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Document 62014TJ0793

Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) de 15 de novembro de 2018.
Tempus Energy Ltd e Tempus Energy Technology Ltd contra Comissão Europeia.
Auxílios de Estado — Mercado de capacidade no Reino Unido — Regime de auxílios — Artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE — Conceito de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 ou 4, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014/2020 — Decisão de não levantar objeções — Não abertura do procedimento formal de investigação — Direitos processuais das partes interessadas.
Processo T-793/14.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2018:790

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

15 de novembro de 2018 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Mercado de capacidade no Reino Unido — Regime de auxílios — Artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE — Conceito de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 ou 4, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 — orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014/2020 — Decisão de não levantar objeções — Não abertura do procedimento formal de investigação — Direitos processuais das partes interessadas»

No processo T‑793/14,

Tempus Energy Ltd, com sede em Worcester (Reino Unido),

Tempus Energy Technology Ltd, com sede em Cheltenham (Reino Unido),

representadas inicialmente por J. Derenne, J. Blockx, C. Ziegler e M. Kinsella, em seguida por J. Derenne, J. Blockx e C. Ziegler e, por último, por J. Derenne e C. Ziegler, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por É. Gippini Fournier, R. Sauer, K. Herrmann e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado, inicialmente, por C. Brodie e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por G. Facenna, QC, em seguida por S. Simmons, M. Holt, C. Brodie e S. Brandon, na qualidade de agentes, assistidos por G. Facenna, QC, em seguida por M. Holt, C. Brodie e S. Brandon e D. Robertson, assistidos por G. Facenna, QC, e, por último, por S. Brandon, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 263.o TFUE com vista à anulação da Decisão C (2014) 5083 final da Comissão, de 23 de julho de 2014, de não levantar objeções a respeito do regime de auxílios relativo ao mercado de capacidade no Reino Unido, pelo facto de o referido regime ser compatível com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (auxílio de Estado 2014/N‑2) (JO 2014, C 348, p. 5),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, V. Kreuschitz, I. S. Forrester, N. Półtorak (relatora) e E. Perillo, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

I. Antecedentes do litígio

A. Quanto às recorrentes e ao objeto do litígio

1

As recorrentes, a Tempus Energy Ltd, que sucedeu à Alectrona Grid Services Ltd, e a Tempus Energy Technology Ltd (a seguir, em conjunto «Tempus»), comercializam uma tecnologia de gestão do consumo de eletricidade, concretamente de «gestão da procura», junto dos particulares e dos profissionais e são titulares de uma licença de fornecedor de eletricidade no Reino Unido.

2

A Tempus propõe aos seus clientes gerar reduções de custos na cadeia de oferta de eletricidade combinando a tecnologia de gestão da procura e os serviços propostos por um fornecedor de eletricidade. A Tempus vende eletricidade e ajuda os seus clientes a alterarem o seu consumo de eletricidade não sujeita a constrangimentos de tempo para períodos durante os quais os preços no mercado grossista estão baixos, ou porque a procura é diminuta ou porque a eletricidade produzida a partir de energias renováveis é abundante e, portanto, mais barata.

3

Decorre dos autos que, tradicionalmente, os operadores de gestão da procura celebram contratos com os consumidores de eletricidade, que em geral são clientes industriais e comerciais ou pequenas e médias empresas, nos quais é estipulado que o cliente aceita ser flexível quanto ao seu consumo de eletricidade durante um determinado período. O operador de gestão da procura calcula a capacidade total disponível num determinado momento junto de todos os clientes flexíveis e, em seguida, pode propor essa capacidade ao gestor da rede de eletricidade, no caso vertente a National Grid, em troca de um pagamento que o referido operador faz ao cliente flexível, guardando simultaneamente uma margem de lucro para si.

4

Com o seu recurso, a Tempus pede a anulação da Decisão C(2014) 5083 final da Comissão, de 23 de julho de 2014, de não levantar objeções contra o regime de auxílios relativo ao mercado de capacidade de produção de eletricidade no Reino Unido, pelo facto de o referido regime ser compatível com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (auxílio de Estado 2014/N‑2) (JO 2014, C 348, p. 5, a seguir «decisão impugnada»).

B. Medida controvertida

5

Com o regime de auxílios visado pela decisão impugnada (a seguir «medida em causa»), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte criou um mercado de capacidade que consiste na realização de leilões centralizados para o fornecimento da capacidade exigida para garantir a adequação. Trata‑se de um regime de auxílios que consiste na remuneração dos prestadores de capacidade elétrica em contrapartida do seu compromisso em fornecer eletricidade ou reduzir ou diferir o consumo de eletricidade durante os períodos de tensão na rede (considerando 4 da decisão impugnada).

6

A medida em causa tem como base jurídica o UK Energy Act 2013 (Lei do Reino Unido de 2013 em matéria de energia) e os atos regulamentares adotados com fundamento nesta, em particular as Electricity Capacity Regulations 2014 (Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica) e as Capacity Market Rules 2014 (Regras de 2014 relativas ao mercado de capacidade).

7

O mercado de capacidade funciona do seguinte modo: a quantidade de capacidade exigida é definida de forma centralizada e o preço adequado para a prestação dessa quantidade é determinado no mercado através de leilões — os prestadores de capacidade elegíveis estão todos em concorrência no mesmo leilão (considerando 145 da decisão impugnada). A quantidade de capacidade exigida é decidida pelo Governo do Reino Unido tendo nomeadamente em conta as recomendações do gestor da rede de eletricidade, a National Grid (considerando 11 da decisão impugnada).

8

No que respeita aos leilões, a medida em causa prevê o seguinte: nos leilões principais, a capacidade exigida é anualmente leiloada para um fornecimento que se concretizará quatro anos mais tarde (a seguir «leilões T‑4»); por exemplo, a capacidade que tenha sido leiloada em 2014, destinava‑se a ser fornecida em 2018/2019 — sendo que o período de fornecimento abrange o período compreendido entre 1 de outubro de 2018 e 30 de setembro de 2019 (considerando 43 da decisão impugnada). No ano anterior ao fornecimento correspondente aos leilões principais, realiza‑se um outro leilão (a seguir «leilões T‑1»).

9

Uma determinada capacidade será sistematicamente retirada dos leilões T‑4 para ser «reservada» aos leilões T‑1 com base numa estimativa da capacidade de gestão da procura «rentável» que poderia participar nos leilões T‑1 e que é publicamente divulgada ao mesmo tempo que é publicada a curva da procura para os leilões T‑4 (considerando 45 da decisão impugnada). Se a procura baixar entre os leilões T‑4 e os leilões T‑1, o montante da capacidade leiloado no leilão T‑1 será reduzido. Todavia, precisa‑se na decisão impugnada que, uma vez que os leilões T‑1 proporcionam uma melhor via de acesso ao mercado aos operadores de gestão da procura, o Governo do Reino Unido comprometeu‑se a leiloar pelo menos 50% da capacidade «reservada» quatro anos antes nos leilões T‑1. A decisão impugnada acrescenta que será mantida uma certa margem de apreciação para supressão desta garantia se a gestão da procura não se revelar rentável a longo prazo ou se o setor da gestão da procura for considerado suficientemente maduro (considerando 46 da decisão impugnada). O regime a longo prazo é composto pelos leilões T‑4 e T‑1.

10

Com exceção, temporária, dos interconectores e dos prestadores de capacidade estrangeiros, os leilões a longo prazo estão abertos aos produtores existentes e novos, aos operadores de gestão da procura e aos operadores de armazenamento (considerandos 4 e 149 da decisão impugnada).

11

Além do regime a longo prazo, existe um regime transitório. Antes do período de fornecimento 2018/2019 previram‑se leilões «transitórios», que estavam sobretudo abertos aos operadores de gestão da procura. Os primeiros leilões transitórios estavam previstos para 2015 — período de fornecimento entre outubro de 2016 e setembro de 2017; os segundos leilões transitórios estavam previstos para 2016 — período de fornecimento entre outubro de 2017 e setembro de 2018 (considerando 51 da decisão impugnada).

12

Os recursos de produção e de gestão da procura que integram o mercado de capacidade são chamados «Capacity Market Units» (Unidades do Mercado de Capacidade, a seguir «CMU»). Os CMU de produção podem participar individualmente como CMU, ou coletivamente, agregados a outras unidades de produção elegíveis em certas condições. Uma dessas condições é, nomeadamente, que a capacidade total de todas as unidades esteja situada entre o limite mínimo de 2 megawatts (MW) e o limite de 50 MW (considerando 16 da decisão impugnada).

13

Os CMU de gestão da procura são definidos em função de um compromisso no sentido da redução da procura. Tal compromisso pressupõe que o operador da procura consiga que o seu cliente reduza as suas importações de eletricidade (medidas através de um contador que regista o consumo de eletricidade a cada meia hora) ou exporte a eletricidade que produz graças às unidades de produção de que disponha no local. Cada componente de uma CMU de gestão da procura deve estar ligado a um contador de períodos de meia‑hora sendo que a capacidade de gestão da procura total do fornecedor deve estar compreendida entre 2 MW e 50 MW (considerando 17 da decisão impugnada).

14

As capacidades elegíveis devem seguir um processo de pré‑seleção que, além da constituição de um dossier administrativo de base, contém determinados requisitos consoante o eventual participante seja um operador existente ou potencial (considerando 26 da decisão impugnada). Para as novas capacidades de produção e para as capacidades de gestão da procura não confirmadas (por oposição às capacidades de gestão da procura confirmadas cuja capacidade declarada pelo fornecedor foi provada na sequência de um teste) é exigida uma garantia de licitação que ascende a 5000 libras esterlinas (GBP) (cerca de 5650 euros) por cada MW para os leilões T‑4 e T‑1 e a 500 GBP (cerca de 565 euros) por cada MW para os leilões transitórios.

15

O gestor da rede de eletricidade, a National Grid, está encarregado de organizar os leilões para obtenção do nível de capacidade exigido para garantir a adequação das capacidades elétricas.

16

Todos os leilões são descendentes, com preço discriminatório, em que todos os participantes escolhidos, os adjudicatários, são pagos de acordo com o critério da última proposta aceite. No início do leilão, é anunciado um preço elevado; os participantes apresentam então as suas ofertas para indicar a quantidade de capacidade que estão preparados para fornecer a esse preço. Este processo é repetido várias vezes segundo um calendário pré‑determinado até que seja encontrado o preço mais baixo no qual a procura corresponda à oferta, ou seja, o preço de encerramento. É pago o mesmo preço de encerramento a todos os adjudicatários («pay‑as‑clear model») (considerando 49 da decisão impugnada).

17

Assim sendo, caso sejam escolhidos, os prestadores de capacidade verão ser‑lhes adjudicado um contrato de capacidade ao preço de encerramento. A duração dos contratos de capacidade licitados pelos participantes é variável. A maioria dos prestadores de capacidade acede a contratos de um ano. Os prestadores de capacidade com despesas com equipamento superiores a 125 GBP (cerca de 141 euros) por kilowatt (kW) (centrais a renovar) acedem a contratos de três anos no máximo. Os prestadores de capacidade com despesas com equipamento superiores a 250 GBP (cerca de 282 euros) por kW (centrais novas) têm acesso a contratos de quinze anos no máximo (considerando 57 da decisão impugnada). Os contratos superiores a um ano apenas são adjudicados nos leilões T‑4. Em cada caso, as condições do contrato de capacidade, incluindo o preço da capacidade, são aplicáveis ao longo de todo o período de vigência do contrato.

18

Enquanto o seu contrato está em vigor, os adjudicatários recebem uma remuneração regular financiada através de uma prestação que está a cargo dos fornecedores de eletricidade. Em contrapartida, os adjudicatários comprometem‑se a fornecer capacidade durante os períodos de tensão na rede. Estão previstas sanções para os adjudicatários que não forneçam a quantidade de eletricidade conforme à capacidade prevista no contrato (considerando 4 da decisão impugnada). Por outro lado, o mercado de capacidade está sujeito a um processo de reapreciação (considerando 6 da decisão impugnada).

19

As despesas com o financiamento da remuneração da capacidade são assumidas por todos os fornecedores de eletricidade agregados (a seguir «método de amortização dos custos»). A taxa aplicada aos fornecedores de eletricidade é determinada em função da sua quota de mercado e é calculada com base na procura registada entre as 16 e as 19 horas durante a semana, entre o mês de novembro e de fevereiro, de modo a incentivar os referidos fornecedores a baixarem a procura de eletricidade por parte dos seus clientes durante os períodos em que esta é, em geral, mais elevada. De acordo com a decisão impugnada, tal deveria traduzir‑se numa diminuição da capacidade exigida e, por conseguinte, numa redução dos custos do mercado de capacidade (considerando 69 da decisão impugnada).

20

Os rendimentos brutos pagos aos prestadores de capacidade foram objeto de planeamento e devem variar entre 0,9 mil milhões de GBP e 2,6 mil milhões de GBP (cerca de 1,02 mil milhões e 2,94 mil milhões de euros) por ano, ou seja, entre 8,1 e 23,4 mil milhões de GBP (aproximadamente entre 9,14 mil milhões e 26,4 mil milhões de euros) para o período compreendido entre 2018 e 2024, sendo que este montante varia de acordo com o nível exigido de «capacidade recém‑construída» (considerando 7 da decisão impugnada).

C. Quanto às disposições relevantes das orientações

21

Importa recordar que, no domínio específico dos auxílios de Estado, a Comissão pode dotar‑se de orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação e que, desde que tais orientações não se afastem das regras do Tratado FUE, as regras indicativas que as mesmas contêm devem ser respeitadas pela instituição (v. Acórdão de 13 de junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑382/99, EU:C:2002:363, n.o 24 e jurisprudência referida).

22

Por outro lado, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal e novamente na audiência, a Tempus confirmou expressamente que não contestava a criação de um mercado de capacidade, enquanto tal, mas apenas, por um lado, a apreciação dos elementos apresentados pelo Reino Unido no que respeita à incidência da gestão da procura e, por outro, as diferentes modalidades previstas para permitir que os operadores de gestão da procura participem no mercado de capacidade.

23

Entre as diferentes disposições das Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 (JO 2014, C 200, p. 1, a seguir «orientações»), adotadas pela Comissão em 9 de abril de 2014 e que entraram em vigor em 1 de julho de 2014, num contexto em que o princípio da existência de auxílios a favor da adequação das capacidades de produção é aceite (v. n.o 22, supra), as disposições relevantes para a solução do litígio são as seguintes.

24

Em primeiro lugar, no n.o 224, alínea b), constante do ponto 3.9.2 «Necessidade de intervenção do Estado», as orientações preveem que, na sua apreciação dos elementos fornecidos pelo Estado em causa, a Comissão terá nomeadamente em conta a «[a]preciação do impacto da participação do lado da procura, incluindo a descrição de medidas destinadas a fomentar a gestão do lado da procura».

25

Em segundo lugar, no n.o 226, que consta do ponto 3.9.3 «Adequação», as orientações preveem o seguinte:

«A medida deve ser aberta e proporcionar incentivos adequados tanto a atuais como futuros produtores e a operadores que usem tecnologias substituíveis, tais como soluções de resposta do lado da procura ou de armazenamento. Os auxílios devem, pois, ser distribuídos através de um mecanismo que permita prazos potencialmente diferentes, que correspondam ao tempo necessário para realizar novos investimentos por novos produtores de energia que utilizem tecnologias diferentes. A medida deve ainda ter em conta até que ponto a capacidade de interconexão pode remediar eventuais problemas de adequação da produção.»

26

Em terceiro lugar, no n.o 229, que consta do ponto 3.9.5 «Proporcionalidade», as orientações precisam que um «[u]m procedimento de concurso competitivo, com base em critérios claros, transparentes e não discriminatórios, visando efetivamente o objetivo definido, será considerado como conducente a taxas de retorno razoáveis em circunstâncias normais».

27

Em quarto lugar, no n.o 232, alínea a), que consta do ponto 3.9.6 «Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais», as orientações salientam nomeadamente que «[a] medida deve ser concebida de modo a possibilitar que qualquer capacidade suscetível de contribuir eficazmente para resolver o problema de adequação da produção participe na medida, tendo especialmente em conta [a] participação de produtores de energia que usem tecnologias diferentes e de operadores que proponham medidas com um desempenho técnico equivalente, por exemplo, gestão do lado da procura, interconectores e armazenamento». Esta disposição precisa igualmente que a participação desses diferentes atores «só pode justificar‑se com base num desempenho técnico insuficiente requerido para resolver o problema de adequação da produção».

D. Quanto à decisão impugnada

28

Na decisão impugnada, a Comissão considerou que a medida em causa era um auxílio de Estado à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 109 a 115 da decisão impugnada).

29

Quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, a Comissão indicou que baseou a sua apreciação nos requisitos previstos no ponto 3.9 das orientações, que estabelecem os requisitos específicos da adequação das capacidades de produção.

30

No ponto 3.3.1, «Objetivo de interesse comum e necessidade do auxílio» da decisão impugnada, a Comissão referiu o seguinte:

«(118)

A Comissão considera que a medida contribui para a concretização de um objetivo de interesse comum e que se revela necessária em conformidade com os pontos 3.9.1 e 3.9.2 das orientações […].

(119)

Em primeiro lugar, o Reino Unido aplicou um método de identificação do problema da adequação. Os trabalhos de modelação levados a cabo pelo Reino Unido mostram que o “enduring reliability adequacy standard” — indicador escolhido para medir a adequação das capacidades de produção — poderia atingir níveis críticos a partir de 2018‑2019. Os resultados também coincidem com os publicados pela ENTSO‑E [European Network of Transmission System Operators for Electricity, Rede Europeia dos gestores de rede de transporte de eletricidade] no seu último relatório. […]

(120)

O relatório da National Grid sobre a capacidade foi analisado por um grupo independente de técnicos peritos (a seguir “PTE”) nomeado pelo Department of Energy and Climate Change [Ministério da Energia e das Alterações Climáticas do Reino Unido]. Em 30 de junho de 2014, o Ministério da Energia e das Alterações Climáticas publicou o relatório do PTE relativo à análise subjacente às recomendações do National Grid a respeito do valor da capacidade exigida para os primeiros leilões. O PTE concluiu que o cenário global traçado pelo National Grid e a sua metodologia eram válidos no plano dos princípios e que o National Grid procurou tomar em consideração elementos de apoio e as posições das pessoas interessadas. No entanto, houve uma opinião consensual no PTE no sentido de afirmar que o National Grid tinha tido tendência para adotar uma visão demasiado conservadora no que respeita a determinados cenários chave, nomeadamente a interconexão, o que provocou uma sobreavaliação da quantidade de capacidade exigida. O PTE também fez notar que a escolha de cenários menos conservadores teria sido suficiente para que não tivessem de ser criadas novas capacidades de produção.

(121)

As autoridades do Reino Unido explicaram que tinham levado em consideração as recomendações do National Grid e o relatório do PTE e tinham analisado atentamente as diferenças entre as respetivas análises. […] Atendendo às provas apresentadas, o Governo do Reino Unido decidiu seguir as recomendações do National Grid na qualidade de system operator.

(122)

No que respeita à participação da gestão da procura, o Reino Unido indicou que a realização dos primeiros leilões em dezembro de 2014 seria fundamental para obter informações a respeito da gestão da procura e do seu potencial. Em resposta ao relatório do PTE, a National Grid sugeriu a realização de um projeto comum com a Energy Networks Association [Associação das redes de energia] (incluindo a Distribution Network Operators) [Operadores de rede de distribuição] para compreender a capacidade atual e a capacidade potencial que a gestão da procura poderia permitir. Além disso, o Reino Unido previu disposições relativas aos leilões transitórios para apoiar o crescimento da gestão da procura entre 2015 e 2016, bem como um projeto‑piloto de 20 milhões de GBP em matéria de eficácia energética [Electricity Demand Reduction pilot]. Por último, o Reino Unido explicou que examinaria os dados resultantes dos primeiros leilões e que garantiria que as curvas da procura seriam ajustadas de forma adequada sendo que tal seria levado em consideração no processo Future Energy Scenario da National Grid para os relatórios em matéria de capacidade elétrica destinados aos futuros leilões.

[…]

(124)

A Comissão apreciou as iniciativas do Reino Unido para responder ao relatório do PTE e considerou que algumas das preocupações identificadas pelo PTE eram justificadas, em particular as previsões demasiado prudentes de acordo com as quais a interconexão teria uma contribuição líquida correspondente a zero durante os períodos de tensão na rede. […]

(125)

A Comissão considera que [os compromissos assumidos pelo Reino Unido] são suficientes para responder às preocupações de ordem metodológica existentes no que respeita ao contributo da interconexão e às previsões respeitantes a esta.

[…]

(128)

Em quarto lugar, a medida notificada pode resultar num apoio à produção a partir de combustíveis fósseis. No entanto, como indicado nos considerandos (88) a (94), o Reino Unido prevê ou aplica atualmente medidas suplementares para corrigir as falhas identificadas no mercado. Estas medidas destinam‑se a encorajar a gestão da procura, a fazer a reforma dos “cash‑out arrangements” e a promover um nível de interconexão mais elevado. A Comissão considera que estas medidas alternativas devem portanto conduzir a uma redução das capacidades exigidas a título da medida notificada. Além disso, a Comissão faz notar que o Reino Unido propõe medidas ad hoc para apoiar a produção com baixos níveis de emissão de carbono (por exemplo “Contracts for Differences”) e adotou normas de desempenho rigorosas em matéria de emissões. Consequentemente, a Comissão considera que o Reino Unido explorou de forma suficiente os meios para atenuar os efeitos negativos que a medida notificada poderia ter sobre o objetivo de eliminação progressiva das subvenções prejudiciais para o ambiente. Além disso, a Comissão faz notar que a avaliação da adequação das capacidades de produção anual leva em conta o volume de produção e a contribuição dos interconectores, permanecendo aberta a todos os tipos de prestadores de capacidade, incluindo os operadores de gestão da procura.

(129)

Quanto à carta apresentada pelos operadores de gestão da procura, a Comissão partilha a opinião do Reino Unido de acordo com a qual podem ser justificados contratos de capacidade de quinze anos para as novas centrais, ao passo que as centrais existentes e os operadores de gestão da procura, tendo em conta a menor necessidade de capital (que indica a menor importância de garantir um financiamento), não beneficiariam de forma significativa de contratos a longo prazo […]. Por conseguinte, a Comissão não considera que os contratos mais curtos coloquem claramente em desvantagem as centrais existentes e os operadores de gestão da procura relativamente às novas centrais. A medida é neutra no plano tecnológico e portanto não reforça a posição dos produtores que utilizam combustíveis fósseis. A Comissão nota igualmente que o método de amortização dos custos mantém um incentivo à redução da procura nos períodos de ponta, mantendo assim o seu caráter previsível para os fornecedores de eletricidade.»

31

No ponto 3.3.2 «Adequação do auxílio» da decisão impugnada, a Comissão afirma o seguinte:

«(130)

A Comissão considera que a medida é adequada, como exigido pelo ponto 3.9.3 das orientações. […]

(131)

Em primeiro lugar, a medida dá resposta às falhas identificadas no mercado como indicadas no Quadro 1. Além disso, a medida foi concebida para apoiar e completar as evoluções em curso no mercado e para ser coerente com o mercado interno da energia e com as políticas energéticas da União Europeia: ou seja o desenvolvimento de uma gestão ativa da procura, um aumento da concorrência e do investimento na capacidade de interconexão. […]

O mercado de capacidade ajudará ao desenvolvimento de uma gestão ativa da procura. Os recursos de gestão da procura poderão receber pagamentos de capacidade e serão tomadas medidas específicas para ajudar ao desenvolvimento da capacidade desta indústria, que ainda está a dar os primeiros passos. O mercado de capacidade apoiará a liquidez e a concorrência (simultaneamente no mercado de capacidade e no mercado da eletricidade).

[…]

(134)

Em terceiro lugar, a medida está aberta a produtores existentes e novos, aos operadores de armazenamento e aos operadores de gestão da procura. O processo de leilão foi concebido de forma a ter em conta os diferentes prazos de concretização necessários para que a capacidade esteja disponível. Os fornecedores de capacidade podem apresentar propostas para prazos de concretização de um ou quatro anos, o que deve dar resposta às necessidades das novas centrais e às necessidades de renovação das centrais existentes.

[…]

(140)

No que diz respeito à carta apresentada pelos operadores de gestão da procura, a Comissão faz notar que a exclusão dos operadores de gestão da procura que são titulares de um contrato de capacidade ao abrigo do regime de longo prazo da participação nos leilões transitórios visa, na prática, promover o desenvolvimento do setor da gestão da procura. Além disso, tendo em conta o objetivo prosseguido pela medida, a Comissão considera justificada a falta de remuneração suplementar das poupanças em matéria de perdas de transporte e de distribuição da eletricidade realizadas graças à gestão da procura.»

32

No ponto 3.3.5 «Limitação dos efeitos negativos na concorrência e nas trocas comerciais» da decisão impugnada, a Comissão precisa o seguinte:

«(149)

[A] medida é aberta a todos os produtores, aos operadores de gestão da procura e aos operadores de armazenamento existentes e novos sujeitos às condições de elegibilidade enumeradas nos considerandos (15) a (18).»

II. Tramitação processual e pedidos das partes

33

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2014, a Tempus interpôs o presente recurso.

34

Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de abril de 2015, o Reino Unido pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Despacho de 30 de junho de 2015, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção. O Reino Unido apresentou um articulado e as outras partes principais apresentaram as suas observações nos prazos fixados.

35

Tendo a composição do Tribunal Geral sido alterada, o processo foi distribuído a um novo juiz‑relator em 27 de abril de 2016.

36

Na medida em que a composição das secções do Tribunal Geral foi alterada, o juiz‑relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, em seguida, distribuído.

37

Através de uma medida de organização do processo de 20 de dezembro de 2016, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar a notificação da medida controvertida que lhe tinha sido transmitida pelo Reino Unido.

38

Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de fevereiro de 2017, a Comissão apresentou ao Tribunal uma versão não confidencial da notificação que lhe tinha sido transmitida pelo Reino Unido. Alegou que a notificação em causa era um documento confidencial, protegido pelo artigo 339.o TFUE, que não podia ser transmitido à Tempus. Declarou que não estava em medida de transmitir esse documento ao Tribunal Geral com fundamento numa medida de organização do processo em conformidade com o artigo 90.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A Comissão alegou que, caso o Tribunal Geral ordenasse a apresentação desse documento com base no artigo 91.o do Regulamento de Processo, cumpriria imediatamente essa diligência de instrução.

39

Por Despacho de 9 de março de 2017 relativo a uma diligência de instrução de apresentação de documentos, o Tribunal Geral ordenou que a Comissão apresentasse a notificação da medida em causa que lhe tinha sido transmitida pelo Reino Unido com fundamento no artigo 91.o, alínea b), no artigo 92.o, n.o 1, e no artigo 103.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. A Comissão deu cumprimento a esse pedido em 16 de março de 2017.

40

Por medida de organização do processo de 3 de abril de 2017, o Tribunal Geral indicou à Comissão e ao Reino Unido a sua intenção de juntar vários excertos da notificação ao processo. O Tribunal Geral convidou‑os a apresentar as suas observações a respeito da divulgação dos referidos excertos. O Reino Unido e a Comissão apresentaram as suas observações a respeito da divulgação desses excertos em 19 de abril de 2017 e em 24 de abril de 2017, respetivamente.

41

Em 5 de maio de 2017, alguns excertos da notificação, considerados relevantes e não confidenciais, foram juntos aos autos do processo e transmitidos à Tempus (a seguir «notificação»).

42

Através de uma medida de organização do processo de 5 de maio de 2017, o Tribunal Geral convidou todas as partes a responderem a várias questões. No essencial, o Tribunal Geral interrogou as partes a respeito de certos parágrafos das orientações e sobre determinados conceitos constantes dos mesmos. Foram dirigidas questões às partes nomeadamente a respeito das informações disponíveis no momento da adoção da decisão impugnada, no que respeita à avaliação da gestão da procura e às suas potenciais evoluções tecnológicas atendendo à segurança do armazenamento no Reino Unido. Por outro lado, a Comissão foi convidada a precisar a sua posição quanto a algumas afirmações contidas na decisão impugnada e a elementos de que dispunha aquando da sua apreciação da medida em causa. Além disso, o Tribunal convidou a Tempus a comentar as afirmações da Comissão, constantes da tréplica, no que respeita ao método de amortização dos custos. A Comissão também foi convidada a indicar os elementos em que tinha baseado a sua avaliação das necessidades de financiamento dos operadores de gestão da procura e a Tempus foi convidada a indicar que elementos de prova dessas necessidades de financiamento tinham sido fornecidos ao Reino Unido e à Comissão.

43

Em 22 de maio de 2017, as partes deram cumprimento a esta medida.

44

Por articulados apresentados na Secretaria do Tribunal em 17 de maio e em 9 de junho de 2017, a Tempus apresentou observações a respeito do relatório de audiência.

45

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 29 de junho de 2017, a Tempus, invocando o princípio da igualdade de armas, requereu que o Tribunal voltasse a apreciar o anexo B da notificação, no qual a Comissão e o Reino Unido se basearam nas respetivas respostas à medida de organização do processo de 5 de maio de 2017, e que se pronunciasse a respeito da questão de saber se lhe deviam ser comunicadas outras partes destes anexos ainda não divulgadas.

46

Por Despacho de 3 de julho de 2017 relativo a uma medida de instrução que consistiu num pedido de apresentação de documentos, o Tribunal ordenou que a Comissão apresentasse o referido anexo B da notificação, com fundamento no artigo 91.o, alínea b), no artigo 92.o, n.o 1, e no artigo 103.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. A Comissão deu cumprimento a esse pedido em 4 de julho de 2017. Em 6 de julho de 2017, este anexo, que o Tribunal declarou relevante e não confidencial, foi junto aos autos do processo e comunicado à Tempus.

47

A Tempus conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

48

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso inadmissível ou, pelo menos, improcedente;

condenar a Tempus nas despesas.

49

O Reino Unido apoia os pedidos da Comissão e conclui pela negação de provimento ao recurso.

III. Questão de direito

A. Quanto à admissibilidade

50

A Comissão relembra, na contestação, que, para que seja admissível, o recurso de uma parte interessada deve ter por objetivo garantir a salvaguarda dos direitos processuais que a mesma invoca com base no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1). Por conseguinte, os argumentos da Tempus relativos ao primeiro fundamento só devem ser atendidos na medida em que se destinam efetivamente a demonstrar que a Comissão não conseguiu ultrapassar as dúvidas com que teve de se confrontar durante a fase de análise preliminar e que tal afetou os direitos processuais da Tempus.

51

A este respeito, importa observar que o argumento da Comissão não consiste em contestar a admissibilidade do recurso na sua totalidade, mas apenas a parte da petição que não diz respeito à defesa dos direitos processuais da Tempus. Durante a audiência, a Comissão admitiu aliás que as partes estavam de acordo em considerar que a Tempus tinha legitimidade para defender os seus direitos processuais. De resto, cumpre observar que a Comissão não precisou os argumentos que, no seu entender, não deviam ser tomados em consideração por não serem relativos aos direitos processuais da Tempus.

52

Atendendo ao acima exposto, não pode ser acolhida a argumentação da Comissão quanto à admissibilidade do primeiro fundamento.

B. Quanto ao mérito

53

A Tempus, na qualidade de parte interessada e com o objetivo de garantir os direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, invoca dois fundamentos em apoio do seu recurso, sendo o primeiro relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e em várias outras normas de direito, e o segundo à falta de fundamentação.

1.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima e a uma apreciação errada dos factos

a)   Observações preliminares

54

Como explicou o Reino Unido na notificação e a Comissão na decisão impugnada, havia riscos de, num futuro próximo, a energia elétrica disponível naquele Estado‑Membro não ser suficiente para dar resposta a picos de procura. As instalações de produção mais antigas iriam fechar em breve, havendo o risco de o mercado da eletricidade não ser suficientemente apelativo para que os produtores desenvolvessem novas capacidades de produção para compensar tais encerramentos. O mercado da eletricidade também não oferecia incentivos suficientes aos consumidores para que estes reduzissem a sua procura com vista a remediar a situação. Para garantir a segurança do fornecimento, o Reino Unido considerava, portanto, necessário criar um mercado de capacidade.

55

O principal objetivo deste mercado era incentivar os fornecedores de capacidade, ou seja, em princípio, tanto os produtores de eletricidade (centrais elétricas, incluindo as centrais que utilizam combustíveis fósseis) como os operadores de gestão da procura, que propõem adiar ou reduzir o consumo, a terem em conta as dificuldades que podem ocorrer durante os picos de procura. Assim, ainda que intervenham a níveis diferentes — a oferta no caso da produção, a procura no caso do consumo — os produtores e os operadores de gestão da procura são elementos indispensáveis da estrutura e do modo de funcionamento do mercado de capacidade previsto pelo Reino Unido.

56

Para a Tempus, todavia, uma vez terminada a análise preliminar e atendendo às informações disponíveis aquando da adoção da decisão impugnada, a Comissão não podia considerar que o mercado de capacidade previsto não levantava dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A Tempus realçou assim, enquanto operador de gestão da procura, sete aspetos do mercado de capacidade que levantam tais dúvidas para efeitos da aceção deste conceito constante do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999. No essencial, alegou que o mercado de capacidade privilegia a produção relativamente à gestão da procura de forma discriminatória e desproporcionada, que vai além do necessário para atingir os objetivos do regime de auxílios e cumprir as normas da União Europeia aplicáveis.

b)   Quanto ao conceito de dúvidas e à decisão da Comissão de instaurar ou não o processo formal de investigação

57

Como resulta do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, se a Comissão considerar, depois de ter sido informada de um projeto de concessão de auxílios, que esse projeto não é compatível com o mercado interno, instaura imediatamente o processo previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. No âmbito do processo previsto nesta última disposição, a Comissão tem assim a obrigação de notificar os interessados para apresentarem as suas observações.

58

O artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999 indica, a este respeito, que, na medida em que o projeto notificado pelo Estado‑Membro em causa institua efetivamente um auxílio, será a existência ou inexistência de «dúvidas» a respeito da compatibilidade deste projeto com o mercado interno que permite à Comissão decidir dar início, ou não, ao procedimento formal de investigação no termo da sua análise preliminar, nos seguintes termos:

«1.   A Comissão procede à análise da notificação logo após a sua receção. […]

2.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado [interno], na medida em que está abrangida pelo [artigo 107.o, n.o 1, TFUE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado [interno], adiante designada “decisão de não levantar objeções”. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

4.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado [interno], decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do [artigo 108.o, n.o 2, TFUE], adiante designada “decisão de início de um procedimento formal de investigação”.»

59

O artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999 discrimina, por sua vez, as modalidades do procedimento formal de investigação:

«1.   A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. […]

2.   As observações recebidas serão transmitidas ao Estado‑Membro em causa. […] O Estado‑Membro em causa tem a possibilidade de responder às observações transmitidas […].»

60

No âmbito do controlo dos auxílios de Estado que a Comissão efetua, há que distinguir, por um lado, a análise preliminar dos auxílios, instituída pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE e que se rege pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, que tem apenas por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, o procedimento formal de investigação, a que se refere o artigo 108.o, n.o 2, TFUE e que se rege pelo o artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do processo (v. Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 57 e jurisprudência referida).

61

A Comissão pode limitar‑se à fase preliminar prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE para tomar uma decisão favorável a um auxílio se estiver convencida, após um primeiro exame, de que o projeto em causa é compatível com o Tratado FUE. Contudo, se essa primeira análise a tiver levado à convicção oposta ou se não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado interno, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e de dar início, para o efeito, ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v. Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 58 e 59 e jurisprudência referida).

62

No que diz respeito ao conceito de «dúvidas» quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, referido no artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 659/1999, a jurisprudência definiu três exigências para enquadrar a apreciação da Comissão.

63

Em primeiro lugar, este conceito tem caráter exclusivo. Assim, a Comissão não pode recusar dar início ao procedimento formal de investigação invocando outras circunstâncias, como o interesse de terceiros, considerações de economia processual ou qualquer outra razão de conveniência administrativa ou política (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T‑388/03, EU:T:2009:30, n.o 90 e jurisprudência referida, e de 10 de julho de 2012, Smurfit Kappa Group/Comissão, T‑304/08, EU:T:2012:351, n.o 78).

64

Em segundo lugar, resulta nomeadamente do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999 que, quando a Comissão não consegue eliminar as suas dúvidas na aceção desta disposição, é obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação. A Comissão não goza, a este respeito, de qualquer margem de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 113 e jurisprudência referida; e de 10 de julho de 2012, Smurfit Kappa Group/Comissão, T‑304/08, EU:T:2012:351, n.o 79 e jurisprudência referida).

65

Em terceiro lugar, o conceito de dúvidas enunciado no artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 659/1999 reveste caráter objetivo. A existência de tais dificuldades deve ser apreciada, de modo objetivo, tanto em função das circunstâncias da adoção do ato impugnado como do seu conteúdo, relacionando os motivos da decisão com os elementos de que a Comissão podia dispor quando se pronunciou sobre a compatibilidade dos auxílios controvertidos com o mercado interno. Daqui resulta que a fiscalização da legalidade efetuada pelo Tribunal Geral no que toca à existência de dúvidas vai, por natureza, além da verificação da existência de um erro manifesto de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, EU:C:2009:223, n.o 63, e de 10 de julho de 2012, Smurfit Kappa Group/Comissão, T‑304/08, EU:T:2012:351, n.o 80 e jurisprudência referida).

66

Neste contexto, no quadro da fiscalização da legalidade da decisão da Comissão de não levantar objeções, incumbe ao Tribunal analisar os argumentos avançados pela Tempus para demonstrar que, após a análise preliminar, a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 659/1999, o que deveria ter levado à adoção de uma decisão de início de um procedimento formal de investigação. Essa investigação é tão mais importante para a Tempus quanto os argumentos em causa correspondem, no essencial, aos que aquela podia ter avançado como parte interessada, fazendo uso dos seus direitos processuais no procedimento formal de investigação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, caso este procedimento tivesse sido iniciado, direitos processuais esses cuja violação a Tempus invoca no caso em apreço.

67

Para o efeito, a Tempus tem o ónus da prova a partir de um conjunto de indícios concordantes, relativos, por um lado, às circunstâncias e à duração do procedimento preliminar de investigação e, por outro, ao conteúdo da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T‑388/03, EU:T:2009:30, n.o 93). O caráter insuficiente ou incompleto da investigação levada a cabo pela Comissão no procedimento preliminar de investigação constitui um indício da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999 (v. Acórdão de 10 de julho de 2012, Smurfit Kappa Group/Comissão, T‑304/08, EU:T:2012:351, n.o 81 e jurisprudência referida). Ora, enquanto parte interessada, a Tempus não dispõe nem de poderes de investigação nem, em princípio, de capacidades de investigação comparáveis às de que dispõe a Comissão, se necessário solicitando a cooperação do Estado‑Membro em causa, para conduzir a bom porto o seu exame da medida notificada.

68

Por conseguinte, no caso em apreço e como resulta dos n.os 79 a 82, infra, estando em causa uma fase do processo em que as partes interessadas ainda não foram notificadas para apresentarem as suas observações através de uma decisão de início de um procedimento formal de investigação, basta que a Tempus exponha as razões pelas quais considera, à luz da decisão impugnada, que a Comissão devia ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno. A Tempus não é, portanto, obrigada a apresentar todos os elementos suscetíveis de demonstrar a incompatibilidade do regime de auxílios notificado.

69

A este respeito, importa recordar que, para poder efetuar uma apreciação suficiente à luz das regras aplicáveis em matéria de auxílios de Estado, a Comissão não está obrigada a limitar a sua análise aos elementos constantes da notificação da medida em causa. A Comissão pode e, sendo caso disso, deve procurar as informações relevantes para que, aquando da adoção da decisão impugnada, disponha de elementos de avaliação que podem razoavelmente ser considerados suficientes e claros para efeitos da sua apreciação. Concretizando, o Tribunal Geral já decidiu que a Comissão procedeu a um exame «ativo e diligente» da compatibilidade de um auxílio porque se interrogou quanto à procedência dos argumentos avançados pelo Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 2008, Kronoply e Kronotex/Comissão, T‑388/02, não publicado, EU:T:2008:556, n.o 127), ao passo que se considerou que esse exame era «insuficiente» porque a Comissão não obteve informações que lhe permitissem apreciar uma medida (v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T‑388/03, EU:T:2009:30, n.os 109 e 110).

70

Assim, para demonstrar a existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, basta que a Tempus demonstre que a Comissão não procurou e examinou, de forma diligente e imparcial, todos os elementos relevantes para efeitos desta análise ou que não os levou devidamente em consideração, de forma a eliminar qualquer dúvida quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno.

71

Além disso, é jurisprudência constante que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida). Ora, os elementos de informação de que a Comissão «podia dispor» incluem os que se apresentassem como relevantes para efeitos da apreciação que esta instituição devia efetuar em conformidade com o artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE e com o artigo 4.o, n.os 3 ou 4, do Regulamento n.o 659/1999.

72

Para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado interno, a Tempus pode, por conseguinte, invocar qualquer informação pertinente de que a Comissão dispunha ou podia dispor na data em que adotou a decisão impugnada. De igual modo, para efeitos da fiscalização da legalidade a que o Tribunal é chamado a proceder a este respeito, pode ser tomado em consideração qualquer elemento de informação mencionado na decisão impugnada em apoio da apreciação que aí é feita pela Comissão.

73

No caso em apreço, importa pois verificar se os elementos avançados pela Tempus no Tribunal Geral, à luz das informações disponíveis no momento da adoção da decisão impugnada, eram suscetíveis de levantar dúvidas quanto à compatibilidade parcial ou total da medida notificada com o mercado interno, impondo portanto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação, sem prejuízo do exercício posterior por parte desta instituição do seu poder de apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado na sequência da abertura do referido processo.

c)   Quanto à duração das discussões entre o Estado‑Membro e a Comissão e as circunstâncias que rodearam a adoção da decisão impugnada

74

A Tempus sublinha a importância das questões com que a Comissão foi confrontada neste processo, que era o primeiro processo de análise relativo a um mercado de capacidade e à aplicação das orientações. Concretamente, a duração das discussões entre o Reino Unido e a Comissão, antes da notificação, ultrapassou o exigido para efeitos da adoção de uma decisão de não levantar objeções e constitui um indício capaz de demonstrar a existência de dúvidas. A Tempus também observa que é paradoxal que a Comissão considere, por um lado, que não é necessário abrir um procedimento formal de investigação no primeiro mercado de capacidade que lhe foi notificado e que, em seguida, considere que importa levar a cabo a primeira de todas as investigações setoriais em matéria de auxílios de Estado, para «compreender melhor estas medidas e garantir o respeito das regras da UE» e aguardar pelas «partes interessadas que não são ouvidas no contexto dos processos comuns em matéria de auxílios de Estado» [v., Decisão C(2015) 2814 final da Comissão, de 29 de abril de 2015, de abertura de um inquérito a respeito dos mecanismos de capacidade no setor da energia em aplicação do artigo 20.o‑A do Regulamento n.o 659/1999, e respetivo comunicado de imprensa].

75

A Comissão responde afirmando que, na falta de denúncia, apenas há que ter em conta a data de notificação para determinar se a duração do procedimento preliminar de investigação é suscetível de revelar dúvidas. Ora, tendo este procedimento durado menos de dois meses, não é suscetível demonstrar a existência de dúvidas, sendo antes reflexo da inexistência das mesmas. De qualquer modo, o mercado da capacidade foi concebido no quadro de uma consulta pública nacional que terminou pouco tempo antes da notificação, sendo que as discussões que o Reino Unido pôde ter com a Comissão no contexto da pré‑notificação são necessariamente irrelevantes para saber se a Comissão podia ter dúvidas sobre a medida que acabou por ser notificada. No que respeita ao paradoxo referido pela Tempus, a Comissão alega que a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada à luz das informações disponíveis no momento em que a Comissão se pronuncia, sem que possam ser tomadas em conta as decisões adotadas posteriormente, devido ao seu «efeito psicológico». De qualquer modo, a decisão posterior de abrir um inquérito setorial sobre os mecanismos de capacidade noutros Estados‑Membros diferentes do Reino Unido, tinha por objetivo «obter uma melhor compreensão da existência e do funcionamento [desses] mecanismos». No que respeita ao mercado de capacidade do Reino Unido, uma vez terminada a análise individual da medida notificada, essa compreensão já existia.

76

Por seu lado, o Reino Unido defende que a duração da discussão que precede a notificação não é suscetível de revelar a existência de dúvidas.

77

No termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, «[p]ara que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios.» Esta obrigação de notificação permite que a Comissão exerça o seu poder de fiscalização prévia de qualquer projeto de auxílio. Com efeito, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento no 659/1999, «[a] Comissão procederá à análise da notificação logo após a sua receção». O artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999 também prevê que a Comissão dispõe de um «prazo de dois meses», que «começa a correr no dia seguinte ao da receção de uma notificação completa», para tomar uma decisão no âmbito da análise preliminar da notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, eventualmente para iniciar o processo formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE caso a medida notificada suscite dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno.

78

Há que recordar, a este respeito, que a extensão da investigação levada a cabo pela Comissão na sua análise preliminar bem como a complexidade do processo em causa podem indicar que o procedimento em questão excedeu significativamente o tempo que normalmente implicaria um primeiro exame no contexto das disposições do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Esta circunstância constitui um indício probatório da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 ou 4, do Regulamento n.o 659/1999 (v., Acórdão de 7 de novembro de 2012, CBI/Comissão, T‑137/10, EU:T:2012:584, n.o 285 e jurisprudência referida).

79

No caso vertente, não se pode deixar de constatar que a medida notificada é significativa, complexa e nova.

80

Com efeito, em primeiro lugar, na decisão impugnada a Comissão autorizou a concretização de um regime de auxílios plurianual para um período de dez anos (v. considerandos 6 e 162 da decisão impugnada). Os montantes em causa neste regime são particularmente elevados uma vez que oscilam entre 0,9 mil milhões e 2,6 mil milhões de GBP por ano (v. considerando 7 da decisão impugnada), ou seja, entre 8,1 e 23,4 milhões de GBP durante um período de dez anos, tal como foi confirmado pela Comissão na audiência. Assim, para 2018‑2019, o primeiro ano de fornecimento previsto pelo mercado de capacidade, o Reino Unido comunicou a sua intenção de leiloar uma capacidade total de 53,3 gigawatts (GW).

81

Em segundo lugar, quer a definição quer a execução desse regime de auxílios são complexas. As hipóteses apresentadas para justificar a sua existência são numerosas e assentes em probabilidades (v. considerandos 79 a 82 da decisão impugnada). Estão em causa várias categorias de operadores, em função de modalidades que podem variar para cada categoria, sendo necessário que preencham determinados critérios de elegibilidade (v. considerandos 15 a 27 da decisão impugnada). São definidos diferentes mecanismos de licitação sendo que os leilões decorrem em várias fases (v., nomeadamente, considerandos 28 a 51 da decisão impugnada). Esta medida é suscetível de produzir efeitos significativos e duradouros, eventualmente muito além do período de dez anos durante o qual a medida foi autorizada, dado que a mesma permite que alguns fornecedores de capacidade celebrem um contrato até quinze anos em cada leilão T‑4 anual (v. considerando 57 da decisão impugnada). Em particular, tais efeitos dizem respeito, direta e indiretamente e por longos períodos, a produtores já existentes e a novos produtores, bem como a operadores de gestão da procura.

82

Em terceiro lugar, como afirma a Tempus e como expôs o vice‑presidente da Comissão responsável pela concorrência ao resumir o conteúdo da decisão impugnada num comunicado de imprensa, é a primeira vez que a Comissão avalia um mercado de capacidade ao abrigo das orientações. A medida em causa é, portanto, nova quer no que respeita ao seu objeto quer no que respeita às suas implicações para o futuro.

83

Além disso, é de realçar — à semelhança do que fez a Tempus apenas para sublinhar a complexidade e a novidade das questões com as quais a Comissão se viu confrontada no presente processo — tanto o início da investigação setorial a respeito dos mercados de capacidade como a subsequente abertura, em alguns casos e por razões específicas a cada processo, de procedimentos formais de investigação relativamente aos mercados de capacidade previstos noutros Estados‑Membros. Todavia, tais acontecimentos não têm qualquer incidência na apreciação da legalidade da decisão impugnada a levar a cabo pelo Tribunal, na medida em que os referidos procedimentos são todos posteriores à adoção da decisão impugnada pela Comissão.

84

No caso vertente, está contudo demonstrado que, em 23 de julho de 2014, uma vez terminada a análise preliminar de um mês, a Comissão considerou que a medida notificada pelo Reino Unido em 23 de junho de 2014 não levantava dúvidas a respeito da sua compatibilidade com o mercado interno e que podia ser objeto de uma decisão de não levantar objeções. Os diferentes fornecedores de capacidade não foram convidados a apresentar as suas observações durante este processo, a Comissão não o considerando necessário.

85

Ao contrário do que alega a Comissão, tendo em conta as circunstâncias do presente processo, o facto de a análise preliminar apenas ter durado um mês não é um indício probatório da inexistência de dúvidas depois de concluída a primeira análise da medida em causa. Com efeito, como afirma a Tempus, também há que ter em conta a duração e o conteúdo dos contactos entre o Reino Unido e a Comissão antes da notificação da medida. Embora tais contactos não sejam novos e até sejam encorajados pela Comissão, no caso vertente assumiram, contudo, determinadas características que realçam a complexidade e a novidade da medida em causa.

86

A título preliminar, importa recordar que a fase de pré‑notificação, que é o resultado da experiência adquirida pela Comissão na condução de procedimentos de controlo dos auxílios de Estado, foi formalizada no Código de Boas Práticas para a condução dos procedimentos de controlo dos auxílios estatais, adotado pela Comissão, em 16 de junho de 2009 (JO 2009, C 136, p. 13, a seguir «código de boas práticas»). Ainda que, como aliás prevê o n.o 8 do código de boas práticas, este último não altere quaisquer direitos ou obrigações estabelecidos no Tratado FUE e nos vários regulamentos que regem os procedimentos em matéria de auxílios de Estado, o código de boas práticas permite precisar o objeto, a duração e as modalidades desses contactos informais.

87

Assim, de acordo com o n.o 10 do código de boas práticas, a fase de pré‑notificação proporciona aos serviços da Comissão e ao Estado‑Membro a possibilidade de discutir informalmente os aspetos jurídicos e económicos de um projeto de medida, antes da notificação, aumentando assim a qualidade e o caráter exaustivo das notificações. Assim sendo, esta fase prepara a via para um tratamento mais rápido das notificações, depois de apresentadas formalmente à Comissão.

88

Como revela o código de boas práticas, a fase de pré‑notificação tem por objeto facilitar a notificação do projeto previsto de modo a permitir que a Comissão proceda à sua análise otimizada a partir do momento em que recebe esta notificação. Com efeito, em aplicação do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, a notificação deve fornecer todas as informações necessárias para que a Comissão possa tomar uma decisão nos termos dos artigos 4.o (Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão) e 7.o (Decisão da Comissão de encerramento do procedimento formal de investigação) deste regulamento.

89

O principal objetivo da fase de pré‑notificação consiste, assim, em reduzir o risco de que a notificação possa ser considerada incompleta, o que consequentemente viria a atrasar o procedimento de análise do projeto notificado. Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, quando a Comissão considerar que as informações fornecidas estão incompletas, solicitará as informações adicionais necessárias durante a fase de análise preliminar.

90

Em contrapartida, a fase de pré‑notificação não tem por objetivo, sobretudo quando se trata de um caso particularmente novo ou complexo, apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado interno. A Comissão indica aliás no n.o 16 do código de boas práticas que, nesse caso, em princípio os seus serviços não fornecerão, no fim da fase de pré‑notificação uma «apreciação informal» a respeito da conformidade do projeto de notificação e da compatibilidade prima facie do projeto previsto com o mercado interno. De qualquer modo, não se pode considerar a indicação dada pela Comissão nos contactos informais e prévios durante a fase de pré‑notificação uma tomada de posição oficial da Comissão para efeitos da análise da notificação.

91

Com efeito, como prevê o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, só a partir da receção da notificação é que a Comissão procede à sua análise. Uma afirmação anterior a respeito do caráter mais ou menos completo da notificação do projeto previsto à luz das regras aplicáveis não pode, por conseguinte, ser assimilada a uma apreciação no âmbito dos procedimentos de fiscalização dos auxílios de Estado previstos pelo Tratado FUE e pelo Regulamento n.o 659/1999. A Comissão não pode confundir a fase, eventualmente prévia, de preparação da notificação, com a fase da sua análise, inicialmente preliminar e, em seguida, eventualmente formal, caso se revele necessário que a Comissão recolha todas as informações de que necessita para avaliar a compatibilidade do auxílio e que, para o efeito, solicite as observações das partes interessadas.

92

Neste contexto, em primeiro lugar, resulta da notificação que a fase de pré‑notificação, que inclui os contactos prévios à notificação entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, foi significativamente mais longa que o período de dois meses previsto em termos gerais no código de boas práticas.

93

Com efeito, os trabalhos do Governo do Reino Unido para a criação de um mercado de capacidade começaram em 2010. Desde dezembro de 2012, ou seja, cerca de 18 meses antes de a Comissão proceder à análise preliminar da notificação em aplicação do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, o Reino Unido informou a Comissão do conteúdo da medida prevista.

94

A título destes contactos informais, a Comissão comunicou ao Reino Unido uma primeira série de questões relativas a esta medida, às quais o Reino Unido respondeu em julho de 2013.

95

Também decorre da notificação que, em 25 de março de 2014, a Comissão comunicou ao Reino Unido uma segunda série de questões. Nessas 47 questões, a Comissão pedia nomeadamente que o Reino Unido facultasse informações sobre o papel da interconexão, sobre a possibilidade de a gestão da procura participar no mercado de capacidade ou sobre os diferentes períodos de duração dos contratos propostos aos produtores. A título de exemplo, na questão n.o 32, a Comissão pedia ao Reino Unido que indicasse se os operadores de gestão da procura seriam autorizados a participar no mercado de capacidade e como seriam tratados. Na questão n.o 33, a Comissão pretendia saber em que medida a capacidade associada à interconexão iria ser tomada em conta. Em 31 de março de 2014, o Reino Unido respondeu a essas questões e comunicou à Comissão a versão atualizada da medida prevista.

96

Em 17 de junho de 2014, de acordo com as explicações do Reino Unido constantes de uma correspondência de 27 de junho de 2014 e que a Comissão apresentou no Tribunal Geral, a Comissão informou o Reino Unido, «após uma apreciação preliminar» — realizada fora do quadro formal do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, uma vez que a análise preliminar só tem início a partir do momento em que a notificação é recebida — que considerava que, à primeira vista, à luz das orientações, o mercado de capacidade era compatível com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

97

Nesse mesmo dia, a Comissão comunicou ao Reino Unido uma terceira série de questões relativas, nomeadamente, ao efeito de incentivo da medida prevista sobre a proporcionalidade e sobre eventuais discriminações entre fornecedores de capacidade. O Reino Unido respondeu a estas questões diretamente na notificação, nomeadamente no anexo H, junto à referida notificação, tendo apresentado um resumo dessas respostas na correspondência acima referida de 27 de junho de 2014.

98

Nos termos das orientações (v., nomeadamente, n.os 3.9.4, 3.9.5 e 3.9.6) o efeito de incentivo, a proporcionalidade e a existência de eventuais discriminações são aspetos que devem necessariamente ser apreciados em sede de análise da compatibilidade de uma medida de auxílio à adaptação das capacidades de produção, como a do caso vertente. Por outras palavras, de forma contraditória e embora essa «apreciação informal» e não vinculativa só estivesse prevista no ponto 16 do código de boas práticas para casos particularmente novos e complexos, a Comissão já considerava nesta fase, mesmo antes da sua análise preliminar nos termos do Regulamento n.o 659/1999, que a medida prevista era, à primeira vista, compatível com as regras aplicáveis, ao mesmo tempo que considerava necessário solicitar informações sobre aspetos chave dessa análise.

99

Em segundo lugar, enquanto decorriam as acima referidas discussões entre o Reino Unido e a Comissão, o Reino Unido organizou, de 10 de outubro a 24 de dezembro de 2013, uma consulta pública nacional sobre o mercado de capacidade previsto. Esta consulta não dizia contudo respeito à questão da compatibilidade desta medida com as normas aplicáveis em matéria de auxílios de Estado. A mesma limitava‑se a evocar a necessidade de uma autorização prévia da Comissão para a execução da medida prevista.

100

A este respeito, não pode considerar‑se, como por vezes decorre da argumentação do Reino Unido e da Comissão, que essa consulta nacional possa ser equiparada a um processo que permite que as partes interessadas apresentem as suas observações, como poderia suceder se a Comissão tivesse dado início ao procedimento formal de investigação. Com efeito, no contexto dos procedimentos de fiscalização dos auxílios de Estado, o Estado‑Membro em causa, que concede o auxílio, não pode substituir‑se à Comissão, que, na qualidade de guardiã dos Tratados e em conformidade com o artigo 108.o TFUE, deve analisar todos os projetos destinados à instituição de auxílios. Incumbe à Comissão, e não ao Estado‑Membro, caso tal se revele necessário e no contexto do procedimento previsto para esse efeito, recolher todas as informações de que necessita para avaliar a compatibilidade do auxílio. De igual modo, incumbe à Comissão e não ao Estado‑Membro que concedeu o auxílio garantir que as partes interessadas apresentem as suas observações se considerarem que tal é necessário para permitir à Comissão pronunciar‑se com pleno conhecimento de causa sobre a compatibilidade do auxílio.

101

Em terceiro lugar, embora a Comissão considere não ter recebido denúncias (v. n.o 75, supra), decorre da notificação e da decisão impugnada que três tipos de operadores pretenderam, à luz das informações de que dispunham no momento em que intervieram, apresentar direta e espontaneamente as suas observações à Comissão a respeito da compatibilidade do auxílio.

102

Assim, em 30 de maio e em 26 de junho de 2014, a Comissão recebeu observações de um prestador de serviços de equilibragem nas quais invocava uma incompatibilidade do auxílio com as orientações (v. considerandos 96 e 97 da decisão impugnada).

103

De igual modo, em 9 de junho de 2014, a Comissão recebeu observações por parte da UK Demand Response Association (UKDRA, Associação de Gestão da Procura do Reino Unido) nas quais esta também alegava que a medida prevista era contrária às orientações. A UKDRA evocou, em particular, os diferentes períodos de vigência dos contratos dos operadores de gestão da procura e dos produtores, a exclusão mútua entre a participação nos leilões transitórios e nos leilões duradouros, o método de amortização dos custos do mercado de capacidade e a falta de tomada em conta do efeito da gestão da procura nos custos de transporte e de distribuição da eletricidade. A UKDRA também indicou que, desde o inquérito nacional realizado no Reino Unido, tinham sido introduzidas alterações substanciais no projeto inicial, a fim, nomeadamente, de apoiar a produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis (v. considerandos 101 e 102 da decisão impugnada).

104

Por último, em 25 de junho e 3 de julho de 2014, a Comissão recebeu correspondência de um operador que tinha adquirido centrais já existentes. Este operador alegava que a diferença de tratamento entre as centrais existentes e as novas centrais — na medida em que, nomeadamente, as primeiras só podiam aceder a contratos de um ano, ao contrário das outras — não respeitava o direito da União (v. considerandos 98 a 100 da decisão impugnada).

105

As observações do Reino Unido em resposta a estas observações foram apresentadas à Comissão no anexo I junto à notificação. A este propósito, o Reino Unido indicou que respondia às alegações feitas nas duas «denúncias» apensadas pela Comissão à terceira série de questões submetidas em 17 de junho de 2014 (concretamente, as apresentadas em 30 de maio de 2014 e em 9 de junho de 2014) bem como às alegações feitas «noutra denúncia», que, segundo o Reino Unido, ia em breve ser enviada à Comissão por um operador que tinha adquirido centrais existentes (v. considerandos 103 a 107 da decisão impugnada, com a epígrafe «Observações do Reino Unido»). Por outro lado, em correspondência de 28 de junho de 2014, dirigida à Comissão, o Reino Unido apresentou, por um lado, no contexto dos elementos relativos ao período de vigência dos contratos, à gestão de uma rede de armazenamento e à energia nuclear, tabelas que resumia as diferenças de tratamento entre os fornecedores de capacidade e, por outro, recordou que, «relativamente a cada denúncia, a notificação inclu[ía] informações adicionais, principalmente no anexo I».

106

Decorre do acima exposto que a fase de pré‑notificação ultrapassou significativamente o período de dois meses previsto, como regra geral, pelo código de boas práticas.

107

Verifica‑se igualmente que a medida prevista não somente suscitava, desde o início, várias dificuldades identificadas pela Comissão na fase de pré‑notificação, como, no fim desta fase, continuava a suscitar tais dificuldades. Com efeito, depois de mais de um ano de contactos informais, a Comissão interrogou o Reino Unido sobre o papel da interconexão, sobre o estatuto da gestão da procura e sobre as diferenças tratamento entre produtores. De igual modo, no fim do procedimento informal, a Comissão solicitou esclarecimentos ao Reino Unido a respeito de diferentes pontos referidos nas orientações e que compunham o quadro de análise da medida prevista que viria a entrar em vigor.

108

No entanto, nesta fase do processo, e ainda que a Comissão estivesse na iminência de iniciar a análise preliminar da notificação e que três tipos de operadores tivessem intervindo junto dela para comunicarem as suas preocupações quanto à compatibilidade da medida prevista, a Comissão considerou que não tinha dúvidas e que não era portanto necessário solicitar as observações das partes interessadas a respeito das diferentes escolhas a que o Reino Unido procedeu na notificação.

109

Assim sendo, a duração e as circunstâncias em que decorreu a fase de pré‑notificação, que revelam as dificuldades ocasionadas pela necessidade de reunir informações relevantes que permitissem à Comissão examinar a notificação do regime de auxílios em causa, à luz das disposições pertinentes do TFUE, do Regulamento n.o 659/1999 e das orientações, bem como as várias observações transmitidas a respeito deste regime de auxílio por três tipos de operadores diferentes, não permitem considerar que a curta duração do procedimento preliminar de análise constitui um indício da inexistência de dúvidas quanto à compatibilidade desse regime com o mercado interno, mas são, pelo contrário, suscetíveis de constituir um indício da existência de tais dúvidas.

110

Além disso, não resulta dos autos que, durante o mês que consagrou à análise preliminar da notificação, a Comissão tenha procedido a uma especial instrução do processo no que respeita ao papel da gestão da procura no mercado de capacidade. Com efeito, o único documento apresentado a este respeito pela Comissão no Tribunal é o correio eletrónico do Reino Unido de 28 de junho de 2014 (v. n.o 105, infra). Neste correio eletrónico, o Reino Unido apresenta, nomeadamente, uma descrição, sob forma de tabela, das diferenças de tratamento entre os fornecedores de capacidade em resposta a preocupações demonstradas a este respeito, provavelmente pelo operador que tinha adquirido as centrais existentes. A decisão impugnada não faz formalmente referência a esta discussão e também não permite demonstrar que, depois de ter recebido esta tabela ou outros elementos que faziam parte desta correspondência, a Comissão tenha manifestado dúvidas a respeito do seu conteúdo no que respeita ao papel da gestão da procura no mercado de capacidade ou novamente junto do Reino Unido ou junto das partes interessadas. De qualquer modo, a referida tabela limita‑se a sintetizar as diferenças existentes no mercado de capacidade apresentado na notificação entre os três tipos de operadores seguintes: em primeiro lugar, as centrais existentes e as centrais renovadas; em segundo lugar, as centrais novas; e, em terceiro lugar, os operadores de gestão da procura. Este documento não fornece elementos que permitam demonstrar que a Comissão procedeu a uma apreciação autónoma à luz dos critérios definidos nas orientações (v., a este respeito, n.os 117 e segs., infra).

111

Por conseguinte, no que respeita à duração das discussões entre o Estado‑Membro e a Comissão e as circunstâncias que rodearam a adoção da decisão impugnada, resulta do acima exposto que a medida notificada é significativa, complexa e nova, e que a mesma deu lugar a uma longa fase de pré‑notificação, por ocasião da qual a Comissão submeteu várias questões ao Reino Unido a fim de obter importantes esclarecimentos, em particular no que diz respeito à apreciação desta medida à luz das orientações. Deste facto também resulta que a medida era contestada sob três aspetos por diferentes operadores que dela deveriam beneficiar.

112

De igual modo, também não resulta dos autos que, perante tal situação, aquando da análise preliminar, a Comissão tenha efetuado uma instrução específica a respeito das informações transmitidas pelo Reino Unido no que diz respeito ao papel da gestão da procura no mercado de capacidade.

113

Ora, tendo em conta as características do regime de auxílios em causa e as especificidades da fase de pré‑notificação, a Comissão não estava perante uma situação em que pudesse contentar‑se em remeter para os elementos de informação apresentados pelo Estado‑Membro em causa sem conduzir a sua própria avaliação para analisar e, se necessário, procurar, eventualmente junto de outras partes interessadas, as informações relevantes para efeitos da sua apreciação (v. n.o 69, supra).

114

Na falta de elementos apresentados pela Comissão para demonstrar a existência dessa análise, pode pois considerar‑se que, no presente processo, esta se limitou a solicitar e a retomar os elementos necessários apresentados pelo Estado‑Membro em causa sem ter procedido a uma análise própria a este respeito.

115

Como alega a Tempus, tais circunstâncias constituem um indício suscetível de demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno.

116

Importa, portanto, verificar se os elementos relativos ao conteúdo da decisão recorrida também podem, atendendo às observações apresentadas a este respeito pela Tempus no presente processo, constituir indícios de que a Comissão deveria ter dúvidas na sequência da análise preliminar da medida notificada.

d)   Quanto à apreciação, por parte da Comissão, na fase da análise preliminar e tendo em consideração os elementos disponíveis, do papel da gestão da procura no mercado da capacidade

117

A Tempus alega que a Comissão não apreciou corretamente o papel da gestão da procura no mercado de capacidade, nomeadamente à luz das orientações cujo objetivo é «facilitar» ou «encorajar» a gestão da procura. A Tempus faz igualmente referência a documentos da Comissão que mencionam a necessidade de reconhecer «a potencial participação dos atores do pedido no sistema» para evitar «investimentos inúteis na produção». Assim, em vez de se limitar a aprovar a posição do Reino Unido, segundo a qual «a realização da primeira venda em leilão em dezembro de 2014 será essencial para a obtenção de informações sobre a gestão da procura e o seu potencial» e segundo a qual as vendas em leilão transitórias deveriam ser suficientes (v. considerando 122 da decisão impugnada), a Comissão devia ter exigido uma avaliação adequada do potencial da gestão da procura, ou ter ela própria procedido a tal avaliação. Esta análise teria tido por efeito reduzir o «montante da capacidade de produção» disponível desde os primeiros leilões T‑4 e evitar o desperdício de recursos públicos em detrimento do consumidor. A participação dos operadores de gestão da procura nos leilões T‑1 não permite compensar esta situação devido à fraca capacidade reservada a estes leilões e ao compromisso do Reino Unido de reduzir, se possível, o «montante da capacidade que pode ser obtida nas vendas em leilão previstas um ano antes em 2017». Assim sendo, a produção a partir de combustíveis fósseis beneficiaria desde o início de um «bloqueio» que poderia bloquear durante anos a capacidade suscetível de ser fornecida do lado da procura.

118

Por outro lado, as outras medidas a que a Comissão se refere na contestação não podem ser assimiladas a medidas de apoio da gestão da procura no contexto do regime de auxílios ou a medidas especialmente concebidas para dar resposta ao problema ligado à adequação da capacidade. De igual modo, contrariamente ao que alega a Comissão na contestação, o limite de entrada de 2 MW previsto para que os operadores de gestão da procura pudessem participar nas vendas em leilão do regime sustentável não é «baixo», como demonstram os exemplos provenientes de outros sistemas, como o mercado de capacidade Pennsylvania Jersey (PJM) e o New York Independent System Operator (NYISO), nos quais o limite de entrada é 20 vezes mais baixo, concretamente, 100 kW.

119

A Comissão observa que a gestão da procura é, por si só, insuficiente para prevenir o risco de escassez de capacidade. Além disso, a Tempus não demonstrou que a Comissão não apreciou corretamente o potencial papel da gestão da procura e que deveria, por esse motivo, ter tido dúvidas que a teriam obrigado a abrir o processo formal de investigação. Assim, a Tempus não fez referência às medidas gerais de apoio à gestão da procura que foram postas em prática pelo Reino Unido, independentemente do mercado de capacidade. De igual modo, a Tempus não teve em conta as características do mercado de capacidade do Reino Unido destinadas a promover a gestão da procura, como o «limite mínimo de 2 MW», exigido para participar nos leilões sustentáveis, e as modalidades de agregação para os operadores cujos CMU se situariam abaixo deste limite. Por fim, a gestão da procura não está excluída dos leilões T‑4 e os operadores de gestão da procura poderiam apresentar propostas para a mesma duração contratual que os produtores existentes. O risco de «bloqueio» das capacidades foi reduzido ao mínimo e o eventual risco residual foi compensado pelos efeitos positivos da promoção de novos investimentos para responder ao desafio da adequação das capacidades.

120

O Reino Unido considera que a Tempus lhe imputa o facto de não ter feito mais para incentivar e facilitar a gestão da procura sem ter revelado dúvidas quanto à compatibilidade do mercado de capacidade com o mercado interno. A gestão da procura não bastaria enquanto tal para garantir a segurança do fornecimento. Por conseguinte, ainda que fosse importante os operadores de gestão da procura poderem participar plenamente no mercado de capacidade, este não teria de ser concebido de modo a principalmente encorajá‑los. O Reino Unido contesta o facto de a adjudicação dos contratos de capacidade aos produtores, existentes ou novos, ser um desperdício de recursos, tendo em conta a importância desses contratos para atingir o objetivo de segurança do aprovisionamento.

1) Equivalência e interesses da produção e da gestão da procura

121

Decorre das respostas às questões escritas submetidas pelo Tribunal, em 5 de maio de 2017, que a Comissão reconhece que, nomeadamente para efeitos da execução do n.o 232, alínea a), das orientações, quer a capacidade oferecida pelos produtores quer a capacidade oferecida pelos operadores de gestão da procura podem contribuir para resolver o problema da adequação das capacidades de produção identificado pelo Reino Unido. Com efeito, uma vez questionada sobre este ponto, a Comissão sublinhou que «em princípio, os dois tipos de capacidade são suscetíveis de contribuir, pelas suas qualidades técnicas, para fazer face às falhas residuais do mercado identificadas pelo Reino Unido» (de entre as quais o «“missing money” problem» referido no considerando 85 da decisão impugnada).

122

A Comissão também concorda com a Tempus no sentido de reconhecer que o conceito de equivalência técnica não significa identidade.

123

Assim, na sua resposta, a Comissão sublinhou o seguinte:

«Importa todavia notar que os dois tipos de capacidade têm características e vantagens específicas. As (novas) capacidades de produção (nomeadamente as energias renováveis) são necessárias para servir de base à injeção de eletricidade na rede, ao passo que o nivelamento e a alteração da procura durante os períodos de ponta, através da gestão da procura, podem reduzir as necessidades em matéria de capacidades de produção, as quais apenas seriam necessárias durante um número limitado de horas ao longo do ano (sendo que, por conseguinte, construir novas capacidades de produção seria excessivamente caro para este efeito).»

124

Por seu lado, a Tempus indicou o seguinte a este respeito:

«[A] gestão da procura demonstrou que a mesma podia exceder as exigências dos desempenhos técnicos mínimos com vista ao fornecimento de capacidade, em particular quando os legisladores se preocupam em compreender a sua natureza e concebem o quadro regulamentar de modo a facilitá‑la e a promove‑la o melhor possível. A gestão da procura não é a mesma coisa que a produção e nem deve sê‑lo. “Soluções com características técnicas equivalentes” não significa que os desempenhos sejam os mesmos, mas apenas uma capacidade para atingir os mesmos resultados/produtos […]. Um sistema de energia seguro e fiável exige fontes diversificadas com diversas vantagens. Além de ser uma fonte de capacidade flexível e rentável, a gestão da procura conduz a custos inferiores e alivia a pressão exercida sobre as infraestruturas de distribuição e transmissão sendo que também reduz a necessidade de melhorar as infraestruturas com elevado aumento das despesas; a referida gestão da procura melhora a fiabilidade da rede, incentiva a inteligência e a participação dos consumidores, reforça a inovação e a concorrência no mercado de aprovisionamento, melhora o valor e a viabilidade da produção de energias renováveis intermitentes fazendo a correspondência entre os modelos de aprovisionamento sem implicar uma duplicação da produção através de uma central de combustíveis fósseis e, no conjunto, desempenha um papel único e importante na garantia da segurança do aprovisionamento a um custo mínimo para os consumidores.»

125

Decorre do que precede que, embora quer a produção quer a gestão da procura possam contribuir para resolver o problema de adequação da capacidade de produção identificado pelo Reino Unido, cada uma apresenta um interesse próprio. As capacidades de produção alimentam a rede de eletricidade ao passo que as capacidades de gestão da procura permitem o nivelamento, a resposta e a modulação da procura nos períodos de ponta, reduzindo desse modo as necessidades em matéria de capacidades de produção que apenas seriam necessárias durante um número limitado de horas ao longo do ano, o que evitaria construir novas capacidades de produção que, nestas condições, seriam demasiado dispendiosas.

126

Por conseguinte, em aplicação do n.o 232, alínea a), das orientações, incumbe à Comissão garantir que o regime de auxílios foi concebido de forma a que a gestão da procura possa estar incluída ao mesmo título que a produção, porque as respetivas capacidades permitiam solucionar de forma efetiva o problema de adequação das capacidades de produção.

127

Neste contexto, como resulta nomeadamente do n.o 226 das orientações, as medidas de auxílio devem ser abertas e dar incentivos adequados aos operadores em causa.

128

Por conseguinte, a questão central do presente processo não é tanto a de saber se a gestão da procura pode desempenhar um papel para assegurar o bom funcionamento do mercado de capacidade, o que é efetivamente o caso, nem, como afirma a Comissão e o Reino Unido, se a mesma pode responder enquanto tal e a curto prazo ao problema da adequação das capacidades, o que a Tempus não defende. A questão central é antes a de saber se o papel que pode ser desempenhado pela gestão da procura foi suficientemente avaliado tendo em conta os princípios previstos nas orientações.

129

É à luz do exposto que há que examinar os argumentos da Tempus, através dos quais critica a Comissão por ter autorizado a medida em causa, na sequência de uma análise preliminar de um mês, sem ter iniciado o procedimento formal de investigação para que pudesse recolher todas as informações de que necessitaria para avaliar a compatibilidade do auxílio e para permitir que as partes interessadas apresentassem as suas observações.

2) Papel positivo da gestão da procura

130

Como decorre do documento da Comissão de 5 de novembro de 2013, sob a epígrafe «Commission Staff Working Document, Generation Adequacy in the internal electricity market ‑ guidance on public interventions» [SWD(2013) 438 final], citado pelo Reino Unido no n.o 219 da notificação: «[o]s mecanismos de capacidade devem ser concebidos tendo plenamente em conta as características próprias da gestão da procura do que de através de uma definição de produtos na qual se parte do pressuposto de que os mesmos serão objeto de nova produção».

131

Nesta perspetiva, no n.o 220 da notificação, o Reino Unido salientou que «a gestão da procura […] t[inha] potencial para oferecer uma capacidade fiável sendo uma maneira mais rentável de assegurar a segurança do abastecimento». No mesmo ponto, o Reino Unido apresentou a gestão da procura como uma alternativa ao investimento em unidades de produção, com menor custo para os consumidores. Para este Estado‑Membro, um maior desenvolvimento da gestão da procura constitui uma etapa importante para um mercado da eletricidade mais eficaz em que os participantes respondem melhor aos mecanismos de preços reduzindo a procura quando a eletricidade é rara e os preços são elevados, ou consumindo eletricidade quando a produção excede a procura.

132

Por outro lado, o Reino Unido indicou, nos n.os 61 e 188 da notificação, que a participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade era benéfica para a concorrência no mercado de capacidade, mas também de forma mais geral no mercado da energia.

133

De igual modo, na notificação, o Reino Unido insistiu no facto de que quanto mais importante for a gestão da procura, menos a necessidade do mercado de capacidade se fará sentir. Com efeito, o Reino Unido indica que o mercado de capacidade será suprimido quando já não for necessário, o que deverá acontecer com o desenvolvimento progressivo da gestão da procura (v. pp. 7, 8, 45 e 46 da notificação).

134

Esta análise é, no essencial, a mesma que a Tempus leva a cabo na petição inicial, onde sublinhou que a tecnologia de gestão da procura permite concretamente que os clientes adiem necessidades que não estão sujeitas a restrições de tempo e, assim, aliviar os períodos de pico de procura. Um consumo otimizado, de reação rápida, substitui um consumo habitual. Neste contexto, a gestão da procura, que permite reduzir os picos de procura ou então reduzir a procura quando a produção é escassa, constitui uma alternativa à produção, nomeadamente à produção mais onerosa no plano ambiental.

135

Estas afirmações do Reino Unido e da Tempus traduzem o verdadeiro potencial que representa a gestão da procura no mercado de capacidade. Assim sendo, quanto mais rápida e precisa for a tomada em consideração desta componente de combinação de tecnologias, menos o Reino Unido terá de recorrer à capacidade de produção para dar resposta ao problema da adequação das capacidades de produção.

3) Elementos disponíveis relativos ao potencial da gestão da procura

136

Importa salientar que, no anexo B da notificação, sob a epígrafe «UK Checklist against the Commission Staff Working Document on Generation Adequacy in the internal electricity market ‑ guidance on public interventions», o Reino Unido respondeu da seguinte forma a uma questão que visava saber se «tinham sido integrados na análise [das necessidades em matéria de capacidade] o potencial da gestão da procura e uma data realista para a sua concretização»:

«A gestão da procura deve beneficiar de uma participação direta no mercado de capacidade, bem como de uma participação no regime transitório. […] Anualmente, a National Grid avaliará a quantidade de gestão da procura existente e a gestão da procura potencial suscetível de se manifestar durante esse período — no âmbito da análise que orientará a tomada de decisão quanto à capacidade a obter nos leilões. Nos Estados Unidos, o mercado de capacidade PJM permitiu que a gestão da procura fornecesse cerca de 15 GW em 10 anos [tendo este número sido atingido, com base na tabela, no período de entrega 2015/2016]. Todavia, o mercado de capacidade PJM tem o triplo da procura do mercado do Reino Unido. A National Grid considera que a procura poderia fornecer cerca de 3 GW de capacidade em 2018/19. As estimativas relativas ao desenvolvimento da gestão da procura são muito incertas e difíceis de obter. No entanto, o regime transitório apoiará o desenvolvimento deste setor e encorajará uma maior participação da gestão da procura no principal mercado de capacidade.»

137

No n.o 221 da notificação, o Reino Unido também faz referência aos resultados que puderam ser observados nos Estados Unidos indicando que «os dados provenientes dos Estados Unidos demonstraram que os mercados de capacidade com leilões centralizados foram extremamente eficazes na promoção da gestão da procura». Com efeito, de acordo com o gráfico apresentado pelo Reino Unido na notificação, a partir do período 2012/2013, a capacidade fornecida através da gestão da procura nos leilões anuais do mercado de capacidade era superior a 5 GW e atingiu os 15 GW nos contratos adjudicados em 2015/2016.

138

Por outro lado, interrogada a respeito das diferentes informações disponíveis sobre a avaliação do potencial da gestão da procura, a Tempus refere nomeadamente os relatórios elaborados pela Sustainability First em setembro de 2012 e em janeiro de 2014, solicitados pelos grandes atores do mercado da eletricidade, de entre os quais a National Grid, para observar que aí foi referido que 4 a 5 GW de capacidade fornecida pela gestão da procura podiam atualmente ser modulados graças aos clientes do setor industrial. Outros dados apresentados pela Tempus com base num relatório da Element Energy — De Montfort University Leicester, de julho de 2012, sob a epígrafe «Demand side response in the non‑domestic sector», permitia identificar entre 1,2 GW e 4,4 GW que poderiam ser deslocados num dia de pico de frio durante o inverno de 2012 a partir de edifícios não industriais e não residenciais. Para a Tempus, tal significa que pelo menos 5 GW de capacidade fornecida através da gestão da procura, ou mesmo mais, podiam estar disponíveis e ser tidos em consideração para efeitos do mercado de capacidade.

139

Por último, lendo a decisão impugnada, quando se pronunciou sobre o regime de auxílios notificado, a Comissão tinha conhecimento do relatório dos peritos técnicos (a seguir «PTE») a que as autoridades do Reino Unido tinham confiado a missão de analisar as recomendações da National Grid no que respeita à capacidade que viria a ser leiloada no mercado de capacidade em dezembro de 2014, que foi publicado em 30 de junho de 2014 pelo Ministério da Energia e das Alterações Climáticas do Reino Unido (DECC). A Comissão refere, além disso, as conclusões do relatório do PTE no considerando 120 da decisão impugnada.

140

De acordo com este relatório, que elenca o trabalho efetuado por estes peritos a partir de fevereiro de 2014, podiam ser feitas várias observações a respeito da futura concretização dos primeiros leilões T‑4 de dezembro de 2014 para o período 2018/2019.

141

Em primeiro lugar, quando descreveu a sua abordagem das estimativas da National Grid e, nomeadamente, para recordar o interesse da experiência adquirida noutros mercados de capacidade, em particular no mercado PJM, a respeito do que representa em termos práticos a gestão da procura, o PTE observou, no n.o 19 do seu relatório:

«O comité baseou‑se igualmente na experiência dos seus membros noutros mercados que têm um mercado de capacidade, como os mercados da PJM e da Nova Inglaterra, bem como na sua experiência noutros domínios chave nos quais a necessidade de aquisição de capacidade tem em conta a procura. O comité sente‑se relativamente seguro pelo facto de o DECC [se ter] baseado na experiência da PJM, mas mantém‑se apreensivo quanto à falta de provas quanto à potencial contribuição da procura, em particular no que respeita a saber em que medida a produção integrada poderia passar a estar disponível, após alguma conformação e agregação, e em que medida a [produção combinada de calor e eletricidade] pode fornecer eletricidade suplementar ao sistema a um nível que ultrapasse a sua própria procura em períodos de restrição.»

142

Em segundo lugar, quando analisa a contribuição potencial para a gestão da procura no mercado de capacidade, o PTE observou o seguinte nos n.os 96 a 106 deste relatório:

«96.

Preferimos o termo “recursos energéticos descentralizados” (DER) para fazer a leitura da contribuição que pode ser dada para gerir situações nas quais os produtores que estão ligados ao sistema de transporte não conseguem dar resposta à procura de eletricidade. Damos preferência a este termo relativamente àquele que é correntemente utilizado de “gestão da procura” que parece implicar a ideia segundo a qual a única (ou principal) contribuição da procura consiste numa redução temporária da mesma. Ora, o termo “DER” remete para uma gama completa de instrumentos, além da construção de novas centrais elétricas, que podem contribuir para a necessária resolução dos problemas de capacidade. É urgente começar a recolher mais informações neste domínio para que as decisões que venham a ser tomadas no futuro sejam mais esclarecidas, sobretudo devido ao facto de não existir uma organização geral que estude o sistema elétrico como um todo. Estes instrumentos são os seguintes: a) regulação direta da carga, b) produção integrada, c) produção de substituição, d) gestão da procura, e) eficácia energética, f) substituição dos combustíveis (por exemplo, recorrer à combustão do gás mais do que à eletricidade), g) cargas que podem ser interrompidas, h) projeto integrado de gestão da procura (por exemplo, utilizar as baterias dos carros elétricos estacionados como potência de reserva), i) deslocação da carga, j) contadores inteligentes, k) correção do fator de potência.

97.

Para analisar as bases de construção de um modelo, é desde já importante reconhecer que a lista dos candidatos que podem fornecer capacidade no ângulo da procura é longa. Há também que observar que existem diferenças qualitativas entre estes instrumentos.

98.

Por exemplo, a deslocação da carga pode consistir em incentivar um utilizador que consome eletricidade para refrigeração a reduzir a sua procura durante algumas horas e a confiar na inércia térmica para evitar qualquer prejuízo. Esse utilizador pode muito bem ser parte num contrato de fornecimento de um período (por exemplo) de dois anos, renegociado anualmente ou de dois em dois anos; nesse caso, este consumidor estaria atento aos sinais dados nos leilões a curto prazo.

99.

Por outro lado, pode prever‑se outro instrumento potencial, como a construção de uma central de cogeração ou um sistema de gestão da energia nos edifícios com vista a otimizar a gestão da procura, sendo que, nesse caso, para obter financiamento, seria necessário garantir o grau de certeza associado a um contrato de capacidade a longo prazo. O aspeto essencial é o seguinte: para avaliar o que é possível fazer com a gestão da procura é necessário determinar os potenciais instrumentos que com maior probabilidade darão resposta aos sinais do mercado de capacidade e aqueles que não darão essa resposta pelo facto de os incentivos não corresponderem às necessidades dos atores em causa.

100.

Observe‑se que a metodologia do DECC para determinar o nível de contribuição da DSR para a capacidade é conforme às abordagens seguidas na Nova‑Inglaterra e às da PJM (com exceção da incidência sobre as perdas). Nesta medida, está criada a ocasião para confirmar as hipóteses mediante a comparação e distinção destes sistemas.

101.

Nas conversações com a DECC e a N[ational] G[rid], ficámos conscientes de que a gestão da procura ainda não é tão bem aceite como a produção tradicional. Não se trata de uma crítica, uma vez que tal não faz parte do papel da N[ational] G[rid], que está claramente separada dos operadores de rede de distribuição e dos fornecedores de eletricidade autorizados, e uma vez que ninguém tem simultaneamente uma compreensão completa e detalhada dos dados relativos à procura, por um lado, e a motivação para proceder à recolha dos mesmos, por outro. Por exemplo, respostas a questões como a de saber “qual é a média da disponibilidade da CHP em caso de pressão sobre o sistema” não são conhecidas, ainda que as médias anuais o sejam.

102.

Por todas estas razões, compreendemos perfeitamente que a NG N[ational] G[rid] não tenha estado em medida de proceder a uma análise da gestão da procura com o rigor e a qualidade que até agora têm caracterizado uma grande parte das suas outras atividades. Tal significa contudo que é urgente criar um processo sistemático que permita garantir que os recursos provenientes da gestão da procura não sejam desperdiçados e que não sejam as novas capacidades de produção a compensar as falhas resultantes de uma má utilização destes recursos.

[…]

104.

Ainda que não pretenda conhecer todos os recursos potencialmente disponíveis graças à gestão da procura, a opinião do comité é de que a estrutura atualmente concebida assenta em hipóteses relativamente moderadas quanto à capacidade que pode ser obtida. A este respeito, importa notar que o mecanismo de capacidade é mais adequado para determinados comportamentos, métodos e tecnologias do que para outros.

105.

Por conseguinte, mesmo que as experiências internacionais em matéria de DER, particularmente nos Estados Unidos, sobre as quais o comité divulgou informações, indiquem que os DER podem potencialmente contribuir para os mercados de capacidade de forma significativa e útil (o que levou a uma diminuição da necessidade de capacidades de produção suplementares), as ambições devem ser mais modestas no quadro da estrutura atualmente concebida para o Reino Unido. A título de justificação destas ambições modestas sublinhamos que, por exemplo, os produtores tradicionais receberão pagamentos e receitas relacionados com a utilização da rede de transporte no âmbito do mecanismo de capacidade, ao passo que os produtores descentralizados poderão beneficiar de incentivos mais baixos do que os produtores tradicionais se não puderem beneficiar simultaneamente das vantagens decorrentes de evitar a tríade e das receitas decorrentes do mecanismo de capacidade.

106.

Com base na interpretação do mercado de capacidade proposto para os DER feita pelo comité, consideramos que o potencial demonstrado noutros mercados em que são realizados leilões de capacidade, nomeadamente os mercados dos Estados Unidos, será utilizado de forma limitada e que a compreensão deste aspeto exige conhecimentos muito melhores a respeito da gama de instrumentos disponíveis em matéria de gestão da procura. A consequência essencial deste facto na conceção do modelo é a seguinte: a respetiva incidência no nível presumido da procura em período de ponta, principal fator a determinar a capacidade que deve ser adquirida, não é tão contestável quanto se poderia pensar.»

143

À semelhança do que fez a Tempus no seu recurso, esta análise realça a necessidade urgente de definir incentivos adequados para que a gestão da procura possa participar efetivamente no mercado de capacidade com todo o seu potencial. Tal análise evitaria assim que as modalidades definidas pelo mercado de capacidade não «destruam» o potencial da gestão da procura, substituindo‑o por novas capacidades de produção. A este respeito, o PTE lamenta a atual inexistência de uma organização capaz de reunir os dados necessários para compreender e recolher as informações relativas ao potencial de gestão da procura sob diferentes aspetos, ainda que alguns dados já estejam disponíveis.

144

Embora a National Grid e o Ministério da Energia e Alterações Climáticas do Reino Unido sejam criticados a este respeito pelo PTE, é possível pensar que a Comissão, no âmbito de um procedimento formal de investigação, dispõe dos meios suficientes para solicitar e obter as informações relevantes para avaliar a situação, nomeadamente com vista a definir a potencial necessidade e, sendo caso disso, o nível de incentivo necessário para permitir explorar as reais potencialidades da gestão da procura para responder à necessidade de adequação das capacidades identificada pelo Reino Unido.

145

Em terceiro lugar, para manifestar as suas preocupações quanto à falta de informações e de compreensão da gestão da procura no Reino Unido, nas suas conclusões e recomendações, o PTE observa o seguinte no n.o 6, alínea c), e nos n.os 119 e 132 do seu relatório:

«O comité exprimiu os seus receios a respeito da falta de informações e de conhecimentos sobre a redução da procura (DSR). Prefere o termo “recursos energéticos descentralizados” (DER), que remete para a gama completa de contribuições que podem ser provenientes de fontes diferentes dos produtores tradicionais, ao passo que o termo “DSR” parece limitar a tomada em consideração da procura às meras reduções da mesma e da produção integrada. Realçando a importância de desenvolver no DECC e na N[ational] G[rid] conhecimentos sólidos em matéria de DER, o comité recomendou um programa de estudo adicional neste domínio para explorar no futuro as possibilidades oferecidas pelas DER.

[…] O cenário geral e a abordagem com base num modelo adotados pela NG são válidos no plano dos princípios, sendo que a NG procurou ter em consideração elementos de apoio e as opiniões dos interessados. Todavia, ainda que tenha chegado a um consenso, o comité considera que a NG teve tendência para adotar um ponto de vista demasiado prudente a respeito de vários pressupostos essenciais, sobretudo quanto aos fluxos de interconexão, e que exagerou o montante a adquirir ao considerar estes fluxos (e as condições meteorológicas) variáveis em vez de incluir as capacidades de interconexão com base na probabilidade estimada da sua disponibilidade (como no caso de uma central). Em contrapartida, se os fluxos reais de interconexão esperados ascendessem a 2,25 GW (descritos como provenientes em 75% das importações), o montante de capacidade a adquirir diminuiria e, graças a ligeiros esforços suplementares com vista a beneficiar da DSR e a acelerar a concretização de capacidades de interconexão, assim como se contarmos com uma oferta acrescida proveniente das centrais a carvão nos leilões, este montante poderia ser suficiente para evitar novas CCGT [turbinas a gás de ciclo combinado].

[…] Recomendação 9: […] logo que possível deve ser posto em prática um programa de investigação de todo o potencial dos DER de modo a fornecer informações úteis aos futuros leilões; a tónica deve ser particularmente colocada nos instrumentos referidos no presente relatório que permitem diminuir a procura em períodos de pico de procura.»

146

Nesta fase da apreciação, o Tribunal constata que, quando procedeu à sua análise preliminar, a Comissão estava em medida de analisar elementos que permitiam não apenas levar em consideração o papel atual da gestão da procura, uma tecnologia considerada fiável e rentável para as autoridades do Reino Unido, cuja utilidade e eficácia já estavam demonstradas pelos exemplos americanos, mas também levar em consideração o potencial real da gestão da procura, como ilustra nomeadamente a estimativa feita pela National Grid, citada pelo Reino Unido na notificação, de acordo com a qual a gestão da procura podia fornecer cerca de 3 GW de capacidade em 2018/2019.

147

De igual modo, a Comissão tinha conhecimento das dificuldades evocadas pelo PTE no que diz respeito à tomada em consideração do potencial da gestão da procura no mercado de capacidade. Tal como aconteceu para a tomada em consideração do potencial da interconexão, relativamente ao qual as preocupações demonstradas pelo PTE foram classificadas como «sérias» pela Comissão no considerando 124 da decisão impugnada, como decorre dos n.os 141 a 145, supra, havia riscos de que o mercado de capacidade previsto não levasse suficientemente em conta o potencial da gestão da procura ou, em sentido mais lato, todo o potencial que pudesse diminuir a necessidade de recorrer à capacidade de produção para dar resposta ao problema da adequação das capacidades.

148

A este respeito, importa recordar que decorre do n.o 224 das orientações que a apreciação da incidência da participação dos operadores de gestão da procura constitui uma das componentes da análise que a Comissão deve efetuar quando se pronuncia a respeito da necessidade de uma intervenção do Estado.

149

No entanto, neste contexto, decorre da decisão impugnada que a Comissão considerou que, para apreciar a tomada em consideração efetiva da gestão da procura — e deixar de estar numa situação em que poderia ter dúvidas a respeito da compatibilidade do regime de auxílios com o mercado interno —, bastaria aceitar as modalidades previstas pelo Reino Unido a este respeito.

150

Com efeito, como a Comissão afirmou no considerando 122 da decisão impugnada, no contexto da apreciação que levou a cabo da compatibilidade do auxílio e da necessidade de uma intervenção do Estado, bastava observar o seguinte:

«O Reino Unido alegou que o primeiro leilão de dezembro de 2014 desempenharia um papel chave para revelar informações a respeito da gestão da procura e do seu potencial» e «explicou que examinaria as informações resultantes do primeiro leilão T‑4 e garantiria que as curvas de procura seriam adequadamente ajustadas, circunstância que seria levada em consideração no processo Future Energy Scenario da National Grid nos relatórios a respeito da capacidade elétrica destinados aos futuros leilões»;

«[E]m resposta ao relatório do PTE, a National Grid sugeriu um projeto comum com a Energy Network Association [Associação das redes de energia] (incluindo os Distribution Network Operators) [Operadores de redes de distribuição]»;

«[A]lém disso, o Reino Unido criou disposições relativas aos leilões transitórios para apoiar o crescimento do setor da gestão da procura de 2015 a 2016, bem como um projeto piloto de 20 milhões de GBP em matéria de eficácia energética [Electricity Demand Reduction pilot]».

151

No considerando 128 da decisão impugnada, a Comissão também afirmou que, ainda que o regime de auxílios «p[udesse] resultar num apoio à produção a partir de combustíveis fósseis», estava em medida de declarar que a avaliação do problema da adequação das capacidades, levada a cabo anualmente, tomava em consideração todos os tipos de operadores, incluindo os operadores de gestão da procura (v. também considerandos 134 e 149 da decisão impugnada noutras fases da análise). A Comissão concluiu, no considerando 129 da decisão impugnada, que «a medida é neutra no plano tecnológico» e que, por conseguinte, não tem por efeito reforçar a posição dos produtores de eletricidade a partir de combustíveis fósseis.

152

Quando confrontadas com os elementos disponíveis, acima referidos, e com os elementos de que a Comissão podia dispor com recurso aos instrumentos disponibilizados pelo Regulamento n.o 659/1999, bem como com a importância do papel que a gestão da procura podia desempenhar no mercado de capacidade, nomeadamente para melhor definir a necessidade de uma intervenção estatal e limitar o auxílio à produção de combustíveis fósseis a um montante adequado, tais apreciações não permitiam à Comissão eliminar as dúvidas que decorriam dos elementos de que já dispunha ou de que podia dispor quando adotou a decisão impugnada.

153

Em especial, como resulta do n.o 226 e do n.o 232, alínea a), das orientações, nos termos dos quais as medidas de auxílios «deveriam ser abertas», mas também «proporcionar incentivos adequados tanto a atuais como a futuros produtores e a operadores que usem tecnologias substituíveis, tais como soluções de adaptação do lado da procura», e «deveriam ser concebidas de modo a que qualquer capacidade suscetível de contribuir eficazmente para resolver um problema de adequação da capacidade de produção faça parte das referidas medidas», era particularmente importante que a Comissão assegurasse que o mercado de capacidade em causa permitia que todas as soluções participassem efetiva e eficazmente, cada uma com as suas vantagens e inconvenientes, na solução do problema de adequação das capacidades de produção.

154

Ao contrário do que afirma na decisão impugnada, tendo em conta os elementos disponíveis e o papel da gestão da procura, no caso vertente, a Comissão não podia limitar‑se a constatar o «caráter aberto» da medida e, consequentemente, concluir no sentido da sua neutralidade no plano tecnológico, sem analisar mais detalhadamente o caráter efetivo e eficaz da tomada em consideração desta solução tecnológica no mercado de capacidade.

155

Com efeito, embora decorra da decisão impugnada que a Comissão analisou os elementos invocados pelo Reino Unido relativos à tomada em consideração da capacidade de produção no mercado de capacidade e que também analisou, nomeadamente devido às preocupações constantes do relatório do PTE, os elementos posteriormente avançados a respeito da tomada em consideração da capacidade fornecida pela interconexão, nenhum dos elementos referidos na decisão impugnada permite concluir que a Comissão procedeu a uma análise própria da tomada em consideração efetiva da gestão da procura neste mercado, cujo potencial foi reconhecido e considerado útil. A título de exemplo, não é feita nenhuma referência na decisão à estimativa de 3 GW evocada pela National Grid. Ao não examinar o papel e a capacidade potenciais da gestão da procura no mercado de capacidade, a Comissão aceitou as informações e as hipóteses apresentadas pelo Reino Unido (v. n.os 149 a 151, supra), apesar da influência de tais informações e hipóteses na quantidade de capacidade que seria leiloada e no montante do auxílio que seria necessário para efeitos do mercado de capacidade.

156

Assim sendo, quanto ao resultado do primeiro leilão T‑4 de dezembro de 2014, e uma vez que o mesmo decorreu segundo modalidades que não tiveram suficientemente em conta o potencial da gestão da procura, existe um risco — como evocado, nomeadamente, no relatório do PTE — de que seja conferido à capacidade de produção um papel mais relevante do que o necessário. Não é portanto de excluir que, se a Comissão tivesse levado a cabo a sua própria análise do potencial da gestão da procura, nomeadamente para se questionar a respeito da forma como deveriam ser tidas em conta as estimativas feitas pela National Grid ou por outras fontes, ou a respeito das razões que conduziram ao sucesso dos exemplos americanos, as modalidades de participação dos operadores de gestão da procura teriam sido diferentes.

157

Por outro lado, no que diz respeito aos leilões T‑1, há que recordar que, de acordo com os considerandos 45 a 47 da decisão impugnada, será deduzida uma certa quantidade de capacidade dos leilões T‑4 para ser «reservada» aos leilões T‑1, a partir de uma estimativa da capacidade de gestão da procura «rentável» que poderia ser leiloada. Este montante também pode ser reduzido se a procura baixar entre os leilões T‑4 e T‑1. Ora, como confirmado na audiência, decorre destes considerandos que o Governo do Reino Unido se comprometeu a leiloar pelo menos 50% desta capacidade «reservada» no leilão T‑1, tendo ao mesmo tempo salvaguardado a hipótese de não cumprir tal compromisso caso a gestão da procura não se viesse a revelar «rentável a longo prazo» ou caso se viesse a considerar que o setor da gestão da procura tinha atingido maturidade suficiente. Com efeito, a Regulation 10 do Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica, sob a epígrafe «Determinar se um leilão deve ser realizado», prevê, por exemplo, no seu n.o 3 que o secretário de Estado competente pode decidir que não se realizarão os leilões T‑1 se as previsões demonstrarem que nenhum fornecedor de gestão da procura licitará nesse leilão. Por conseguinte, dado que os leilões T‑1 dependiam nomeadamente de uma estimativa da capacidade de gestão da procura «rentável» pronta para participar nos leilões, a capacidade potencial da gestão da procura e a sua avaliação exigiam uma análise da Comissão na decisão impugnada.

158

Assim sendo, os elementos relativos ao potencial da gestão da procura, nomeadamente atinentes à importância do papel que esta solução tecnológica poderia desempenhar no mercado de capacidade, podiam constituir um indício da existência de dúvidas a respeito da compatibilidade deste regime com o mercado interno, dúvidas essas que, lendo a decisão impugnada, não é possível considerar que a Comissão tenha esclarecido depois de terminar a sua análise preliminar.

e)   Quanto ao alegado tratamento discriminatório ou desvantajoso da gestão da procura no mercado de capacidade

159

A Tempus defende, em substância, que a apreciação da medida em causa deveria ter levantado dúvidas a respeito da sua compatibilidade com o mercado interno devido a várias violações dos princípios da igualdade de tratamento, da proteção da confiança legítima e da proporcionalidade, nomeadamente em detrimento dos operadores de gestão da procura. Em particular, a Tempus invoca argumentos relativos ao tratamento dos operadores de gestão da procura no que respeita à duração dos contratos de capacidade, ao método de amortização dos custos do mercado de capacidade, às condições de participação no mercado de capacidade e à falta de remuneração suplementar dos operadores de gestão da procura em casos de limitação das perdas de transporte e de distribuição da eletricidade.

1) Quanto à duração dos contratos de capacidade

160

A Tempus defende, no essencial, que a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, na medida em que reservou a possibilidade de obtenção dos contratos de capacidade de duração superior a um ano aos produtores com despesas de capital superiores a um certo limite, tendo assim violado o princípio da igualdade de tratamento em detrimento dos operadores de gestão da procura. Este tratamento discriminatório é contrário ao objetivo de neutralidade tecnológica da medida em causa, confere uma vantagem concorrencial aos produtores e conduz a bloquear uma grande parte da procura que poderia ter sido evitada graças à gestão da procura.

161

A Tempus alega que esta desigualdade de tratamento não é justificada pelos custos de investimento mais elevados que alegadamente suportam os produtores que renovam uma central existente ou que constroem uma nova central. Com efeito, os operadores de gestão da procura e os seus clientes também incorrem em despesas de investimento. Além disso, os clientes dos operadores de gestão da procura pretendem obter garantia de que terão rendimentos durante vários anos antes de fazerem tais investimentos. A Tempus alega que foram comunicadas informações ao Reino Unido a este respeito e que, na notificação, este último não podia limitar‑se a afirmar que o setor da gestão da procura não tinha feito prova «quantitativa» da necessidade de celebrar contratos a longo prazo para apoiar a participação dos operadores de gestão da procura nos leilões.

162

A Comissão responde, no essencial, que analisou corretamente a medida em causa no que respeita ao tratamento conferido aos operadores de gestão da procura relativamente ao tratamento dos outros fornecedores de capacidade e que constatou que esta medida lhes permitia estar em concorrência atendendo às suas características próprias. A diferença entre as durações dos contratos propostas é justificada pelo objetivo central prosseguido pela medida em causa, que consiste, concretamente, em assegurar a disponibilidade futura de capacidade suficiente, inclusive através do encorajamento de investimentos em centrais novas. Os operadores de gestão da procura não podem beneficiar de contratos com uma duração superior a um ano porque não têm as mesmas necessidades de financiamento que os produtores que procedem à renovação de uma central existente ou que constroem uma central nova. A este respeito a Comissão alegou que, durante o procedimento administrativo, nem a Tempus nem a UKDRA apresentaram uma argumentação estruturada segundo a qual os operadores de gestão da procura teriam necessidade de investimentos de um nível comparável aos projetos de renovação de centrais e de construção de centrais novas, também não tendo produzido elementos de prova quantitativos a este respeito.

163

Na sua resposta às questões escritas do Tribunal, a Comissão alega que, devido ao elevado nível dos investimentos, caso apenas fossem propostos contratos de um ano às centrais a renovar e às centrais novas, provavelmente as mesmas simplesmente não participariam nos leilões ou seriam excluídas dos mesmos, pois a sua proposta seria superior ao limite de preço; caso conseguissem apresentar propostas, fá‑lo‑iam provavelmente a um preço muito elevado, que passaria a ser o preço de encerramento do leilão. De acordo com a Comissão, tal não só conferiria benefícios excecionais aos produtores existentes e aos operadores de gestão da procura como implicaria custos elevados para todos os clientes finais e, por conseguinte, um montante desproporcionado de auxílio.

164

A este respeito, segundo jurisprudência estabelecida, o princípio da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado. O caráter comparável de situações diferentes é apreciado tendo em conta todos os elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, designadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio a que pertence o ato em causa (v. Acórdãos de 12 de dezembro de 2014, Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português/Comissão, T‑487/11, EU:T:2014:1077, n.o 139 e jurisprudência referida).

165

No caso vertente, a título preliminar, importa começar por constatar que a medida em causa não oferece aos operadores de gestão da procura nenhuma possibilidade de celebração de contratos de capacidade com duração superior a um ano.

166

De acordo com a decisão impugnada, apenas os fornecedores de capacidade que incorram em gastos de capital superiores a 125 GBP por kW (centrais a renovar) são elegíveis para a celebração de contratos de capacidade de duração máxima até três anos e apenas os fornecedores de capacidade que incorram em gastos de capital superiores a 250 GBP por kW (centrais novas) são elegíveis para a celebração de contratos de capacidade de duração máxima até quinze anos (considerando 57 da decisão impugnada).

167

Ora, ainda que o considerando 57 da decisão impugnada utilize um termo tecnologicamente neutro como «fornecedor de capacidade», decorre da notificação e da leitura combinada da Regulation 2(1), das Regulations 4, 5 e 11(3) do Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica que os contratos de capacidade com uma duração máxima de três e de quinze anos são expressamente reservados aos CMU de produção com gastos de capital que ultrapassam os limites fixados pelo secretário de Estado, com exceção dos CMU de gestão da procura.

168

Por conseguinte, por um lado, os operadores de gestão da procura não são elegíveis para efeitos da celebração de contratos de capacidade com uma duração até três ou quinze anos, mesmo que demonstrem ter incorrido em gastos de capital superiores aos limites fixados para os CMU de produção na medida em causa. Por outro lado, a medida em causa não prevê nenhum limite de gastos de capital específico para os CMU de gestão da procura que permitiria a esses operadores celebrarem contratos de capacidade com duração superior a um ano.

169

Na decisão impugnada, a Comissão confirmou a posição do Reino Unido segundo a qual era adequado propor contratos de capacidade com uma duração máxima até três ou quinze anos nos CMU de produção cujos gastos de capital ultrapassavam um certo limite fixado pelo secretário de Estado e era justificado apenas propor contratos de capacidade com duração de um ano aos CMU de gestão da procura (considerandos 106, 129 e 145 da decisão impugnada). Assim sendo, a Comissão considerou que os operadores de gestão da procura necessitavam de incorrer em menos gastos de capital do que os produtores que construíam ou renovavam centrais. Com esse fundamento, a Comissão aceitou que as unidades de produção novas ou a renovar, que implicam elevados gastos de investimento, fossem elegíveis para celebrar contratos de capacidade mais longos de modo a permitir que os operadores obtivessem o financiamento necessário, tendo considerado que o facto de serem propostos contratos de capacidade mais curtos aos operadores de gestão da procura não os colocava em desvantagem em relação aos operadores de centrais a renovar ou de centrais novas. Por conseguinte, a Comissão concluiu que a medida em causa era neutra no plano tecnológico e que a mesma não reforçava a posição dos produtores que utilizam combustíveis fósseis.

170

Importa, pois, verificar se a Comissão podia confirmar o tratamento diferenciado dos operadores de gestão da procura relativamente ao tratamento dos produtores sem dar início a um procedimento formal de investigação, ou se a impossibilidade de os operadores de gestão da procura obterem contratos de capacidade de duração superior a um ano deveria ter conduzido a Comissão a ter dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

171

A este respeito, em primeiro lugar, há que constatar que a medida em causa se destina a ser neutra do ponto de vista tecnológico, em conformidade com o previsto no n.o 226 das orientações.

172

Assim, decorre da decisão impugnada que a medida em causa visa obter capacidades suficientes para assegurar a segurança de aprovisionamento em eletricidade no Reino Unido (considerandos 4 e 126 da decisão impugnada).

173

De forma mais detalhada, decorre da notificação que o objetivo principal da medida em causa é permitir o fornecimento de uma capacidade fiável e adequada no mercado da eletricidade no Reino Unido a um custo mínimo para os consumidores, de forma a minimizar as consequências involuntárias e os riscos imprevistos, e apoiar a concretização dos objetivos governamentais mais amplos, concretamente, permitir a descarbonização do mercado da eletricidade, o desenvolvimento de uma procura mais reativa e a integração acrescida do mercado interno da energia (n.o 139 da notificação). Além disso, para atingir o objetivo de garantir a segurança do aprovisionamento em eletricidade no Reino Unido, a notificação precisa que a medida em causa visa incentivar investimentos suficientes nas capacidades de produção e nas outras capacidades, incluindo um apoio específico para as soluções ao nível da procura (n.o 140 da notificação). Estes objetivos correspondem aos objetivos referidos nos n.os 216 a 221 das orientações como legítimos para medidas de auxílio a favor da adequação das capacidades.

174

Ora, no que respeita ao objetivo principal de garantir a segurança do aprovisionamento em eletricidade, como já foi exposto no n.o 121, supra, e como a Comissão reconheceu expressamente na sua resposta às questões escritas do Tribunal em 5 de maio de 2017, é pacífico entre as partes que quer a capacidade oferecida pelos produtores quer a que é oferecida pelo operadores de gestão da procura, em princípio, podem contribuir para resolver o problema da adequação das capacidades.

175

De igual modo, no que respeita ao objetivo subsidiário de incitar investimentos suficientes em novas capacidades, importa constatar que o objetivo da medida em causa visa expressamente quer as capacidades de produção quer as outras capacidades, como a gestão da procura. Na notificação foi aliás expressamente sublinhado, no n.o 355, que o mercado de capacidade não visa obter quantidades pré‑definidas de capacidade por cada tipo de tecnologia. Pelo contrário, a medida em causa visa deixar ao mercado a tarefa de determinar qual a quantidade ideal de cada tipo de capacidade (novas capacidades de produção, capacidades de produção a renovar, capacidades de produção existentes, capacidades de gestão da procura não confirmadas), de modo a atingir o nível de segurança de aprovisionamento definido pelo Reino Unido.

176

Daqui decorre que importa considerar que os operadores de gestão da procura estão numa situação equivalente à dos produtores no que respeita aos objetivos de segurança do aprovisionamento de eletricidade prosseguidos pela medida em causa, que são tecnologicamente neutros. É tanto mais assim quanto as orientações exigem que as medidas de auxílio que criam um mercado de capacidade sejam abertas e forneçam incentivos adequados quer aos produtores existentes quer aos futuros produtores, e aos operadores que utilizam tecnologias substituíveis, como as soluções de adaptação da procura ou de armazenamento (n.o 226 das orientações). Incumbia, portanto, à Comissão verificar se o facto de as ofertas de contratos de capacidade com uma duração superior a um ano estarem limitadas às capacidades de produção permitia, apesar disso, garantir a neutralidade do mercado de capacidade no plano tecnológico, sem que a concorrência entre produtores e operadores de gestão da procura fosse falseada.

177

Em segundo lugar, decorre da decisão impugnada que o facto de os contratos de capacidade de duração superiores a um ano serem propostos a determinados fornecedores de capacidade era justificado com base nos elevados gastos com capital dos referidos contratos e com as respetivas dificuldades de financiamento.

178

Assim, de acordo com a decisão impugnada, o facto de os contratos de capacidade de duração mais longa serem propostos a novos intervenientes no mercado é justificado pela promoção da chegada ao mercado de novos operadores concorrentes. Oferecer aos novos intervenientes no mercado um contrato a longo prazo permitir‑lhes‑ia obter um financiamento a menor custo para o seu investimento. Tal permitiria também atenuar as barreiras à entrada no caso das empresas independentes que não podem financiar o seu investimento em novas capacidades com rendimentos provenientes de outras centrais da sua carteira. Ao encorajarem a concorrência no mercado de capacidade, os contratos de longa duração poderiam, por conseguinte, reduzir os custos suportados pelos consumidores nos mercados de energia e de capacidade. A oferta de contratos de longa duração deveria igualmente reduzir o risco de que os participantes com despesas de investimento ou de renovação muito elevadas procurassem recuperar as suas despesas na íntegra durante o período de vigência de um contrato de um ano (considerando 59 da decisão impugnada).

179

Portanto, decorre da decisão impugnada que a proposta de contratos de capacidade de duração mais longa visa pôr em prática objetivos neutros do ponto de vista tecnológico, relembrados no n.o 173, supra, e que consistem em garantir a segurança do aprovisionamento em eletricidade através do incentivo a investimentos adequados em capacidade. Além disso, ainda que na decisão impugnada se insista na necessidade de encorajar novas entradas no mercado, não se pode deixar de constatar que o facto de propor contratos de capacidade de duração superior a um ano prossegue um objetivo mais lato, dado que os operadores que renovem as centrais existentes também são elegíveis para a celebração de contratos de capacidade com uma duração máxima de três anos. Daqui decorre que o facto de serem propostos contratos de capacidade com uma duração mais longa tem como principal razão a necessidade de colmatar as dificuldades de financiamento de certos operadores devido aos seus elevados gastos em capital, garantindo‑lhes um rendimento por vários anos, bem como conferir a esses operadores os meios que lhes permitam fazer ofertas concorrenciais nos leilões e dessa forma possibilitar que recuperem as despesas em que incorreram durante vários anos.

180

Importa, portanto, constatar que o critério decisivo pelo qual se pautou a medida controvertida para escolher os operadores elegíveis para a adjudicação de contratos de capacidade de duração superior a um ano foi o nível de gastos em capital bem como as dificuldades de financiamento que poderiam impedir esses operadores de participar no mercado de capacidade.

181

Uma vez que, para criar condições de concorrência equitativas, se considerou serem necessários contratos com períodos de vigência mais longos, e para respeitar a obrigação de dar incentivos adequados a todos os operadores, era importante analisar qual a duração necessária para permitir que cada categoria de fornecedor de capacidade participasse plenamente no mercado de capacidade, atendendo às suas despesas com investimento e às respetivas dificuldades de financiamento. Incumbia, portanto, à Comissão verificar se o ato de reservar os contratos de capacidade de duração superior a um ano a certas tecnologias tinha caráter discriminatório e era contrário ao objetivo de criar um mercado de capacidade neutro no plano tecnológico, o que estaria em consonância com as exigências previstas nas orientações.

182

Em terceiro lugar, há que constatar que a Comissão confirmou a posição do Reino Unido segundo a qual não era necessário adjudicar contratos de capacidade de duração superior a um ano aos operadores de gestão da procura, sem que tenha analisado se os gastos em capital e as dificuldades desses operadores poderiam exigir que lhes fosse dada a possibilidade de que tais contratos lhes fossem adjudicados para que pudessem participar nos leilões, evitando em simultâneo um preço de encerramento demasiado elevado.

183

Decorre da decisão impugnada que a Comissão procedeu, de facto, a uma análise detalhada das necessidades de financiamento dos fornecedores de capacidade que construiriam novas centrais ou que renovariam as existentes. Assim, a Comissão pediu expressamente que o Reino Unido lhe desse informações adicionais como fundamento das suas escolhas em matéria de duração dos contratos de capacidade, na medida em que os contratos com períodos de vigência mais longos, em princípio, seriam mais problemáticos e deveriam ser minuciosamente justificados (tabela 16, p. 161, da notificação). A Comissão pôde, portanto, basear‑se em informações detalhadas fornecidas pelo Reino Unido a respeito dos gastos em capital e das dificuldades de financiamento relativas à construção de novas centrais para determinar a duração ótima dos contratos de capacidade e os limites em termos de gastos em capital a que esses contratos deveriam estar sujeitos. Tratava‑se de ajudar estes operadores a obter o financiamento necessário e evitar que a sua participação no mercado de capacidade conduzisse a um preço de encerramento do leilão demasiado elevado, ao mesmo tempo que se pretendia garantir que os referidos operadores não poderiam recuperar todos os seus custos fixos de investimento apenas com base nos rendimentos provenientes do mercado de capacidade. As informações prestadas pelo Reino Unido incluíam nomeadamente vários estudos de caso detalhados nos quais eram analisados diferentes cenários e modelos de planos de negócio para diferentes operadores e diferentes centrais (n.os 4.3.1, 4.6.5, C.4.3 da notificação).

184

Em contrapartida, decorre da decisão impugnada que a Comissão não procurou analisar detalhadamente os gastos em capital e as necessidades de financiamento dos operadores de gestão da procura. É certo que, na sequência da carta da UKDRA, de 9 de junho de 2014, na qual esta associação chamou a atenção da Comissão para a diferença de tratamento entre os produtores e os operadores de gestão da procura, a Comissão pediu que o Reino Unido apresentasse as suas observações. No entanto, em seguida, a Comissão limitou‑se a registar a resposta do Reino Unido na qual este se limitava a afirmar, por um lado, que os operadores de gestão da procura não tinham as mesmas necessidades em termos de capital que os operadores de centrais novas, e, por outro, que a UKDRA não tinha fornecido nenhum elemento de prova quantitativo em apoio da sua tese de acordo com a qual os contratos de capacidade com períodos de vigência mais longos eram necessários para apoiar os operadores de gestão da procura nos leilões (n.o 511 da notificação).

185

Ora, em primeiro lugar, importa constatar que o Reino Unido não forneceu nenhuma análise detalhada em apoio da sua posição, em flagrante contraste com as informações relativas às necessidades de financiamento dos produtores. A falta de dados sobre a gestão da procura no que respeita ao Reino Unido foi aliás assinalada pelo PTE no seu relatório (v., nomeadamente, n.os 19, 96 e 101 do relatório referidos nos n.os 141 e 142, supra). Ainda que a Comissão cite uma parte das conclusões do relatório do PTE no considerando 120 da decisão impugnada, não considerou útil proceder, ela própria, à recolha de mais informações a respeito da gestão da procura para completar as poucas informações fornecidas pelo Reino Unido. Importa pois observar que nem a decisão impugnada nem a notificação incluem uma análise detalhada das necessidades de capital dos operadores de gestão da procura.

186

Importa observar, em segundo lugar, que a igualdade de tratamento, no que respeita à duração dos contratos de capacidade a que os diferentes fornecedores podiam concorrer, constituía a principal reivindicação dos operadores de gestão da procura quer em relação ao Governo do Reino Unido quer em relação à Comissão. Assim, decorre da contribuição da UKDRA para a consulta pública, a que aliás a Comissão podia ter acesso no momento da adoção da decisão impugnada, que a UKDRA contestava não apenas o facto de os contratos de capacidade com duração superior a um ano estarem reservados às CMU de produção com despesas em capital que ultrapassassem certos limites, mas também os limites de despesas em capital escolhidos. Em particular, a UKDRA convidou expressamente o Reino Unido a construir um modelo das necessidades de financiamento dos diferentes tipos de tecnologias e a rever o montante dos limites com base no mesmo. Por outro lado, com a sua carta de 9 de junho de 2014, a UKDRA comunicou as suas dúvidas à Comissão a respeito da compatibilidade dos contratos de quinze anos com as orientações e, independentemente da questão da duração dos contratos propostos, reiterou a vontade dos operadores de gestão da procura no sentido de poderem apresentar propostas para os mesmos períodos de duração do contrato de capacidade que os oferecidos aos produtores.

187

Em terceiro lugar, quer a UKDRA quer a Tempus admitem que os novos operadores de gestão da procura não têm necessariamente os mesmos gastos de capital que os produtores que constroem centrais novas. Contudo, defendem que as novas CMU de gestão da procura têm, como as novas CMU de produção, gastos de capital e dificuldades de financiamento que justificam que lhes sejam adjudicados contratos de capacidade de duração superior a um ano como forma de lhes permitir participar plenamente no mercado de capacidade. Em particular, a Tempus alega que os operadores de gestão da procura devem desenvolver uma carteira de clientes suficientemente extensa para que possam cobrir um incidente de capacidade de duração indeterminada. Além disso, os investimentos necessários para tornar o consumo elétrico de cada um dos seus clientes flexível ao longo do tempo, e para cujo financiamento os operadores de gestão da procura podem ser levados a contribuir, são suscetíveis de ser elevados e podem implicar contratos de capacidade a mais longo prazo. De igual modo, o PTE observou expressamente no n.o 99 do seu relatório que certos investimentos relativos à gestão da procura «[precisam] do grau de certeza de um contrato de capacidade a longo prazo para obterem um financiamento» e conclui que é essencial identificar os recursos potenciais em matéria de gestão da procura que não respondam aos sinais do mercado, uma vez que os incentivos já existentes não permitem responder às suas necessidades. Os operadores de gestão da procura não foram, aliás, os únicos a alegar que os fornecedores de capacidade devem poder submeter propostas pelos mesmos períodos de duração dos contratos, independentemente da tecnologia utilizada, como forma de garantir condições concorrenciais equitativas. Assim sendo, decorre da notificação que várias companhias de eletricidade verticalmente integradas sublinharam que, para que pudesse ser feita uma comparação justa dos preços da capacidade, todas as capacidades deveriam poder ter acesso às mesmas durações de contrato e que qualquer fornecedor de capacidade deveria ter a liberdade de escolher o período de duração do contrato que lhe permitisse ser competitivo nos leilões (p. 79 da notificação).

188

Em quarto lugar, ao contrário do que defende a Comissão, não se pode criticar a Tempus e a UKDRA por não terem prestado informações mais detalhadas durante o procedimento administrativo. Com efeito, de acordo com a jurisprudência, se tal se justificar, a Comissão deve buscar de forma ativa e diligente as informações pertinentes (v. n.o 69, supra), de modo a dispor, aquando da adoção da decisão impugnada, de elementos de avaliação que possam ser razoavelmente considerados suficientes e claros para efeitos sua apreciação (v. neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 2008, Kronoply e Kronotex/Comissão, T‑388/02, não publicado, EU:T:2008:556, n.o 127, e de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T‑388/03, EU:T:2009:30, n.o 109). Assim sendo, para provar a existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, basta que a Tempus demonstre que a Comissão não procurou nem examinou, de forma diligente e imparcial, todos os elementos relevantes para efeitos desta análise, ou que a Comissão não os levou devidamente em consideração, para eliminar qualquer dúvida quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno.

189

No caso vertente, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 171 a 176, supra, incumbia à Comissão, face à falta de informação no que respeita às necessidades em termos de capital dos operadores de gestão da procura, investigar mais a questão, aceitando, por exemplo, a proposta feita pela UKDRA, na sua carta de 9 de junho de 2014, de lhe dar mais informações para poder determinar se a adjudicação de contratos com uma duração diferente aos operadores de gestão da procura e aos outros fornecedores de capacidade era compatível com o princípio da igualdade de tratamento. Tal é ainda mais verdade porquanto o setor da gestão da procura é muito diversificado, e estava demonstrado que as autoridades do Reino Unido conheciam pouco esse setor em comparação com o setor da produção (v. n.os 141 a 145, supra).

190

Por último, há que assinalar que adjudicar contratos entre três e quinze anos a certos produtores tem efeitos na concorrência durante todo o período de vigência desses contratos. Na medida em que, no considerando 131 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que o setor da gestão da procura ainda estava a dar os primeiros passos no Reino Unido, incumbia‑lhe analisar se o facto de os operadores de gestão da procura não poderem apresentar propostas para os mesmos períodos de duração dos contratos que os produtores poderia reduzir as oportunidades dos mesmos para contribuírem para a solução do problema da adequação das capacidades do Reino Unido, e tal num momento em que o setor teria conhecido um maior desenvolvimento. Com efeito, a adjudicação de contratos de três ou de quinze anos reduz para o futuro a capacidade que é leiloada no quadro do mercado de capacidade.

191

Em quinto lugar, no n.o 102 do seu relatório, na falta de informações suficientes a respeito da gestão da procura, o PTE descreveu o risco associado à criação do mercado de capacidade do Reino Unido nos seguintes termos:

«Por todas estas razões, estamos conscientes de que a National Grid não foi capaz de fazer uma análise da gestão da procura com o rigor e excelência que marcaram a maior parte do seu trabalho. Todavia, tal implica uma necessidade urgente de criar um procedimento sistematizado de forma a garantir que os recursos da gestão da procura não são desperdiçados apenas para que novas unidades de produção venham compensar as diferenças em termos de eficácia.»

192

Não se pode, pois, deixar de constatar que a Comissão confirmou a posição do Reino Unido segundo a qual não era necessário propor contratos com uma duração superior a um ano aos operadores de gestão da procura sem verificar quais eram os níveis de gastos em capital para as novas CMU de gestão da procura, nem verificar se era necessário fixar limites específicos para os CMU de gestão da procura, atendendo às suas necessidades de financiamento e aos objetivos prosseguidos pela medida.

193

À luz do acima exposto, importa concluir que a diferença entre o período de duração do contrato de capacidade proposta aos operadores de gestão da procura e os períodos de duração propostos aos produtores constitui um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Com efeito, incumbia à Comissão analisar o nível dos gastos em capital e as necessidades de financiamento dos operadores de gestão da procura para verificar que não existia uma violação do princípio da igualdade de tratamento entre as CMU de produção e as CMU de gestão da procura, apesar de não existir nenhuma possibilidade de os operadores de gestão da procura obterem contratos de capacidade de duração superior a um ano. Atendendo aos objetivos tecnologicamente neutros prosseguidos pela medida em causa, impunha‑se essa análise antes que se pudesse concluir no sentido da compatibilidade desta medida com o mercado interno. Por conseguinte, o facto de, no contexto do procedimento preliminar de investigação, a Comissão não ter uma informação completa quanto à opção do Reino Unido de não permitir que os operadores de gestão da procura apresentassem propostas para os mesmos períodos de duração de contratos que as outras tecnologias, constitui um indício da existência de dúvidas.

2) Quanto ao método de amortização dos custos

194

A Tempus defende, no essencial, que a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito do caráter proporcionado da medida em causa e, por conseguinte quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, devido ao método de amortização dos custos escolhido, que não incentivava suficientemente os consumidores a reduzirem o seu consumo durante os picos de procura e que, por conseguinte, não permitia limitar o montante total do auxílio ao mínimo necessário.

195

Assim sendo, a Tempus alega que o método de amortização dos custos adotado, concretamente um método de amortização fundado no consumo diário de eletricidade entre as 16 e as 19 horas durante a semana e no inverno, em vez de fundado nos três picos de procura anuais mais elevados (a «tríade»), poria os operadores de gestão da procura em desvantagem e violaria o princípio da proporcionalidade, aumentando o montante do auxílio concedido. Com efeito, esse método faz com que seja mais difícil os consumidores não contribuírem para o aumento dos custos do mercado, por exemplo reduzindo o seu consumo, ou seja, a procura, nos momentos relevantes, e tal atendendo à inevitabilidade desse consumo no caso das empresas e famílias. Será tanto mais assim quanto as pequenas empresas e os consumidores residenciais não podem evitar os custos do mercado de capacidade, praticando atos de gestão da procura, uma vez que estão classificados no Reino Unido em função do seu perfil e não em função dos valores do seu consumo por períodos de meia hora.

196

Além disso, ao não dar incentivos suficientes aos consumidores para reduzirem a procura de eletricidade precisamente quando esta é mais elevada e quando a capacidade é mais baixa, a Tempus defende que o método adotado aumenta o montante do auxílio concedido, obrigando o Reino Unido a obter mais capacidade do que o necessário. Ora, segundo a Tempus, o Reino Unido não contesta que o envio de um sinal mais claro a nível dos preços poderia conduzir a uma diminuição do montante do auxílio dado que, no início, se optou pelo método da tríade, e depois, após o encerramento da consulta pública nacional, se alterou essa opção.

197

Além disso, a Tempus afirma que a alteração do método de amortização dos custos foi especificamente solicitada pelos fornecedores verticalmente integrados, que beneficiaram da alteração efetuada. Ora, um mês antes da adoção da decisão impugnada, em 26 de junho de 2014, o Office of Gas and Electricity Management (Ofgem, Instituto dos mercados do gás e da eletricidade, Reino Unido) decidiu pedir formalmente à Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados, Reino Unido) que investigasse o mercado do fornecimento de eletricidade e de gás aos particulares e às pequenas empresas, nomeadamente devido às preocupações suscitadas pela posição forte dos fornecedores verticalmente integrados, em particular quanto ao acesso ao mercado, num mercado em que a concorrência já é fraca (anexo E3 das observações sobre o articulado de intervenção, n.os 3.16 a 3.18 e anexo E4 das observações sobre o articulado de intervenção, n.o 1.39).

198

A Comissão responde que o método de amortização dos custos pertence à vertente financeira do mercado de capacidade que não é relevante, pelo menos diretamente, para efeitos da apreciação da compatibilidade da medida em causa. O método de amortização dos custos utilizado no caso em apreço é um compromisso entre o interesse de manter um incentivo à redução do consumo e o de reduzir a incerteza dos fornecedores de eletricidade a respeito da parte dos custos que fica a seu cargo, sendo que a análise que consta da decisão impugnada é baseada nas explicações dadas pelo Governo do Reino Unido na notificação, em resposta à carta da UKDRA. A Comissão defende que o referido método de amortização dos custos beneficia os operadores de gestão da procura e que, de qualquer modo, o mesmo acrescenta um nível suplementar de tarifação da procura, o que não seria o caso com outros métodos como as tarifas fixas ou um imposto. O Reino Unido acrescenta que, no momento da consulta pública nacional, foi especialmente pedido aos participantes que apresentassem alternativas ao método de amortização de custos baseado na tríade.

199

A este respeito, as orientações preveem que uma medida de auxílio só é considerada proporcionada se o seu montante for limitado ao mínimo necessário para atingir o objetivo fixado [n.o 27, alínea e), e n.o 69 das orientações]. Além disso, no que respeita às medidas de auxílios a favor da adequação das capacidades, as mesmas devem ser concebidas de forma a garantir que o preço pago pela disponibilidade das capacidades tende automaticamente para o zero quando o nível das capacidades fornecidas for adequado para dar resposta ao nível de capacidades solicitadas (n.o 231 das orientações).

200

No caso vertente, importa antes de mais declarar que o método de amortização dos custos de financiamento dos contratos de capacidade adotado na medida em causa consiste numa prestação aplicada a todos os fornecedores de eletricidade autorizados e cujo montante é calculado com base na sua parte de mercado na procura de eletricidade registada entre as 16 e as 19 horas durante a semana, de novembro a fevereiro (considerando 69 da Decisão impugnada).

201

Em seguida, importa constatar que, na decisão impugnada, a Comissão confirmou o método de amortização adotado na medida em causa. Assim sendo, a Comissão considerou que este método constituía um incentivo à redução da procura em eletricidade nos picos de procura, ao mesmo tempo que se mantinha previsível para os fornecedores de eletricidade (considerando 129 da decisão impugnada).

202

Importa pois verificar se a Comissão podia confirmar o método de amortização dos custos adotado para a medida em causa sem dar início ao procedimento formal de investigação ou se este método devia ter conduzido a Comissão a ter dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

203

A este respeito, em primeiro lugar, ao contrário do que defende a Comissão, importa constatar que o método de amortização dos custos é pertinente para apreciar a compatibilidade da medida com o mercado interno e, em particular, o seu caráter proporcionado.

204

Com efeito, em primeiro lugar, o montante do auxílio depende do volume de capacidade adquirido através do mercado de capacidade e do preço de fecho dos leilões. Ora, por um lado, o volume de capacidade leiloado pelo Reino Unido é determinado por uma estimativa da procura em eletricidade bem como das capacidades disponíveis e pela aplicação de uma norma de fiabilidade com vista a atingir o nível pretendido de adequação das unidades nos picos de procura (considerando 32 da decisão impugnada). Portanto, o volume de capacidade necessário está diretamente relacionado com o nível de eletricidade consumido nos picos de procura. Quanto menos elevados forem os picos de procura, menos será necessário o Reino Unido adquirir capacidade para atingir o nível pretendido de segurança de aprovisionamento em eletricidade. Por outro lado, a redução do volume de capacidade leiloado também pode conduzir a uma redução do preço de fecho dos leilões, na medida em que conduz a que um maior número de fornecedores de capacidade seja colocado em concorrência por um volume de capacidade igual. Com efeito, como reconhece o Reino Unido na sua notificação, uma maior concorrência conduz a uma redução do preço de encerramento do leilão (ponto 2, «Box 2 — When will it be possible to withdraw the Capacity Market?», da notificação). Na notificação reconhece‑se aliás que uma redução do consumo de eletricidade nos picos de procura conduzirá, a prazo, à saída do mercado de capacidade (v. esquemas 8 e 9 na p. 47 da notificação, nos quais se indica que o problema do «missing money» será reduzido à medida que a gestão da procura avançar).

205

Em segundo lugar, o Reino Unido admitiu que o método de amortização dos custos no mercado de capacidade influencia o volume de capacidade leiloado. Assim sendo, o Reino Unido explica que o facto de o rendimento destinado a financiar a amortização dos custos do mercado de capacidade se relacionar com o consumo de eletricidade durante os picos de procura é um incentivo claro à partes em causa para reduzirem o seu consumo durante esses picos, circunstância que reduz a quantidade de capacidade que deve ser adquirida para atingir o nível de segurança de aprovisionamento pretendido e, portanto, também reduz os custos para o consumidor (n.o 624 do projeto de mercado de capacidade apresentado na consulta pública).

206

Em segundo lugar, decorre da notificação que o Reino Unido alterou o método de amortização dos custos após a consulta pública. Com efeito, inicialmente estava previsto calcular o montante da tarifa com base na quota de mercado que os fornecedores de eletricidade tinham na procura de eletricidade registada durante os períodos ditos de «tríade», ou seja os três períodos de meia hora com picos de consumo de eletricidade mais elevados anualmente no Reino Unido no período entre novembro de fevereiro (n.os 521 e 522 da notificação). Apenas após a consulta pública é que o Reino Unido alterou o método de amortização dos custos para adotar o método descrito no n.o 200, supra, concretamente, um método de amortização dos custos baseado no consumo diário de eletricidade entre as 16 e as 19 horas da semana no inverno.

207

Em terceiro lugar, há que constatar que a Comissão confirmou a posição do Reino Unido sem analisar as consequências dessa alteração no montante total do auxílio e, por conseguinte, no caráter proporcionado da medida em causa.

208

Na sua carta de 9 de junho de 2014, a UKDRA comunicou as suas preocupações à Comissão na sequência da alteração do método de amortização dos custos. Por um lado, de acordo com a UKDRA, esse método enfraquece o sinal a enviar aos consumidores em termos de preço durante os picos de procura mais elevados para que estes reduzam consumo. Por outro lado, a Comissão também esteve atenta ao facto de os consumidores residenciais estarem classificados de acordo com perfis pré‑estabelecidos e de não poderem evitar os custos do mercado de capacidade alterando o seu consumo entre as 16 e as 19 horas.

209

É verdade que, na sequência da carta da UKDRA de 9 de junho de 2014, a Comissão pediu uma resposta ao Reino Unido. Todavia, em seguida, a Comissão limitou‑se a registar a resposta do Reino Unido, na qual este apenas afirmou que o método de amortização dos custos que acabou por ser adotado mantinha um incentivo à redução do consumo de eletricidade nos picos de procura, ao mesmo tempo que era mais previsível para os fornecedores (considerando 129 da decisão impugnada). Em particular, segundo o Reino Unido, uma vez que os períodos de tríade eram determinados ex post, utilizá‑los como período de referência para o cálculo do encargo gerava uma incerteza nos fornecedores a respeito do montante da sua contribuição para o financiamento do sistema que podia incentivá‑los a cobrar um preço mais elevado aos consumidores. O Reino Unido também afirmou que o facto de ser tido em conta um período determinado e previsível como referência para o cálculo da contribuição também visava encorajar o desenvolvimento de uma tarifação em função de cada hora de consumo, o que deveria beneficiar os consumidores residenciais que nesse caso poderiam reagir e reduzir o seu consumo entre as 16 e as 19 horas durante a semana, nos meses de inverno (n.o 522 da notificação).

210

Ora, apesar do reconhecimento da influência do método de amortização dos custos no volume de capacidade que é necessário obter através do mercado de capacidade, decorre da decisão impugnada que a Comissão não verificou se o novo método de amortização dos custos mantinha efetivamente um incentivo equivalente para a redução do consumo de eletricidade nos picos de procura, nomeadamente encorajando o desenvolvimento da gestão da procura.

211

A Comissão também não verificou se o método de amortização dos custos adotado afetava o acesso ao mercado, nomeadamente dos operadores de gestão da procura, aumentando em particular os obstáculos à entrada e à expansão resultantes da posição forte dos fornecedores verticalmente integrados. Ora, uma medida de auxílio também pode gerar distorções de concorrência através do aumento ou da manutenção de um elevado poder de mercado do beneficiário. Mesmo quando o auxílio não reforça diretamente o poder de mercado, pode fazê‑lo indiretamente, desincentivando a expansão dos concorrentes existentes, ou induzindo a sua saída do mercado, ou ainda desencorajando a entrada de novos concorrentes no mercado (n.o 92 das orientações).

212

Quanto ao argumento do Reino Unido segundo o qual o método inicialmente proposto podia incentivar os fornecedores de eletricidade a impor uma prestação mais elevada aos consumidores finais, a Comissão não explicou em que medida é que esse risco tinha incidência no montante total do auxílio. Além disso, a Comissão não analisou se, para os consumidores, essa prestação podia ser compensada com a possibilidade de reduzir o volume de capacidade adquirido através do mercado de capacidade, ou mesmo o preço de encerramento, pelas razões expostas nos n.os 204 e 205, supra.

213

À luz do acima exposto, há que concluir que incumbia à Comissão examinar a eventual incidência da alteração de método de amortização dos custos no caráter proporcionado da medida em causa e, por conseguinte, a sua compatibilidade com o mercado interno. Por conseguinte, o facto de a Comissão não dispor de uma informação completa quanto às consequências da alteração dos métodos de amortização dos custos no contexto do procedimento preliminar de investigação constituía um indício suplementar da existência de dúvidas.

3) Quanto às condições de participação no mercado de capacidade

214

A Tempus defende, no essencial, que a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, na medida em que a mesma não respeitava as orientações e, em particular, a obrigação de encorajar e dar incentivos adequados aos operadores de gestão da procura, devido às condições de participação no mercado de capacidade a que estavam sujeitos os operadores de gestão da procura e que tornavam difícil a sua participação no mercado de capacidade.

215

Em primeiro lugar, a Tempus defende que a relação entre os leilões transitórios e os leilões permanentes incentiva os operadores de gestão da procura a participar nos leilões transitórios devido às condições de participação mais favoráveis, o que conduz de facto a excluí‑los dos primeiros leilões T‑4. Em vez de encorajarem a participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade, proporcionando‑lhes uma ocasião adicional para licitarem, na realidade os leilões transitórios conduzem a restringir a participação destes nos leilões permanentes.

216

Em segundo lugar, a Tempus defende que a medida em causa põe os operadores de gestão da procura em desvantagem obrigando todos os participantes no mercado de capacidade a garantir incidentes de capacidade de duração indeterminada, ao passo que a maioria dos incidentes de capacidade apenas têm uma duração limitada no tempo. Assim sendo, a medida em causa não levou suficientemente em conta as especificidades dos operadores de gestão da procura e desencorajou a sua participação no mercado de capacidade.

217

Em terceiro lugar, a Tempus defende que o facto de sujeitar os participantes no mercado de capacidade à mesma obrigação de garantir uma licitação pode provocar um problema de entrada no mercado aos operadores de gestão da procura, pelo facto de o setor ainda estar apenas no início. O problema é exacerbado pelo dever de licitar para cobrir incidentes de capacidade de duração indeterminada. O Reino Unido tinha, aliás, previsto inicialmente que os novos operadores de gestão da procura estariam sujeitos a uma garantia de licitação inferior à dos novos produtores. A medida em causa desencoraja, portanto, a participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade.

218

Em quarto lugar, em resposta ao argumento da Comissão, apresentado na contestação, de acordo com o qual fixar o limite mínimo de participação nos leilões permanentes em 2 MW era um valor baixo e permitia encorajar a participação dos operadores de gestão da procura, a Tempus alegou que, na realidade, esse limite era bastante elevado, nomeadamente face ao limite dos exemplos americanos de mercado de capacidade, e reforçava os problemas associados ao montante da garantia de licitação.

219

A Comissão, apoiada pelo Reino Unido, alega, em primeiro lugar, que a medida em causa não obriga os operadores de gestão da procura a escolherem entre os leilões transitórios e os leilões permanentes, mas, ao invés, confere uma oportunidade suplementar aos operadores de gestão da procura que não puderam participar nos primeiro leilões T‑4 ou que neles participaram sem sucesso, como forma de encorajar o crescimento do setor. Na medida em que os leilões transitórios não se destinam a funcionar como um apoio suplementar para os operadores de gestão da procura que são capazes de vencer os leilões permanentes, justificar‑se‑ia excluir os operadores de gestão da procura que participaram com sucesso nos leilões permanentes dos leilões transitórios.

220

Em segundo lugar, a Comissão defende que, à luz do objetivo prosseguido pela medida em causa, concretamente a segurança do aprovisionamento independentemente da duração efetiva de cada situação de tensão na rede, a impossibilidade de licitar para incidentes de capacidade a termo certo não constitui uma discriminação contra os operadores de gestão da procura, na medida em que prever essa possibilidade limitaria a fiabilidade dos operadores de gestão da procura em relação aos outros fornecedores de capacidade, aumentaria a complexidade dos leilões e também poderia obrigar o Reino Unido a procurar obter mais capacidade. O Reino Unido acrescenta que, embora a possibilidade de licitar para incidentes de capacidade a termo certo possa ser útil para o setor da gestão da procura, uma vez que lhe é mais familiar e lhe permite fazer ofertas mais precisas, a mesma não se justifica nos leilões permanentes na medida em que poderia comprometer o objetivo prosseguido (ou torná‑lo mais dispendioso).

221

Em terceiro lugar, a Comissão considera que as condições de garantia de licitação são razoáveis. A Comissão observa que essa garantia serve para demonstrar as intenções sérias por detrás da participação dos novos operadores e incentivá‑los a fornecer as capacidades necessárias para atingir o objetivo de segurança de aprovisionamento. Observa que durante o procedimento administrativo não foi suscitada nenhuma questão de discriminação a este respeito. A Comissão também precisa que a diferença entre os montantes da garantia de licitação exigida no quadro do regime permanente e a garantia exigida no âmbito do regime transitório se deve ao facto de este último ter sido especialmente concebido para encorajar os novos operadores de gestão da procura. O Reino Unido acrescenta que a maioria das respostas à consulta pública foi no sentido de apoiar a inclusão de uma exigência de garantia para os operadores de gestão da procura e de considerar que o nível proposto era adequado.

222

Por último, na tréplica, a Comissão defende que os argumentos da Tempus relativos ao limite mínimo de 2 MW são inadmissíveis por apenas terem sido aduzidos na réplica. Defende por outro lado que o limite mínimo de 2 MW é baixo.

223

A este respeito, importa recordar que as orientações preveem, no seu n.o 226, que as medidas de auxílio devem ser abertas e proporcionar incentivos adequados tanto a atuais como a futuros produtores de energia e a operadores que usem tecnologias substituíveis, tais como soluções de resposta do lado da procura ou do armazenamento.

224

Concretamente, importa, antes de mais, constatar que a notificação indica que a medida em causa inclui um determinado número de medidas destinadas a encorajar o desenvolvimento da gestão da procura.

225

Em primeiro lugar, a notificação realça que a organização dos leilões transitórios visa expressamente apoiar o crescimento da gestão da procura e dar aos operadores de gestão da procura as melhores hipóteses possíveis de, em seguida, participarem com sucesso no regime duradouro. Além da sua própria existência, os leilões transitórios têm certas características que se destinam a encorajar o desenvolvimento da gestão da procura. Assim, a garantia de licitação para a participação nos leilões transitórios é fixada a um nível limite de 10% do nível exigido para a participação nos leilões permanentes. Além disso, os leilões transitórios permitem licitar para abranger incidentes de capacidade a termo certo, aos passo que os leilões permanentes exigem que os participantes se comprometam a cobrir incidentes de duração indeterminada (n.os 222 e 223 da notificação).

226

Em segundo lugar, a notificação sublinha que o desenvolvimento da gestão da procura é encorajado pela organização de leilões T‑1 e, em particular, pela garantia de que o Reino Unido ficará por esse meio com, pelo menos, 50% do volume de capacidade inicialmente destinado a esses leilões, independentemente da evolução das necessidades em termos de capacidade entre o momento em que os leilões T‑4 são organizados e o momento em que são organizados os leilões T‑1 (n.os 224 a 226 da notificação).

227

Em terceiro lugar, a notificação realça que o desenvolvimento da gestão da procura também é encorajado por certas condições de participação nos leilões permanentes. Em particular, trata‑se da fixação do limite mínimo a 2 MW das possibilidades de agregação e da possibilidade de os operadores de gestão da procura influenciarem o preço de encerramento (n.o 224 da notificação).

228

Na decisão impugnada, a Comissão confirmou a posição do Reino Unido. Assim, indicou expressamente no considerando 131 da decisão impugnada que a medida em causa apoia o desenvolvimento da gestão da procura e inclui medidas especificamente destinadas a ajudar a desenvolver este setor que está a dar os primeiros passos. Decorre da decisão impugnada que está nomeadamente em causa o facto de os leilões transitórios estarem «reservados» aos operadores de gestão da procura e serem especificamente estruturados de forma a encorajar o desenvolvimento da gestão da procura, auxiliando assim os operadores que ainda não estejam suficientemente preparados a serem capazes de concorrer no contexto dos leilões permanentes (considerandos 51 e 107 da decisão impugnada). Está também em causa uma garantia de que os leilões T‑1, que constituem «uma melhor via de acesso ao mercado» para os operadores de gestão da procura do que os leilões T‑4, serem organizados e de que o Reino Unido «se compromete» a ficar com, pelo menos, 50% do volume reservado a esses leilões, ao mesmo tempo que mantém uma certa flexibilidade a longo prazo (considerando 46 da decisão impugnada).

229

Importa, pois, verificar se a Comissão podia confirmar que a medida em causa fornecia incentivos adequados à gestão da procura sem dar início ao procedimento formal de investigação, ou se devia ter tido dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

i) Quanto aos leilões transitórios

230

A Tempus defende, no essencial, que condições de participação mais favoráveis conduzirão os operadores de gestão da procura a privilegiar a participação nos leilões transitórios. De acordo com a Tempus, na prática, tal levaria a excluir os operadores de gestão da procura dos primeiros leilões T‑4. Estaria também em causa um bloqueio do mercado devido aos contratos de capacidade a longo prazo adjudicados aos produtores nesses leilões.

231

A este respeito, em primeiro lugar, há que constatar que a medida em causa não afasta os operadores de gestão da procura dos leilões permanentes T‑4 e T‑1, desde que os mesmos preencham os requisitos de participação previstos.

232

Em segundo lugar, ao contrário do que defende a Tempus, importa constatar que não existe uma verdadeira exclusão mútua entre a participação nos leilões transitórios e a participação nos leilões permanentes. Por um lado, os operadores de gestão da procura cujas propostas não fossem escolhidas nos primeiros leilões T‑4 continuariam a ter a possibilidade de participar nos leilões transitórios. Por outro lado, os operadores de gestão da procura que licitassem com sucesso nos leilões transitórios mantinham a possibilidade de, em seguida, participarem nos leilões permanentes T‑4 e nos leilões T‑1 subsequentes. A medida em causa não obriga, portanto, os operadores de gestão da procura a escolher entre participar nos leilões transitórios e participar nos leilões permanentes.

233

É certo que os operadores de gestão da procura aos quais tenha sido adjudicado um contrato de capacidade na sequência dos primeiros leilões T‑4 não são elegíveis para participar nos leilões transitórios. Ao contrário do que defende a Tempus, este limite não equivale, contudo, a excluir os operadores de gestão da procura dos leilões T‑4. Com efeito, os leilões transitórios apenas visam ajudar os operadores de gestão da procura que ainda não estão preparados para participar com sucesso nos primeiros leilões permanentes a desenvolverem‑se, oferecendo‑lhes uma possibilidade adicional de receber um pagamento de capacidade a partir de 2015 e de 2016 de modo a serem mais competitivos nos leilões permanentes seguintes. A este respeito, como acertadamente alega a Comissão, o facto de o setor da gestão da procura estar ainda a dar os primeiros passos não impede que certos operadores de gestão da procura já tenham atingido um nível de maturidade suficiente para participar de forma concorrencial nos leilões permanentes logo desde os primeiros leilões T‑4.

234

Em terceiro lugar, o argumento relativo ao risco de bloqueio do mercado devido à menor participação dos operadores de gestão da procura nos primeiros leilões T‑4 e à consequente adjudicação de demasiados contratos de capacidade a longo prazo aos produtores será analisado em conjunto com os argumentos relativos à interação entre os leilões T‑4 e os leilões T‑1. Com efeito, o risco de bloqueio do mercado que é invocado pela Tempus pressupõe que o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 não permite o desenvolvimento da gestão da procura.

235

Há que concluir que a interação entre os leilões transitórios e os leilões permanentes não conduz à exclusão dos operadores de gestão da procura dos leilões permanentes.

236

Todavia, importa igualmente observar que, por definição, os leilões transitórios não fazem parte do regime permanente. Além disso, ao contrário do que indica a Comissão no considerando 51 da decisão impugnada, decorre dos autos que esses leilões transitórios não são exclusivamente reservados aos operadores de gestão da procura, mas sim que apenas estão abertos às pequenas unidades de produção, como indicado na Regulation 29 do Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica. Nestas condições, importa também verificar se os leilões permanentes dão incentivos adequados aos operadores de gestão da procura.

ii) Quanto aos leilões T‑1

237

A Tempus defende, no essencial, que os leilões permanentes não dão incentivos adequados aos operadores de gestão da procura porque, por um lado, os leilões T‑4 não são adaptados aos prazos de execução (lead‑time) dos operadores de gestão da procura e, por outro lado, o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 é limitado.

238

A este respeito importa começar por constatar que os leilões T‑1 são particularmente importantes para os operadores de gestão da procura.

239

Com efeito, é pacífico entre as partes que os leilões T‑1 podem ser mais adaptados aos operadores de gestão da procura do que os leilões T‑4 em razão dos prazos de fornecimento destes operadores. Assim, de acordo com a decisão impugnada, os leilões T‑1 são uma «melhor via de acesso ao mercado» para os operadores de gestão da procura (considerando 46 da decisão impugnada). De igual modo, na petição, a Tempus considera que pode ser difícil os operadores de gestão da procura participarem nos leilões T‑4 na medida em que esses leilões implicam licitações e investimentos imediatos para fornecer capacidade quatro anos mais tarde e apenas receber pagamentos quatro anos mais tarde (petição, n.o 75).

240

Na medida em causa, o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 é aliás calculado com base numa estimativa da gestão da procura rentável que poderia participar nestes leilões (considerando 45 da decisão impugnada).

241

Ora, em primeiro lugar, há que constatar que o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 é diminuto em comparação com o volume de capacidade leiloado nos leilões T‑4. Além disso, os leilões T‑1 não estão de forma alguma reservados aos operadores de gestão da procura podendo por conseguinte uma parte do volume de capacidade que é leiloado nos leilões T‑1 ser concedido aos fornecedores de capacidade que nãos os operadores de gestão da procura.

242

Em segundo lugar, ao contrário do que indica a Comissão no considerando 46 da decisão impugnada, decorre dos autos que não há garantia de que o Reino Unido organizará leilões T‑1 se forem organizados leilões T‑4 nem que ficará por esse meio com, pelo menos, 50% do volume inicialmente reservado aos leilões T‑1. Assim, embora da leitura conjunta da Regulaton 7(4)(b) e das Regulations 10 e 26 do Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica, decorra que o secretário de Estado pode decidir não organizar leilões T‑1, o diploma nada diz a respeito do compromisso de leiloar pelo menos 50% do volume de capacidade inicialmente reservado a esses leilões. Na audiência, em resposta às questões do Tribunal Geral, os representantes da Comissão e do Reino Unido também não conseguiram identificar a disposição jurídica que, além das declarações políticas do Reino Unido, confirma a existência de tal garantia.

243

À luz do acima exposto, há que concluir que, embora a organização de leilões T‑1 possa efetivamente encorajar o desenvolvimento da gestão da procura, a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito do alcance concreto deste efeito de incentivo à luz do volume limitado de capacidade reservada aos leilões T‑1 e à inexistência de uma disposição jurídica que preveja expressamente a garantia do Reino Unido de ficar com, pelo menos, 50% do volume reservado a esses leilões.

iii) Quanto às condições de participação nos leilões permanentes

244

No essencial, a Tempus defende que os requisitos de participação nos leilões permanentes não permitem dar incentivos adequados aos operadores de gestão da procura. De acordo com a Tempus, era pouco provável que, na prática e tendo em conta determinadas condições de participação, esses operadores pudessem participar nos leilões T‑4. A Tempus invoca nomeadamente a impossibilidade de esses operadores apresentarem propostas relativamente a obrigações que abrangem incidentes de capacidade a termo certo, bem como o montante da garantia do concurso.

245

Em primeiro lugar, no que respeita à duração dos incidentes de capacidade, a Tempus defende que a medida em causa discrimina os operadores de gestão da procura, tratando de forma equivalente todos os participantes nos leilões permanentes, obrigando todos, incluindo os referidos operadores, a apresentarem propostas para os incidentes de capacidade com duração indeterminada.

246

A este respeito, como sublinha a Tempus, o Reino Unido optou, no que respeita ao regime permanente, por exigir que todos os operadores pudessem responder a incidentes de capacidade de duração indeterminada. Por seu turno, no que respeita aos leilões transitórios, a Regulation 29(3) do Regulamento de 2014 relativo à capacidade elétrica, permite que os operadores de gestão da procura escolham apresentar propostas relativamente a obrigações que abrangem incidentes de capacidade quer a termo certo quer por tempo indeterminado. Além disso, como reconheceu o Reino Unido nos articulados que apresentou no Tribunal, as obrigações a termo certo são mais familiares para os operadores de gestão da procura e podem ajudá‑los a quantificar precisamente a sua exposição ao risco, o que conduz a propostas mais precisas no quadro do regime permanente.

247

Todavia, a Comissão alega acertadamente que as propostas limitadas à cobertura de incidentes de capacidade a termo certo conferem um menor nível de segurança de aprovisionamento do que as propostas que abrangem os incidentes de capacidade por tempo indeterminado e, por conseguinte, não permitem atingir tão facilmente o nível de aprovisionamento pretendido. O facto de todos os fornecedores de capacidade estarem obrigados a cobrir os incidentes de capacidade por tempo indeterminado, fazendo assim correr o risco de incumprimento pelos operadores de gestão da procura quando os incidentes de capacidade se prolongarem no tempo, não é portanto suscetível de gerar dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa, desde que nessa medida se tomem em consideração as necessidades de financiamento próprias de cada tecnologia de forma a permitir que todos os fornecedores de capacidade participem efetivamente no mercado de capacidade. Como foi exposto nos n.os 182 a 192, supra, não parece, contudo, que a Comissão tenha procurado verificar se a medida em causa levava em conta as necessidades de financiamento dos operadores de gestão da procura.

248

Em segundo lugar, no que respeita à garantia de apresentação de propostas, a Tempus defende que o facto de sujeitar todos os participantes no mercado de capacidade à mesma obrigação de garantia de apresentação de propostas pode causar um problema de entrada no mercado para os operadores de gestão da procura pelo facto de o setor de gestão da procura ainda estar a dar os seus primeiros passos.

249

A este respeito, em primeiro lugar, importa observar que o Reino Unido admitiu que a garantia de apresentação de propostas podia constituir uma barreira à entrada de novos operadores de gestão da procura. Com efeito, decorre dos autos que o Reino Unido tinha previsto inicialmente reduzir o montante da garantia de apresentação de propostas no que respeita aos CMU de gestão da procura não confirmados, de modo a evitar que a referida garantia constituísse um entrave à entrada no mercado de novos operadores de gestão da procura (n.o 565 do projeto de mercado de capacidade submetido a consulta pública). De igual modo, aquando da consulta pública, alguns operadores de gestão da procura tinham igualmente declarado que o montante da garantia de apresentação de propostas constituía uma barreira à entrada de novos operadores de gestão da procura. O montante da garantia de apresentação de propostas podia efetivamente constituir uma barreira à entrada no mercado de novos operadores de gestão da procura, até porque todos os participantes no mercado de capacidade deviam comprometer‑se a cobrir incidentes de capacidade por tempo indeterminado podendo os operadores de gestão da procura ter maior dificuldade que os produtores em cobrir um incidente de capacidade que se prolongasse no tempo. Na medida em que os operadores de gestão da procura se arriscam a ser potencialmente vistos como apresentando maior tendência para o incumprimento, poderiam, pois, ter mais dificuldades de financiamento do montante da garantia de apresentação de propostas.

250

Em segundo lugar, importa constatar que, na sequência das observações dos produtores e dos distribuidores nas respetivas respostas à consulta pública, o Reino Unido decidiu alinhar a garantia de apresentação de propostas imposta aos CMU de gestão da procura não confirmadas com a exigida às novas CMU de produção ainda não operacionais. A medida em causa é, pois, menos favorável para os operadores de gestão da procura do que o sistema inicialmente previsto para dar resposta às dificuldades de financiamento desses operadores.

251

No entanto, como sublinha a Comissão na contestação, apesar de o Reino Unido ter inicialmente previsto que a garantia de apresentação de propostas seria perdida na íntegra em caso de não fornecimento, importa constatar que a medida em causa prevê que a garantia de apresentação de propostas apenas será perdida na proporção do volume de capacidade que não foi efetivamente prestado pelos operadores de gestão da procura, desde que estes forneçam pelo menos 90% do volume de capacidade acordado. Portanto, a medida em causa contém uma solução especificamente destinada a compensar, para os operadores de gestão da procura, a perda da vantagem correspondente ao montante reduzido da garantia de apresentação de propostas, na sequência do alinhamento do montante dessa garantia das CMU de gestão da procura não confirmadas pelo das novas CMU de produção.

252

Por conseguinte, tendo em conta o objetivo prosseguido pela imposição de uma garantia de apresentação de propostas, o alinhamento do montante da referida garantia das CMU de gestão da procura não confirmadas pelo das novas CMU de produção não basta, por si só, para criar dúvidas a respeito da compatibilidade da medida em causa, desde que a referida medida tome em consideração as necessidades de financiamento próprias de cada tecnologia, de modo a que todos os fornecedores de capacidade participem efetivamente no mercado de capacidade. Como acima exposto nos n.os 182 a 192 a Comissão não parece contudo ter procurado verificar se a medida em causa tomava em consideração as necessidades de financiamento dos operadores de gestão da procura.

253

Em terceiro lugar, em resposta aos argumentos apresentados pela Comissão na contestação, a Tempus alega que a fixação de um limite mínimo de participação de 2 MW constitui uma barreira à participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade.

254

Importa desde já constatar que o argumento da Tempus a respeito deste limite refere‑se à argumentação que consta da petição relativa ao tratamento discriminatório ou que implica uma desvantagem para os operadores de gestão da procura no seio do mercado de capacidade, como indicou a Tempus na audiência. Além disso, este argumento foi apresentado em resposta às alegações da Comissão na contestação no sentido de esse limite era baixo e favorável à gestão da procura. Assim sendo, no caso vertente, o argumento em questão não só tem um nexo estreito com a petição como também resulta da evolução normal dos debates num processo contencioso (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.o 31). Ao contrário do que defende a Comissão, este argumento deve, portanto, ser entendido como uma ampliação de um argumento apresentado na petição.

255

Em seguida, importa observar que a notificação apresenta o limite mínimo de participação de 2 MW como fiável, atendendo ao limite de participação adotado pela National Grid no contexto das outras medidas, e, por conseguinte, como uma das medidas que permitem incentivar os operadores de gestão da procura a participar no mercado de capacidade (n.o 224 da notificação).

256

No entanto, em primeiro lugar, há que observar que o limite de participação no mercado de capacidade PJM era de apenas 100 kW, ou seja, 20 vezes menos elevado que o limite adotado pela medida em causa. Ora, o referido mercado de capacidade PJM é expressamente tomado como referência pelo Reino Unido na notificação, em apoio da sua afirmação no sentido de que a medida em causa permite desenvolver o setor da gestão da procura (n.o 221 da notificação).

257

Em segundo lugar, embora seja exato que efetivamente os operadores de gestão da procura têm a possibilidade de agregar várias instalações para atingir o limite mínimo de 2 MW, importa também observar que os mesmos devem pagar a garantia de apresentação de propostas relativamente à totalidade dos 2 MW a partir do momento em que uma parte desse volume, ainda que diminuta, seja composta pelas capacidades de gestão da procura não confirmadas. Ora, pelas razões expostas nos n.os 249 a 252, supra, o montante da garantia de apresentação de propostas pode constituir uma barreira à entrada de novos operadores de gestão da procura.

258

Por conseguinte, a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito da afirmação segundo a qual a fixação do limite mínimo de participação a 2 MW constituía uma medida que favorecia o desenvolvimento da gestão da procura.

iv) Conclusão

259

Decorre do acima exposto que a interação entre os leilões T‑4 e T‑1 e certas condições de participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade deviam ter levado a Comissão a ter dúvidas, por um lado, a respeito da adequação da medida em causa para atingir os objetivos anunciados pelo Reino Unido em matéria de incentivo ao desenvolvimento da gestão da procura e, por outro lado, a respeito da sua compatibilidade com as exigências das orientações em matéria de incentivos adequados aos operadores de gestão da procura e, por conseguinte, a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

f)   Quanto à falta de remuneração adicional dos operadores de gestão da procura nos casos de diminuição das perdas associadas ao transporte e à distribuição da eletricidade

260

A Tempus defende que a medida em causa suscita dúvidas a respeito da sua compatibilidade com o mercado interno na medida em que a mesma não remunera os operadores de gestão da procura pela diminuição das perdas associadas ao transporte e à distribuição da eletricidade. Com efeito, segundo a Tempus, a capacidade fornecida pelos operadores de gestão da procura não reduz apenas o montante global da capacidade exigida e que circula no mercado de capacidade, mas também, na ordem dos 7% a 8%, o montante da capacidade perdida no transporte e na distribuição de eletricidade. Considera que as poupanças assim realizadas deveriam ser incorporadas na remuneração dos operadores de gestão da procura de forma a criar um incentivo destinado a melhorar a eficácia da rede.

261

A Comissão, apoiada pelo Reino Unido, considera que a questão da falta de remuneração adicional pela diminuição das perdas associadas ao transporte e à distribuição da eletricidade foi analisada na decisão impugnada. Assim, a Comissão fez sua a explicação do Governo do Reino Unido nos termos da qual o mercado de capacidade teria como único objetivo garantir a disponibilidade de uma capacidade suficiente na rede e não recompensar todas as demais vantagens conferidas por cada tipo de tecnologia.

262

No essencial, a Tempus defende que a medida em causa levanta dúvidas a respeito da sua compatibilidade com o mercado interno, na medida em que não remunera os operadores de gestão da procura pela diminuição das perdas associadas ao transporte e à distribuição de eletricidade.

263

Na decisão impugnada, a Comissão observou que a medida em causa só remunerava a disponibilização de um determinado volume de capacidade, com exceção de quaisquer outras prestações como por exemplo o fornecimento de eletricidade (considerando 132 da decisão impugnada). Em seguida considerou que, à luz do objetivo prosseguido pela medida em causa, concretamente, assegurar a adequação das capacidades para atingir o nível pretendido de segurança de aprovisionamento, a falta de remuneração adicional pelas diminuições das perdas associadas ao transporte e à distribuição de eletricidade era justificada (considerando 140 da decisão impugnada).

264

A este respeito, importa observar que a medida em causa consiste em pôr em prática um mercado de capacidade que se destina a eliminar o problema da adequação das capacidades de produção do Reino Unido.

265

Ora, as orientações dispõem expressamente que o caráter adequado de medidas de auxílio como as que estão em causa depende do facto de «os auxílios apenas remunerarem a disponibilidade do serviço que é garantido pelo produtor, ou seja, o seu compromisso no sentido de estar em medida de fornecer eletricidade, bem como a remuneração que recebe a esse título, por exemplo sob forma de remuneração por MW de capacidade disponibilizado» e que «[as] mesmas não deveriam incluir qualquer remuneração pela venda de eletricidade, ou seja nenhuma remuneração por MW[h] vendido».

266

Atendendo a estas considerações, não se pode deixar de constatar que a falta de remuneração suplementar pelas limitações de perdas no transporte e distribuição da eletricidade não suscitava dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 659/1999, que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Consequentemente, os argumentos da Tempus a este respeito são improcedentes.

g)   Conclusão

267

Decorre da análise do primeiro fundamento que existe um conjunto de indícios objetivos e concordantes, baseados, por um lado, na duração e nas circunstâncias em que decorreu a fase da pré‑notificação e, por outro, no conteúdo incompleto e insuficiente da decisão impugnada, devido a uma instrução desadequada pela Comissão, na fase da análise preliminar, de certos aspetos do mercado de capacidade, que demonstram que esta última tomou a decisão em causa apesar da existência de dúvidas. Sem que seja necessário apreciar os outros argumentos da Tempus, importa concluir que a apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado interno suscitava dúvidas na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

268

Por conseguinte, a decisão recorrida deve ser anulada.

2.   Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma falta de fundamentação

269

Uma vez que há que anular a decisão impugnada com base no primeiro fundamento, não é necessário analisar o segundo fundamento.

Quanto às despesas

270

Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas despesas da Tempus Energy Ltd e da Tempus Energy Technology Ltd, em conformidade com o pedido destas últimas.

271

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. Consequentemente, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

decide:

 

1)

A Decisão C(2014) 5083 final da Comissão, final da Comissão, de 23 de julho de 2014, de não levantar objeções a respeito do regime de auxílios relativo ao mercado de capacidade no Reino Unido, pelo facto de o referido regime ser compatível com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (auxílio de Estado 2014/N‑2), é anulada.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Tempus Energy Ltd e da Tempus Energy Technology Ltd.

 

3)

O Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

 

Frimodt Nielsen

Kreuschitz

Forrester

Półtorak

Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de novembro de 2018.

Assinaturas

Índice

 

I. Antecedentes do litígio

 

A. Quanto às recorrentes e ao objeto do litígio

 

B. Medida controvertida

 

C. Quanto às disposições relevantes das orientações

 

D. Quanto à decisão impugnada

 

II. Tramitação processual e pedidos das partes

 

III. Questão de direito

 

A. Quanto à admissibilidade

 

B. Quanto ao mérito

 

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima e a uma apreciação errada dos factos

 

a) Observações preliminares

 

b) Quanto ao conceito de dúvidas e à decisão da Comissão de instaurar ou não o processo formal de investigação

 

c) Quanto à duração das discussões entre o Estado‑Membro e a Comissão e as circunstâncias que rodearam a adoção da decisão impugnada

 

d) Quanto à apreciação, por parte da Comissão, na fase da análise preliminar e tendo em consideração os elementos disponíveis, do papel da gestão da procura no mercado da capacidade

 

1) Equivalência e interesses da produção e da gestão da procura

 

2) Papel positivo da gestão da procura

 

3) Elementos disponíveis relativos ao potencial da gestão da procura

 

e) Quanto ao alegado tratamento discriminatório ou desvantajoso da gestão da procura no mercado de capacidade

 

1) Quanto à duração dos contratos de capacidade

 

2) Quanto ao método de amortização dos custos

 

3) Quanto às condições de participação no mercado de capacidade

 

i) Quanto aos leilões transitórios

 

ii) Quanto aos leilões T‑1

 

iii) Quanto às condições de participação nos leilões permanentes

 

iv) Conclusão

 

f) Quanto à falta de remuneração adicional dos operadores de gestão da procura nos casos de diminuição das perdas associadas ao transporte e à distribuição da eletricidade

 

g) Conclusão

 

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma falta de fundamentação

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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