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Document 62015CC0099

Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 19 de novembro de 2015.
Christian Liffers contra Producciones Mandarina SL e Mediaset España Comunicación SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 13.°, n.° 1 — Obra audiovisual — Atividade ilícita — Indemnização por perdas e danos — Modalidades de cálculo — Quantia fixa — Danos morais — Inclusão.
Processo C-99/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:768

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 19 de novembro de 2015 ( 1 )

Processo C‑99/15

Christian Liffers

contra

Producciones Mandarina SL,

Mediaset España Comunicación SA, anteriormente Gestevisión Telecinco SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Obra audiovisual — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 13.o — Indemnizações por perdas e danos — Montante — Dano moral — Método de cálculo»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual ( 2 ).

2.

Com a sua questão prejudicial, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) questiona o Tribunal de Justiça sobre o alcance da reparação à qual pode ter direito um lesado pela violação de um direito de propriedade intelectual e sobre a eventual exclusão do dano moral dessa indemnização.

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

3.

Segundo o considerando 10 da Diretiva 2004/48, o objetivo desta «é aproximar [as] legislações [dos Estados‑Membros] a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno».

4.

O considerando 26 da mesma diretiva esclarece que, «[p]ara reparar o prejuízo sofrido em virtude de uma violação praticada por um infrator que tenha desenvolvido determinada atividade, sabendo, ou tendo motivos razoáveis para saber que a mesma originaria essa violação, o montante das indemnizações por perdas e danos a conceder ao titular deverá ter em conta todos os aspetos adequados, como os lucros cessantes para o titular, ou os lucros indevidamente obtidos pelo infrator, bem como, se for caso disso, os eventuais danos morais causados ao titular. Em alternativa, por exemplo, quando seja difícil determinar o montante do prejuízo realmente sofrido, o montante dos danos poderá ser determinado a partir de elementos como as remunerações ou direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão; trata‑se, não de introduzir a obrigação de prever indemnizações punitivas, mas de permitir um ressarcimento fundado num critério objetivo que tenha em conta os encargos, tais como os de investigação e de identificação, suportados pelo titular».

5.

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48 prevê que «[a]s medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos».

6.

Por último, o artigo 13.o desta diretiva, intitulado «Indemnizações por perdas e danos», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação.

Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:

a)

Devem ter em conta todos os aspetos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator e, se for caso disso, outros elementos para além dos fatores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito;

ou

b)

Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.

2.   Quando, sem o saber ou tendo motivos razoáveis para o saber, o infrator tenha desenvolvido uma atividade ilícita, os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser preestabelecidos.»

B – Direito espanhol

7.

O artigo 140.o do texto consolidado da Lei sobre Propriedade Intelectual (Texto Refundido de la Ley de Propriedad Intelectual)), conforme alterado pela Lei 19/2006, que alarga os meios de proteção dos direitos de propriedade intelectual e industrial e prevê normas processuais que permitam a aplicação de diversos regulamentos comunitários (ley 19/2006, por la que se amplían los medios de tutela de los derechos de propiedad intelectual e industrial y se establecen normas procesales para facilitar la aplicación de diversos reglamentos comunitarios), de 5 de junho de 2006 (BOE n.o 134 de 6 de junho de 2006, p. 21230, a seguir «TRLPI»), dispõe:

«1.   A indemnização por perdas e danos devida ao titular do direito violado abrange não só o valor do dano sofrido, mas também os lucros cessantes resultantes da violação desse direito. Na determinação do montante da indemnização pode atender‑se, se for esse o caso, às despesas com a investigação para obtenção de prova suficiente da prática da infração objeto do processo judicial.

2.   Para o cálculo da indemnização por perdas e danos, o lesado pode optar por qualquer um dos critérios seguintes:

a)

As consequências económicas negativas, designadamente os lucros cessantes sofridos pela parte lesada e os lucros obtidos pelo infrator devido à utilização ilícita. Em caso de danos morais, estes devem ser indemnizados mesmo que não se prove a existência de prejuízo económico. Para este cálculo, deve atender‑se às circunstâncias da infração, à gravidade da lesão e ao grau de difusão ilícita da obra.

b)

O montante das remunerações que o lesado teria auferido caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.»

III – Factos do litígio no processo principal

8.

C. Liffers é o realizador, argumentista e produtor de uma obra audiovisual «Dos patrias, Cuba y la noche» («Duas Pátrias, Cuba e a Noite»). Esta obra, que foi galardoada com vários prémios em diversos festivais de cinema, narra seis histórias pessoais e íntimas de diversos habitantes de Havana (Cuba).

9.

A Producciones Mandarina SL (a seguir «Mandarina») realizou um documentário audiovisual sobre a prostituição infantil em Cuba, que mostra atividades criminosas gravadas por uma câmara oculta. Foram inseridas nesse documentário alguns excertos da obra «Dos patrias, Cuba y la noche», sem que tivesse sido solicitada autorização a C. Liffers. O documentário foi difundido pelo canal televisivo espanhol Telecinco, de que é proprietária a «Mediaset España Comunicación SA (a seguir «Mediaset»), e obteve um nível de audiência de 13,4%.

10.

C. Liffers intentou no Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid) uma ação contra a Mandarina e a Mediaset, na qual pedia ao referido tribunal, nomeadamente, que ordenasse a estas últimas a cessação da violação dos seus direitos de propriedade intelectual e as condenasse a pagar‑lhe a quantia de 6740 euros, em consequência da violação dos seus direitos de exploração, bem como uma quantia adicional de 10000 euros, a título de indemnização pelos danos morais que sofreu.

11.

Para calcular o montante da indemnização por perdas e danos devida pela violação dos direitos de exploração da sua obra, C. Liffers escolheu o critério da «licença hipotética» ou «remuneração hipotética», ou seja, o montante das remunerações ou dos direitos que lhe seriam devidos se a Mandarina e a Mediaset lhe tivessem solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão. Para o efeito, aplicou as tarifas da Entidade de Gestão de Direitos dos Produtores Audiovisuais (Entidad de Gestión de Derechos de los Productores Audiovisuales). A indemnização por danos morais foi calculada por estimativa.

12.

O Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid) julgou parcialmente procedente o pedido de C. Liffers e condenou a Mandarina e a Mediaset, nomeadamente, a pagar‑lhe as quantias de 3370 euros pelo prejuízo causado por essa violação e de 10000 euros pelos danos morais causados.

13.

Decidindo em sede de recurso da decisão proferida em primeira instância, a Audiencia provincial de Madrid (Tribunal Provincial de Madrid) reduziu para 962,33 euros a indemnização devida a título da licença hipotética e anulou integralmente a condenação da Mandarina e da Mediaset na indemnização dos danos morais sofridos por C. Liffers. Com efeito, este último tinha pedido uma indemnização calculada por aplicação do critério da licença hipotética, previsto no artigo 140.o, n.o 2, alínea b), da TRLPI. Ora, segundo a Audiencia Provincial de Madrid (Tribunal Provincial de Madrid), este critério de indemnização é alternativo ao previsto no n.o 2, alínea a), do referido artigo, e só esta última disposição permite a indemnização de um dano moral. Não é permitida uma combinação dos dois critérios.

14.

No recurso que interpôs do acórdão da Audiencia Provincial de Madrid (Tribunal Provincial de Madrid), C. Liffers contesta a revogação da indemnização dos danos morais e alega que essa indemnização é independente da opção entre os critérios de indemnização estabelecidos no artigo 140.o, n.o 2, alíneas a) e b), do TRLPI.

15.

Decidindo em sede de recurso de segunda instância, o Tribunal Supremo expressa dúvidas quanto à interpretação que deve ser dada ao artigo 140.o, n.o 2, alínea b), do TRLPI, uma vez que esta disposição visa transpor o artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48 para o direito espanhol.

IV – Pedido de decisão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16.

Consequentemente, por decisão de 12 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2015, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva [2004/48] ser interpretado no sentido de que o lesado por uma infração do direito de propriedade intelectual que peça uma indemnização por danos patrimoniais com base no montante das remunerações ou dos direitos que teria auferido se o infrator tivesse pedido autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão, não pode pedir também a indemnização pelos danos morais sofridos?»

17.

Foram apresentadas observações escritas por C. Liffers, pela Mandarina, pela Mediaset, pelos Governos espanhol, alemão, francês e polaco e pela Comissão Europeia. Concluída a fase escrita do processo, o Tribunal de Justiça considerou que dispunha das informações suficientes para se pronunciar sem audiência de alegações (em conformidade com o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça).

V – Análise

18.

Com a sua questão prejudicial, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pergunta, no essencial, se o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que permite a uma parte lesada pela violação de um direito de propriedade intelectual e que reclama uma indemnização por danos patrimoniais calculada com base no montante das remunerações ou dos direitos que lhe teriam sido pagos se o infrator tivesse pedido autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão, reclamar, além disso, a indemnização pelos danos morais que sofreu.

19.

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 3 ).

20.

Ora, neste caso, tanto a redação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, como a sua estrutura e uma interpretação teleológica levam‑me a pensar que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que permite a qualquer pessoa lesada por uma violação do direito da propriedade intelectual, reclamar a indemnização dos danos morais causados, e isso independentemente do método escolhido para a indemnização dos danos patrimoniais.

A – Redação do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/48

21.

O método alternativo sugerido pelo artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48 propõe «estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão» ( 4 ).

22.

Sem tirar daí uma conclusão definitiva sobre a possibilidade de indemnizar um eventual dano moral no âmbito do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48, importa reconhecer que os termos desta disposição autorizam expressamente que sejam tomados em consideração outros fatores para além de apenas as «remunerações ou [...] direitos» normalmente devidos. O caráter a minima do referido fator decorre claramente dos termos «au moins» utilizados na versão do texto em língua francesa. Também resulta das outras versões linguísticas ( 5 ).

23.

A expressão «em alternativa» utilizada para iniciar a alínea b) do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/48 não altera esta interpretação.

24.

Com efeito, a análise sistemática do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 confirma que, embora a formulação das alíneas a) e b) do segundo parágrafo constituam opções alternativas, são‑no no sentido de que se trata de duas vias para chegar ao mesmo resultado.

B – Interpretação sistemática do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48

25.

A abordagem sistemática impõe que se considere que os parágrafos que integram um artigo ou, a fortiori, um número do mesmo, formam um todo cujas disposições não podem ser tomadas isoladamente ( 6 ). Ora, embora o artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da diretiva 2004/48, esclareça as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros sobre a maneira como podem calcular a indemnização por perdas e danos devida por violação de um direito de propriedade intelectual, o primeiro parágrafo do artigo 13.o, n.o 1, refere expressamente que essas autoridades judiciárias deverão ordenar «ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação» ( 7 ).

26.

Por conseguinte, a análise sistemática do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 revela que o segundo parágrafo estabelece as metodologias que podem ser utilizadas para alcançar o resultado estabelecido no primeiro parágrafo. Ora, este resultado é a reparação do prejuízo «efetivamente sofrido devido à violação» ( 8 ).

27.

Consequentemente, uma leitura contextual do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 leva, também, a aceitar a tomada em consideração de um eventual dano moral na indemnização dos prejuízos sofridos em consequência da violação de um direito de propriedade intelectual. Com efeito, em determinadas circunstâncias, «o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão» só reflete parcialmente o prejuízo efetivamente sofrido pelo titular do direito em causa e não o que ele efetivamente sofreu.

28.

Sem que se ponha aqui a questão de condenar o autor da violação do direito de propriedade intelectual numa indemnização por perdas e danos punitiva ( 9 ), parece‑me pouco contestável que um dano moral — como, designadamente, uma ofensa à reputação — possa ser, se se provar, uma componente per se do dano efetivamente sofrido pelo autor ( 10 ).

29.

Por conseguinte, a alternativa prevista pelo artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48 constitui uma estruturação dos critérios de avaliação do prejuízo sofrido e não tem o objetivo de alterar o alcance da indemnização do referido prejuízo.

C – Interpretação teleológica do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48

30.

Por último, verifico que uma interpretação contrária, que levasse a excluir o dano moral da indemnização do prejuízo efetivamente sofrido, também iria ao encontro dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2004/48.

31.

O considerando 10 da Diretiva 2004/48 esclarece‑nos sobre os objetivos prosseguidos pelo legislador da União Europeia. Segundo este considerando, o objetivo da diretiva «é aproximar [as] legislações [dos Estados‑Membros] a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno».

32.

Prosseguindo este objetivo, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48 prevê expressamente que os recursos «também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos» ( 11 ).

33.

Nestas condições, não é coerente excluir da indemnização por perdas e danos atribuída ao titular de um direito de propriedade intelectual a indemnização do seu prejuízo moral, quando esse titular optou por pedir a reparação do seu dano patrimonial de acordo com o método de quantia fixa previsto no artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48.

34.

Com efeito, essa exclusão retiraria todo o efeito dissuasor à condenação, uma vez que o autor da violação só teria que reembolsar o titular do direito da quantia que lhe deveria ter pago se tivesse respeitado o referido direito e que poderia ser inferior ao prejuízo efetivo. Consequentemente, essa indemnização não seria conforme à vontade do legislador da União de assegurar uma proteção elevada da propriedade intelectual.

35.

Com uma limitação desta natureza, o próprio caráter efetivo da proteção poderia ser posto em dúvida. Trata‑se, contudo, aqui de um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2004/48 que os Estados‑Membros devem assegurar ( 12 ). Com efeito, como a Comissão sublinha com razão nas suas observações escritas, se se excluísse o dano moral, o infrator beneficiaria da mesma maneira quer tivesse produzido uma obra sem autorização quer tivesse agido legalmente pedindo uma licença ( 13 ).

VI – Conclusão

36.

Tendo em conta a redação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, a sua estrutura e os objetivos que prossegue, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetidas pelo Tribunal Supremo (Espanha) nos seguintes termos:

«O artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que permite que a pessoa lesada por uma infração ao direito da propriedade intelectual e que reclama uma indemnização pelo prejuízo material, calculada com base no montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão, reclame, além disso, uma indemnização pelo dano moral que lhe foi causado.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 157, p. 45.

( 3 ) V., nomeadamente, acórdãos Yaesu Europe (C‑433/08, EU:C:2009:750, n.o 24), Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:742, n.o 13), Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 34); e Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 35).

( 4 ) O sublinhado é meu.

( 5 ) V., entre outras, respetivamente, as versões em língua espanhola, checa, alemã, grega, inglesa, italiana, neerlandesa, portuguesa e eslovaca, os «cuando menos», «alespoň», «mindestens», «τουλάχιστον», «at least», «per lo meno», «als ten minste», «no mínimo» e «prinajmenšom».

( 6 ) V., neste sentido, acórdão Sodiaal International (C‑383/14, EU:C:2015:541, n.o 25).

( 7 ) O sublinhado é meu. O termo «efetivamente» só aparece nas versões dinamarquesa, estónia, letónia e neerlandesa do articulado do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48. Todavia, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ser‑lhe atribuída natureza prioritária relativamente às demais versões linguísticas. As disposições do direito da União devem, com efeito, ser interpretadas e aplicadas de forma uniforme, à luz das versões estabelecidas em todas as línguas da União Europeia. Em caso de disparidade entre as diversas versões linguísticas de um diploma do direito da União, devendo essa disposição ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação da qual faz parte (v., neste sentido, acórdão Léger, C‑528/13, EU:C:2015:288, n.o 35 e jurisprudência referida). Ora, no caso em apreço, para além do facto que o termo «efetivamente» está presente em quase todas as versões linguísticas, a redação da disposição globalmente considerada (v. título A supra) e a interpretação teleológica (v. título C infra) conduzem igualmente à interpretação segundo a qual o prejuízo que deve ser objeto de uma reparação é o prejuízo efetivamente sofrido.

( 8 ) Artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/48.

( 9 ) A possibilidade de atribuir uma indemnização por perdas e danos punitiva parece ser alvo de controvérsia na doutrina. Segundo J. Galloux, a versão definitiva da Diretiva 2004/48 tinha abandonado este conceito. Todavia, segundo o mesmo autor, embora o termo empregue pela doutrina indique apenas que o cálculo da indemnização por perdas e danos deva tomar como medida o prejuízo efetivamente sofrido, não deve, todavia, «necessariamente limitar‑se a ele» (Galloux, J‑C. «La directive relative au respect des droits de propriété intellectuelle», Revue trimestrielle de droit communautaire, 2004, p. 698). No mesmo sentido, v. Benhamou, Y. «Compensation of damages for infringements of intellectual property rights in France, under Directive 2004/48/EC and its transposition law — new notions?», International Review of Intellectual Property and Competition Law, 2009, 40(2), p. 125, especialmente p. 140 e 143. Em contrapartida, M. Buydens critica severamente esta abordagem baseando‑se no princípio da reparação integral, isto é, a reparação de todo o prejuízo, mas nada mais que este (Buydens, M. «La réparation des atteintes aux droits de propriété intellectuelle», in Actualités en droits intellectuels, UB3, Bruylant, 2015, pp. 407 a 434, especialmente pp. 408 e 417). Segundo este autor, o emprego do advérbio «efetivamente» no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 milita no sentido da consagração deste princípio (op. cit., p. 411).

( 10 ) V., neste sentido, Buydens, M. «La réparation des atteintes aux droits de propriété intellectuelle», in Actualités en droits intellectuels, UB3, Bruylant, 2015, pp. 407 a 434, especialmente, pp. 416 e 429; Borghetti, J.‑S. «Punitive Damages in France», in Koziol, H.e Wilcox, V. (ed.), Punitives Damages: Common Law and Civil Law Perspectives, Tort and Insurance Law, vol. 25, 2009, pp. 55 a 73, especialmente n.o 26), e Gautier, P.‑Y. «Fonction normative de la responsabilité: le contrefacteur peut être condamné à verser au créancier une indemnité contractuelle par équivalent», Recueil Dalloz, 2008, p. 727, especialmente n.o 5.

( 11 ) O sublinhado é meu.

( 12 ) V., neste sentido, acórdão L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2011:474, n.o 131).

( 13 ) N.o 29 das observações da Comissão.

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