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Document 62014TJ0787

Acórdão do Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) de 27 de outubro de 2016.
Banco Central Europeu contra Maria Concetta Cerafogli.
Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Pessoal do BCE — Acesso aos documentos — Documentos relativos ao diferendo que opõe as partes no processo — Recusa parcial de acesso — Regra da concordância entre a petição e a reclamação — Exceção de ilegalidade.
Processo T-787/14 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2016:633

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

de 27 de outubro de 2016 ( 1 )

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Pessoal do BCE — Acesso aos documentos — Documentos relativos ao diferendo que opõe as partes no processo — Recusa parcial de acesso — Regra da concordância entre a petição e a reclamação — Exceção de ilegalidade»

No processo T‑787/14 P,

que tem por objeto um recurso interposto do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 18 de setembro de 2014, Cerafogli/BCE (F‑26/12, EU:F:2014:218), em que é pedida a anulação desse acórdão,

Banco Central Europeu, representado inicialmente por E. Carlini, M. López Torres e F. Malfrère, e em seguida por E. Carlini e F. Malfrère, na qualidade de agentes, assistidos por B. Wägenbaur, advogado,

recorrente,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada inicialmente por J. Currall e G. Gattinara, e em seguida por G. Gattinara, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo a outra parte no processo

Maria Concetta Cerafogli, residente em Roma (Itália), representada por S. Pappas, advogado,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger, presidente, M. Prek, A. Dittrich, S. Frimodt Nielsen (relator) e G. Berardis, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso interposto nos termos do artigo 9.o do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) pede a anulação do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 18 de setembro de 2014, Cerafogli/BCE (F‑26/12, a seguir «acórdão recorrido», EU:F:2014:218), que, em primeiro lugar, anulou a decisão de 21 de junho de 2011 do Diretor‑Geral Adjunto da Direção‑Geral «Recursos Humanos, Orçamento e Organização» (a seguir «DG ‘Recursos Humanos’») do BCE, que indeferiu parcialmente o pedido de acesso a determinados documentos apresentado em 20 de maio de 2011 por Maria Concetta Cerafogli, em segundo lugar, condenou o BCE a pagar a M. Cerafogli a quantia de 1000 euros, em terceiro lugar, negou provimento ao recurso de M. Cerafogli quanto ao restante e, em quarto lugar, condenou o BCE nas despesas.

Quadro jurídico

2

O artigo 23.2 do Regulamento Interno do BCE, adotado pela Decisão 2004/257/CE do BCE, de 19 de fevereiro de 2004 (JO 2004, L 80, p. 33), dispõe que o acesso do público à documentação elaborada ou conservada em poder do BCE se rege por uma decisão do Conselho do BCE. O Conselho do BCE adotou, em 4 de março de 2004, a Decisão BCE/2004/3, relativa ao acesso do público aos documentos do BCE (JO 2004, L 80, p. 42).

3

O artigo 7.o do Regime Aplicável ao Pessoal do BCE (a seguir «Regime Aplicável ao Pessoal») e o artigo 1.1.3 das Regras Aplicáveis ao Pessoal do BCE (a seguir «Regras Aplicáveis ao Pessoal») regulam as condições de acesso dos membros do pessoal do BCE ao seu processo pessoal. Em particular, o artigo 1.1.3 supramencionado estabelece que «[um] membro do pessoal tem o direito de conhecer, mesmo depois de terem cessado as suas funções, o conjunto dos elementos que constem do seu processo».

4

Em 1 de agosto de 2006, a Comissão Executiva adotou regras relativas ao acesso dos membros do pessoal do BCE aos documentos referentes à sua relação laboral com o BCE, as quais foram objeto de algumas alterações aprovadas pela Comissão Executiva em 30 de setembro de 2008 (a seguir «regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE»). Segundo essas regras, qualquer pedido de acesso aos documentos a que a Decisão BCE/2004/3 não seja aplicável é tratado pelo Diretor‑Geral da DG «Recursos Humanos». Além disso, essas regras preveem um certo número de exceções ao direito de acesso aos documentos, que se referem, em particular, aos documentos preparatórios, aos pareceres jurídicos internos e às decisões adotadas pelo Conselho do BCE relativas ao Regime Aplicável ao Pessoal do pessoal do BCE.

Antecedentes do litígio

5

Os antecedentes do litígio estão enunciados nos n.os 5 a 16 e 19 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«5

Em 28 de outubro de 2010, o [Tribunal da Função Pública] proferiu os acórdãos Cerafogli/BCE (F‑84/08, EU:F:2010:134; F‑96/08, EU:F:2010:135; e F‑23/09, EU:F:2010:138) em três processos que opunham a recorrente ao BCE (a seguir ‘acórdãos de 28 de outubro de 2010’).

6

Por carta de 20 de maio de 2011 (a seguir ‘pedido de 20 de maio de 2011’), a recorrente pediu ao BCE, de acordo com a Decisão BCE/2004/3, que lhe transmitisse os seguintes documentos:

‘I)

[t]odas as decisões da Comissão Executiva — e os documentos que lhe foram entregues — relativas ao[s] acórdão[s] do [Tribunal da Função Pública] […] nos processos F‑96/08 e F‑84/08, incluindo todos os documentos internos, memorandos e/ou atas[;]

II)

[a]s decisões da Comissão Executiva — e os documentos que lhe foram entregues — respeitantes à concessão, à [recorrente], de uma revisão anual dos salários e dos prémios […] para os anos de 2005 e 2006, incluindo todos os documentos internos, memorandos e atas[;]

III)

[t]odas as decisões da Comissão Executiva — e os documentos que lhe foram entregues — sobre os processos F‑96/08 e F‑84/08 e o processo F‑23/09 anteriores ao[s] acórdão[s] do [Tribunal da Função Pública] […] de 28 de outubro de 2010, incluindo todos os documentos internos, memorandos e/ou atas.’

7

Em função da natureza dos documentos solicitados pela recorrente, o BCE examinou o pedido de 20 de maio de 2011 quer sob o regime da Decisão BCE/2004/3, quer de acordo com as regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, tendo, assim, adotado, em 21 de junho de 2011, duas decisões distintas.

8

A primeira decisão, com a assinatura do Diretor‑Geral da DG ‘Secretariado e Serviços Linguísticos’ e do chefe da divisão ‘Secretariado’ da mesma Direção‑Geral, foi adotada com fundamento na Decisão BCE/2004/3 (a seguir ‘decisão adotada com fundamento na Decisão BCE/2004/3’). Através desta decisão, o BCE enviou à recorrente três documentos relativos à decisão da Comissão Executiva, de 24 de maio de 2011, relativa à política salarial para o ano de 2008. No entanto, o BCE recusou‑se a transmitir‑lhe os documentos preparatórios à referida decisão, baseando‑se no artigo 4.o, n.o 3, da Decisão BCE/2004/3, que proíbe o acesso ‘a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e consultas preliminares no seio do BCE[,] mesmo após ter sido tomada a decisão, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação’. Além disso, também não autorizou a junção das atas pertinentes das reuniões da Comissão Executiva, com base no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Decisão BCE/2004/3, que protege ‘o interesse público, no que respeita […] à confidencialidade das deliberações dos órgãos de decisão do BCE’. Por último, o BCE indicou que o pedido de 20 de maio de 2011 dizia respeito à Decisão BCE/2004/3 unicamente na parte em que visava a decisão da Comissão Executiva acima referida, ao passo que a parte restante se referia às regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, e que a DG ‘Recursos Humanos’ daria uma resposta separada no âmbito dessas regras.

9

A segunda decisão foi adotada pelo Diretor‑Geral Adjunto da DG ‘Recursos Humanos’ com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE (a seguir ‘decisão adotada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE’). Através desta decisão, o BCE transmitiu à recorrente as decisões mais recentes sobre a atribuição da revisão anual dos salários e dos prémios para os anos de 2005 e 2006, bem como uma nota do Diretor‑Geral da DG ‘Secretariado e Serviços Linguísticos’ dirigida ao Diretor‑Geral da DG ‘Recursos Humanos’, da qual decorre que, na suas reuniões de 23 de novembro de 2010 e de 19 de abril de 2011, a Comissão Executiva se tinha pronunciado sobre a decisão de não interpor recurso dos acórdãos de 28 de outubro de 2010 e sobre a revisão anual dos salários e dos prémios da recorrente para os anos de 2005 e 2006. Todavia, o BCE recusou‑se a transmitir à recorrente, invocando o seu caráter confidencial, os documentos preparatórios às tomadas de posição dos órgãos de decisão do BCE, bem como os pareceres jurídicos internos.

10

Por carta de 15 de julho de 2011, a recorrente apresentou um ‘pedido confirmativo’ com base no artigo 7.o, n.o 2, da Decisão BCE/2004/3, contestando a análise do seu pedido de 20 de maio de 2011 sob os dois regimes e reiterando o referido pedido.

11

Por carta de 5 de agosto de 2011, o Presidente do BCE respondeu ao pedido confirmativo, confirmando, no essencial, a decisão adotada com fundamento na Decisão BCE/2004/3, embora fornecendo simultaneamente à recorrente vários outros documentos.

12

Por carta de 12 de agosto de 2011, o Diretor‑Geral da DG ‘Recursos Humanos’ informou a recorrente de que o seu pedido confirmativo de 15 de julho de 2011 tinha sido examinado enquanto recurso administrativo da decisão adotada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE. Através dessa carta, transmitiu à recorrente vários documentos, precisando ao mesmo tempo que alguns deles tinham sido só parcialmente divulgados, em aplicação das regras de confidencialidade que enquadram o acesso aos pareceres do serviço jurídico (a seguir ‘decisão de 12 de agosto de 2011’).

13

Em 10 de outubro de 2011, a recorrente apresentou ao Presidente do BCE uma reclamação nos termos do artigo 41.o do Regime Aplicável ao Pessoal contra a decisão de 12 de agosto de 2011, na medida em que este lhe recusava o acesso a todos os documentos solicitados ou lhe concedia um acesso apenas parcial a determinados documentos.

14

Esta reclamação recebeu duas respostas por parte do BCE.

15

Por um lado, o Presidente do BCE indeferiu a reclamação por decisão de 12 de dezembro de 2011, transmitindo à recorrente informações e documentos suplementares, nomeadamente no que respeita à política salarial do BCE e aos acórdãos de 28 de outubro de 2010 (a seguir ‘decisão de indeferimento da reclamação’). Todavia, alguns desses documentos foram apenas parcialmente divulgados, em aplicação das regras de confidencialidade que enquadram o acesso aos pareceres jurídicos internos, em conformidade com as regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, bem como aos dados pessoais dos agentes do BCE, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1).

16

Por outro lado, por carta de 12 de dezembro de 2011, o Diretor‑Geral Adjunto da DG ‘Recursos Humanos’ informou a recorrente de que a parte da reclamação na qual precisava que o pedido de acesso aos documentos apresentado à Comissão Executiva deveria ter sido entendido como relativo ao conjunto dos documentos enviados a um ou mais membros da mesma tinha sido considerada um novo pedido no âmbito das regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE.

[…]

19

Na audiência, a recorrente precisou os seus pedidos de anulação, afirmando que, quando pede a anulação da ‘decisão de 21 de junho de 2011’, a recorrente se refere unicamente à decisão adotada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE e não à decisão adotada com fundamento na Decisão BCE/2004/3.»

Tramitação processual em primeira instância e acórdão recorrido

6

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 23 de fevereiro de 2012, registada sob a referência F‑26/12, M. Cerafogli pediu, em substância, a anulação da decisão de 21 de junho de 2011 do BCE que lhe recusou o acesso a determinados documentos e a reparação dos danos morais que sustenta ter sofrido devido a essa decisão.

7

Em apoio do seu recurso em primeira instância, M. Cerafogli invocou cinco fundamentos, relativos, respetivamente, a uma exceção de ilegalidade das regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, à violação dos princípios da boa administração e da transparência, à violação dos direitos de defesa e à violação do dever de fundamentação e à falta de competência do autor da decisão adotada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE.

8

Por despacho de 15 de janeiro de 2014, o Tribunal da Função Pública reabriu a fase oral do processo para que as partes pudessem apresentar observações sobre a admissibilidade dos diversos fundamentos invocados por M. Cerafogli e da exceção de ilegalidade deduzida contra as regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, tendo em conta a regra da concordância entre a reclamação e o recurso, em particular à luz do acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki (T‑476/11 P, EU:T:2013:557), bem como dos acórdãos de 11 de dezembro de 2008, Reali/Comissão (F‑136/06, EU:F:2008:168, n.os 47 a 51), e de 1 de julho de 2010, Mandt/Parlamento (F‑45/07, EU:F:2010:72, n.o 121). O BCE e M. Cerafogli apresentaram as suas observações em 5 e 6 de fevereiro de 2014, respetivamente.

9

Através do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública admitiu a exceção de ilegalidade.

10

A este respeito, considerou o seguinte:

«36

[…] a jurisprudência relativa ao princípio da proteção jurisprudencial efetiva à luz do artigo 47.o da Carta (acórdão Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.os 54 a 63, e Koninklijke Grolsch/Comissão, T‑234/07, EU:T:2011:476, n.os 39 e 40) evolui num sentido que justifica que se reexamine a oportunidade de aplicar a regra da concordância quando uma exceção de ilegalidade seja suscitada pela primeira vez no recurso (acórdão de 12 de março de 2014, CR/Parlamento, F‑128/12, ColetFP, EU:F:2014:38, n.o 29).

37

Em especial, no acórdão Koninklijke Grolsch/Comissão (EU:T:2011:476, n.os 37, 39 e 40), o Tribunal Geral da União Europeia, após ter declarado que nenhuma norma de direito da União obriga a que o destinatário da comunicação de acusações por violação das regras em matéria de concorrência conteste os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer ulteriormente, na fase jurisdicional, rejeitou o argumento da Comissão Europeia que contestava a admissibilidade de um fundamento devido ao facto de não ter sido invocado em termos claros e precisos no decurso da fase administrativa. Com efeito, o Tribunal Geral da União Europeia declarou que, nas circunstâncias descritas, esse argumento equivalia a limitar o acesso da recorrente à justiça e, mais especialmente, o seu direito a que a sua causa seja julgada por um tribunal. Ora, como o Tribunal Geral da União Europeia recordou, o direito à ação e ao acesso a um tribunal imparcial é garantido pelo artigo 47.o da Carta.

38

Embora seja verdade que a jurisprudência acima referida foi desenvolvida num domínio diferente do contencioso entre as instituições da União Europeia e os seus agentes, o acórdão Koninklijke Grolsch/Comissão (EU:T:2011:476) diz respeito à compatibilidade com o artigo 47.o da Carta de uma limitação do acesso à justiça que não foi expressamente prevista pelo legislador. No domínio do contencioso da função pública, a regra da concordância entre os fundamentos suscitados na fase pré‑contenciosa e os suscitados na petição, embora encontre fundamento no artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto e, no que respeita ao pessoal do BCE, no artigo 41.o do Regime Aplicável ao Pessoal e no artigo 8.1 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, é uma regra de origem jurisprudencial.

39

Ora, o [Tribunal da Função Pública] considera que três tipos de considerações se opõem a que uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez num recurso seja julgada inadmissível pelo simples facto de não ter sido suscitada na reclamação que precedeu o referido recurso. Estas considerações dizem respeito, em primeiro lugar, à finalidade do procedimento pré‑contencioso, em segundo lugar, à natureza da exceção de ilegalidade e, em terceiro lugar, ao princípio da proteção jurisdicional efetiva.

40

Em primeiro lugar, no que respeita à finalidade do procedimento pré‑contencioso, que é a mesma no contexto do artigo 91.o do Estatuto e no contexto do contencioso do pessoal do BCE, resulta de jurisprudência constante que o referido procedimento não tem razão de ser quando as acusações são dirigidas contra uma decisão que a Administração não pode reformar. Por essa razão, no contexto do artigo 91.o do Estatuto, a jurisprudência excluiu a necessidade de apresentar uma reclamação contra as decisões adotadas pelos júris de concurso ou um relatório de notação (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 33 e jurisprudência referida).

41

Do mesmo modo, o dever de suscitar uma exceção de ilegalidade na reclamação, sob pena de inadmissibilidade, não se coaduna com a finalidade do procedimento pré‑contencioso […]

42

Com efeito, tendo em conta o princípio da presunção da legalidade dos atos das instituições da União Europeia, segundo o qual a regulamentação da União Europeia mantém plena eficácia enquanto a sua ilegalidade não for declarada por um órgão jurisdicional competente, uma administração não pode optar por não aplicar um ato geral em vigor, que, no seu entender, viola uma regra de direito de nível superior, com o único objetivo de permitir a resolução extrajudicial do diferendo (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 35 e jurisprudência referida).

43

Tal opção é a fortiori de excluir quando a administração em causa atua numa situação de competência vinculada, pois, nesse caso, não está em condições de revogar ou alterar a decisão impugnada pelo agente, muito embora considere procedente uma exceção de ilegalidade arguida contra a disposição com base na qual a decisão impugnada foi adotada (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 36).

44

Além disso, o facto de invocar pela primeira vez no recurso uma exceção de ilegalidade não afeta o princípio da segurança jurídica, uma vez que, mesmo que o interessado tivesse suscitado tal exceção de ilegalidade logo na fase da reclamação, a Administração não podia aproveitar essa circunstância para resolver o diferendo com o seu agente amigavelmente.

45

Em segundo lugar, no que diz respeito à natureza da exceção de ilegalidade, segundo jurisprudência constante, o artigo 277.o TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar a título incidental, com o objetivo de obter a anulação de um ato do qual pode recorrer, a validade de um ato geral de uma instituição da União que constitui a base jurídica do ato recorrido, se essa parte não dispunha do direito de interpor um recurso direto desse ato, do qual sofreu as consequências sem ter podido requerer a sua anulação (acórdãos Simmenthal/Comissão, 92/78, EU:C:1979:53, n.o 39; Andersen e o./Parlamento, 262/80, EU:C:1984:18, n.o 6; e Sina Bank/Conselho, T‑15/11, EU:T:2012:661, n.o 43). O artigo 277.o TFUE tem assim por objetivo proteger o particular da aplicação de um ato normativo ilegal, tendo em conta que os efeitos de um acórdão que declara a inaplicabilidade são limitados apenas às partes do litígio e que esse acórdão não põe em causa o próprio ato, que se tornou irrecorrível (acórdãos Carius/Comissão, T‑173/04, EU:T:2006:333, n.o 45 e jurisprudência referida, e CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 38).

46

Ora, admitindo que o dever de suscitar uma exceção de ilegalidade na reclamação, sob pena de inadmissibilidade, se possa coadunar com a finalidade do procedimento pré‑contencioso, o [Tribunal da Função Pública] considera que a própria natureza da exceção de ilegalidade consiste em conciliar o princípio da legalidade com o da segurança jurídica (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 39).

47

Além disso, resulta da redação do artigo 277.o TFUE que a possibilidade de pôr em causa um ato de alcance geral após o fim do prazo de recurso apenas é concedida a uma parte por ocasião de um litígio perante um juiz da União. Tal exceção não produz, pois, plenamente os seus efeitos plenos no âmbito de um procedimento de reclamação administrativa (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 40).

48

Em terceiro e último lugar, o [Tribunal da Função Pública] recorda que o princípio da proteção jurisdicional efetiva constitui um princípio geral do direito da União, que se encontra atualmente consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta e nos termos do qual ‘[t]oda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada […] por um tribunal independente e imparcial, […] estabelecido por lei […]’. Este parágrafo corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir ‘CEDH’) (acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.os 40 e 42).

49

Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, à qual deve ser feita referência em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, que o exercício do direito de acesso a um tribunal pode ser restringido, designadamente quanto às condições de admissibilidade de um recurso. Embora os interessados devam ter expectativas de que estas regras, que estabelecem tais restrições, sejam aplicadas, a aplicação que delas é feita não deve, no entanto, impedir os litigantes de invocarem uma via de recurso disponível (v., neste sentido, TEDH, acórdão Anastasakis c. Grécia de 6 de dezembro de 2011, petição n.o 41959/08, não publicado no Recueil des arrêts et décisions, § 24; acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, EU:C:2013:134, n.o 43; despacho Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, C‑73/10 P, EU:C:2010:684, n.o 53; acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 42).

50

Em especial, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem precisou que as limitações ao direito de acesso a um tribunal relativas às condições de admissibilidade de um recurso não podem restringir o acesso facultado a um particular de forma ou a um ponto tal que o seu direito de acesso a um tribunal seja infringido na sua própria essência. Essas limitações só são conciliáveis com o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH se prosseguirem um fim legítimo e se a relação existente entre os meios utilizados e o objetivo pretendido for razoavelmente proporcionada (v. TEDH, acórdãos Liakopoulou c. Grécia de 24 de maio de 2006, petição n.o 20627/04, não publicado no Recueil des arrêts et décisions, § 17; Kemp e outros c. Luxemburgo de 24 de abril de 2008, petição n.o 17140/05, não publicado no Recueil des arrêts et décisions, § 47; e Viard c. França de 9 de janeiro de 2014, petição n.o 71658/10, não publicado no Recueil des arrêts et décisions, § 29). Com efeito, o direito de acesso a um tribunal é infringido quando a sua regulamentação deixa de servir os objetivos de segurança jurídica e de boa administração da justiça e constitui um tipo de barreira que obsta a que o litígio do particular seja decidido quanto ao mérito pelo órgão jurisdicional competente (tomada de posição do advogado‑geral P. Mengozzi no acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, EU:C:2013:134, n.os 58 a 60; TEDH, acórdão L’Erablière c. Bélgica de 24 de fevereiro de 2009, publicado por excertos no Recueil des arrêts et décisions, petição n.o 49230/07, § 35; acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 43).

51

Ora, a sanção de inadmissibilidade de uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez na petição constitui uma limitação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva não proporcional ao objetivo prosseguido pela regra da concordância, a saber, permitir a resolução amigável dos diferendos entre o funcionário em causa e a Administração e respeitar o princípio da segurança jurídica (acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 44 e jurisprudência referida).

52

A este respeito, o Tribunal [da Função pública] recorda que, segundo a jurisprudência, qualquer funcionário normalmente diligente deve conhecer as regras aplicáveis ao pessoal (v. acórdão BM/BCE, F‑106/11, EU:F:2013:91, n.o 45, quanto às regras aplicáveis ao vencimento dos agentes do BCE; quanto ao estatuto, v. acórdão CR/Parlamento, EU:F:2014:38, n.o 45 e jurisprudência referida). Todavia, uma exceção de ilegalidade é suscetível de levar o [Tribunal da Função Pública] a apreciar a legalidade dessas regras à luz dos princípios gerais ou das regras de direito hierarquicamente superiores que podem ultrapassar o quadro das regras diretamente aplicáveis ao pessoal. Devido à própria natureza da exceção de ilegalidade, bem como ao raciocínio que conduz o interessado a procurar e invocar essa ilegalidade, não se pode exigir de um membro do pessoal do BCE que apresenta a reclamação, e que não dispõe necessariamente de competências jurídicas adequadas, que formule essa exceção na fase pré‑contenciosa, sob pena de subsequente inadmissibilidade. Consequentemente, essa declaração de inadmissibilidade constitui uma sanção desproporcionada e injustificada para o agente em causa.

53

Além disso, o facto de subordinar a possibilidade de suscitar uma exceção de ilegalidade na fase da petição à aplicação de uma regra da concordância com a reclamação é suscetível de favorecer indevidamente uma categoria de funcionários e agentes, a saber, aqueles que dispõem de conhecimentos jurídicos, face às restantes categorias de funcionários e agentes.

54

Atendendo ao exposto, a exceção de ilegalidade invocada pela primeira vez na petição deve ser declarada admissível.»

11

No que diz respeito ao exame do mérito da exceção de ilegalidade, o Tribunal da Função Pública declarou que M. Cerafogli tinha razão ao sustentar que as regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE foram adotadas no âmbito de um processo irregular, uma vez que o Comité do Pessoal não fora consultado antes da adoção destas regras. Consequentemente, o mesmo tribunal considerou que o BCE tinha violado os artigos 48.° e 49.° do Regime Aplicável ao Pessoal, pelo que a terceira acusação da exceção de ilegalidade era procedente, sem que fosse necessário examinar as restantes acusações da exceção de ilegalidade.

12

Assim, o Tribunal da Função Pública considerou que a própria decisão de 21 de junho de 2011, tomada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, era ilegal, sem que fosse necessário examinar os outros fundamentos invocados por M. Cerafogli (n.o 71 do acórdão recorrido).

13

Seguidamente, o Tribunal da Função Pública declarou que, em virtude da anulação da decisão adotada com base nas regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE, M. Cerafogli se encontrava novamente numa posição de espera face à decisão final sobre o seu pedido de 20 de maio de 2011 e que esse prolongamento da situação de espera e de incerteza, provocado pela ilegalidade da decisão em causa, constituía um prejuízo moral que não podia ser totalmente reparado pela simples anulação desta decisão. Tendo em conta estas circunstâncias e, em especial, por um lado, a gravidade do vício que afetava as regras aplicáveis aos pedidos de acesso aos documentos do pessoal do BCE resultante da falta de consulta prévia do Comité do Pessoal e, por outro, o facto de o BCE já ter fornecido a M. Cerafogli vários documentos, o Tribunal da Função Pública considerou que a condenação do BCE a pagar a quantia 1000 euros a M. Cerafogli constituía uma justa reparação desse prejuízo.

14

Por fim, o Tribunal da Função Pública condenou o BCE nas despesas.

Tramitação processual no Tribunal Geral e pedidos das partes

15

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de novembro de 2014, o BCE interpôs o presente recurso.

16

M. Cerafogli apresentou articulado de resposta no prazo estabelecido.

17

O BCE foi autorizado, a seu pedido, a apresentar um articulado de réplica, que entregou no prazo fixado.

18

M. Cerafogli foi autorizada a apresentar um articulado de tréplica, que entregou no prazo fixado.

19

Por despacho de 29 de junho de 2015, o presidente da Secção dos recursos do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Comissão Europeia em apoio dos pedidos do BCE.

20

Por despacho de 29 de junho de 2015, o presidente da Secção dos recursos do Tribunal Geral indeferiu o pedido de intervenção da Union for Unity (U4U) em apoio dos pedidos de M. Cerafogli.

21

Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública), na falta de um pedido neste sentido apresentado pelas partes no prazo previsto no artigo 207.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, decidiu pronunciar‑se sobre o presente recurso prescindindo da fase oral.

22

O BCE conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular o acórdão recorrido;

pronunciar‑se em conformidade com os fundamentos que invocou em primeira instância;

condenar cada parte nas suas próprias despesas.

23

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular o acórdão recorrido.

24

M. Cerafogli conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o presente recurso totalmente improcedente;

confirmar o acórdão recorrido;

condenar o BCE nas despesas.

Quanto ao presente recurso

25

O BCE, apoiado pela Comissão, contesta tanto a pertinência da analogia feita pelo Tribunal da Função Pública entre o contencioso da concorrência e o contencioso da função pública como os três tipos de considerações que levaram o Tribunal da Função Pública a reapreciar a jurisprudência relativa à admissibilidade de uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez perante si, relativos, em primeiro lugar, à finalidade do procedimento pré‑contencioso, em segundo lugar, à natureza da exceção de ilegalidade e, em terceiro lugar, ao princípio da proteção jurisdicional efetiva.

26

A este respeito, o BCE invoca quatro fundamentos de recurso.

27

O primeiro fundamento é relativo, por um lado, a uma extrapolação incorreta, feita pelo Tribunal da Função Pública, do acórdão de 15 de setembro de 2011, Koninklijke Grolsch/Comissão (T‑234/07, EU:T:2011:476), aos processos respeitantes ao pessoal, já que estes dois tipos de contencioso são distintos e que essa extrapolação conduz a uma interpretação errada do alcance do princípio da proteção jurisdicional efetiva à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (primeira parte) e, por outro, a falta de fundamentação (segunda parte).

28

Em apoio do seu segundo fundamento, o BCE alega que, ao considerar que uma exceção de ilegalidade pode ser invocada pela primeira vez perante o juiz e não no âmbito do procedimento pré‑contencioso, o Tribunal da Função Pública não teve em consideração a finalidade do procedimento pré‑contencioso, que visa favorecer uma resolução amigável dos litígios, o que pressupõe que a Administração tenha conhecimento de todas as objeções alegadas pelo agente contra a decisão que impugna (primeira parte), nem os direitos de defesa da instituição no âmbito da referida fase pré‑contenciosa (segunda parte). Além disso, o BCE alega, em substância, que foi sem razão que o Tribunal da Função Pública considerou que a Administração não pode deixar de aplicar uma regra de caráter geral mesmo que a considere ilegal e que não teve em consideração a situação especial do BCE que também é o autor das disposições aplicáveis ao pessoal (terceira parte), e que fez uma interpretação errada do princípio da segurança jurídica (quarta parte).

29

O terceiro fundamento baseia‑se numa apreciação errada da natureza da exceção de ilegalidade e numa interpretação errada do artigo 227.o TFUE (primeira parte), na medida em que, em substância, foi sem razão que o Tribunal da Função Pública considerou que uma exceção de ilegalidade não pode produzir plenamente os seus efeitos no âmbito de um procedimento de reclamação administrativa. O BCE alega, em primeiro lugar, que a proteção de um particular da aplicação de um ato ilegal não impede que sejam impostos critérios de admissibilidade para invocar validamente uma exceção de ilegalidade, em segundo lugar, que o facto de uma exceção de ilegalidade só poder ser invocada a título incidental não acarreta a impossibilidade de suscitar tal exceção no âmbito de um procedimento de reclamação administrativa e, por fim, em terceiro lugar, que é necessário que a Administração seja alertada desde a fase pré‑contenciosa para uma eventual ilegalidade de uma disposição de alcance geral para garantir os seus direitos de defesa e atuar, se for caso disso, com fundamento numa base jurídica correta, não só relativamente ao agente que apresentou uma reclamação, mas também relativamente a todo o pessoal. Segundo o BCE, o Tribunal da Função Pública violou igualmente o princípio da segurança jurídica (segunda parte).

30

Por último, no quarto fundamento, o BCE sustenta que o Tribunal da Função Pública interpretou erradamente o princípio da proteção jurisdicional efetiva e o princípio da proporcionalidade, na medida em que, designadamente, em substância, considerou que a inadmissibilidade da exceção de ilegalidade na fase do recurso para o juiz da União constitui uma sanção desproporcionada para o agente em causa, especialmente se este não for jurista ou não consultar um advogado (primeira parte) e que, assim, acabou por não tomar em consideração certos factos pertinentes do caso concreto, a saber, o facto de M. Cerafogli estar representada por um advogado logo na fase pré‑contenciosa (segunda parte).

31

M. Cerafogli contesta esta argumentação.

32

Antes de mais, há que recordar que, à semelhança do artigo 91.o, n.o 2, do Estatuto, o artigo 42.o do Regime Aplicável ao Pessoal e o artigo 8.1 das Regras Aplicáveis ao Pessoal preveem que um agente do BCE só pode interpor um recurso contencioso após o esgotamento da fase pré‑contenciosa, a qual, tratando‑se do pessoal do BCE, se divide em duas etapas, a saber, um pedido de exame pré‑contencioso e em seguida uma reclamação prévia.

33

Há que recordar que a legalidade de uma decisão deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito de que a instituição dispunha no momento em que adotou a referida decisão. Tendo em conta o caráter evolutivo da fase pré‑contenciosa, a elaboração do ato que fixa a posição definitiva da instituição encontra o seu termo quando da adoção da resposta da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») à reclamação apresentada pelo agente. Daqui resulta que a legalidade do ato definitivo que lesa a recorrente é apreciada à luz dos elementos de facto e de direito de que a instituição dispunha quando da adoção, expressa ou tácita, dessa resposta, sem prejuízo da possibilidade de a instituição fornecer, nas condições previstas na jurisprudência, precisões complementares durante a fase contenciosa (acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.o 45).

34

Além disso, segundo jurisprudência constante, a regra da concordância entre a reclamação e a subsequente petição exige, sob pena de inadmissibilidade, que um fundamento invocado perante o juiz da União já o tenha sido no âmbito do procedimento pré‑contencioso, para que a AIPN tenha tido a possibilidade de conhecer, de modo suficientemente preciso, as críticas que o interessado dirige à decisão impugnada. Esta regra é justificada pela própria finalidade da fase pré‑contenciosa, que tem por objetivo permitir a resolução amigável dos diferendos surgidos entre os funcionários e a Administração (v. acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.os 71 e 72 e jurisprudência referida).

35

Daqui decorre que, nos recursos de funcionários, as pretensões deduzidas perante o juiz da União só podem conter fundamentos de impugnação que assentem na mesma causa de pedir que aquela em que assentam os fundamentos de impugnação invocados na reclamação, sendo certo que esses fundamentos de impugnação podem ser desenvolvidos, perante o juiz da União, através da apresentação de fundamentos e argumentos que não constam necessariamente da reclamação, mas que com ela se relacionam estreitamente (v. acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 73 e jurisprudência referida).

36

Contudo, importa sublinhar, por um lado, que, dado que o procedimento pré‑contencioso tem natureza informal e que, regra geral, os interessados agem nessa fase sem a intervenção de um advogado, a Administração não deve interpretar as reclamações de forma restritiva, devendo, pelo contrário, examiná‑las com espírito de abertura, e, por outro, que o artigo 91.o do Estatuto e as disposições correspondentes do Regime Aplicável ao Pessoal e do artigo 8.1 das Regras Aplicáveis ao Pessoal não têm por objeto vincular, de forma rigorosa e definitiva, a eventual fase contenciosa, uma vez que o recurso contencioso não altera nem a causa de pedir nem o pedido da reclamação (v. acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 76 e jurisprudência referida).

37

É verdade que, segundo jurisprudência constante, para que a fase pré‑contenciosa possa alcançar o seu objetivo, é necessário que a AIPN tenha condições para conhecer, de modo suficientemente preciso, as críticas que os interessados dirigem à decisão impugnada (v. acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 77 e jurisprudência referida).

38

Contudo, importa esclarecer que, embora a imutabilidade do pedido e da causa de pedir do litígio entre a reclamação e a petição seja necessária à resolução amigável dos diferendos, informando‑se a AIPN, logo na fase da reclamação, das críticas do interessado, a interpretação destes conceitos não pode conduzir a restringir as possibilidades que o interessado tem ao seu alcance para impugnar utilmente uma decisão que lhe causa prejuízo (acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/MoschonakiT‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 83).

39

É por esta razão que o conceito de pedido do litígio, que corresponde às pretensões do interessado, bem como de causa de pedir do litígio, que corresponde ao fundamento, jurídico e factual, dessas pretensões, não devem ser interpretados de forma estrita (acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 84).

40

Neste contexto, deve, em especial, salientar‑se que a simples alteração do fundamento jurídico de uma impugnação não basta para caracterizar a novidade da causa de pedir da mesma. É assim que vários fundamentos jurídicos podem sustentar uma só pretensão e, por conseguinte, uma só causa de pedir. Por outras palavras, o facto de invocar a violação de uma disposição específica na petição, que não foi invocada na reclamação, não implica necessariamente que a causa de pedir do litígio se tenha, por esse motivo, alterado. Com efeito, há que ater à substância da referida causa de pedir e não apenas à letra dos seus fundamento jurídicos, devendo o juiz da União verificar se existe uma relação estreita entre os seus fundamentos e se estes têm uma relação substancial com as referidas pretensões (acórdão de 25 de outubro de 2013, Comissão/Moschonaki, T‑476/11 P, EU:T:2013:557, n.o 85).

41

Além disso, nos termos do artigo 277.o TFUE, não obstante a extinção do prazo previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 263.o, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato.

42

Como recordou corretamente o Tribunal da Função Pública no n.o 45 do acórdão recorrido (v. n.o 10, supra), resulta de jurisprudência constante que o artigo 277.o TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar a título incidental, com o objetivo de obter a anulação de um ato de que pode recorrer, a validade de um ato institucional anterior que constitui a base jurídica do ato impugnado, se essa parte não dispunha do direito de interpor, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, um recurso direto desse ato, cujas consequências sofre deste modo sem ter podido requerer a sua anulação.

43

Assim, a possibilidade conferida pelo artigo 277.o TFUE de invocar a inaplicabilidade de um regulamento ou de um ato de alcance geral que constitui a base jurídica do ato de aplicação impugnado não constitui um direito de ação autónomo e só pode ser exercido de forma incidental. Não existindo um direito de recurso principal, o referido artigo 277.o TFUE não pode ser invocado (acórdãos de 16 de julho de 1981, Albini/Conselho e Comissão, 33/80, EU:C:1981:186, n.o 17 e de 22 de outubro de 1996, CSF e CSME/Comissão, T‑154/94, EU:T:1996:152, n.o 16; v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 1985, Salerno e o./Comissão e Conselho, 87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, EU:C:1985:318, n.o 36).

44

Na medida em que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de alcance geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o alcance de uma exceção de ilegalidade deve ser limitado ao que é indispensável para a solução do litígio. Daqui resulta que o ato de alcance geral cuja ilegalidade é invocada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso que é objeto de recurso e que deve existir um nexo jurídico direto entre a decisão individual impugnada e o ato geral em questão (v., neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 2007, Ianniello/Comissão, T‑308/04, EU:T:2007:347, n.o 33 e jurisprudência referida). A este respeito, a existência de tal nexo pode ser deduzida, nomeadamente, da constatação de que o ato impugnado no processo principal assenta essencialmente numa disposição do ato cuja legalidade é impugnada (v., neste sentido, acórdãos de 25 de outubro de 2006, Carius/Comissão, T‑173/04, EU:T:2006:333, n.o 46, e de 20 de novembro de 2007, Ianniello/Comissão, T‑308/04, EU:T:2007:347, n.o 33; v., neste sentido e por analogia, acórdão de 4 de março de 1998, De Abreu/Tribunal de Justiça, T‑146/96, EU:T:1998:50, n.os 25 e 29).

45

Por último, cabe esclarecer que a ilegalidade do ato de alcance geral no qual se baseia a decisão individual não pode conduzir à anulação do ato de alcance geral, mas apenas da decisão individual dele decorrente (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, EU:C:1958:7, n.o 2). O artigo 277.o TFUE tem efetivamente por objetivo, como observou corretamente o Tribunal da Função Pública no n.o 45 do acórdão recorrido, proteger o particular da aplicação de um ato de alcance geral ilegal, sem que, no entanto, seja posto em causa o próprio ato de caráter geral, que se tornou inimpugnável por terem decorrido os prazos previstos no artigo 263.o TFUE. Assim, um acórdão que declare a inaplicabilidade de um ato de alcance geral só tem força de caso julgado para as partes no litígio que deu origem a esse acórdão (v., neste sentido, acórdão de 21 de fevereiro de 1974, Kortner e o./Conselho e o., 15/73 a 33/73, 52/73, 53/73, 57/73 a 109/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, EU:C:1974:16, n.o 36).

46

Decorre da jurisprudência acima recordada nos n.os 42 a 45 que, em primeiro lugar, a exceção de ilegalidade só pode ser invocada a título incidental, num recurso principal interposto perante o juiz da União, dirigido contra uma decisão individual lesiva dos interesses do recorrente, em segundo lugar, é necessário que o próprio recurso principal seja admissível, em terceiro lugar, a exceção só é admissível na medida em que o recorrente não dispuser do direito de interpor um recurso direto contra o ato de alcance geral que apresenta uma conexão com a decisão individual desfavorável, em quarto lugar, é ao julgador da União que compete declarar inaplicável o ato de alcance geral cuja ilegalidade verifique e retirar as consequências dessa inaplicabilidade para o ato individual lesivo dos interesses do recorrente e, em quinto lugar, esta declaração de inaplicabilidade só tem força de caso julgado para as partes no litígio e não tem efeitos erga omnes.

47

A economia dessa via de recurso incidental, ligada à interposição de um recurso principal perante o juiz da União, justifica que seja declarada admissível uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez perante o juiz da União, em derrogação à regra da concordância entre a petição e a reclamação.

48

Com efeito, importa recordar que, nos termos de jurisprudência constante, resulta do sistema legislativo e jurisdicional instituído pelo Tratado que, embora o respeito do princípio da legalidade implique, para os particulares, o direito de contestar perante o juiz a validade dos atos de alcance geral, este princípio implica também, para todos os sujeitos do direito da União, a obrigação de reconhecer a plena eficácia dos referidos atos enquanto a sua invalidade não for declarada por um órgão jurisdicional competente (v., neste sentido, acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Granaria, 101/78, EU:C:1979:38, n.o 5, e de 28 de janeiro de 2016, Éditions Odile Jacob/Comissão, C‑514/14 P, não publicado, EU:C:2016:55, n.o 40).

49

Com efeito, nos termos do artigo 277.o TFUE, só o juiz tem competência para declarar a ilegalidade de um ato de alcance geral e retirar as consequências da inaplicabilidade daí resultante para o ato de alcance individual impugnado perante ele, competência essa que os Tratados não conferem à instituição à qual a reclamação é dirigida.

50

O BCE alega que, em certos casos, a própria instituição pode também ser autora do ato de alcance geral — como sucede no presente caso — e, como tal, pode retirar as eventuais consequências de uma exceção de ilegalidade invocada em apoio de uma reclamação.

51

Todavia, neste caso, não se trata de uma competência que lhe é atribuída pelos Tratados ou por um ato de direito derivado, mas de uma faculdade a que a instituição se pode arrogar.

52

É cerro que a instituição pode, se for caso disso, revogar ex tunc o ato de alcance geral de que é autora, mas essa revogação não implica, no entanto, qualquer declaração de ilegalidade do referido ato, declaração que é da exclusiva competência do juiz.

53

Além disso, os efeitos da revogação ex tunc de um ato de alcance geral pela instituição, desde que dele seja autora, são diferentes dos que decorrem da declaração de ilegalidade pelo juiz da União: esta revogação do ato opera retroativamente, pelo que priva de base jurídica qualquer ato adotado com base no mesmo, incluindo os atos que não tenham sido objeto de recurso, ao passo que a declaração de ilegalidade pelo juiz, não tendo efeitos erga omnes, implica a ilegalidade da decisão individual impugnada, deixando subsistir o ato de alcance geral na ordem jurídica sem afetar a legalidade dos outros atos que tenham sido adotados com base nesse ato e que não foram impugnados dentro do prazo de recurso (v., neste sentido, acórdão de 21 de fevereiro de 1974, Kortner e o./Conselho e o., 15/73 a 33/73, 52/73, 53/73, 57/73 a 109/73/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, EU:C:1974:16, n.os 37 e 38).

54

Por último, quanto à eventual revogação ex nunc de um ato de alcance geral — ou à possibilidade de uma instituição fazer subsistir parte dos efeitos do ato de alcance geral de que é autora quando o revoga ex tunc (acórdão de 23 de novembro de 1999, Portugal/Comissão, C‑89/96, EU:C:1999:573, n.os 9 a 11) — a revogação ex nunc só produz efeitos para o futuro e, por conseguinte, não tem repercussões na legalidade da decisão individual adotada com base nesse ato de alcance geral e que é impugnada (v., neste sentido, acórdão de 13 de dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, EU:T:1995:209, n.o 46).

55

Por outras palavras, é certo que a instituição pode revogar ex tunc ou ex nunc um ato de alcance geral de que é autora se considerar que esse ato está ferido de ilegalidade, mas essa revogação ex tunc, ou essa revogação ex nunc, não equivale à declaração de ilegalidade, nem aos efeitos daí decorrentes, que apenas o juiz pode efetuar em conformidade com as disposições do artigo 277.o TFUE.

56

Nestas condições, a exigência formal de levar ao conhecimento da instituição, no âmbito de uma reclamação, uma exceção de ilegalidade de um ato de alcance geral, sob pena de inadmissibilidade posterior dessa mesma exceção perante o juiz da União, sendo que o destino que essa instituição venha a reservar à referida exceção, desde que seja a autora do referido ato, não equivale à declaração de ilegalidade pelo juiz da União, é contrária à economia e à razão de ser da exceção de ilegalidade.

57

Esta apreciação não é posta em causa pelos argumentos apresentados pelo BCE em apoio da primeira parte do seu segundo fundamento.

58

O BCE, apoiado pela Comissão, alega, em substância, que o Tribunal da Função Pública, ao admitir que o agente pode invocar pela primeira vez uma exceção de ilegalidade perante o juiz da União, em derrogação à regra da concordância, desrespeitou a finalidade do procedimento pré‑contencioso, que visa encontrar uma resolução amigável do diferendo surgido entre o agente e a instituição de que depende.

59

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da legalidade implica, para todos os sujeitos do direito da União, a obrigação de reconhecer a plena eficácia dos referidos atos enquanto a sua ilegalidade não for declarada por um órgão jurisdicional competente (v. n.o 48, supra).

60

Ora, este princípio não pode ser posto em causa por uma instituição desejosa de encontrar uma solução amigável para o diferendo surgido entre ela e um dos seus agentes, na falta de decisão do juiz sobre a inaplicabilidade do ato de alcance geral.

61

Consequentemente, o Tribunal da Função Pública não cometeu um erro de direito ao admitir a exceção de ilegalidade com base nos fundamentos expostos nos n.os 42 e 45 a 47 do acórdão recorrido.

62

Importa, assim, afastar, além da primeira parte do segundo fundamento, a terceira e quarta partes do segundo fundamento invocado pelo BCE, pelas quais este alega, por um lado, que foi sem razão que o Tribunal da Função Pública considerou que a Administração não pode deixar de aplicar uma regra de caráter geral mesmo que a considere ilegal e que o mesmo não tomou em consideração a situação especial do BCE que, in casu, também é o autor das disposições aplicáveis ao pessoal (terceira parte) e, por outro, que interpretou de forma errada o princípio da segurança jurídica (quarta parte).

63

Importa igualmente rejeitar pelos mesmos motivos a primeira parte do terceiro fundamento, em que o BCE alega que foi sem razão que o Tribunal da Função Pública considerou que uma exceção de ilegalidade não pode produzir plenamente os seus efeitos no âmbito de um procedimento de reclamação administrativa.

64

A este respeito, nenhuma das objeções aduzidas para alicerçar esta primeira parte do terceiro fundamento pode proceder.

65

Em primeiro lugar, o BCE sustenta que a proteção de um particular da aplicação de um ato ilegal não impede que se imponham critérios de admissibilidade para invocar validamente uma exceção de ilegalidade.

66

É certo que resulta de jurisprudência constante que o artigo 47.o da Carta não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, designadamente as regras relativas à admissibilidade dos recursos interpostos diretamente perante o órgão jurisdicional da União (acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑582/11 P, EU:C:2013:625, n.o 97, e despacho de 29 de abril de 2015, von Storch e o./BCE, C‑64/14 P, não publicado, EU:C:2015:300, n.o 55).

67

A este respeito, importa salientar que a possibilidade de invocar uma exceção de ilegalidade em caso de litígio entre um agente e uma instituição está sujeita à observância de vários pressupostos de admissibilidade: tratando‑se de uma via de recurso incidental, essa possibilidade pressupõe a prévia interposição de um recurso principal, que este tenha por objeto uma decisão que causa prejuízo ao funcionário, que este recurso seja admissível, que o agente não tenha podido requerer a anulação do ato de alcance geral subjacente à decisão que lhe causa prejuízo e que exista um nexo suficiente entre os atos de alcance geral e a decisão individual impugnada.

68

No entanto, a economia do regime jurídico da exceção de ilegalidade e, em especial, as considerações relativas ao facto de que só o juiz pode declarar a inaplicabilidade de um ato de alcance geral levam a ter de considerar que não pode constituir um pressuposto adicional de admissibilidade ser a exceção suscitada previamente na fase da reclamação.

69

Em segundo lugar, o BCE alega que o facto de uma exceção de ilegalidade não poder ser invocada a título incidental não acarreta a impossibilidade de suscitar essa exceção no âmbito de um procedimento de reclamação administrativa.

70

É certo que o caráter incidental da exceção de ilegalidade não torna impossível o facto de se invocar essa exceção na fase da reclamação. Todavia, o facto de o agente ter o direito de invocar essa exceção na fase da reclamação não implica que esteja obrigado a fazê‑lo sob pena de inadmissibilidade posterior de tal fundamento perante o juiz da União.

71

Em terceiro lugar, o BCE alega que importa que a Administração seja avisada, desde a fase pré‑contenciosa, da eventual ilegalidade de uma disposição de alcance geral para garantir os seus direitos de defesa e atuar, se for caso disso, com fundamento numa base jurídica correta, não só relativamente ao agente que apresentou uma reclamação, mas também relativamente a todo o pessoal.

72

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos de defesa, em qualquer processo instaurado contra alguém e suscetível de culminar num ato lesivo dos seus interesses, constitui um princípio fundamental do direito da União e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação relativa ao processo em causa. Este princípio exige que à pessoa em causa seja dada a possibilidade de expor utilmente o seu ponto de vista relativamente aos elementos que lhe possam ser imputados no ato a praticar (v. despacho de 12 de maio de 2010, CPEM/Comissão, C‑350/09 P, não publicado, EU:C:2010:267, n.os 75 e 76 e jurisprudência referida).

73

Importa ainda recordar que, tendo em conta o caráter evolutivo da fase pré‑contenciosa, a elaboração do ato que fixa a posição definitiva da instituição encontra a sua expressão na altura da adoção da resposta dada pela AIPN à reclamação apresentada pelo agente (acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.o 45).

74

Há que assim que concluir que, no âmbito do procedimento administrativo de reclamação, a instituição não pode reivindicar o benefício dos direitos de defesa, uma vez que é a autora, e não a destinatária, do ato suscetível de causar prejuízo ao agente.

75

Quanto ao demais, o BCE não contesta que os seus direitos de defesa estejam plenamente garantidos no âmbito do processo judicial, onde pode apresentar todos os argumentos que considere oportunos caso lhe seja oposta uma exceção de ilegalidade em apoio de um recurso principal.

76

Os fundamentos expostos nos n.os 59 e 60 do presente acórdão conduzem, além disso, a afastar a segunda parte da argumentação apresentada pelo BCE em apoio desta objeção, que importa, por conseguinte, rejeitar na íntegra assim como a segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio da segurança jurídica.

77

Do mesmo modo, há que rejeitar a argumentação do BCE relativa à violação dos seus direitos de defesa avançada em apoio da segunda parte do seu segundo fundamento.

78

Uma vez que os fundamentos expostos nos n.os 42 e 45 a 47 do acórdão recorrido são suficientes para justificar que uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez perante o Tribunal da Função Pública seja admissível por derrogação à regra da concordância, há que considerar que são inoperantes os restantes argumentos apresentados pelo BCE em apoio, em primeiro lugar, do seu primeiro fundamento, relativo a uma extrapolação incorreta, pelo Tribunal da Função Pública, do acórdão de 15 de setembro de 2011, Koninklijke Grolsch/Comissão (T‑234/07, EU:T:2011:476) aos processos relativos ao pessoal, já que estes dois tipos de contencioso são distintos e que essa extrapolação conduz a uma interpretação errada do alcance do princípio da proteção jurisdicional efetiva à luz do artigo 47.o da Carta (primeira parte) e, por outro lado, a falta de fundamentação (segunda parte), em segundo lugar, da primeira parte do quarto fundamento, em que o BCE sustenta que o Tribunal da Função Pública interpretou erradamente o princípio da proteção jurisdicional efetiva e o princípio da proporcionalidade, na medida em que, designadamente, em substância, considerou que a inadmissibilidade da exceção de ilegalidade na fase do recurso para o juiz da União constitui uma sanção desproporcionada para o agente em causa, e, em terceiro lugar, da segunda parte do quarto fundamento, relativa ao facto de o Tribunal da Função Pública não ter tomado em consideração certos factos pertinentes no caso vertente, a saber, o facto de M. Cerafogli estar representada por um advogado desde a fase pré‑contenciosa (v., neste sentido, acórdãos de 2 de junho de 1994, De Compte/Parlamento, C‑326/91 P, EU:C:1994:218, n.o 94, e de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.o 68).

79

Consequentemente, há que aprovar a solução adotada pelo Tribunal da Função Pública ao admitir uma exceção de ilegalidade suscitada pela primeira vez perante o juiz da União, em derrogação à regra da concordância.

80

Há, assim, que negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

81

Em conformidade com o artigo 211.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal Geral decide sobre as despesas.

82

Nos termos do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal da Função Pública por força do artigo 211.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o BCE sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos de M. Cerafogli.

83

Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal da Função Pública por força do artigo 211.o, n.o 1, do mesmo regulamento, as instituições que intervêm no processo suportam as suas próprias despesas. A Comissão suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

O Banco Central Europeu (BCE) suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas por Maria Concetta Cerafogli.

 

3)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

 

Jaeger

Prek

Dittrich

Frimodt Nielsen

Berardis

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de outubro de 2016.

Assinaturas


( 1 ) Língua do processo: inglês.

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