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Document 62014CJ0482

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de junho de 2017.
Comissão Europeia contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado — Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 6.o, n.o 1 — Grupo Deutsche Bahn — Acordos de transferência de lucros — Proibição de transferir para os serviços de transporte ferroviário financiamentos públicos concedidos para fins de exploração da infraestrutura ferroviária — Obrigações contabilísticas — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 9.o, n.o 4 — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Artigo 6.o, n.o 1 — Ponto 5 do anexo — Obrigações contabilísticas — Apresentação contrato a contrato dos financiamentos públicos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros.
Processo C-482/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:499

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de junho de 2017 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 6.o, n.o 1 — Grupo Deutsche Bahn — Acordos de transferência de lucros — Proibição de transferir para os serviços de transporte ferroviário financiamentos públicos concedidos para fins de exploração da infraestrutura ferroviária — Obrigações contabilísticas — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 9.o, n.o 4 — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Artigo 6.o, n.o 1 — Ponto 5 do anexo — Obrigações contabilísticas — Apresentação contrato a contrato dos financiamentos públicos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros»

No processo C‑482/14,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 30 de outubro de 2014,

Comissão Europeia, representada por W. Mölls, T. Maxian Rusche e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes, assistidos por R. Van der Hout, advocaat,

demandada,

apoiada por:

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

República de Letónia, representada por I. Kucina, J. Treijs‑Gigulis e I. Kalniņš, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský, M. Safjan e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de março de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de maio de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

ao permitir que o financiamento público destinado à exploração da infraestrutura ferroviária possa ser transferido para serviços de transporte, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um espaço ferroviário europeu único (JO 2012, L 343, p. 32) [antigo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO 1991, L 237, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001 (JO 2001, L 75, p. 1) (a seguir «Diretiva 91/440»)];

não tendo adotado todas as medidas necessárias para assegurar, através de uma elaboração adequada da contabilidade, o cumprimento da proibição de transferência dos financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura ferroviária para os serviços de transporte, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/34 (antigo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440);

não tendo adotado todas as medidas necessárias para que as taxas da infraestrutura sejam utilizadas apenas para financiar a atividade do gestor da infraestrutura, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva 2012/34 [antigo artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO 2001, L 75, p. 29)];

não tendo adotado todas as medidas necessárias para que os financiamentos públicos concedidos às atividades de prestação de serviços públicos de transporte de passageiros figurem em separado nas contas correspondentes, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/34 (antigo artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440) e das disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1), e do ponto 5 do anexo do Regulamento n.o 1370/2007.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 91/440

2

O quarto considerando da Diretiva 91/440 enuncia:

«Considerando que o desenvolvimento futuro e uma exploração eficaz da rede ferroviária podem ser facilitados através de uma distinção entre a exploração de serviços de transporte e a exploração das infraestruturas; que, nestas condições, é necessário que aquelas duas atividades tenham obrigatoriamente contabilidades distintas e possam ser geridas separadamente».

3

O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva dispõe:

«As empresas de transporte ferroviário cuja atividade se limite à exploração de transportes urbanos, suburbanos ou regionais ficam excluídas do âmbito de aplicação da presente diretiva.»

4

O artigo 3.o da referida diretiva define os «serviços regionais» como «os serviços de transporte destinados a dar resposta às necessidades de transporte de uma região».

5

Na secção II intitulada «Independência de gestão», o artigo 4.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo em matéria de gestão, administração e controlo administrativo, económico e contabilístico interno, por força do qual disponham, nomeadamente, de um património, um orçamento e uma contabilidade separados dos do Estado.

2.   O gestor da infraestrutura é responsável pela sua própria gestão, administração e controlo interno, no respeito do quadro e das regras específicas de tarificação e de repartição fixados pelos Estados‑Membros.»

6

Incluído na referida secção, o artigo 5.o da Diretiva 91/440 estabelece o seguinte:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para permitir que as empresas de transporte ferroviário adaptem as suas atividades ao mercado e as giram sob a responsabilidade dos seus órgãos de direção, com vista a prestar serviços eficazes e adequados, ao menor custo possível em relação à qualidade de serviço exigido.

As empresas de transporte ferroviário devem ser geridas segundo os princípios aplicáveis às sociedades comerciais, inclusive no que diz respeito às obrigações de serviço público impostas pelos Estados às empresas e aos contratos de prestação de serviço público, celebrados pelos empresas com as autoridades nacionais competentes dos Estados‑Membros.

2.   As empresas de transporte ferroviário adotarão os seus próprios programas de atividade, incluindo os planos de investimento e de financiamento. Estes programas são concebidos tendo como objetivo o equilíbrio financeiro das empresas e a realização dos demais objetivos de gestão técnica, comercial e financeira; devem, além disso, indicar os meios para alcançar esses objetivos.

[...]»

7

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, na sua versão inicial, tinha a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir, no plano da contabilidade, a separação das atividades relativas à exploração dos serviços de transportes, das atividades relativas à gestão da infraestrutura ferroviária. A ajuda paga a uma destas duas atividades não poderá ser transferida para a outra.

As contas relativas às duas atividades serão mantidas de forma a refletir esta proibição.»

8

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 enuncia:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que sejam elaboradas e publicadas separadamente as contas de ganhos e perdas e os balanços relativos, por um lado, à atividade de prestação de serviços de transporte por empresas de transporte ferroviário e, por outro, à atividade de gestão da infraestrutura ferroviária. O financiamento pelo Estado de uma das atividades não pode ser transferido para a outra.

As contas relativas às duas atividades serão mantidas de forma a refletir esta proibição.»

9

O artigo 9.o, n.o 4, desta diretiva, acrescentado à mesma pela Diretiva 2001/12, tem a seguinte redação:

«No caso das empresas ferroviárias, devem ser elaboradas e publicadas as contas de ganhos e perdas e os balanços ou a relação anual do ativo e do passivo relativamente à prestação de serviços ferroviários de transporte de mercadorias. Os financiamentos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros devem ser apresentados separadamente nas respetivas contas e não podem ser transferidos para atividades relacionadas com a prestação de outros serviços de transporte ou quaisquer outras atividades.»

10

O prazo de transposição da Diretiva 91/440 foi fixado, pelo seu artigo 15.o, até 1 de janeiro de 1993.

11

Por força do artigo 65.o da Diretiva 2012/34, a Diretiva 91/440 foi revogada com efeitos a partir de 15 de dezembro de 2012. Mediante uma retificação publicada em 12 de março de 2015 (JO 2015, L 67, p. 32, a seguir «retificação de 12 de março de 2015»), a data para a produção dos efeitos da revogação desta diretiva foi fixada em 17 de junho de 2015.

Diretiva 2001/12

12

O considerando 9 da Diretiva 2001/12 enuncia:

«É necessário separar as contas dos serviços de transporte de passageiros e dos serviços de transporte de mercadorias, para promover a eficácia desses mesmos serviços e garantir a transparência das suas finanças, incluindo todas as compensações financeiras ou auxílios estatais.»

Diretiva 2001/14

13

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem definir as condições necessárias, incluindo, se for caso disso, pagamentos adiantados, para assegurar que, em condições normais de atividade e ao longo de um período de tempo razoável, as contas do gestor da infraestrutura apresentem pelo menos um equilíbrio entre as receitas provenientes das taxas de utilização da infraestrutura, os excedentes provenientes de outras atividades comerciais e o financiamento estatal, por um lado, e as despesas da infraestrutura, por outro.

Sem prejuízo do eventual objetivo, a longo prazo, de cobertura pelo utilizador dos custos de infraestrutura de todos os modos de transporte com base numa concorrência intermodal equitativa e não discriminatória, sempre que o transporte ferroviário esteja em condições de concorrer com outros modos, no quadro da tarifação prevista nos artigos 7.o e 8.o, os Estados‑Membros podem exigir ao gestor de infraestrutura que equilibre as suas contas sem beneficiar de financiamento estatal.»

14

O artigo 7.o, n.os 1 e 3, desta diretiva precisa:

«1.   As taxas de utilização da infraestrutura ferroviária são pagas ao gestor da infraestrutura e utilizadas no financiamento da sua atividade.

[...]

3.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 e no artigo 8.o, as taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via férrea às instalações dos serviços devem corresponder ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário.»

15

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 tem a seguinte redação:

«A fim de proceder à plena recuperação dos custos do gestor da infraestrutura, os Estados‑Membros podem, se as condições do mercado o permitirem, aplicar sobretaxas adicionais com base em princípios eficazes, transparentes e não discriminatórios, garantindo ao mesmo tempo a maior competitividade possível, em especial no que se refere ao transporte ferroviário internacional de mercadorias. O regime de tarifação deve respeitar os aumentos de produção alcançados pelas empresas ferroviárias.

No entanto, o nível das taxas não deverá excluir a utilização da infraestrutura por segmentos de mercado que possam pelo menos pagar os custos diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário, acrescidos de uma taxa de rentabilidade se o mercado o permitir.»

16

O prazo de transposição da Diretiva 2001/14 foi fixado, pelo seu artigo 38.o, até 15 de março de 2003.

17

Por força do artigo 65.o da Diretiva 2012/34, a Diretiva 2001/14 foi revogada com efeitos a partir de 15 de dezembro de 2012. Com a retificação de 12 de março de 2015, a data para a revogação desta diretiva foi fixada em 17 de junho de 2015.

Regulamento n.o 1370/2007

18

O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 tem a seguinte redação:

«Qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve obedecer às disposições estabelecidas no artigo 4.o, independentemente das modalidades de adjudicação do contrato. Qualquer compensação, seja qual for a sua natureza, ligada a um contrato de serviço público adjudicado por ajuste direto ao abrigo dos n.os 2, 4, 5 ou 6 do artigo 5.o ou ligada a uma regra geral deve obedecer, além disso, às disposições estabelecidas no anexo.»

19

Os pontos 2 e 5 do anexo a esse regulamento, intitulado «Regras aplicáveis à compensação nos casos referidos no n.o 1 do artigo 6.o» preveem:

«2.   A compensação não pode exceder um montante que corresponda ao efeito financeiro líquido decorrente da soma das incidências, positivas ou negativas, da execução da obrigação de serviço público sobre os custos e as receitas do operador de serviço público. As incidências devem ser avaliadas comparando a situação em que é executada a obrigação de serviço público com a situação que teria existido se a obrigação não tivesse sido executada. Para calcular as incidências financeiras líquidas, a autoridade competente deve tomar como referencial as seguintes regras:

custos incorridos em relação a uma obrigação de serviço público ou a um conjunto de obrigações de serviço público impostas pela autoridade ou autoridades competentes, incluídas num contrato de serviço público e/ou numa regra geral,

menos as incidências financeiras positivas geradas na rede explorada ao abrigo da obrigação ou obrigações de serviço público em causa,

menos as receitas decorrentes da aplicação do tarifário ou quaisquer outras receitas decorrentes do cumprimento da obrigação ou obrigações de serviço público em causa,

mais um lucro razoável,

igual ao efeito financeiro líquido.

[...]

5.   A fim de aumentar a transparência e de evitar subvenções cruzadas, quando um operador de serviço público explora simultaneamente serviços sujeitos a obrigações de serviço público de transportes que beneficiam de compensação e outras atividades, a contabilidade dos referidos serviços públicos deve ser separada, satisfazendo, no mínimo, as seguintes condições:

as contas correspondentes a cada uma destas atividades de exploração devem ser separadas, e a parte dos ativos correspondentes e os custos fixos devem ser afetados segundo as normas contabilísticas e fiscais em vigor,

todos os custos variáveis, uma contribuição adequada para os custos fixos e um lucro razoável ligados a qualquer outra atividade do operador de serviço público não podem, em caso algum, ser imputados ao serviço público em causa,

os custos de serviço público devem ser equilibrados pelas receitas de exploração e pelos pagamentos das autoridades públicas, sem transferência possível das receitas para outro setor de atividade do operador de serviço público.»

Diretiva 2012/34

20

O considerando 1 da Diretiva 2012/34 enuncia:

«A Diretiva [91/440], a Diretiva 95/18/CE do Conselho, de 19 de junho de 1995, relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário [JO 1995, L 143, p. 70], e a Diretiva [2001/14] foram substancialmente alteradas. Tendo em conta a necessidade de introduzir alterações adicionais, essas diretivas deverão ser reformuladas e fundidas num único ato por razões de clareza.»

21

O artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2012/34 sucedeu ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, ao passo que o artigo 6.o, n.o 3, desta Primeira Diretiva sucedeu ao artigo 9.o, n.o 4, desta última diretiva.

22

O artigo 64.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva prevê que «[o]s Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, nomeadamente no que se refere ao seu cumprimento pelas empresas, pelos operadores, pelos candidatos, pelas autoridades e por outras entidades em causa, até de 16 de junho de 2015. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições».

23

Nos termos do artigo 65.o da mesma diretiva, «[a]s Diretivas [91/440] [...] e [2001/14], com a redação que lhes foi dada pelas diretivas enumeradas no anexo IX, parte A, são revogadas com efeitos a partir de 15 de dezembro de 2012, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros no que respeita aos prazos de transposição das diretivas para o direito nacional constantes do anexo IX, parte B». Com a retificação de 12 de março de 2015, a data para a revogação destas diretivas foi fixada em 17 de junho de 2015.

Direito alemão

24

O § 9 da Allgemeines Eisenbahngesetz (Lei geral dos caminhos de ferro), de 27 de dezembro de 1993 (BGB1.1993 I, pp. 2378, 2396; 1994 I, p. 2439) (a seguir «AEG»), prevê:

«(1)   As sociedades de caminhos de ferro públicas

1.

que são também empresas de transporte ferroviário e empresas de infraestrutura ferroviária,

2.

a)

que são unicamente empresas de transporte ferroviário e estão ligadas, através de uma sociedade‑mãe, a uma empresa de infraestrutura ferroviária que é uma sociedade de caminhos de ferro pública, ou

b)

que são unicamente empresas de infraestrutura ferroviária e estão ligadas, através de uma sociedade‑mãe, a uma empresa de transporte ferroviário que é uma sociedade de caminho de ferro pública, ou

3.

que são, enquanto empresa de transporte ferroviário ou de infraestrutura ferroviária, a sociedade‑mãe ou a filial de outra empresa de transporte ferroviário ou de infraestrutura ferroviária que é uma sociedade de caminho de ferro pública

têm a obrigação, mesmo que não sejam geridas sob a forma de sociedades de capitais, de estabelecer, controlar e publicar as contas anuais e um relatório de gestão em conformidade com as disposições aplicáveis às grandes sociedades de capitais que figuram na segunda secção do terceiro livro do Código Comercial. [...]

(1a)   As sociedades de caminhos de ferro públicas na aceção do n.o 1, primeiro período, ponto 1, devem ter contabilidade separada para os dois setores; isso compreende a elaboração de contas separadas para o setor “prestação de serviços de transporte” e para o setor “gestão da infraestrutura ferroviária”. Para cada setor na aceção do primeiro período bem como para um setor externo a estes últimos, devem incluir no anexo às suas contas anuais um balanço e uma conta de ganhos e de perdas adicionais, em conformidade com os princípios do direito comercial. [...]

(1b)   Os financiamentos públicos pagos a um dos dois setores de atividades referidos no n.o 1a, primeiro período, não podem ser transferidos para o outro. As contas relativas aos dois setores de atividade devem refletir esta proibição. Isto aplica‑se igualmente às empresas na aceção do n.o 1, primeiro período, pontos 2 e 3.

[...]

(1d)   No que se refere às empresas públicas de transporte ferroviário que prestam serviços ferroviários também no domínio do transporte de passageiros e de mercadorias, o n.o 1a aplica‑se mutatis mutandis, entendendo‑se que só é necessário elaborar contas separadas e incluir no anexo às contas anuais um balanço e uma conta de ganhos e de perdas separadas para o setor do transporte ferroviário de mercadorias e que esse balanço pode ser substituído por documento que ateste a situação patrimonial. Os financiamentos públicos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros devem figurar separadamente nas contas correspondentes e não podem ser transferidos para atividades relacionadas com a prestação de outros serviços de transporte ou quaisquer outras atividades.

[...]»

25

O § 14, n.o 4, da AEG tem a seguinte redação:

«Os gestores de vias férreas devem fixar as suas tarifas de acordo com um despacho adotado nos termos do § 26, n.o 1, pontos 6 e 7, de modo a compensar os custos suportados pelos mesmos para o fornecimento de prestações mínimas na aceção do n.o 1, primeiro período, mais uma taxa de rentabilidade se o mercado o permitir. Deste modo, podem cobrar sobretaxas relativamente ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário, podendo haver lugar a uma diferenciação tanto em função dos serviços de transporte de passageiros de longo curso, de transporte de passageiros de curta distância ou de transporte de mercadorias, como em função dos segmentos de mercado nestes serviços de transporte, garantindo a competitividade, especialmente para o transporte ferroviário internacional de mercadorias. Todavia, o nível de taxas não pode exceder, no que respeita ao segundo período, para um segmento de mercado, o custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário, acrescido de uma taxa de rentabilidade, se o mercado o permitir.»

26

As subvenções para investimentos com vista a substituições na rede existente são reguladas pelo Leistungs‑ und Finanzierungsvereinbarung (Acordo de Prestações e Financiamento), de 9 de janeiro de 2009, alterado em 4 de novembro de 2010 e em 6 de setembro de 2013, celebrado entre a República Federal da Alemanha, as empresas da infraestrutura ferroviária da Deutsche Bahn AG e esta última. Este acordo foi substituído, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015, pelo Leistungs‑ und Finanzierungsvereinbarung II (Acordo de Prestações e Financiamento II, a seguir «LuFV II»), que criou, nomeadamente, um circuito de financiamento fechado para os lucros resultantes da infraestrutura que são integralmente pagos ao Estado federal antes de serem reinvestidos enquanto tais na infraestrutura.

Antecedentes factuais

27

O grupo Deutsche Bahn (a seguir «grupo DB») exerce as suas atividades no setor do transporte nacional e internacional de mercadorias e de passageiros, da logística e da prestação de serviços acessórios no setor do transporte ferroviário, dirigido pela holding de gestão Deutsche Bahn AG (a seguir «DB AG»).

28

Em conformidade com o § 9a da AEG, a gestão dos elementos da infraestrutura ferroviária, previstos no artigo 3.o, ponto 3, da Diretiva 2012/34 e no seu anexo I, é levada a cabo pela DB Netz AG. A DB Station & Service AG e a DB Energy GmbH gerem outros elementos da infraestrutura na aceção da referida diretiva.

29

Por seu turno, a gestão das atividades de transporte do grupo é efetuada através de filiais específicas da DB Mobility Logistics AG, ela própria detida a 100% pela DB AG, entre as quais a DB Regio AG.

30

A DB AG celebrou com as suas filiais acordos de controlo e de transferência de lucros (a seguir «acordos de transferência de lucros»). Esses acordos preveem a transferência de todos os lucros das filiais em causa para a DB AG, sem quaisquer limitações quanto à utilização desses lucros por esta. Simultaneamente, a DB AG está obrigada a cobrir as perdas das suas filiais.

Procedimento pré‑contencioso

31

Por notificação para cumprir de 22 de novembro de 2012, a Comissão alertou a República Federal da Alemanha para uma possível violação das Diretivas 91/440 e 2001/14, bem como do Regulamento n.o 1370/2007, na medida em que a contabilidade da DB AG não respeitava as proibições de transferir para outros setores de atividade, nomeadamente, o do transporte ferroviário de passageiros, antes de mais, os financiamentos públicos destinados às infraestruturas ferroviárias, depois, as compensações pela prestação de serviços públicos de transporte de passageiros regionais e, por último, as taxas de utilização da rede ferroviária.

32

Por ofício de 20 de março de 2013, o referido Estado‑Membro respondeu à notificação para cumprir da Comissão e contestou as alegações contidas na mesma.

33

Consequentemente, em 21 de junho de 2013, a Comissão emitiu um parecer fundamentado em que reiterava a opinião expressa na sua notificação para cumprir fazendo referência não só ao Regulamento n.o 1370/2007 mas também à Diretiva 2012/34 entrada em vigor em 15 de dezembro de 2012 e que substituiu as Diretivas 91/440 e 2001/14 nos pontos pertinentes. No referido parecer, a Comissão instava a República Federal da Alemanha a dar‑lhe cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

34

Por carta de 21 de agosto de 2013, a República Federal da Alemanha respondeu ao referido parecer reiterando e desenvolvendo os argumentos invocados anteriormente.

35

Considerando que essa resposta não era satisfatória, a Comissão decidiu propor a presente ação.

Quanto à ação

Quanto à admissibilidade

Quanto à falta de clareza da ação no seu conjunto e de cada uma das acusações

36

A República Federal da Alemanha alega que as quatro acusações deduzidas pela Comissão, tomadas no seu conjunto ou isoladamente, não são suficientemente precisas devido a uma terminologia pouco clara e não uniforme, que impede o referido Estado‑Membro de compreender as práticas e as omissões que lhe são imputadas assim como o alcance dessas acusações. Na sua opinião, a Comissão não precisou se os incumprimentos imputados consistem numa transposição insuficiente do direito da União, numa aplicação insuficiente da lei ou num comportamento ilegal da DB AG enquanto proprietária.

37

Relativamente a cada uma dessas acusações, a República Federal da Alemanha considera que a Comissão não precisou o comportamento concreto que viola as disposições em causa e que, ao limitar‑se a ter em conta os acordos celebrados no grupo DB, não identificou a regra nacional cujo conteúdo ou aplicação é contrário ao texto ou ao objetivo dessas disposições.

38

A Comissão contesta estas alegações.

39

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e da jurisprudência deste último relativa a essa disposição, qualquer petição inicial em matéria de recursos diretos deve indicar o objeto do litígio e conter a exposição sumária dos fundamentos invocados em apoio do recurso e que essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma ação devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdão de 2 de junho de 2016, Comissão/Países Baixos, C‑233/14, EU:C:2016:396, n.o 32 e jurisprudência referida).

40

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, no âmbito de uma ação intentada nos termos do artigo 258.o TFUE, a petição deve apresentar as acusações de forma coerente e precisa, para permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça apreenderem exatamente o alcance da violação do direito da União imputada, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado (acórdão de 2 de junho de 2016, Comissão/Países Baixos, C‑233/14, EU:C:2016:396, n.o 33 e jurisprudência referida).

41

No caso em apreço e como salientou o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, a Comissão indica com precisão, na sua petição inicial, tanto as disposições de direito da União alegadamente violadas pela República Federal da Alemanha como os factos que lhe são imputados, a saber, no que respeita às três primeiras acusações, a existência de acordos de transferência de lucros celebrados entre a DB AG e as suas várias filiais que permitem à DB AG dispor dos lucros transferidos qualquer que seja a finalidade, sem restrição e independentemente da sua origem e, no que se refere à quarta acusação, a falta de uma menção separada, nas contas da DB Regio, dos financiamentos públicos às suas atividades de prestação de serviço público de transporte.

42

Há também que observar que nem a formulação da petição da Comissão no seu conjunto nem a de cada uma das acusações apresentadas por esta dá lugar às dúvidas evocadas pela República Federal da Alemanha quanto à questão de saber se está em causa uma transposição insuficiente do direito da União ou uma aplicação insuficiente da lei ou um comportamento ilegal da DB AG enquanto proprietária.

43

Para além do facto de que a Comissão indicou expressamente, no seu parecer fundamentado, que a República Federal da Alemanha parecia ter transposto formalmente as disposições controvertidas, resulta claramente da descrição detalhada dos acordos de transferência de lucros celebrados entre a DB AG e as suas diferentes filiais, bem como da apresentação da composição e da transferência dos lucros da DB Netz, da DB Station & Services e da DB Energie, que apenas estão em causa as relações financeiras internas do grupo DB decorrentes desses acordos e não uma transposição incorreta das disposições pertinentes do direito da União.

44

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a República Federal da Alemanha podia compreender o alcance das violações do direito da União que lhe foram imputadas.

Quanto à base jurídica da ação

– Argumentos das partes

45

A República Federal da Alemanha considera também que a presente ação é inadmissível na medida em que o seu petitum visa a Diretiva 2012/34 cujo prazo de transposição expirou em 16 de junho de 2015, isto é, depois da data a ter em consideração para apreciar a existência do incumprimento que lhe é imputado. Segundo este Estado‑Membro, apenas são pertinentes as disposições das Diretivas 91/440 e 2001/14.

46

Na sua réplica, apresentada depois da publicação pelo Conselho da retificação de 12 de março de 2015 que fixa a data da revogação das Diretivas 91/440 e 2001/14 não em 15 de dezembro de 2012, mas em 17 de junho de 2015, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça para basear, se necessário, as declarações que pede ao abrigo da Diretiva 2012/34 nos n.os 1 a 4 do petitum da presente ação nas Diretivas 91/440 e 2001/14, referidas a título subsidiário nos seus articulados.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

47

Tanto na data da emissão do parecer fundamentado como na da propositura da presente ação, a Diretiva 91/440 e a Diretiva 2001/14 tinham desaparecido da ordem jurídica da União na sequência da sua revogação pelo artigo 65.o da Diretiva 2012/34, com efeitos a partir de 15 de dezembro de 2012.

48

Consequentemente, como salientou o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, a Comissão só podia invocar a Diretiva 2012/34 e só nela podia basear a ação de incumprimento que intentou.

49

Além disso, e como resulta do n.o 1 do presente acórdão, deve salientar‑se que a Comissão teve o cuidado, nomeadamente no petitum da presente ação, de mencionar, relativamente a cada uma das acusações invocadas, não só o artigo em causa da Diretiva 2012/34 mas também a disposição correspondente nas Diretivas 91/440 e 2001/14, excluindo assim qualquer incerteza quanto à identificação do direito da União à luz da qual deve ser apreciado o mérito desta ação ou no que respeita ao alcance do incumprimento imputado (v., por analogia, acórdão de 22 de outubro de 2014, Comissão/Países Baixos, C‑252/13, EU:C:2014:2312, n.os 35 a 37).

50

Por outro lado, é jurisprudência constante que a Comissão pode pedir a declaração de um incumprimento das obrigações que resultem da versão inicial de um ato da União, posteriormente modificado ou revogado, e que tenham sido mantidas pelas disposições de um novo ato da União (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Comissão/Polónia, C‑281/11, EU:C:2013:855, n.o 37 e jurisprudência referida). Ora, como indica a Comissão na sua réplica, a sua ação versa exclusivamente sobre as disposições da Diretiva 2012/34 que já figuram nas Diretivas 91/440 e 2001/14.

51

Consequentemente, a presente ação deve ser declarada admissível na íntegra.

Quanto ao mérito

52

A título preliminar e tendo em conta a publicação da retificação de 12 de março de 2015 nos termos da qual a data de revogação das Diretivas 91/440 e 2001/14 é agora fixada em 17 de junho de 2015, há que salientar que, na data a ter em consideração para apreciar o mérito da presente ação (acórdão de 8 de abril de 2014, Comissão/Hungria, C‑288/12, EU:C:2014:237, n.o 29), a saber, 21 de agosto de 2013, termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, as Diretivas 91/440 e 2001/14 eram aplicáveis ratione temporis.

53

Por conseguinte, há que apreciar o mérito da presente ação com base, no que respeita à primeira e segunda acusações, no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, no que respeita à terceira acusação, no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 e, no que respeita à quarta acusação, no artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 lido conjuntamente com as disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 e do ponto 5 do anexo desse regulamento.

54

Por outro lado, no n.o 43 do presente acórdão, foi salientado que a Comissão não acusa a República Federal da Alemanha de ter procedido a uma transposição incorreta das diretivas controvertidas. Por conseguinte, não há que responder aos argumentos desenvolvidos a este respeito por esse Estado‑Membro no âmbito da sua contestação da primeira a terceira acusações.

Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 na medida em que a elaboração das contas das filiais da DB AG encarregadas da gestão das infraestruturas ferroviárias não permite controlar o cumprimento da proibição de transferir para os serviços públicos de transporte ferroviário financiamentos públicos destinados à infraestrutura ferroviária

– Argumentos das partes

55

Com a sua segunda acusação, relativamente à qual se deve, antes de mais, apreciar o mérito, a Comissão critica a República Federal da Alemanha pelo facto de as modalidades de elaboração das contas das filiais do grupo DB gestoras de infraestruturas ferroviárias não permitirem, em violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, controlar o cumprimento da proibição de transferir para os serviços públicos de transporte ferroviário financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura ferroviária.

56

Com efeito, uma vez que os financiamentos públicos utilizados para adquirir bens patrimoniais dos gestores de infraestruturas não figuram nas suas contas de ganhos e de perdas nem no seu balanço, isso não permite, segundo a Comissão, saber quais as partes dos lucros desses gestores, transferíveis para a DB AG em aplicação dos acordos de transferência de lucros controvertidos, que provêm de financiamentos públicos nem repartir os lucros entre as atividades de gestão de infraestruturas ferroviárias e outras atividades dos referidos gestores. Deste modo, a DB AG, para a qual são suscetíveis de ser transferidos os lucros indiferenciados das suas filiais gestoras de infraestruturas ferroviárias, poderia utilizá‑los da forma que melhor lhe convir.

57

A este respeito, a República Federal da Alemanha alega, em substância, que a Comissão faz uma interpretação incorreta da disposição controvertida uma vez que equipara erradamente «balanço» e «contabilidade» e que o requisito de transparência aí contido não exige que os financiamentos públicos figurem na contabilidade externa da empresa, isto é, o balanço, a demonstração de resultados ou o relatório de atividade. A referida transparência exige unicamente uma separação contabilística das empresas de transporte e de infraestrutura, requisito satisfeito, no caso em apreço, na medida em que a DB Netz, a DB Station & Service e a DB Energie são juridicamente autónomas e não prestam serviços de transporte. Com efeito, esta disposição não tem por objeto o controlo da utilização dos financiamentos em conformidade com a sua afetação, mas apenas garantir um acesso justo e não discriminatório à infraestrutura.

58

Segundo a República Federal da Alemanha, a referida disposição não contém nenhum requisito mais amplo e específico do que o relativo à elaboração das contas de forma a permitir controlar o cumprimento da proibição de transferência. Esta obrigação limitada é confirmada pela vontade da Comissão, no âmbito do quarto pacote ferroviário apresentado por esta, de aumentar a separação dos circuitos financeiros dos gestores de infraestruturas e das empresas de transporte.

59

Por outro lado, acrescenta que, anualmente, as sociedades do grupo DB elaboram e publicam contas de ganhos e de perdas e balanços em separado respeitantes, por um lado, às atividades relativas à prestação de serviços de transporte por empresas ferroviárias e, por outro, às atividades relativas à gestão da infraestrutura ferroviária.

60

Por último, a República Federal da Alemanha acrescenta que o facto de os financiamentos públicos não figurarem no ativo do balanço não significa que não tenham sido registados na contabilidade interna.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

61

No que respeita ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 lido à luz, nomeadamente, do quarto considerando da mesma diretiva, deve salientar‑se que este tem por objeto, como indica o título da secção em que se insere, garantir a separação entre a gestão da infraestrutura ferroviária e a atividade de transporte ferroviário, de modo que as referidas atividades possam ser geridas separadamente, mas também que os financiamentos estatais pagos a uma dessas duas atividades não possam, mediante subvenções cruzadas, ser transferidos para a outra.

62

Para o efeito, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 exige a elaboração de contas de ganhos e de perdas separadas e os balanços relativos, por um lado, às atividades de prestação de serviços de transporte por empresas de transporte ferroviário e, por outro, às atividades de gestão da infraestrutura ferroviária. No que se refere mais precisamente ao tratamento contabilístico dos financiamentos estatais, precisa que este deve permitir refletir a proibição da sua transferência.

63

Este artigo impõe igualmente a publicação das contas relativas às duas atividades de gestão da infraestrutura ferroviária e dos serviços de transporte ferroviário.

64

Daqui decorre que, no que se refere em especial aos financiamentos estatais, o legislador da União pretendeu impor às empresas que prestam serviços de transporte ferroviário e gerem infraestruturas ferroviárias não só a inscrição desses financiamentos nas contas, de forma a permitir a sua verificação, mas também a publicação dessas contas para, nomeadamente, assegurar a publicidade das informações relativas a esses financiamentos, que deve permitir a verificação objetiva da inexistência de subvenções cruzadas entre as atividades de gestão de infraestruturas ferroviárias e as de transporte ferroviário.

65

Com efeito, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 prossegue não só um objetivo de tratamento contabilístico preciso que permita, em particular, identificar os financiamentos estatais recebidos pelas empresas ferroviárias mas também de transparência externa da utilização desses financiamentos.

66

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 65, 68 e 71 das suas conclusões, o legislador da União pretendia, com a utilização do termo «refletir» nesta disposição, facilitar o controlo da proibição de transferência dos financiamentos estatais de uma atividade para outra, controlo que dificilmente se conseguiria sem uma transparência contabilística das empresas ferroviárias, que permita detetar as subvenções cruzadas, objetivo constante das regulamentações sucessivas da União relativas ao transporte ferroviário, quer no âmbito do Regulamento (CEE) n.o 2830/77 do Conselho, de 12 de dezembro de 1977, relativo às medidas necessárias para tornar comparáveis as contabilidades e as contas anuais das empresas de caminho de ferro (JO 1977, L 334, p. 13; EE 07 F2 p. 80), quer no da Diretiva 91/440 ou da Diretiva 2001/12.

67

A este respeito, importa salientar que o artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 prevê, no que se refere às empresas ferroviárias que prestam serviços ferroviários de transporte de passageiros e de mercadorias, obrigações contabilísticas e de publicação análogas às previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, mencionando explicitamente, como resulta do considerando 9 da Diretiva 2001/12, a exigência de transparência das suas finanças, incluindo todas as compensações financeiras ou auxílios estatais.

68

Portanto, contrariamente ao que defende a República Federal da Alemanha, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 não pode ser interpretado no sentido de que limita as obrigações das empresas ferroviárias apenas à inscrição na sua contabilidade dos financiamentos estatais que recebem, e isso mesmo quando essa inscrição seja suscetível de permitir, no plano da contabilidade interna dessas sociedades, efetuar o controlo da proibição de transferência desses financiamentos.

69

Ora, no caso em apreço e como reconhece esse Estado‑Membro, os financiamentos estatais recebidos pelas filiais da DB AG, relativamente aos quais a Comissão não alega que não tenham sido efetivamente inscritos na sua contabilidade, não aparecem nas contas das filiais da DB AG. Esta omissão, como alega a Comissão, torna impossível determinar em que medida os lucros transferidos pelos gestores de infraestruturas para a DB AG incluem esses financiamentos assim como cumprir o requisito de transparência contabilística recordado no n.o 66 do presente acórdão.

70

Consequentemente, não tendo adotado todas as medidas necessárias para assegurar, através de uma elaboração adequada da contabilidade, o cumprimento da proibição de transferência dos financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura ferroviária para os serviços de transporte, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440.

71

Consequentemente, procede a segunda acusação.

Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 na medida em que os acordos de transferência de lucros permitem financiar os serviços ferroviários com fundos destinados à infraestrutura rodoviária

– Argumentos das partes

72

Com a sua primeira acusação, a Comissão alega que a República Federal da Alemanha aceita um sistema de acordos de transferência de lucros que permite, em violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, transferir para as atividades de transporte ferroviário financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura rodoviária.

73

Segundo a Comissão, os lucros obtidos pelas filiais da DB AG que operam nos mercados de infraestruturas e transferidos para esta ao abrigo do acordo de transferência de lucros foram utilizados para atividades de prestação de serviços de transporte, e isso independentemente da origem dos lucros, por conseguinte, mesmo que fossem provenientes de financiamentos públicos para fins de gestão de infraestruturas.

74

A este respeito, esse acordo visa cobrir as perdas das sociedades do grupo DB que prestam serviços de transporte, como a DB Schenker Rail em 2009 e 2010. Visa também o financiamento de aquisições pelo grupo DB de outras empresas de transporte, bem como a melhoria da solvabilidade do grupo no seu conjunto. A este respeito, a Comissão precisa que a DB Netz, a DB Station & Service e a DB Energie só foram lucrativas no período compreendido entre 2007 e 2011 graças às receitas geradas pelas infraestruturas ferroviárias e/ou a financiamentos públicos e que, por conseguinte, os lucros transferidos contêm elementos de financiamento na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440.

75

A República Federal da Alemanha alega, por um lado, que esta acusação resulta de uma interpretação errada do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 e, por outro, que, mediante o § 9, n.o 1b, da AEG, procedeu à transposição correta desta disposição.

76

Considera que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 não se opõe a que essas filiais obtenham lucros nem que os transfiram posteriormente para a sua sociedade‑mãe, uma vez que o referido artigo só proíbe a transferência dos financiamentos públicos destinados à infraestrutura ferroviária, e não de receitas que as empresas encarregadas de gerir a infraestrutura ferroviária obtenham da sua exploração comercial.

77

Na réplica, a Comissão contesta a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 acolhida pela República Federal da Alemanha. Na sua opinião, decorre da proposta da Diretiva 2001/12 que esta disposição pretendia garantir um tratamento equitativo e não discriminatório a todas as empresas ferroviárias, objetivo que só podia ser atingido tendo em conta o financiamento da infraestrutura na sua totalidade, com todos os seus custos, por um lado, e todas as receitas, isto é, os financiamentos públicos e as taxas de utilização da rede, por outro.

78

A Comissão contesta também o argumento segundo o qual os termos «financiamento pelo Estado» que figuram no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 designam apenas os financiamentos públicos concedidos por um orçamento estatal e nos termos de uma determinada base jurídica. O objetivo desta disposição consiste em evitar as subvenções cruzadas e tanto a sua redação como os trabalhos preparatórios confirmam que se trata de financiamentos estatais na aceção do regime de auxílios de Estado, que utiliza a mesma terminologia.

79

Na sua tréplica, a República Federal da Alemanha acusa a Comissão de não ter comprovado as suas alegações e não ter tido em conta os controlos sobre os financiamentos em causa efetuados ex ante e ex post pela Bundesnetzagentur (Agência Federal de Redes, Alemanha) e pelo Bundesrechnungshof (Tribunal de Contas Federal, Alemanha).

80

Por seu turno, o Governo italiano afirma que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440 se limita a estabelecer regras contabilísticas a fim de evitar o risco de subvenções cruzadas. Considera, também, que nada impede que o gestor da rede gira os lucros de forma autónoma. A este respeito, salienta que o Tribunal de Justiça reconheceu a validade das estruturas empresariais sob a forma de holding e que a abordagem da Comissão reduz a margem da autonomia de gestão dos grupos ferroviários, o que é contrário aos artigos 4.o e 5.o da Diretiva 91/440.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

81

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, são proibidas as transferências de financiamentos públicos concedidos a uma atividade de gestão da infraestrutura ferroviária destinados a atividades de prestação de serviços de transporte ferroviário e vice‑versa.

82

O incumprimento de tal proibição implica assim, por um lado, que esteja em causa a transferência do «financiamento do Estado» e, por outro, que essa transferência tenha beneficiado uma atividade diferente daquela para que foi atribuído o financiamento.

83

Ora, em todo o caso, no contexto da presente acusação, a Comissão não demonstrou suficientemente que os acordos de transferência de lucros, mesmo admitindo que possam envolver uma transferência de financiamentos públicos, o que é contestado pela República Federal da Alemanha, determinaram as alegadas transferências de quantias, com vista à sua utilização em atividades de transporte ferroviário identificáveis.

84

Segundo jurisprudência constante, no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado e fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência do incumprimento, sem se poder basear em qualquer presunção (v., neste sentido, acórdãos de 22 de novembro de 2012, Comissão/Alemanha, C‑600/10, não publicado, EU:C:2012:737, n.o 13, e de 10 de novembro de 2016, Comissão/Grécia, C‑504/14, EU:C:2016:847, n.o 111 e jurisprudência referida).

85

No caso em apreço, há que observar que os elementos de prova apresentados pela Comissão relativamente aos factos contestados, a saber, à utilização dos lucros transferidos no âmbito de acordos de transferência de lucros para financiar serviços de transporte ferroviário com fundos destinados à infraestrutura ferroviária, são escassos ou mesmo não documentados e essencialmente circunstanciais.

86

No que se refere, antes de mais, aos elementos apresentados para fundamentar a alegação de transferências de lucros destinados a compensar os deficits do operador de transporte DB Schenker Rail, relativamente a 2009 e 2010, a Comissão limita‑se a indicar, remetendo para o seu parecer fundamentado, que as sociedades de gestão de infraestruturas do grupo DB geraram lucros e que, ao mesmo tempo, a DB AG compensou as perdas sofridas por sociedades do grupo DB que efetuam operações de transporte ferroviário, sem no entanto demonstrar que os montantes utilizados nessas operações tiveram a sua origem em montantes provenientes de uma ou de várias sociedades do grupo DB encarregadas da gestão de infraestruturas.

87

Seguidamente, no que se refere aos elementos apresentados para fundamentar a alegação de transferências de lucros que permitiram à DB AG financiar a aquisição de empresas no domínio dos transportes, a Comissão não identifica, nos seus articulados, as empresas em causa, limitando‑se a remeter para o efeito para o seu parecer fundamentado, que não contém mais nenhum elemento para além da denominação social dessas empresas e, em todo o caso, não apresenta elementos sobre os montantes das aquisições e as modalidades de financiamento das mesmas.

88

Seguidamente, no que se refere aos elementos apresentados para fundamentar a alegação de transferências de lucros que permitiram melhorar a rentabilidade e a solvabilidade do grupo DB, a Comissão contenta‑se em fazer referência a menções sucintas contidas em relatórios de agências de notação com escassa força probatória quanto a este ponto.

89

Por último, no que se refere à alegação de transferências de lucros provenientes da DB Netz, da DB Station & Service ou ainda da DB Energie, a Comissão limita‑se a afirmar que os lucros dessas sociedades, que considera, sem demonstrar, que foram obtidos unicamente graças às receitas geradas pela utilização da infraestrutura e dos financiamentos públicos, foram transferidos, ao abrigo de acordos de transferência de lucros, para a DB AG, mas não apresenta nenhum elemento suscetível de demonstrar que esses lucros foram, seguidamente, afetados ao financiamento de atividades de transporte ferroviário.

90

Consequentemente, e sem que seja necessário apreciar se as transferências de lucros alegadas pela Comissão devem ser qualificadas de transferência de «financiamento» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440, há que observar que o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes que permitam declarar que os acordos de transferência de lucros controvertidos permitiram financiar serviços de transporte ferroviário com fundos destinados à infraestrutura ferroviária e, consequentemente, que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440.

91

Assim, a primeira acusação da Comissão deve ser julgada improcedente.

Quanto à terceira acusação, relativa à violação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 na medida em que, mediante os acordos de transferência de lucros no grupo DB, as taxas de utilização da infraestrutura são utilizadas para fins diversos do financiamento das atividades do gestor da infraestrutura

– Argumentos das partes

92

Com a sua terceira acusação, a Comissão critica a República Federal da Alemanha por, através dos acordos de transferência de lucros no grupo DB, as taxas de utilização da infraestrutura serem utilizadas para fins diversos do financiamento das atividades do gestor da infraestrutura, em violação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

93

A este respeito, a Comissão alega que as transferências dos lucros dos gestores da infraestrutura para a DB AG, previstas nos acordos de transferência de lucros, significam que as taxas pagas para utilizar a infraestrutura não são utilizadas pelo gestor da infraestrutura nas suas atividades assim definidas. Isso seria assim pelo menos no caso de nenhum lucro ter sido gerado sem taxa de utilização, como sucede com a DN Netz, a DB Station & Service e a DB Energie. Nesse caso, a Comissão considera que é evidente que as taxas de utilização são retiradas ao gestor da infraestrutura e podem ser utilizadas para fins diferentes das suas atividades.

94

A República Federal da Alemanha, apoiada pela República Italiana, considera que, de um ponto de vista sistemático, o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 admitem que os gestores das infraestruturas obtenham uma certa taxa de rentabilidade, que é parte integrante das taxas que devem ser cobradas. Além disso, nenhuma disposição desta diretiva regula a utilização dos lucros obtidos pelos gestionários, que podem ser transferidos para a sua sociedade‑mãe da forma que quiserem.

95

Por conseguinte, a Diretiva 2001/14 não se opõe à transferência de lucros obtidos graças às taxas de utilização da infraestrutura ferroviária calculadas com base numa taxa de rentabilidade adequada de fundos próprios. De resto, o § 14, n.o 4, primeiro período, da AEG dispõe que as taxas de infraestrutura devem ser calculadas de forma a cobrir os custos suportados pelo gestor da infraestrutura ferroviária e poderia acrescentar‑se uma taxa de rentabilidade se o mercado o permitir. O rendimento assim gerado não provoca, contrariamente à tese defendida pela Comissão, nenhum deficit de financiamento desta infraestrutura.

96

Por último, esta interpretação é corroborada por uma proposta de alteração recente elaborada pela Comissão no âmbito do quarto pacote ferroviário, nos termos da qual não se exige que as receitas relativas à utilização da infraestrutura ferroviária sejam necessariamente consagradas à exploração ou à manutenção das vias férreas.

97

Na sua réplica, a Comissão salienta que o artigo 6.o da Diretiva 2001/14 se explica pelo modo de cálculo das taxas de utilização da infraestrutura, que normalmente se aplica em função dos custos diretos e pelo deficit crónico a que as empresas gestoras estão expostas se os poderes públicos não suportarem, pelo menos parcialmente, os custos da infraestrutura ferroviária. Neste contexto, o artigo 6.o da Diretiva 2001/14 obriga os Estados‑Membros a assumir a sua responsabilidade financeira para com os gestores dessa infraestrutura e a equilibrar os seus orçamentos.

98

Por outro lado, a Comissão remete para um parecer do Bundesrat (Conselho Federal, Alemanha) que corrobora a sua tese e mostra a incidência negativa dos acordos de transferência de lucros e para a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2015, do LuFV II destinado a responder a esta preocupação do Bundesrat (Conselho Federal) ao prever que os lucros dos gestores das infraestruturas ferroviárias são diretamente transferidos para o Estado federal para que este os invista nessas infraestruturas.

99

Na sua tréplica, o Governo alemão reconhece que os fundos que a DB Netz transfere para a DB AG provêm, total ou parcialmente, das receitas geradas pela utilização dos traçados ferroviários, mas afirma que esses fundos perdem a sua qualificação enquanto taxas de utilização da infraestrutura ferroviária o mais tardar na data em que são corretamente recebidos pela DB Netz, como contrapartida pela concessão de utilização desses traçados, e em que foram destinados ao financiamento das atividades em causa.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

100

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, as taxas de utilização da infraestrutura ferroviária são pagas ao gestor da infraestrutura e utilizadas para financiar a sua atividade.

101

Com a sua terceira acusação, a Comissão considera, em substância, que é contrário a esta disposição o facto de os gestores da infraestrutura ferroviária do grupo DB obterem sistematicamente lucros que, depois e em aplicação dos acordos de transferência de lucros controvertidos, são suscetíveis de ser transferidos para a DB AG, conduzindo assim a que os montantes procedentes das taxas de utilização da infraestrutura possam ser utilizados pela DB AG para fins diversos do financiamento da atividade dos referidos gestores da infraestrutura ferroviária.

102

Nestas circunstâncias, um incumprimento da República Federal da Alemanha das suas obrigações por força do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 pressupunha que a Comissão demonstrasse, por um lado, que os referidos lucros procedem, pelo menos em parte, de taxas de utilização da infraestrutura na aceção dessa disposição para serem equiparadas a estes últimas e, por outro lado, que esses lucros foram efetivamente afetados a fins diferentes do financiamento da atividade dos gestores da infraestrutura em causa.

103

Em todo o caso, há que observar que a Comissão não fez prova suficiente de que os lucros de todos ou de parte dos gestores da infraestrutura ferroviária do grupo DB com origem nas taxas de utilização da infraestrutura são efetivamente afetados a fins diversos do financiamento da sua atividade.

104

A este propósito, já foi recordado no n.o 84 do presente acórdão que incumbe à Comissão provar a existência do incumprimento imputado.

105

Ora, para além do facto de que a Comissão só identifica por remissão implícita os gestores de infraestruturas cujos lucros teriam sido, por efeito dos acordos de transferência de lucros, utilizados para outros fins, decorre dos seus articulados, recordados no n.o 93 do presente acórdão, que a Comissão baseia o seu raciocínio principalmente no facto de a transferência de lucros dos gestores de infraestruturas do grupo DB para a DB AG implicar necessariamente uma afetação para fins diferentes dos exigidos pelo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14. Todavia, ela própria afirma que a automaticidade evocada só se revela em determinadas situações, a saber, quando nenhum lucro teria sido gerado sem receitas provenientes de taxas.

106

A este respeito, deve‑se, por outro lado, salientar que provavelmente a transferência de lucros de um gestor de infraestruturas ferroviárias para uma entidade terceira não implica necessariamente a utilização dos recursos em causa para fins diversos do financiamento das atividades de infraestrutura do referido gestor, como poderia ilustrar o mecanismo decorrente do LuFV II que cria um circuito de financiamento fechado para os lucros resultantes da gestão das infraestruturas que são integralmente entregues ao Estado federal antes de serem reinvestidos como tais na referida infraestrutura.

107

Consequentemente, cabia à Comissão identificar com mais precisão os elementos de facto em apoio da terceira acusação.

108

Por outro lado, no que se refere mais precisamente aos lucros obtidos em 2009 e transferidos pela DB Netz para DB AG, há que salientar que a República Federal da Alemanha contestou materialmente o facto de os lucros transferidos para a DB AG terem a sua origem nas taxas de utilização da infraestrutura, alegando que, segundo o relatório de atividade da DB Netz, esses lucros procediam essencialmente da liquidação de reservas por vendas imobiliárias. Ora, a Comissão nunca pôs em causa esta explicação, tendo apenas declarado que a República Federal da Alemanha não contestava as outras situações visadas.

109

Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar se os lucros gerados pelos gestores de infraestruturas ferroviárias e transferidos para entidades terceiras podem ser equiparados a taxas de utilização da infraestrutura para efeitos de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, o que a República Federal da Alemanha contesta, há que declarar que a Comissão não fez prova suficiente de que os lucros evocados de todos ou de parte dos gestores de infraestruturas do grupo DB tinham a sua origem nas taxas de utilização da infraestrutura ou foram afetados a utilizações diversas do financiamento das infraestruturas ferroviárias confiadas a esses gestores.

110

Por conseguinte, a terceira acusação não pode ser acolhida.

Quanta à quarta acusação, relativa à violação do artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 e das disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 e do ponto 5 do anexo do mesmo regulamento, na medida em que os fundos públicos atribuídos a atividades relativas à prestação de serviço público de transporte de passageiros não figuram separadamente nas contas da DB Regio

– Argumentos das partes

111

Com a sua quarta acusação, a Comissão critica a República Federal da Alemanha pelo facto de os financiamentos públicos pagos à DB Regio pelas atividades relativas à prestação de serviço público de transporte de passageiros não aparecerem em separado, contrato a contrato, nas contas desta sociedade, contrariamente ao estabelecido no artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, lidos em conjugação com o ponto 5, último travessão, do anexo desse regulamento.

112

Segundo a Comissão, as compensações por obrigações de serviço público e as receitas geradas pelas vendas de bilhetes são indicadas unicamente sob a forma de montantes globais ou cumulados para todos os serviços prestados, razão pela qual é impossível comprovar em cada caso se as compensações concedidas são excessivas para detetar eventuais subvenções cruzadas.

113

No que se refere ao artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440, a República Federal da Alemanha defende que, na sua qualidade de operador de serviços de transporte regional, a DB Regio não está abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva. Esta conclusão decorre do artigo 3.o da Diretiva 91/440 que define os «serviços regionais» como «os serviços de transporte destinados a dar resposta às necessidades de transporte de uma região».

114

No que respeita à violação do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, a República Federal da Alemanha interpreta o ponto 5 do anexo desse regulamento no sentido de que exige a apresentação separada dos contratos nas contas unicamente se o operador exerce simultaneamente atividades sujeitas ao regime das obrigações de serviço público e outras atividades. Tal não seria o caso da DB Regio que apenas presta serviço público de transporte.

115

A este respeito, a Comissão reconhece que o ponto 5 do referido anexo não menciona expressamente uma separação das contas por contratos individualizados. Considera, contudo, que esta obrigação resulta do conjunto da regulamentação em causa e do objetivo que a mesma prossegue e, mais precisamente, das disposições combinadas dos pontos 2 e 5 do anexo do Regulamento n.o 1370/2007.

116

Na sua tréplica, a República Federal da Alemanha precisa, no se refere à pretensa violação do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, que o objetivo do ponto 5 do referido anexo não consiste em evitar subvenções cruzadas entre os diferentes contratos de serviço público, mas entre os contratos mediante os quais é paga uma compensação e os que não dão origem a esse pagamento.

117

Em apoio da República Federal da Alemanha, o Governo italiano considera que nenhuma das disposições em causa exige a publicação separada de cada contrato de prestação de serviço público de transporte.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

118

Segundo o artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440, os financiamentos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros devem ser apresentados separadamente nas contas correspondentes às contas de ganhos e perdas e nos balanços e não podem ser transferidos para atividades relacionadas com a prestação de outros serviços de transporte ou quaisquer outras atividades.

119

Para aumentar a transparência e evitar subvenções cruzadas, quando um operador de serviço público explore simultaneamente serviços compensados sujeitos a obrigações de serviço público de transporte e outras atividades, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 lido em conjugação com o ponto 5, primeiro e último travessões, do anexo desse regulamento impõe a esse operador determinadas exigências contabilísticas mínimas. O referido operador deve, nomeadamente, garantir que cada uma das contas de exploração correspondente a cada uma das suas atividades seja separada e que os custos do serviço público sejam equilibrados pelas receitas de exploração e os pagamentos das autoridades públicas, sem possibilidade de transferir as receitas para outro setor de atividade do operador de serviço público.

120

Com base nestas duas disposições, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de não ter cumprido as suas obrigações na medida em que as contas da DB Regio revelam apenas de maneira global as contribuições pagas às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros e não, como as referidas disposições exigem, contrato a contrato, o que impede a deteção de eventuais subvenções cruzadas.

121

A República Federal da Alemanha contesta o mérito da quarta acusação pelo facto de, por um lado, a Diretiva 91/440 não ser aplicável à DB Regio e, por outro, decorrer de uma interpretação errada das disposições em causa.

122

Assim, num primeiro momento, cumpre apreciar se a Diretiva 91/440 é efetivamente aplicável à DB Regio, à luz do seu artigo 2.o, n.o 2, que exclui do seu âmbito de aplicação as empresas de transporte ferroviário cuja atividade se limita à exploração de transportes urbanos, suburbanos ou regionais.

123

A este propósito, e como salientou o advogado‑geral no n.o 138 das suas conclusões, a Comissão, nos seus articulados, faz referência ao relatório anual de 2013 publicado pela DB Regio do qual resulta claramente que essa sociedade concentra não só todas as atividades relacionadas com o tráfego regional do grupo DB mas também as ligadas ao tráfego entre a Alemanha e os países vizinhos.

124

Por conseguinte, resulta claramente desse documento, publicado pela própria DB Regio, e, em especial, da menção relativa à parte internacional da sua atividade que esta sociedade não limita a sua atividade apenas aos transportes urbanos, suburbanos ou regionais mencionados no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 91/440.

125

Consequentemente, a República Federal da Alemanha não pode invocar esta disposição para excluir a aplicabilidade da Diretiva 91/440 à situação contabilística da DB Regio.

126

Num segundo momento, há que apreciar se a Comissão pode validamente criticar esse Estado‑Membro, nos termos do artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 ou do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 lido em conjugação com o ponto 5 do anexo desse regulamento, pelo facto de a DB Regio não apresentar na sua contabilidade de forma individualizada, contrato a contrato, os financiamentos públicos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros.

127

A este propósito, importa observar que não resulta do texto de nenhuma dessas duas disposições que os operadores de serviço de transporte ferroviário de passageiros que exploram simultaneamente atividades compensadas sujeitas a obrigação de serviço público e outras atividades estão obrigados, nas suas contas anuais, a identificar de maneira individualizada, contrato a contrato, os financiamentos públicos recebidos pela sua atividade de serviço público.

128

Muito pelo contrário, essas duas disposições impõem a esses operadores apenas a obrigação de separação das contas dos seus diferentes setores de atividade.

129

Assim, o artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 exige, em matéria de contabilização das contribuições feitas às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros, a separação, por um lado, das suas atividades de transporte de passageiros asseguradas a título dessas obrigações de serviço público e, por outro, as suas outras atividades, nelas se incluindo os outros serviços de transporte. O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 lido em conjugação com o ponto 5 do anexo desse regulamento exige, por seu turno, uma separação contabilística entre as atividades de transporte público objeto de compensações de obrigações de serviço público e as que não dão lugar a essas compensações.

130

É esta mesma exigência de separação contabilística dos setores de atividades que está subjacente ao artigo 6.o da Diretiva 91/440, no que se refere à contabilização das atividades de prestação de serviços de transporte ferroviário e de gestão da infraestrutura ferroviária.

131

Consequentemente, como salientou o advogado‑geral nos n.os 146 e 153 das suas conclusões, a interpretação defendida pela Comissão de que as empresas têm a obrigação, nas suas contas anuais, de identificar de maneira individualizada, contrato a contrato, os financiamentos públicos recebidos a título das suas atividades de serviço público não pode ser deduzida do artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 nem do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 lido em conjugação com o ponto 5 do anexo desse regulamento.

132

A este respeito, o facto de o ponto 5, último travessão, do anexo do Regulamento n.o 1370/2007 enunciar que a contabilidade dos operadores de serviço público não deve permitir a transferência de receitas de um serviço público para outro setor de atividade desses operadores do mesmo modo que o facto de uma obrigação como a prevista pela Comissão ser suscetível de garantir uma maior transparência da atividade das empresas visadas permitindo assim detetar eventuais subvenções cruzadas não podem alterar esta conclusão.

133

Com efeito, nem a invocação do efeito útil do artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 nem o alcance muito geral e destituído de modalidades práticas de aplicação do ponto 5, último travessão, do anexo do Regulamento n.o 1370/2007 são, por si só, suscetíveis de fazer surgir nos Estados‑Membros uma obrigação concreta como a evocada pela Comissão.

134

Assim, não se pode acusar a República Federal da Alemanha de ter permitido que as contas da DB Regio revelem apenas de maneira global os financiamentos às atividades de prestação de serviço público de transporte de passageiros.

135

Consequentemente, a quarta acusação, relativa à violação do artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 91/440 e das disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 e do ponto 5 do anexo desse regulamento, deve ser julgada improcedente.

136

Em face das considerações precedentes, há que declarar que, não tendo adotado todas as medidas necessárias para assegurar, através de uma elaboração adequada da contabilidade, o cumprimento da proibição de transferência dos financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura ferroviária para os serviços de transporte, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440.

Quanto às despesas

137

Por força do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Uma vez que a ação proposta pela Comissão apenas foi julgada parcialmente procedente, decide‑se que cada parte suportará as suas próprias despesas.

138

Por força do artigo 140.o, n.o 1, do referido regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Em conformidade com estas disposições, a República Italiana e a República da Letónia suportam as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

Não tendo adotado todas as medidas necessárias para assegurar, através de uma elaboração adequada da contabilidade, o cumprimento da proibição de transferência dos financiamentos públicos destinados à exploração da infraestrutura ferroviária para os serviços de transporte, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários, conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

A Comissão Europeia, a República Federal da Alemanha, a República Italiana e a República da Letónia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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