões que a levaram a considerar que o montante de tributação de 2 euros constituía uma exceção ao montante de 10 euros.

b) Apresentação sucinta dos argumentos das partes

31.

Segundo a Ryanair, a introdução simultânea das taxas superior e inferior do ATT não é apenas uma questão de «técnica», como pretende o Tribunal Geral. Com efeito, as autoridades irlandesas nunca teriam introduzido a taxa superior sem, ao mesmo tempo, introduzirem a taxa inferior, prova disso é o facto de as mesmas terem posteriormente substituído as duas taxas por uma taxa única de 3 euros, em vez de abolirem simplesmente a «exceção» que a taxa de 2 euros constituía. Além disso, a Ryanair alega que a frequência das operações tributáveis é, quando muito, um dos elementos a tomar em consideração ao determinar o nível de tributação «normal» e não, necessariamente, o decisivo.

32.

A Comissão considera a crítica infundada, ao passo que o Governo irlandês entende que a mesma é parcialmente inoperante e parcialmente inadmissível.

c) Apreciação

33.

Tal como a Comissão, considero que a crítica em causa é infundada ( 32 ). O facto de — no âmbito de um determinado regime — a medida, que concede a certas empresas um benefício sob a forma de isenção, total ou parcial, de um encargo que normalmente onera as mesmas, ser adotada em simultâneo com a medida que impõe o referido encargo não é, em princípio, relevante para efeitos de avaliação da seletividade do referido beneficio e não impede que a primeira medida seja considerada uma exceção à segunda. Como corretamente recordou o Tribunal Geral, no número ora impugnado do acórdão Ryanair, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de precisar, no acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 89), que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE define as intervenções estatais em função dos respetivos efeitos, e, portanto, independentemente das técnicas utilizadas. Por conseguinte, o mesmo considerou irrelevante, nesse acórdão, o facto de a vantagem para as empresas beneficiárias ser resultado não da concessão de uma isenção, mas do modo como havia sido delimitado o âmbito de aplicação ratione materiae da medida fiscal em causa ( 33 ). No acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 92), igualmente referido no n.o 89 do acórdão Ryanair, o Tribunal de Justiça precisou que seria contrário à jurisprudência que privilegia a análise dos efeitos em matéria de auxílios interpretar o critério de seletividade no sentido de que o mesmo pressupõe que um regime fiscal, para poder ser qualificado de seletivo, seja concebido segundo uma determinada técnica regulamentar, o que teria como consequência permitir que normas fiscais nacionais deixem de estar sujeitas, desde logo, ao controlo em matéria de auxílios de Estado pelo simples facto de resultarem de outra técnica regulamentar, apesar de provocarem, de direito e/ou de facto, os mesmos efeitos. Estas precisões foram, aliás, feitas pelo Tribunal de Justiça em casos caracterizados por sistemas fiscais complexos, os quais, em vez de preverem normas gerais para todas as empresas, com exceções a favor de certas empresas, chegavam a um resultado idêntico ajustando e combinando as normas fiscais de modo a que a própria aplicação destas implicava uma carga fiscal diferenciada para as diferentes empresas (acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 93) ou delimitando o âmbito de aplicação do imposto de forma a excluir certas empresas que se encontravam, em relação aos objetivos do sistema em causa, numa situação comparável (acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 89). No caso em apreço, pelo contrário, encontramo‑nos perante um sistema relativamente simples, no qual estão sujeitas ao imposto, ainda que a diferentes níveis, todas as empresas que efetuam a operação económica que constitui o facto gerador do imposto.

34.

Por outro lado, embora admitindo que, como alega a Ryanair, a frequência das operações tributáveis não constitua, por si só, um elemento decisivo para estabelecer o nível normal de tributação no âmbito de um determinado regime fiscal, numa configuração binária como a do ATT a taxas diferenciadas, no qual uma pequena percentagem dos voos sujeitos ao imposto (10‑15%, segundo dados transmitidos à Comissão pelas autoridades irlandesas e que a Ryanair não contestou) está sujeita a um montante único inferior, ao passo que a outra parte das operações está sujeita a um montante único superior, parece difícil não considerar o primeiro montante como uma exceção ao segundo. O único argumento invocado pela Ryanair para refutar esta conclusão — isto é, que as referidas percentagens refletem simplesmente o objetivo das autoridades irlandesas de conferirem um auxílio à companhia Aer Arann e de apoiarem os voos internos e as atividades dos aeroportos nacionais, em detrimento das companhias que efetuam voos internacionais, mais numerosas e economicamente mais relevantes — parece‑me que confirma mais do que infirma o caráter excecional da taxa inferior. Com esse argumento, a Ryanair, além disso, parece sugerir que a intervenção para apoiar Aer Arann não se limitou a uma redução fiscal para os voos internos, mas traduziu‑se também numa tributação excessiva e «anormal» das companhias que efetuam voos internacionais. Ora, mas mesmo partindo do princípio de que o nível de tributação a que foi sujeita a quase totalidade dos voos internacionais foi intencionalmente fixado a um nível anormalmente alto para favorecer a Aer Arann, parece‑me que a única abordagem que permite avaliar plenamente o alcance de tal vantagem é, precisamente, a de considerar esse nível de tributação como ponto de referência para a aplicação das disposições em matéria de auxílios. Por outro lado, não se pode considerar, nem mesmo a Ryanair o defende, que — mesmo que se aceitasse que a intenção das autoridades irlandesas era discriminar ou, de qualquer forma, enfraquecer as companhias que efetuavam voos internacionais para favorecer uma companhia que estava em concorrência com aquelas nos percursos domésticos —, o benefício de que as primeiras efetivamente usufruíram, nesses percursos, deve ser avaliado de modo diferente, como simples «efeito colateral» da intervenção estatal. Para além da intenção do Estado que concedeu o auxílio, de facto, o que importa em matéria de auxílios, como tive já oportunidade de recordar, são os efeitos da medida em causa. Nesta perspetiva, o facto de a Ryanair ter beneficiado da taxa de 2 euros numa medida proporcionalmente menor do que outras companhias aéreas ( 34 ) é irrelevante, na medida em que se possa concluir que a mesma beneficiou efetivamente dessa vantagem ( 35 ).

35.

Por último, como a Comissão sublinha, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral já tiveram a oportunidade de examinar sistemas fiscais em que a norma que impõe o encargo e aquela que prevê a isenção do mesmo foram introduzidas simultaneamente. Para além dos casos referidos pela Comissão, remeto, a título de exemplo, para os processos que deram lugar aos acórdãos de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598) ( 36 ) e de 15 de junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium (C‑393/04 e C‑41/05, EU:C:2006:403) ( 37 ).

36.

Com base nas considerações anteriores, entendo que a quarta crítica do fundamento único do recurso da Ryanair deve ser rejeitada como infundada.

4. Quanto à crítica relativa a um alegado erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao excluir a relevância da taxa de 3 euros adotada, em março de 2011, pelas autoridades irlandesas (primeira parte do fundamento único do recurso subordinado da Ryanair)

a) Acórdão Ryanair

37.

No âmbito do seu primeiro fundamento de recurso perante o Tribunal Geral, a Ryanair tinha defendido, também, que, dada a ilegalidade do ATT a taxas diferenciadas, a única taxa que a Comissão teria podido adotar como taxa de referência era a de 3 euros, introduzida em março de 2011. Nos n.os 74 a 76 do acórdão Ryanair, o Tribunal Geral rejeitava essa crítica afirmando que, uma vez que não tinha sido efetivamente aplicada durante o período considerado pela Comissão, essa taxa não era adequada para mostrar plenamente os efeitos da medida em causa e, por conseguinte, para constituir a taxa de referência apropriada.

b) Apresentação sucinta dos argumentos das partes

38.

Segundo a Ryanair, o facto de o montante de 3 euros não ter sido aplicado durante o período tomado em consideração na decisão impugnada, não impede que o mesmo seja escolhido como taxa de referência, uma vez que o sistema fiscal e os objetivos que este prossegue se mantiveram inalterados. Além disso, a Ryanair alega que, na medida em que os montantes superior e inferior do ATT aplicado durante o período tomado em consideração na decisão impugnada foram introduzidos e suprimidos simultaneamente, nunca existiu, no caso em apreço, uma taxa anterior que possa ser definida como «normal».

39.

A Comissão e o Governo irlandês consideram a crítica inoperante e infundada, essencialmente pelas mesmas razões.

c) Apreciação

40.

Tal como a Comissão e o Governo irlandês, considero que os argumentos da recorrente não se opõem aos fundamentos constantes dos n.os 75 e 76 do acórdão Ryanair e são, por conseguinte, antes de mais, inoperantes. Em especial, a Ryanair não responde ao argumento apresentado pelo Tribunal Geral segundo o qual uma taxa, introduzida posteriormente e que se situa entre as duas taxas concretamente aplicadas, não permite avaliar plenamente os efeitos da medida em causa, nem explica por que razão essa taxa seria mais adequada para mostrar esses efeitos do que as que foram efetivamente aplicadas.

41.

Quanto ao fundo, recordo que, segundo jurisprudência constante, uma medida nacional, que, no âmbito de um dado regime jurídico, é suscetível de favorecer certas empresas ou certas produções relativamente a outras que, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, satisfaz a condição de seletividade, constitutiva do conceito de auxílio na aceção do artigo 107.o TFUE, n.o 1 ( 38 ). Ora, para que a situação das empresas envolvidas possa ser corretamente avaliada, identificando os encargos que as mesmas têm de suportar e os eventuais benefícios de que usufruem em virtude da medida em causa, é necessário tomar em consideração as circunstâncias de facto e de direito prevalecentes no momento em que foi aplicada a medida, bem como as que, embora não simultâneas, são concretamente suscetíveis de ter influência na referida avaliação ( 39 ). Nos presentes processos, não se vê de que forma o facto de o montante de tributação do ATT ter sido — após o período considerado — uniformizado e fixado em 3 euros pode concretamente ter influência sobre a reconstituição dos encargos e dos benefícios respetivamente suportados e usufruídos pelas empresas sujeitas a ATT a taxas diferenciadas. De qualquer modo, a Ryanair não forneceu qualquer indicação sobre este assunto. Em vez disso, a mesma alega que taxa superior de tributação no montante de 10 euros não pode ser escolhida como taxa de referência pelo facto de ter sido introduzida ao mesmo tempo que a inferior e por ser ilegal. Ambos os argumentos são desprovidos de fundamento. A este respeito, limito‑me a remeter para o que já foi exposto nos n.os 33 a 35 supra, no que se refere ao primeiro, e nos n.os 24 a 29 supra, relativamente ao segundo.

42.

Por último, faço notar que a tese da recorrente conduziria ao resultado paradoxal de definir como «normal» um nível de imposto ao qual nenhuma das empresas em questão foi sujeita, no período de referência.

43.

Com base nas considerações anteriores, entendo que a primeira parte do fundamento único do recurso da Ryanair deve ser rejeitada como inoperante. Os argumentos invocados em apoio dessa crítica são, a meu ver, igualmente infundados.

5. Quanto às críticas relativas ao alegado erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao considerar que o direito de as companhias obterem o reembolso do ATT pago em excesso não afeta a possibilidade de a Comissão adotar a taxa superior de tributação no montante de 10 euros como taxa normal (segunda, terceira e quarta parte do fundamento único do recurso subordinado da Aer Lingus e terceira parte do fundamento único do recurso subordinado da Ryanair)

a) Acórdãos recorridos

44.

Depois de ter referido que a Irlanda dispunha, de entre as diferentes opções possíveis para pôr termo à discriminação fiscal existente, nomeadamente, da de uniformizar as taxas ao nível superior (n.o 60 do acórdão Aer Lingus e n.o 85 do acórdão Ryanair) e que um eventual direito de as companhias sujeitas à taxa superior obterem o reembolso do que pagaram em excesso não podia ser reconhecido automaticamente, mas dependia de uma série de fatores, tais como os prazos de prescrição aplicáveis no direito nacional e o respeito de princípios gerais como a inexistência de enriquecimento sem causa (n.o 61 do acórdão Aer Lingus e n.o 86 do acórdão Ryanair), o Tribunal Geral concluiu no n.o 63 do acórdão Aer Lingus e no n.o 88 do acórdão Ryanair que a Comissão tinha podido adotar legalmente o montante de 10 euros como taxa de tributação de referência do ATT, sem tomar em consideração eventuais pedidos de reembolso, meramente hipotéticos e de êxito incerto.

b) Apresentação sucinta dos argumentos das partes

45.

As recorrentes alegam que, contrariamente ao que afirmou o Tribunal Geral, o direito de obter o reembolso de impostos pagos, por força de medidas nacionais contrárias ao direito da União, não é meramente hipotético, mas decorre de uma jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça. Tal reembolso não seria abrangido pela discricionariedade do Estado‑Membro em questão. Portanto, no caso em apreço, a Irlanda não podia ter posto termo à discriminação fiscal constatada pela Comissão, impondo retroativamente a taxa superior às companhias sujeitas à inferior. Segundo a Aer Lingus, o Tribunal Geral confunde a questão das ações que o Estado‑Membro interessado deve empreender para fazer cessar essa discriminação com a das medidas necessárias para pôr termo à ilegalidade cometida no período em que foram aplicadas as taxas discriminatórias. Mesmo partindo do princípio de que a ilegalidade do ATT reside na diferenciação das taxas, a obrigação de princípio, que cabe às autoridades irlandesas, de reembolsar o imposto indevidamente cobrado impediria, de qualquer forma, que fosse adotado o montante superior de 10 euros ‑ do qual deve ser deduzido o montante a reembolsar ‑ como «taxa normal» e que as companhias que tinham pago o montante inferior de 2 euros fossem consideradas beneficiárias de uma vantagem seletiva. Neste contexto, o êxito dos processos de reembolso seria completamente irrelevante.

46.

A Comissão e o Governo irlandês alegam a falta de fundamento das críticas em causa, apresentando argumentos substancialmente idênticos.

c) Apreciação

47.

Tal como a Comissão e o Governo irlandês, sou da opinião que o argumento da Aer Lingus, segundo o qual o Tribunal Geral confundia as medidas que um Estado‑Membro pode adotar para fazer cessar uma discriminação fiscal com as que são necessárias para eliminar os efeitos da mesma, deve ser rejeitado, visto que se baseia numa interpretação errada do acórdão Aer Lingus. Com efeito, no n.o 60 desse acórdão (tal como no n.o 87 do acórdão Ryanair, de teor idêntico), o Tribunal Geral limita‑se a afirmar que, uma vez que o Estado‑Membro em questão pode «pôr termo» a essa discriminação, uniformizando a tributação ao nível superior, esse nível de tributação não pode ser considerado ilegal, por si só, e que só a aplicação conjunta de níveis de tributação diferentes é suscetível de dar lugar a uma restrição à livre prestação de serviços. Estas afirmações estão inseridas no âmbito de um raciocínio — que teve início nos dois números precedentes — que se coloca a montante da questão da existência de uma obrigação de a Irlanda reembolsar a diferença entre os dois montantes de tributação do ATT, questão sobre a qual, aliás, o Tribunal Geral não adota, deliberadamente, uma posição definitiva.

48.

Dito isto, os argumentos das recorrentes caracterizam‑se, de um modo geral, como assinalam tanto a Comissão como o Governo irlandês, por um excessivo formalismo que, em princípio, se concilia mal com a regulamentação em matéria de auxílios, na qual prevalece, pelo contrário, uma abordagem substancialista, baseada na análise dos efeitos produzidos pelas intervenções estatais. De acordo com essa abordagem, a análise destinada a determinar se, e em que termos, um imposto é «normalmente» devido, com o objetivo de verificar se uma medida estatal que exclui ou reduz, para certas empresas, a carga desse imposto, confere a essas empresas uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o TFUE, deve ser conduzida tendo em conta a natureza e a estrutura do sistema fiscal de referência, bem como as circunstâncias de facto (por exemplo, a relação entre operações tributadas e isentas) e de direito (por exemplo, o estatuto jurídico das empresas sujeitas ao imposto) direta e concretamente suscetíveis de influenciar a referida análise ( 40 ). Ora, nos presentes processos, o reembolso da diferença entre o montante de tributação superior do ATT e o inferior, a que estavam, em princípio, obrigadas as autoridades irlandesas, sempre que se verificasse uma restrição à livre prestação de serviços, não faz parte do sistema fiscal em causa e não pode ser considerado um elemento normativo do mesmo, com base no qual é definido o nível de tributação normalmente devido.

49.

Faço notar, também, que a tese da Aer Lingus conduziria ao resultado de impedir, de facto, a aplicação das regras em matéria de auxílios às deduções fiscais que seriam abrangidas pelo âmbito de aplicação da proibição estabelecida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE quando comportassem, simultaneamente, restrições a uma liberdade fundamental, gerando a obrigação de princípio de o Estado em questão alargar esse mesmo tratamento fiscal às empresas discriminadas. Um resultado deste tipo não é, claramente, desejável. As disposições em matéria de auxílios e as relativas às liberdades fundamentais devem poder ser aplicadas cumulativamente a um mesmo caso concreto ( 41 ), embora, como se verá melhor a seguir, seja necessária uma coordenação a fim de preservar a coerência entre as duas áreas legislativas e evitar a adoção de medidas inconciliáveis entre si.

50.

Com base nas considerações anteriores, entendo que as críticas em causa, objeto das segunda, terceira e quarta partes do fundamento único do recurso subordinado da Aer Lingus e da terceira parte do fundamento único do recurso subordinado da Ryanair, devem ser rejeitadas, por serem infundadas.

6. Conclusões quanto aos recursos subordinados

51.

Atendendo a que, com base na análise que precede, considero que nenhuma das críticas avançadas no quadro dos recursos subordinados deve ser acolhida, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes os referidos recursos, na sua totalidade.

B – Quanto aos recursos principais

52.

Para apoiar cada um dos seus dois recursos, a Comissão invoca, com argumentos idênticos, um fundamento único, relativo a uma violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/99. Esse fundamento impugna os n.os 88 a 127 do acórdão Aer Lingus e os n.os 119 a 152 do acórdão Ryanair.

1. Acórdãos recorridos

53.

O raciocínio seguido pelo Tribunal Geral na parte da fundamentação dos acórdãos recorridos objeto de censura da Comissão, substancialmente idêntico nas duas decisões, pode ser brevemente resumido como se segue.

54.

O Tribunal Geral observa, em primeiro lugar, que o ATT é um imposto especial sobre o consumo, destinando‑se, como tal, a ser repercutido nos passageiros, também por força da obrigação, imposta às companhias aéreas pelo artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008 ( 42 ), de indicar de forma separada o montante dos impostos no preço de cada bilhete. O Tribunal Geral observa, em seguida, que, tal como o imposto, também a vantagem resultante da aplicação do montante reduzido, ou seja, os 8 euros de diferença entre o montante de tributação normal e o montante reduzido, pode ser repercutida integral ou parcialmente nos clientes das companhias aéreas. Nesse caso, prossegue o Tribunal Geral, estes não conservam a referida vantagem ou conservam‑na apenas em parte. Nestas circunstâncias, a Comissão não tinha competência para presumir que a vantagem resultante da aplicação do montante reduzido efetivamente obtida e conservada pelas companhias aéreas era, em todos os casos, igual a 8 euros por passageiro. Na realidade, segundo o Tribunal Geral, em caso de repercussão, a vantagem efetivamente obtida pelas companhias aéreas não consiste necessariamente na diferença entre os dois montantes, mas sim na possibilidade de propor preços mais atrativos aos seus clientes, aumentando, dessa forma, o seu volume de negócios. A Comissão devia ter determinado em que medida as companhias aéreas sujeitas ao montante de tributação de 2 euros tinham repercutido efetivamente nos seus passageiros a vantagem económica resultante da aplicação do ATT no montante reduzido, para poder quantificar com precisão a vantagem de que as mesmas realmente tinham beneficiado ou ainda atribuir essa tarefa às autoridades nacionais. Além disso, partindo do pressuposto de que essa vantagem correspondia, em todos os casos, à diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT, segundo o Tribunal Geral, a Comissão não tomou suficientemente em consideração a situação concorrencial do mercado em questão e o facto de todas as companhias aéreas que efetuam voos de menos de 300 km do aeroporto de Dublim estarem sujeitas ao ATT no mesmo montante de 2 euros por passageiro. Por último, o Tribunal Geral constata que a Comissão não justificou suficientemente, na decisão impugnada, por que razões a restituição de um montante igual à diferença entre o montante de tributação normal e o montante reduzido era necessária para o restabelecimento da situação anterior à concessão do auxílio. O Tribunal Geral concluiu que, ao quantificar o montante do auxílio a recuperar na diferença entre o montante reduzido e o montante de tributação normal do ATT, a Comissão cometeu um erro de apreciação e um erro de direito.

2. Apresentação sucinta dos argumentos das partes

55.

A Comissão, apoiada pela Irlanda, alega, no essencial, que, ao censurar a decisão impugnada por não ter tomado em consideração em que medida as companhias aéreas beneficiárias repercutiram, junto dos passageiros, a vantagem resultante da aplicação do ATT no montante reduzido, o Tribunal Geral adotou um novo critério económico para determinar o montante a restituir de um auxílio fiscal que consiste na aplicação de um montante reduzido relativamente ao montante normal.

56.

A Aer Lingus alega que, no caso em apreço, estamos perante um auxílio indireto que a Comissão tratou, na decisão impugnada, como auxílio direto. A mesma faz notar que, quando a Comissão procede, ela própria, à quantificação do montante do auxílio a restituir, deve fazê‑lo da forma mais precisa possível, sem se basear em presunções simplistas. A Aer Lingus observa igualmente que não lhe era permitido cobrar aos passageiros dos voos sujeitos ao montante reduzido uma quantia superior a esse montante e que, se fosse obrigada a restituir os 8 euros por bilhete exigidos pela Comissão, não lhe seria possível recuperar retroativamente esse montante junto dos passageiros que adquiriram o bilhete à taxa reduzida. Contrariamente ao que a Comissão alega, a mesma nunca tinha estado, nem concreta nem teoricamente, na posse dessa quantia. Segundo a Aer Lingus, é erradamente que a Comissão sustenta que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral teria como consequência que não poderia ser exigida às companhias beneficiárias qualquer recuperação. Este argumento teria por base uma interpretação errada do acórdão Aer Lingus. Por último, a Aer Lingus considera que não se verificam as incoerências com a jurisprudência existente apontadas pela Comissão.

57.

A Ryanair alega, a título principal, que o fundamento único de recurso da Comissão é inoperante. Esta apenas tinha tomado posição sobre o primeiro dos três argumentos distintos que o Tribunal Geral utilizou para fundamentar a anulação do artigo 4.o da decisão impugnada, a saber, a inexistência de tomada em conta da repercussão do ATT nos passageiros, a não tomada em consideração da situação do mercado e a falta de justificações quanto à necessidade de recuperar a diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT para restabelecer o status quo ante. A título subordinado, a Ryanair alega que o fundamento de recurso da Comissão é infundado. Com efeito, o Tribunal Geral tinha‑se limitado a aplicar o princípio segundo qual deve ser calculado o valor real da vantagem obtida em consequência do auxílio. Além disso, a Comissão aumentou as dificuldades inerentes à quantificação exata do montante se a solução preconizada pelo Tribunal Geral devesse ser mantida. A Ryanair observa, por último, que seria incoerente não ter em conta a repercussão nos clientes da vantagem obtida pelo beneficiário do auxílio, nos casos em que a repercussão do acréscimo de preço resultante de uma infração às disposições do direito da concorrência, nos clientes da empresa concorrente que se considera lesada, permite que o infrator se furte ao pedido de indemnização ( 43 ).

3. Apreciação

58.

Em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento apresentado, a título principal, pela Ryanair, segundo o qual o fundamento único de recurso da Comissão é inoperante. Na realidade, por um lado, os três tipos de argumentos, postos em evidência pela Ryanair, não constituem, na economia do raciocínio do Tribunal Geral, fundamentos autónomos de anulação da decisão impugnada, e, por outro, a Comissão examinou, no contexto do seu fundamento único, os diversos aspetos da fundamentação do acórdão Ryanair que levaram o Tribunal Geral a anular a decisão impugnada.

59.

Quanto ao fundo, importa recordar, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante, a obrigação do Estado‑Membro em causa de supressão, através de recuperação, de um auxílio considerado pela Comissão incompatível com o mercado comum visa o restabelecimento da situação anterior à sua concessão ( 44 ). O restabelecimento da situação quo ante é obtido mediante a «restituição do auxílio», ou seja, através do reembolso daquilo que Estado colocou à disposição da empresa, acrescido, se for caso disso, de juros de mora ( 45 ). Através dessa restituição, o beneficiário perde a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes ( 46 ).

60.

A quantificação do montante a restituir é feita através de regras diferentes, em função da forma como o auxílio tiver sido concedido. Assim, por exemplo, quando o Estado coloca à disposição das empresas beneficiárias somas de dinheiro, ou lhes fornece bens ou serviços a título gratuito ou a preços preferenciais, essas empresas serão, em princípio, obrigadas a restituir um montante equivalente ao montante nominal concedido ou ao valor (ou à diferença em relação ao preço de mercado) dos bens ou serviços de que beneficiaram ( 47 ), acrescido dos respetivos juros.

61.

Quando o auxílio assume a forma de uma vantagem fiscal, o restabelecimento da situação quo ante implica, normalmente, a recuperação, junto das empresas beneficiárias, de um montante correspondente ao imposto ou à taxa paga por força da legislação fiscal aplicável se não houvesse o auxílio ilegal, acrescido dos respetivos juros ( 48 ). A ideia subjacente é que um tratamento fiscal favorável, distinguindo‑se, no entanto, de uma subvenção em sentido restrito, produz um efeito de distorção da concorrência análogo, que corresponde, em princípio, ao que resulta da disponibilização de uma soma em dinheiro igual à menor carga fiscal suportada. Esta vantagem pode resultar de medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas — sob a forma, por exemplo, de redução da matéria coletável, redução total ou parcial do montante do imposto, ou de adiamento, anulação, ou reescalonamento excecional da dívida fiscal ‑ ou de medidas de fiscalidade indireta, como a isenção ou redução de impostos especiais sobre o consumo ou de outros impostos, desde que essa isenção ou redução corresponda a um desagravamento dos encargos que normalmente incidem sobre o orçamento da empresa beneficiária ( 49 ).

62.

Para determinar o montante a recuperar, a Comissão não é, em princípio, obrigada a investigar de que forma foi concretamente utilizada, pela empresa beneficiária, a vantagem resultante da concessão do auxílio. O objetivo da restituição não é a supressão do benefício que a empresa efetivamente obteve em resultado da concessão do auxílio, mas sim a eliminação da vantagem concorrencial em que a mesma foi inicialmente colocada por efeito dessa concessão. Isto significa, por um lado, que a recuperação deverá em geral, limitar‑se ao benefício direto resultante da concessão do auxílio e não poderá abranger os eventuais benefícios indiretos que sejam também consequência dessa concessão ( 50 ). Por conseguinte se, devido à utilização que fez do auxílio (por exemplo, reduzindo os preços ou investindo em publicidade), a empresa beneficiária obteve novas quotas de mercado, ou se, graças ao auxílio, lhe foi adjudicado um contrato ou foi evitada uma situação de insolvência, a mesma será, em todo o caso, obrigada a restituir um montante correspondente apenas à vantagem proveniente da disponibilização do auxílio. Por outro lado, a mesma deverá restituir a totalidade desse montante ainda que, em resultado de uma má gestão do auxílio, ou por causa das características do mercado em que opera, da posição que ocupa nesse mercado, da sua situação financeira ou do seu modelo empresarial, não tenha aproveitado plenamente a vantagem concorrencial resultante da sua concessão. Por outras palavras, as escolhas feitas pela empresa após a concessão do auxílio ou os acontecimentos posteriores à concessão são, em princípio, irrelevantes para determinar o alcance ( 51 ) da obrigação de restituição ( 52 ). A restituição do auxílio é igualmente devida, independentemente dos efeitos negativos — ainda que quantitativamente superiores às vantagens resultantes da concessão do auxílio — que a mesma possa provocar na situação económica e financeira do beneficiário. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, em virtude da função da obrigação de restituição do auxílio, resulta que, regra geral, salvo circunstâncias excecionais, a Comissão não pode ignorar o seu poder discricionário quando pede ao Estado‑Membro que recupere os montantes concedidos a título de auxílios ilegais ( 53 ), e isto mesmo quando a recuperação representa, para a empresa beneficiária, um encargo suscetível de conduzir ao seu desaparecimento do mercado ( 54 ).

63.

De tudo o que ficou dito depreende‑se que «restabelecer a situação anterior à concessão do auxílio» — que, como se viu, constitui o objetivo principal da recuperação — não significa restabelecer as condições de concorrência existentes no momento em que o auxílio foi concedido. Alguns efeitos deste são, de facto, irreversíveis e seria ilusório pensar que a restituição dos montantes correspondentes à vantagem obtida pela empresa ou empresas beneficiárias é suficiente para colocar os operadores do mercado nas mesmas condições de concorrência em que se encontravam antes da concessão do auxílio ( 55 ). É, portanto, possível que, mesmo após a restituição do auxílio, a empresa ou empresas beneficiárias continuem, em concreto, a beneficiar dos efeitos positivos da intervenção pública sobre a sua situação concorrencial. De igual modo, é possível que, apesar da vantagem obtida, a situação concorrencial daquelas, após a restituição do auxílio, se mostre degradada relativamente à anterior à concessão do mesmo.

64.

Por último, a jurisprudência reconheceu a possibilidade de as autoridades nacionais competentes para proceder à recuperação terem em conta, dentro de certos limites, circunstâncias suscetíveis de reduzir a vantagem obtida pela empresa beneficiária na sequência da concessão do auxílio e, por conseguinte, de ter repercussão na quantificação dos montantes a restituir. Assim, por exemplo, se a concessão do auxílio implicou encargos fiscais suplementares para a empresa em questão, o que foi pago em excesso deve ser deduzido do montante a restituir. Devem ser tidas em conta, igualmente, as vantagens fiscais a que a empresa, em qualquer caso, teria tido direito, com base na legislação nacional, compatível com o direito da União, aplicável no momento da concessão do auxílio ( 56 ). Sem prejuízo do direito de as empresas se defenderem no decurso do procedimento nacional de recuperação ‑ em especial, quando as operações de identificação dos beneficiários e de quantificação do auxílio são da responsabilidade das autoridades nacionais — a possibilidade de alegar uma redução ou a neutralização da vantagem obtida graças ao auxílio, invocando circunstâncias relacionadas com o modelo organizativo e estratégico segundo o qual a empresa beneficiária atua no mercado ou com as condições de concorrência em que opera, afigura‑se, contudo, limitada.

65.

Por último, importa recordar que, para além da função de eliminação da vantagem concorrencial obtida pelo beneficiário ou beneficiários do auxílio, a recuperação prossegue, também, um objetivo de dissuasão relativamente às empresas, a quem cabe verificar se o auxílio tinha sido concedido respeitando o processo previsto no Tratado ( 57 ). Tal como a Comissão corretamente referiu na audiência, a obrigação de o Estado que concedeu o auxílio ilegal o recuperar está prevista como remédio para uma situação patológica, a violação da obrigação de standstill estabelecida no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Embora não tenha natureza sancionatória, a mesma tem o efeito de desincentivar as empresas de se tornarem coparticipantes dessa violação ou de as levar a precaverem‑se contra o risco de terem que restituir o que receberam, quando não estão concretamente em condições de evitar a concessão do auxílio, como acontece frequentemente no caso de este ser conferido no âmbito de um regime fiscal.

66.

Resulta dos princípios acima expostos que a recuperação de um auxílio fiscal, que consiste na aplicação de um imposto num montante inferior ao normal terá, em princípio, por objeto a diferença entre o montante normal e o que foi concretamente aplicado. Deste modo, como a Comissão corretamente referiu, a empresa beneficiária acabará por suportar a carga fiscal de que tinha sido ilegalmente liberada. Nesse caso, a quantificação do auxílio pressupõe apenas a determinação do montante do crédito estatal não percebido e não exige análises económicas complexas, nem, em princípio, uma análise das condições de concorrência do mercado em questão ou do comportamento dos operadores intervenientes nesse mercado.

67.

Por conseguinte, na decisão impugnada, ao impor à Irlanda a recuperação da diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT por cada bilhete emitido, a Comissão respeitou os princípios acima evocados.

68.

Portanto, cumpre verificar se a anulação da ordem de recuperação operada pelo Tribunal Geral, nas decisões impugnadas, se justifica com base nas circunstâncias específicas que caracterizam os presentes processos.

69.

Antes de proceder a tal exame, considero, no entanto, necessário rejeitar o argumento da Comissão, segundo o qual o raciocínio que levou o Tribunal Geral a anular a referida ordem tem como consequência que não pode ser exigida às companhias aéreas que foram sujeitas ao montante inferior do ATT qualquer restituição. Contrariamente ao que essa instituição parece sustentar, aceitar a possibilidade de as empresas beneficiárias de um auxílio invocarem uma eventual repercussão total ou parcial da vantagem obtida na clientela não implica liberar as mesmas de qualquer obrigação de restituição, mas impõe a adoção de regras específicas de determinação do montante a recuperar. O Tribunal Geral indicou claramente, nos acórdãos recorridos, que, no caso de repercussão integral ou parcial da vantagem resultante da redução do montante de tributação do ATT sobre os passageiros, essa vantagem não pode continuar a ser considerada, em todos os casos, igual à diferença entre os dois montantes de tributação do ATT, mas corresponde ao aumento do volume de negócios resultante da oferta de preços mais competitivos no mercado. Essa vantagem poderá ser determinada recorrendo a uma metodologia de cálculo análoga à que é aplicada pela Comissão no caso de auxílios indiretos ( 58 ), ou seja, avaliando o impacto da redução da tarifa aérea na procura, a fim de determinar o número de bilhetes adicionais vendidos na sequência da referida redução. O recurso a tal metodologia torna, sem dúvida, a operação de quantificação do montante a restituir mais complexa, mas não impossível, e, por conseguinte, não exclui, desde logo, como parece afirmar a Comissão, qualquer pedido de reembolso contra as companhias aéreas beneficiárias.

70.

Dito isto, recordo que o raciocínio que levou o Tribunal Geral a censurar a quantificação do montante a recuperar que a Comissão fez baseia‑se, como vimos, na constatação de que o ATT é um imposto especial sobre o consumo, isto é, um imposto indireto, formal e economicamente destinado a ser repercutido nos passageiros. Segundo o Tribunal Geral, a repercussão formal do ATT resulta, em especial, da obrigação que as companhias aéreas tinham, por força do artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008, de indicar de forma separada o montante do mesmo no preço de cada bilhete vendido, obrigação essa que o Tribunal Geral considera «assente entre as partes».

71.

A Comissão contesta estes pressupostos, alegando, por um lado, que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que ela subscrevia a interpretação do artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008 que consta dos acórdãos recorridos e, por outro, que a natureza de imposto especial sobre o consumo do ATT não é relevante para avaliar a vantagem que as companhias aéreas obtiveram com a aplicação do montante de tributação reduzido.

72.

No que diz respeito à primeira questão, a Comissão alega que tem sempre defendido, perante o Tribunal Geral, que o artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008 não impõe que as companhias aéreas indiquem de forma separada o montante do imposto no preço do bilhete em todos os casos, mas apenas nos casos em que decidam inclui‑lo no preço do bilhete. A este propósito, limito‑me a assinalar que tanto a redação desta disposição como a sua ratio, tal como decorre em especial do considerando 16 ( 59 ) do regulamento, parecem militar a favor da interpretação dada pela Comissão, a saber, que a obrigação de indicar de forma separada o montante dos impostos aplicáveis no preço global do bilhete só se verifica no caso de, e na medida em que, a companhia decidir repercutir o custo dos mesmos nos passageiros. Contudo, sem que seja necessário tomar aqui uma posição definitiva sobre a interpretação do artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008, convém notar que, mesmo que se devesse considerar que, por força dessa disposição, as companhias aéreas fossem obrigadas a indicar, sempre e em qualquer caso, a totalidade do montante do ATT no preço do bilhete, isso não implica que as mesmas não fossem livres de — reduzindo o preço do bilhete excluindo impostos e, por conseguinte, as suas margens de lucro sobre cada transação — assumir uma parte ou até a totalidade do custo do ATT ( 60 ). Por outras palavras, o facto de o ATT ser formalmente destinado a ser repercutido nos passageiros não implicava que as empresas não tivessem uma margem de manobra quanto à repercussão económica do imposto.

73.

No que se refere à segunda questão suscitada pela Comissão e indicada no n.o 71 supra, concordo com essa instituição em que a importância que o Tribunal Geral atribui, na economia do seu raciocínio, ao facto de o ATT ser um imposto especial sobre o consumo deve ser redimensionada.

74.

Em primeiro lugar, embora esses impostos sejam destinados a ser repercutidos nos consumidores, os mesmos incidem, pelo menos formalmente, sobre o orçamento da empresa identificada como sujeito passivo. Os mesmos são cobrados por causa e por ocasião da atividade empresarial ( 61 ), no caso do ATT no momento da prestação do serviço de transporte. Uma eventual redução desses impostos constitui, para a empresa beneficiária que vê a sua carga fiscal diminuir, uma vantagem direta, nos termos das regras aplicáveis aos auxílios, que, ao contrário do que foi alegado pela Aer Lingus, não é equiparável à vantagem indireta, que a empresa obtém no caso de subvenções concedidas aos consumidores para a aquisição de bens que fabrica ( 62 ).

75.

Em segundo lugar, a repercussão formal do imposto especial de consumo pode não corresponder a uma repercussão económica do mesmo, uma vez que o custo correspondente ao imposto pode ser suportado, total ou parcialmente, pela empresa que fornece o bem ou o serviço, através de um ajustamento do preço ( 63 ). Também uma redução do imposto pode, quando o preço global do produto ou do serviço oferecido se mantenha inalterado ou diminua em menor medida, relativamente à referida redução, converter‑se, no todo ou em parte, numa receita para a empresa. Neste contexto, a situação das companhias aéreas sujeitas ao ATT é diferente da dos casinos gregos no âmbito do regime de preços de entrada de montantes diferentes apreciado pelo Tribunal Geral no processo que deu lugar ao acórdão de 11 de setembro de 2014, Grécia/Comissão (T‑425/11, EU:T:2014:768), e discutido pelas partes na audiência. Com efeito, de acordo com esse regime, o preço dos bilhetes de entrada nos casinos era fixado pelo Estado, tal como a percentagem desse preço que cada casino estava autorizado a reter como preço de emissão do bilhete. Não podendo intervir nem no preço dos bilhetes de entrada ( 64 ), nem nas taxas respeitantes aos mesmos, os casinos agiam, contrariamente às companhias aéreas sujeitas ao ATT, na qualidade de meros intermediários encarregados da cobrança ( 65 ).

76.

Em terceiro lugar, o mecanismo da repercussão não diz unicamente respeito aos impostos especiais, sobre a produção ou o consumo ( 66 ), mas, em geral, a qualquer imposto indireto — por exemplo, um imposto pago às autoridades fiscais por um serviço prestado — que, fazendo parte integrante dos custos de produção, se repercute no preço final do produto ou do serviço. Além disso, inclusive no que diz respeito aos impostos diretos, pode haver uma forma de repercussão dos encargos fiscais. O aumento da tributação sobre o rendimento da empresa, por exemplo, em especial quando diz respeito a um imposto especial, pode levar o produtor a repercutir sobre os bens produzidos, através de um aumento dos preços, o maior custo fiscal, ou ainda levá‑lo a desinvestir no setor afetado pela tributação, produzindo uma diminuição da oferta e um aumento dos preços. Além disso, um imposto pode ser repercutido, pelo produtor, não só a jusante, nos consumidores, mas também a montante, nos fornecedores, e transversalmente (a chamada repercussão oblíqua), por exemplo aumentando o preço de produtos diferentes dos afetados pela tributação. Por outras palavras, existem diversos mecanismos que permitem que a empresa à qual é aplicado um imposto, mesmo não sendo indireto, repercuta o custo deste, total ou parcialmente, sobre outras pessoas. Se estes mecanismos forem aplicados, não se pode excluir que a eventual vantagem resultante de uma redução da carga fiscal também possa ser, em função das características do mercado em causa, repercutida noutras pessoas que não o contribuinte real.

77.

Com base no acima exposto, considero que nem as circunstâncias particulares dos presentes processos, nomeadamente a natureza do imposto em causa, nem a eventual obrigação de as companhias aéreas respeitarem os critérios estabelecidos no artigo 23.o do Regulamento n.o 1008/2008 em matéria fixação de preços justificam, só por si, um desvio da aplicação dos critérios normalmente utilizados para quantificar um auxílio concedido sob a forma de aplicação de um montante de tributação reduzido.

78.

O Tribunal Geral fundamenta a conclusão segundo qual a Comissão deveria ter tomado em conta uma possível repercussão nos passageiros da vantagem resultante da aplicação de um montante de tributação reduzido do ATT também em alguns precedentes jurisprudenciais anteriores, nomeadamente os acórdãos de 29 de março de 2007, Scott/Comissão (T‑366/00, EU:T:2007:99) e de 22 de janeiro de 2013, Salzgitter/Comissão (T‑308/00, EU:T:2013:30), que põem a tónica na obrigação de a Comissão limitar a ordem de recuperação às vantagens financeiras resultantes da disponibilização do auxílio.

79.

No entanto, a relevância dessa jurisprudência anterior nos presentes processos parece duvidosa. Com efeito, os processos que foram objeto das referidas decisões referem‑se a situações nas quais a quantificação da vantagem associada ao auxílio (um adiantamento de tesouraria gratuito na sequência de um adiamento de imposto, no processo Salzgitter/Comissão, e o financiamento resultante da alienação de um terreno a um preço preferencial, no processo Scott/Comissão) requeria avaliações económicas complexas, cuja exatidão era criticada pelas empresas beneficiárias. Nos presentes processos, pelo contrário, o que foi imputado à Comissão, no Tribunal Geral, foi não ter tido em conta circunstâncias posteriores à concessão do auxílio (a possível repercussão da vantagem nos passageiros), suscetíveis de alterar a natureza e a extensão da vantagem inicialmente obtida pelas companhias beneficiárias de um montante de tributação reduzido e corretamente quantificado pela Comissão ( 67 ). Por outras palavras, é a legitimidade da utilização da repercussão como meio de defesa, por parte das empresas beneficiárias de um auxílio, com o objetivo de reduzir o montante das quantias a restituir, que tem relevância nos presentes processos e não — ou, pelo menos, não diretamente ‑ um erro no cálculo da intensidade do auxílio, como nos processos que foram objeto das decisões que o Tribunal Geral invocou.

80.

Como já se teve ocasião de referir, a determinação exata das vantagens que decorrem da concessão do auxílio não exige, em princípio, que seja investigado o modo como o mesmo, uma vez concedido, foi concretamente utilizado. Por conseguinte, para efeitos de determinar o montante objeto de restituição, não deve ter relevância a medida em que essas vantagens foram transferidas para terceiros, pelos beneficiários, após a concessão do auxílio. Indicações claras nesse sentido encontram‑se no acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, EU:C:1997:163), no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou contra a possibilidade de opor, à ordem de restituição do auxílio, a legislação nacional de um Estado‑Membro, nos termos da qual a restituição era excluída caso o beneficiário, que tivesse agido de boa fé, pudesse demostrar a extinção do enriquecimento resultante da concessão do auxílio ( 68 ). Nas conclusões apresentadas no processo que deu origem a este acórdão, o advogado‑geral F. G. Jacobs tomou expressamente posição contra a utilização da repercussão como meio de defesa em matéria de auxílios estatais ( 69 ), que o Tribunal de Justiça tinha, pelo contrário, admitido em matéria de ajudas comunitárias, no acórdão de 21 de setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, EU:C:1983:233).

81.

A recuperação de uma quantia igual à do auxílio concedido (nos presentes processos, o montante do crédito fiscal não cobrado), acrescida, se for caso disso, de juros, destina‑se, em princípio, como acima se viu, a eliminar a vantagem concorrencial obtida pelo beneficiário do auxílio e a restaurar a situação previamente existente. Qualquer outra regra — que permita, por exemplo, ao beneficiário do auxílio opor‑se à ordem de restituição com o fundamento de ter transferido o benefício para os seus clientes através de uma baixa de preços —, seria, como o advogado‑geral F. G. Jacobs observou nas suas conclusões referidas no número anterior, difícil de aplicar e, na medida em que implicasse a recuperação de um montante inferior, poria em perigo a obtenção dos objetivos das disposições do Tratado ( 70 ).

82.

A Ryanair assinala que não admitir a utilização da repercussão como meio de defesa em matéria de auxílios viola a coerência do direito da União, uma vez que essa defesa é autorizada nas ações de indemnização por incumprimento das normas da concorrência a favor de empresas que são culpadas de infrações de natureza quase penal, enquanto é negada a empresas que, como as companhias aéreas nos presentes processos, não tiveram concretamente a possibilidade de se oporem à concessão do auxílio. Neste contexto, mesmo admitindo que o mecanismo mediante o qual uma empresa repercute nos seus clientes o benefício obtido na sequência da concessão do auxílio é, de um ponto de vista jurídico e económico, equiparável ao que permite que o concorrente prejudicado repercuta o prejuízo sofrido nos consumidores, faço notar que, nos presentes processos, a utilização da repercussão como meio de defesa é invocada no âmbito do public enforcement do direito aplicável em matéria de auxílios e não, como em matéria de concorrência, em sede de private enforcement. Este último segue uma lógica de ressarcimento para a proteção dos interesses privados diferente da que preside à aplicação das regras de concorrência por parte da Comissão, norteada pela defesa do interesse público na manutenção de uma atitude concorrencial dos mercados. O paralelismo sugerido pela Ryanair não me parece pois, pelo menos deste ponto de vista, pertinente. Além disso, em sede de private enforcement do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, nada impede as empresas beneficiárias do auxílio de, como referido, no âmbito de um processo de indemnização, invocarem contra a empresa que se considera prejudicada a eventual repercussão total ou parcial do prejuízo nos seus clientes. A incoerência invocada pela Ryanair não se verifica, portanto, também deste ponto de vista.

83.

Por último, a Aer Lingus e a Ryanair invocam o facto, igualmente sublinhado pelo Tribunal Geral nos acórdãos recorridos ( 71 ), de as companhias aéreas obrigadas a restituir a diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT não terem a possibilidade de recuperar retroativamente, junto dos passageiros que adquiriram os bilhetes pelo montante inferior, o imposto maior não pago. Não me parece que esse facto tenha uma relevância decisiva, uma vez que as companhias em causa terão, contudo, a possibilidade de transferir o custo decorrente da restituição do auxílio para os seus clientes, quando efetuar a emissão de novos bilhetes ( 72 ). Recordo, por outro lado, que, no acórdão de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão (T‑445/05, EU:T:2009:50) acima referido, o Tribunal Geral considerou que os instrumentos de investimento em questão ou as empresas que os geriam eram obrigados a restituir a diferença entre o imposto normal e o imposto reduzido resultante da medida em causa, independentemente da possibilidade, que não foi demonstrada, de exercerem, junto dos seus subscritores, um direito de regresso de acordo com as disposições do direito nacional ( 73 ). Por último, se é certo que, de facto, a recuperação de uma quantia equivalente à diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT tem um efeito análogo ao de uma imposição retroativa pelo montante superior, como sugerem a Ryanair e a Aer Lingus, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer que este facto é uma consequência normal da qualificação jurídica da redução fiscal em questão como auxílio ( 74 ).

84.

Com base nas considerações anteriores e pelas razões expostas, considero que, ao anular, com os acórdãos recorridos, o artigo 4.o da decisão impugnada, na medida em que ordena a recuperação de uma quantia equivalente à diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Sugiro, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso da Comissão e anule os acórdãos recorridos.

C – Quanto à remessa dos processos ao Tribunal Geral

85.

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este pode, no caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral. A este respeito, saliento que, o Tribunal Geral não apreciou o segundo fundamento de recurso, bem como parte do quarto fundamento de recurso, no processo T‑473/12, e a segunda parte do terceiro fundamento de recurso, no processo T‑500/12. Considero, portanto, pertinente remeter os presentes processos apensos ao Tribunal Geral para que proceda à apreciação desses fundamentos e argumentos.

86.

As observações que se seguem são, por conseguinte, efetuadas para o caso de o Tribunal de Justiça entender decidir definitivamente o litígio.

87.

Pelas razões expostas nas presentes conclusões, o terceiro e o quarto fundamentos de recurso, no processo T‑473/12, e o segundo e terceiro fundamentos de recurso, dentro dos limites apreciados pelo Tribunal Geral, no processo T‑500/12, que foram acolhidos pelo Tribunal Geral nos acórdãos recorridos, devem ser rejeitados por infundados.

88.

No âmbito do seu segundo fundamento de recurso no processo T‑473/12, que o Tribunal Geral não apreciou, a Aer Lingus alegou que, ao decidir a recuperação do auxílio, a Comissão devia ter tido em conta o direito de as companhias aéreas sujeitas à taxa superior do ATT obterem o reembolso do que pagaram em excesso, em violação do artigo 56.o TFUE e do Regulamento n.o 1008/2008, bem como do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Ao ordenar a recuperação da diferença entre o montante superior e o montante inferior do ATT nestas circunstâncias, a Comissão violou o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 e os princípios da segurança jurídica, da efetividade e da boa administração.

89.

Com a segunda parte do seu terceiro fundamento de recurso no processo T‑500/12, que o Tribunal Geral também não apreciou, a Ryanair apresentou argumentos análogos contra a legalidade da ordem de recuperação. A mesma sublinhou, em particular, as graves distorções na concorrência que resultariam da combinação do direito de intentar uma ação perante as jurisdições nacionais para obter o reembolso da taxa paga em violação do artigo 56.o TFUE com a decisão de recuperação, distorções essas que prejudicariam, em especial, as pequenas companhias aéreas como a Aer Arann.

90.

A título preliminar, refiro que a afirmação da Aer Lingus segundo a qual haveria um direito de reembolso do ATT perante as jurisdições nacionais, por força do artigo 108.o, n.o 3, TFUE já foi rejeitada pelo Tribunal Geral, nos n.os 65 a 76 do acórdão Aer Lingus. Essa parte da fundamentação não é objeto de recurso.

91.

Assim sendo, considero que os argumentos da Aer Lingus e da Ryanair também devem ser rejeitados na parte em que se baseiam no alegado direito de reembolso do ATT, por força das disposições em matéria de livre prestação de serviços.

92.

Segundo jurisprudência constante, a recuperação de um auxílio é a consequência lógica da verificação da sua ilegalidade ( 75 ). Portanto, regra geral, distorções na concorrência geradas por um auxílio ilegal são eliminadas impondo que os beneficiários procedam à restituição do auxílio à entidade que o concedeu.

93.

A recuperação visa o restabelecimento da situação anterior. No caso de um auxílio concedido sob a forma de isenção (total ou parcial) de um imposto, este objetivo é, geralmente, prosseguido mediante a tomada de medidas, por parte do Estado‑Membro em questão, que imponham às empresas beneficiárias o pagamento das importâncias cujo montante corresponde ao da isenção que lhes foi ilegalmente concedida ( 76 ). Caso a Comissão, após ter verificado a ilegalidade da isenção em causa, se devesse abster de impor, ao Estado‑Membro que a concedeu, a adoção dessas medidas, com vista a permitir que as empresas interessadas exerçam o direito de reembolso do imposto, quando a medida fiscal constituir, no seu todo, uma restrição às liberdades fundamentais, a concretização do referido objetivo ficaria necessariamente comprometida.

94.

Contrariamente ao que a Aer Lingus parece defender, a propositura, nos tribunais nacionais, de ações para reembolso do ATT com base no artigo 56.o TFUE não pode constituir um mecanismo alternativo à recuperação, para eliminar os efeitos anticoncorrenciais do auxílio constatado pela Comissão. Na realidade, embora admitindo que eventuais processos de reembolso possam contribuir para limitar esses efeitos, reduzindo o número de operadores económicos afetados ( 77 ), não deixa de ser verdade que a sua adoção depende da iniciativa das empresas em causa e é condicionada pelo respeito de normas tanto processuais como materiais. Além disso, a eliminação dos efeitos do auxílio, por essa via, só seria obtida se todas as empresas sujeitas à taxa superior pedissem e obtivessem o referido reembolso. É evidente que tal situação não oferece qualquer garantia de que o objetivo do restabelecimento da situação anterior à concessão do auxílio seja efetivamente atingido.

95.

Na minha opinião, ao exigir a recuperação do auxílio sem ter em conta o alegado direito de reembolso de que beneficiariam as companhias aéreas que pagaram o ATT à taxa superior, a Comissão não violou o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, nem os princípios gerais do direito da União invocados pela Aer Lingus ( 78 ).

96.

Dito isto, se o recurso ao processo de reembolso não constitui uma alternativa válida à ordem de recuperação, parece ser claro que as duas soluções também não podem ser aplicadas em simultâneo, na medida em que produzem efeitos incompatíveis entre si. Por conseguinte, um eventual processo de reembolso teria como efeito alargar às companhias aéreas que foram sujeitas ao montante superior do ATT a vantagem constituída pela aplicação do montante reduzido, ao passo que a ordem de recuperação impõe às companhias aéreas que foram sujeitas ao montante reduzido a restituição dessa vantagem. Portanto, tal como tanto a Aer Lingus como a Ryanair corretamente salientaram, se a aplicação simultânea dos dois mecanismos devesse ser autorizada, os efeitos anticoncorrenciais do ATT manter‑se‑iam, mesmo que o grupo de operadores beneficiados e o de operadores prejudicados fossem invertidos.

97.

Compete ao tribunal nacional chamado a decidir um processo de reembolso ter em conta as consequências da decisão de recuperação, a fim de evitar esse resultado paradoxal. Ora, parece‑me evidente que esta decisão, ao alargar, de facto, a aplicação do montante normal do ATT às companhias aéreas que foram sujeitas ao reduzido, elimina retroativamente a discriminação resultante da aplicação das taxas diferenciadas. Em tais circunstâncias, se o reembolso fosse concedido, o círculo dos beneficiários do auxílio seria alargado e os efeitos anticoncorrenciais deste seriam aumentados ( 79 ).

98.

Tendo em conta o que precede, o segundo fundamento de recurso no processo T‑473/12 e a segunda parte do terceiro fundamento de recurso no processo T‑500/12, caso sejam apreciados pelo Tribunal de Justiça, devem, na minha opinião, ser rejeitados por infundados.

99.

No âmbito do seu quarto fundamento de recurso, a Aer Lingus alega que, uma vez que não é possível recuperar retroativamente, junto dos passageiros que beneficiaram do montante inferior do ATT, os 8 euros que são objeto da ordem de recuperação, esta funcionaria como uma taxa adicional e, portanto, como uma sanção ilegal e violaria tanto o princípio da proporcionalidade como o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999. A este respeito, limito‑me a remeter para as observações já efetuadas no n.o 83 supra.

100.

À luz das considerações precedentes, considero que, no caso de o Tribunal de Justiça decidir avocar os processos de primeira instância, na sequência da anulação dos acórdãos recorridos, os respetivos recursos devem ser julgados improcedentes, na sua totalidade.

IV – Conclusão

101.

Com base nas considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes os recursos subordinados, dê provimento ao recurso principal e anule os acórdãos recorridos, remetendo os processos ao Tribunal Geral. Caso, na sequência da anulação, o Tribunal de Justiça decida avocar os processos T‑473/12 e T‑500/12, proponho que julgue totalmente improcedentes os recursos em ambos os processos e condene a Aer Lingus e a Ryanair nas despesas dos presentes processos e nas efetuadas no Tribunal Geral.


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) O ATT foi introduzido pela section 55 do Finance Act (n.o 2) 2008, que entrou em vigor em 30 de março de 2009.

( 3 ) Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (reformulação) (JO 2008, L 293, p. 3).

( 4 ) Esse montante foi posteriormente alterado para zero e o ATT de facto suprimido.

( 5 ) JO 2013, L 119, p. 30.

( 6 ) N.os 22 a 37 do acórdão Aer Lingus e n.os 23 a 41 do acórdão Ryanair.

( 7 ) N.os 42 a 56 do acórdão Ryanair.

( 8 ) Regulamento do Conselho, de 22 de março de 1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1). O Regulamento n.o 659/1999 foi revogado e substituído, a partir de 13 de outubro de 2015, pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9), que procedeu à codificação do referido regulamento.

( 9 ) V, em especial, n.o 85 do acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757), para o qual o Tribunal Geral remete no n.o 43 do acórdão Aer Lingus.

( 10 ) V. acórdãos de 22 de março de 1977, Steinike & Weinlig (78/76, EU:C:1977:52, n.o 21) e de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão (T‑415/05, T‑416/05 e T‑423/05, EU:T:2010:386, n.o 212).

( 11 ) V. acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o. (C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

( 12 ) V. acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 84 e jurisprudência aí referida) e de 10 de maio de 2000, SIC/Comissão (T‑46/97, EU:T:2000:123, n.os 83 e 84).

( 13 ) V., entre outros, acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 92) e de 10 de maio de 2000, SIC/Comissão (T‑46/97, EU:T:2000:123, n.o 84).

( 14 ) V, por exemplo, acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o. (C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53)

( 15 ) Importa salientar que as sociedades recorrentes não contestavam, nesse processo, a existência de um auxílio e, portanto, de uma vantagem, mas apenas a obrigação de recuperação dessa vantagem imposta pela Comissão (v. n.o 38).

( 16 ) V. acórdão de 7 de outubro de 2010, DHL Aviation e DHL Hub Leipzig/Comissão (T‑452/08, EU:T:2010:427, n.o 40).

( 17 ) A recorrente refere os acórdãos de 27 de março de 1980, Denkavit italiana (61/79, EU:C:1980:100); de 10 de julho de 1980, Ariete (811/79, EU:C:1980:195) e de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão (T‑62/08, EU:T:2010:268).

( 18 ) Ilegalidade ou ilicitude que, aliás, ao contrário dos presentes processos, afetava uma medida que se situava a montante, relativamente à que concedia a alegada vantagem.

( 19 ) V. n.o 31 do acórdão de 27 de março de 1980, Denkavit italiana (61/79, EU:C:1980:100) e n.o 15 do acórdão de 10 de julho de 1980, Ariete (811/79, EU:C:1980:195).

( 20 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988, Asteris e o. (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457, n.os 23 e 24).

( 21 ) V. n.os 62 e 63.

( 22 ) A Aer Lingus refere os acórdãos de 9 de novembro de 1983, Amministrazione delle finanze dello Stato/San Giorgio (199/82, EU:C:1983:318, punto 12), acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o. (C‑192/95 a C‑218/95, Colet., EU:C:1997:12, n.o 20), acórdão de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, Colet., EU:C:2001:134, n.o 87) e acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, Colet., EU:C:2006:774, n.o 205)

( 23 ) A Aer Lingus refere, em especial, o n.o 10.

( 24 ) A Comissão chega a esta conclusão preliminar na carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas.

( 25 ) No acórdão Stylianakis de 6 de fevereiro de 2003 (C‑92/01, EU:C:2003:72), o Tribunal de Justiça faz referência à possibilidade de que a taxa tenha natureza remuneratória dos serviços aeroportuários e que o custo dos referidos serviços seja superior para os passageiros utentes dos voos transfronteiras (n.os 27 e 29).

( 26 ) O litígio no processo principal, que deu origem ao processo em que este acórdão foi proferido, tinha por objeto o pedido apresentado por G. Stylianakis contra o Estado grego destinado a obter o reembolso de um montante correspondente a metade da taxa de modernização e desenvolvimento dos aeroportos que teve de pagar por ocasião duma viagem de avião entre Heráclion e Marselha. A taxa era aplicada aos passageiros à partida dos aeroportos helénicos e o seu montante era fixado, como nos presentes processos, em função da distância do destino final do voo do seu aeroporto de partida: para os voos com destino final situado a mais de 750 km do seu aeroporto de partida esse montante era o dobro do que era pago pelos passageiros de voos com destino final compreendido entre 100 e 750 km do seu aeroporto de partida.

( 27 ) N.o 28.

( 28 ) N.o 26.

( 29 ) Na decisão impugnada, a Comissão parte desta interpretação, segundo a qual a taxa reduzida para os voos com destino final situado a uma distância máxima de 300 km do aeroporto de Dublim constituía uma exceção ao sistema de referênciaan exception from the reference system»), v. considerandos 14 e 45 da decisão impugnada. O mesmo entendimento tinha sido manifestado, durante o procedimento administrativo, pelas autoridades irlandesas — as quais precisavam que a derrogação à taxa normal tinha sido prevista a fim de introduzir um elemento de proporcionalidade no montante da taxa em função da distância — (v. considerandos 33 e 40 da decisão impugnada), e reiterado nos articulados apresentados no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

( 30 ) V., por último, acórdão de 17 de novembro de 2009, Presidente del Consiglio dei Ministri (C‑169/08, EU:C:2009:709).

( 31 ) A carta de notificação para cumprir enviada às autoridades irlandesas tem data de 18 de março de 2010 e o período considerado na decisão impugnada decorre entre 30 de março de 2009 e 1 de março de 2011 (v. considerando 11 dessa decisão).

( 32 ) Não considero, pelo contrário, que é inoperante. Os argumentos invocados pela Ryanair, embora escassos, visam, de facto, contestar tanto a afirmação do Tribunal Geral segundo a qual a introdução simultânea das taxas é uma questão de pura técnica legislativa e é, por conseguinte, irrelevante, como a constatação segundo a qual a Comissão apresentou razões suficientes para justificar a sua conclusão acerca o caráter excecional da taxa inferior, em relação à superior.

( 33 ) V., também, n.o 100 das minhas conclusões apresentadas no processo British Aggregates/Comissão (EU:C:2008:419).

( 34 ) No recurso apresentado ao Tribunal Geral, a Ryanair alegou que, em 2008, o montante inferior tinha sido aplicado a 50% dos passageiros da Aer Arann e apenas a 1,9% dos seus passageiros.

( 35 ) Observo que, perante o Tribunal Geral, a Ryanair tinha defendido que uma análise global dos efeitos económicos do regime fiscal em causa deveria ter levado a Comissão a reconhecer o impacto global negativo desse regime sobre a sua situação e, consequentemente, a excluir que a mesma tivesse obtido qualquer tipo de vantagem do auxílio concedido através do referido regime. No entanto, a Ryanair não censurou perante o Tribunal de Justiça a parte do acórdão Ryanair em que o Tribunal Geral respondeu a esse argumento.

( 36 ) Os dois atos que introduziam na Áustria o imposto sobre a energia e o que previa, apenas para as empresas produtoras de bens, o direito ao reembolso parcial desse imposto, embora sendo distintos, tinham sido adotados e tinham entrado em vigor simultaneamente, v. n.o 3 do acórdão.

( 37 ) O regulamento em causa, aprovado pelo conseil communal da cidade belga de Seraing, instituiu um imposto sobre a força motriz estabelecendo, ao mesmo tempo, numerosas situações que dão origem à isenção desse imposto, v. n.os 6 a 9 do acórdão.

( 38 ) Acórdãos de 22 de junho de 2006, e Forum/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, n.o 119); de 15 de novembro de 2011, Comissão/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 75); de 14 de janeiro de 2015, Eventech (C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 55; de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia (C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

( 39 ) V., neste sentido, acórdãos de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 21), e de 1 de outubro de 2015, Electrabel e Dunamenti Erőmű/Comissão (C‑357/14 P, EU:C:2015:642, n.o 105).

( 40 ) V., por exemplo, acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 23).

( 41 ) V., por exemplo, acórdão de 17 de novembro de 2009, Presidente del Consiglio dei Ministri (C‑169/08, EU:C:2009:709).

( 42 ) Referido na nota 3 supra.

( 43 ) A Ryanair remete, a este respeito, para a Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1).

( 44 ) V., entre outros, acórdão de 4 de abril de 1995, Comissão/Itália (C‑350/93, EU:C:1995:96, n.o 21).

( 45 ) V., entre outros, acórdãos de 4 de abril de 1995, Comissão/Itália (C‑348/93, EU:C:1995:95, n.o 22), de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão (C‑277/00, EU:C:2004:238, n.o 75), e de 17 de setembro de 2009, Comissão/MTU Friedrichshafen (C‑520/07 P, EU:C:2009:557, n.o 57).

( 46 ) V., entre outros, acórdãos de 4 de abril de 1995, Comissão/Itália (C‑348/93, EU:C:1995:95, n.o 27), de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão (C‑277/00, EU:C:2004:238, n.os 74 a 76), e de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV (C‑275/10, EU:C:2011:814, n.o 34).

( 47 ) V., por exemplo, acórdãos de 16 de dezembro de 2010, SEYDALAND (C‑239/09, EU:C:2010:778), e de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott (C‑290/07 P, EU:C:2010:480).

( 48 ) Para alguns exemplos que apresentam analogias com o caso em apreço, v. acórdão de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão (T‑445/05, EU:T:2009:50, n.o 201) e a Decisão da Comissão 2006/323/CE, relativa à isenção do imposto sobre o consumo de óleos minerais utilizados como combustível na produção de alumina na Gardanne, na região de Shannon e na Sardenha concedida respetivamente pela França, pela Irlanda e pela Itália, que foi pela última vez confirmada pelo Tribunal Geral, no acórdão de 21 de março de 2012, Irlanda/Comissão (T‑50/06 RENV, T‑56/06 RENV, T‑60/06 RENV, T‑62/06 RENV e T‑69/06 RENV, EU:T:2012:134).

( 49 ) Com efeito, se empresa agir como simples intermediário encarregado de cobrar o imposto em nome das autoridades fiscais, este não incide sobre o orçamento da empresa e a sua eventual redução não gera uma vantagem sob a forma de redução de encargos que incidem sobre o orçamento da empresa, como o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente no que respeita aos preços de entrada nos Casinos gregos, v. despacho de 22 de outubro de 2015, Comissão/Grécia (C‑530/14 P, EU:C:2015:727, n.o 32).

( 50 ) Esses benefícios, na medida em que dos mesmos resultaram prejuízos para concorrentes ou terceiros, devem, pelo contrário, ser tomados em consideração no âmbito de uma ação de indemnização intentada por estas entidades contra o beneficiário do auxílio ou contra o Estado que o concedeu, v. Comunicação da Comissão relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais, 2009/C 85/01, secção 2.2.4, em especial, n.o 49, alínea b).

( 51 ) Podem, pelo contrário, ter relevância na determinação da entidade sujeita à restituição.

( 52 ) V. neste sentido, relativamente a auxílios de caráter fiscal, acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito (C‑148/04, EU:C:2005:774, n.o 118). V. bem como acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, EU:C:1997:163).

( 53 ) V. acórdãos de 17 de junho de 1999, Bélgica/Comissão (C‑75/97, EU:C:1999:311, n.o 66), e de 7 de março de 2002, Itália/Comissão (C‑310/99, EU:C:2002:143, n.o 99).

( 54 ) Acórdão de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão (C‑372/97, EU:C:2004:234, n.o 105).

( 55 ) Pense‑se, por exemplo, no caso em que o auxílio tinha permitido à empresa beneficiária evitar o desaparecimento do mercado, alargar, de forma sustentada, a sua quota no âmbito do mesmo ou penetrar noutro mercado ou, pelo contrário, quando o mesmo tinha causado a eliminação do mercado de uma empresa concorrente.

( 56 ) Acórdão de 1 de julho de 2010, BNP Paribas e BNL/Comissão (T‑335/08, EU:T:2010:271, n.o 50).

( 57 ) V., entre outros, acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, EU:C:1997:163, n.os 34 a 36).

( 58 ) Trata‑se de subvenções concedidas diretamente aos consumidores para a aquisição de bens provenientes de empresas identificadas seletivamente, que são beneficiárias indiretas das mesmas. V., por exemplo a Decisão da Comissão 2007/374/CE, de 24 de janeiro de 2007, relativa ao auxílio estatal C 52/2005 concedido pela República Italiana para a aquisição de descodificadores digitais (JO 2007, L 147, p. 1).

( 59 ) O considerando 16 do Regulamento n.o 1008/2008 tem a seguinte redação: «Os clientes deverão poder comparar de forma efetiva os preços dos serviços aéreos das diferentes companhias aéreas. Por conseguinte, o preço final a pagar pelo cliente pelos serviços aéreos prestados com partida na Comunidade deverão ser sempre indicados, incluindo todos os impostos, encargos e taxas. As transportadoras aéreas comunitárias são também incentivadas a indicar o preço final dos serviços aéreos prestados de países terceiros para a Comunidade».

( 60 ) Esta opção poderia ser obrigatória, em função do modelo empresarial da companhia. Refiro a este propósito que, no n.o 57 da decisão impugnada, a Comissão nota que na sua queixa a Ryanair tinha sublinhado que, sendo uma companhia low‑cost, a repercussão do ATT nos passageiros tinha tido um impacto desproporcionado no preço dos bilhetes.

( 61 ) V., a título de exemplo, para os impostos especiais de consumo que incidem sobre os produtos energéticos e eletricidade, o álcool e bebidas alcoólicas e o tabaco manufaturado, a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), que reconhece como momento gerador da obrigação fiscal o momento da produção e da exigibilidade o momento da introdução no consumo.

( 62 ) Um exemplo desses auxílios pode ser encontrado na decisão referida na nota 58 supra.

( 63 ) Isso acontecerá, em especial, quando as condições de concorrência e a elasticidade da procura do bem não permitam a fácil repercussão do imposto. Nos mercados em que os operadores podem praticar preços significativamente diferentes, bem como no caso de produtos ou serviços com procura rígida, a repercussão de um imposto pode ser concretamente limitada.

( 64 ) Salvo no caso excecional de emissão de bilhetes de entrada gratuitos.

( 65 ) V., neste sentido, despacho de 22 de outubro de 2015, Comissão/Grécia (C‑530/14 P, EU:C:2015:727, n.o 32).

( 66 ) No n.o 119 do acórdão Aer Lingus, o Tribunal Geral rejeitou o argumento da Comissão baseado nas práticas em matéria de impostos especiais sobre a energia, afirmando, nomeadamente, que essas práticas diziam respeito à isenção de impostos que não se destinavam, como o ATT, a ser repercutidos nos clientes. No entanto, o facto de este tipo de impostos especiais sobre o consumo ser imediatamente exigível no ato da introdução no consumo e não apenas na fase de venda ao consumidor não exclui que os mesmos possam, em qualquer caso, ser sujeitos ao mecanismo da repercussão.

( 67 ) Resulta de diversas passagens dos acórdãos recorridos, que o Tribunal Geral não considerou errado, em si, o critério de cálculo utilizado pela Comissão para quantificar a vantagem resultante da aplicação do montante reduzido do ATT, mas sim o facto de esta instituição não ter tomado em consideração a possibilidade de a vantagem estabelecida desta forma ter sido repercutida, pelas companhias aéreas beneficiárias, nos passageiros (v. n.os 97 a 101 e 116 do acórdão Aerlingus e n.os 129 a 133 e 147 do acórdão Ryanair).

( 68 ) N.os 44 a 54. O Tribunal de Justiça liga a possibilidade de invocar esse argumento ao princípio da proteção da confiança legítima e recorda que as empresas beneficiárias de um auxílio só podem invocar essa confiança na regularidade do auxílio quando este foi concedido com respeito pelo procedimento previsto no Tratado (n.os 48 e 49).

( 69 ) C‑24/95, EU:C:1996:433, n.o 40.

( 70 ) N.o 39.

( 71 ) N.o 115 do acórdão Aer Lingus e n.o 146 do acórdão Ryanair.

( 72 ) Saliento, a este respeito, que a obrigação de restituição, cujo custo seria objeto de repercussão, impende sobre todas as companhias aéreas que operam em percursos sujeitos ao montante inferior do ATT e que estão em concorrência, entre si, nos referidos percursos.

( 73 ) V. n.os 196 a 201.

( 74 ) Acórdão de 10 de junho de 1993, Comissão/Grécia (C‑183/91, EU:C:1993:233, n.o 17).

( 75 ) V., entre outros, acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 66).

( 76 ) Acórdão de 10 de junho de 1993, Comissão/Grécia (C‑183/91, EU:C:1993:233, n.o 17).

( 77 ) V., embora num contexto diferente, acórdão de 7 de setembro de 2006, Laboratoires Boiron (C‑526/04, EU:C:2006:528).

( 78 ) É, além disso, pacífico entre as partes que, aquando da adoção da decisão impugnada, a Comissão não tinha conhecimento de processos de reembolso já iniciados.

( 79 ) V., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 49) e conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas no processo Finanzamt Linz (C‑66/14, EU:C:2015:242, n.o 30) No acórdão de 7 de setembro de 2006, Laboratoires Boiron (C‑526/04, EU:C:2006:528), o Tribunal de Justiça excluiu, pelo contrário, que um eventual reembolso da contribuição em causa pudesse ter como efeito alargar o círculo dos beneficiários do auxílio concedido mediante a própria instituição da contribuição. Neste contexto, gostaria, contudo, de sublinhar que, como corretamente concluiu o Tribunal Geral nos n.os 65 a 76 do acórdão Aer Lingus, o presente caso difere claramente do que foi objeto do processo Laboratoires Boiron e que, portanto, não pode ser traçado qualquer paralelo entre esse processo e os presentes processos.

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