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Document 62014CJ0431

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de março de 2016.
República Helénica contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios compensatórios pagos pelo Organismo Grego de Seguros Agrícolas (ELGA) em 2008 e 2009 — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno e determina a sua recuperação — Conceito de ‘auxílio de Estado’ — Artigo 107.°, n.° 3, alínea b), TFUE — Orientações relativas aos auxílios estatais no setor agrícola — Dever de fundamentação — Desvirtuação de elementos de prova.
Processo C-431/14 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:145

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de março de 2016 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios compensatórios pagos pelo Organismo Grego de Seguros Agrícolas (ELGA) em 2008 e 2009 — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno e determina a sua recuperação — Conceito de ‘auxílio de Estado’ — Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Orientações relativas aos auxílios estatais no setor agrícola — Dever de fundamentação — Desvirtuação de elementos de prova»

No processo C‑431/14 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 19 de setembro de 2014,

República Helénica, representada por I. Chalkias e A. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar, R. Sauer e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

composto por: A. Tizzano, vice‑presidente, exercendo funções de presidente, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, A. Arabadjiev (relator), C. Toader, D. Šváby e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, M. Safjan, M. Berger, A. Prechal, E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de outubro de 2015,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 15 de outubro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a República Helénica pede ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de julho de 2014, Grécia/Comissão (T‑52/12, EU:T:2014:677, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão 2012/157/UE da Comissão, de 7 de dezembro de 2011, relativa a auxílios compensatórios pagos pelo Organismo Grego de Seguros Agrícolas (ELGA) em 2008 e 2009 (JO 2012, L 78, p. 21, a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Direito da União

2

O ponto 4.1 do Quadro comunitário temporário relativo às medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar o acesso ao financiamento durante a atual crise financeira e económica, tal como resulta da Comunicação da Comissão Europeia de 17 de dezembro de 2008 (JO 2009, C 16, p. 1, a seguir «QCT»), prevê:

«[…]

À luz da gravidade da atual crise financeira e do seu impacto no conjunto da economia dos Estados‑Membros, a Comissão considera que se justifica, durante um período de tempo limitado, a concessão de certas categorias de auxílios estatais para ultrapassar estas dificuldades, podendo tais auxílios ser declarados compatíveis com o mercado [interno] com base no [artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE].»

3

Nos termos do ponto 4.2.2, terceiro parágrafo, do QCT:

«A Comissão irá considerar este tipo de auxílios estatais compatível com o mercado comum ao abrigo do [artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE], desde que estejam cumulativamente cumpridas as seguintes condições:

[…]

h)

o regime de auxílio não seja aplicável a empresas do setor da produção agrícola primária [...].»

4

Segundo o ponto 7 do QCT:

«[...]

Em conformidade com a Comunicação da Comissão relativa à determinação das regras aplicáveis à apreciação dos auxílios estatais concedidos ilegalmente [JO 2002, C 119, p. 22], a Comissão aplica, no caso de auxílios não notificados:

a)

a presente comunicação, se o auxílio tiver sido concedido após 17 de dezembro de 2008;

b)

as orientações aplicáveis no momento da concessão do auxílio, nos demais casos.

[...]»

5

O QCT foi alterado pela Comunicação da Comissão Europeia publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 31 de outubro de 2009 (C 261, p. 2, a seguir «QCT alterado»). Nos termos do ponto 1 dessa comunicação:

«[…]

A possibilidade prevista no ponto 4.2 [do QCT] de conceder um montante limitado de auxílio compatível não se aplica às empresas do setor da produção primária de produtos agrícolas. Contudo, os agricultores veem‑se confrontados com dificuldades cada vez maiores na obtenção de crédito, em consequência da crise financeira.

[...] é conveniente introduzir um montante limitado separado de auxílio compatível para as empresas do setor da produção primária de produtos agrícolas.»

6

O ponto 4.2.2, terceiro parágrafo, do QCT alterado dispõe:

«A Comissão irá considerar este tipo de auxílios estatais compatível com o mercado comum ao abrigo do [artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE], desde que estejam cumulativamente cumpridas as seguintes condições:

[…]

h)

[...] Caso o auxílio seja concedido a empresas do setor da produção primária de produtos agrícolas [...], o equivalente‑subvenção pecuniário (ou equivalente‑subvenção bruto) não deve exceder 15000 [euros] por empresa [...]».

7

O QCT alterado entrou em vigor em 28 de outubro de 2009.

Direito grego

8

A Lei 1790/1988, relativa à organização e funcionamento do Organismo Grego dos Seguros Agrícolas e outras disposições (FEK A’ 134/20.6.1988, a seguir «Lei 1790/1988»), instituiu um organismo de utilidade pública, designado «Organismo Grego de Seguros Agrícolas» (ELGA). O ELGA é uma pessoa coletiva de direito privado pertencente integralmente ao Estado, que tem por atividade designadamente segurar a produção vegetal e animal e o capital vegetal e animal das explorações agrícolas contra os danos decorrentes de riscos naturais.

9

Em conformidade com o artigo 3.o‑A da Lei 1790/1988, na versão aplicável ao litígio, o regime de seguros do ELGA é obrigatório e cobre os riscos naturais.

10

Nos termos do artigo 5.o‑A da Lei 1790/1988, na versão aplicável ao litígio, é imposta uma contribuição especial de seguro a favor do ELGA a cargo dos produtores agrícolas que beneficiam desse regime de seguro. Esta disposição tem a seguinte redação:

«1.   Estão sujeitos à contribuição especial de seguro a favor do ELGA os seguintes produtos e subprodutos da produção agrícola interna:

a)

produtos de origem vegetal e animal [...]

[…]

3.   A contribuição especial de seguro é fixada em 2% para os produtos de origem vegetal e em 0,5% para os produtos de origem animal [...]. Estas percentagens são calculadas sobre o valor desses produtos.

[…]

7.   [...] a contribuição especial é paga à autoridade fiscal competente pelos sujeitos passivos definidos na lei [...].

8.   [...] estão obrigadas ao pagamento da contribuição especial de seguro [à autoridade fiscal competente] as pessoas que [...] estão obrigadas à emissão de faturas pela compra ou venda de produtos agrícolas e de subprodutos agrícolas [...].

[…]

15.   Se os produtos agrícolas forem comprados diretamente a um produtor e o preço lhe for pago através de uma ordem de pagamento bancária, a contribuição especial de seguro é retida pela instituição bancária e entregue ao ELGA [...].

16.   As receitas do ELGA resultantes da contribuição especial de seguro, cobradas pelas tesourarias públicas, são inscritas no orçamento do Estado como receitas do Estado numa rubrica de receitas específica. Estas receitas são pagas ao ELGA através do orçamento do Ministério da Agricultura, por inscrição anual de um crédito de igual valor, mediante solicitação do ELGA dirigida a este ministério. Sobre as referidas receitas da contribuição especial de seguro recebidas pelas tesourarias públicas a favor do ELGA, o Estado efetua uma retenção de dois por cento (2%) por conta da cobrança. Do mesmo modo, sobre as receitas recebidas pelas tesourarias públicas, com base nas declarações de rendimentos das pessoas sujeitas ao pagamento dessa contribuição e outros documentos de cobrança, o Estado efetua uma retenção de três por cento (3%) do valor declarado […]»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

11

Na sequência dos protestos, em janeiro de 2009, de um grande número de produtores agrícolas gregos relativamente às perdas que haviam sofrido durante o ano de 2008 em razão de condições climáticas adversas, a República Helénica previu, através do despacho ministerial conjunto 262037 do Ministro da Economia e do Ministro do Desenvolvimento Rural e da Alimentação, de 30 de janeiro de 2009, relativo à compensação, a título excecional, por danos à produção agrícola (FEK B’ 155/2.2.2009, a seguir «despacho ministerial conjunto»), que fossem pagos aos produtores pelo ELGA, a título excecional, auxílios compensatórios no montante de 425 milhões de euros. Resultava desse despacho que as despesas decorrentes da sua aplicação que agravassem o orçamento do ELGA seriam financiadas com um empréstimo bancário contraído por esse organismo, com a garantia do Estado.

12

Por carta de 20 de março de 2009, enviada em resposta a um pedido de informações da Comissão, a República Helénica informou que, em 2008, o ELGA tinha pago indemnizações aos agricultores pelos danos cobertos pelo seguro no montante de 386986648 euros. Este montante provinha, em parte, das contribuições de seguro pagas pelos produtores, no valor de 88353000 euros, e, em parte, das receitas obtidas por um empréstimo bancário de 444 milhões de euros contraído pelo ELGA, reembolsável no prazo de dez anos, com garantia do Estado.

13

Por decisão de 27 de janeiro de 2010 (JO C 72, p. 12), a Comissão deu início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, no processo C 3/10 (ex NN 39/09), relativo aos pagamentos compensatórios efetuados pelo ELGA durante 2008 e 2009 (a seguir «auxílios em causa»). Em 7 de dezembro de 2011, a Comissão adotou a decisão controvertida.

14

O dispositivo da decisão controvertida tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

1.   As indemnizações pagas pelo [ELGA] aos produtores de produtos agrícolas em 2008 e 2009 constituem auxílios estatais.

2.   Os auxílios compensatórios concedidos em 2008 no quadro do regime de seguro especial obrigatório são compatíveis com o mercado interno na parte respeitante ao montante de 349493652,03 [euros], que o ELGA concedeu aos produtores para compensar danos nas respetivas produções vegetais, assim como na parte respeitante às perdas na produção vegetal causadas por ursos, no montante de 91500 [euros], e a ações corretivas realizadas no quadro dos auxílios supramencionados. Os auxílios compensatórios correspondentes ao montante restante, pagos em 2008 no quadro do regime de seguro especial, são incompatíveis com o mercado interno.

3.   Os auxílios compensatórios no montante de 27614905 [euros], concedidos em 2009 pelo [despacho ministerial conjunto], são compatíveis com o mercado interno.

Os auxílios compensatórios no montante de 387404547 [euros], concedidos aos produtores anteriormente a 28 de outubro de 2009, são incompatíveis com o mercado interno. Esta conclusão não prejudica os auxílios que, à data da sua concessão, satisfaziam todas as condições fixadas no Regulamento (CE) n.o 1535/2007 [da Comissão, de 20 de dezembro de 2007, relativo à aplicação dos artigos [107.° TFUE e 108.° TFUE] aos auxílios de minimis no setor da produção de produtos agrícolas (JO L 337, p. 35)].

Artigo 2.o

1.   A [República Helénica] deve adotar todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios incompatíveis referidos no artigo 1.o já ilegalmente colocados à sua disposição.

[…]»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

15

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de fevereiro de 2012, a República Helénica interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida. Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a República Helénica deduziu um pedido de medidas provisórias, ao abrigo dos artigos 278.° TFUE e 279.° TFUE, destinado a suspender a execução dessa decisão. Pelo despacho do presidente do Tribunal Geral, Grécia/Comissão (T‑52/12 R, EU:T:2012:447), foi suspensa a execução da referida decisão, na medida em que obrigava a República Helénica a recuperar junto dos beneficiários os auxílios incompatíveis referidos no artigo 1.o da mesma decisão.

16

Em apoio do seu pedido de anulação da decisão controvertida, a República Helénica apresentou sete fundamentos. Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes:

17

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2014, a República Helénica apresentou um pedido de medidas provisórias ao abrigo dos artigos 278.° TFUE e 279.° TFUE destinado, designadamente, a que o Tribunal de Justiça suspenda a execução do acórdão recorrido até que seja proferido o acórdão deste recurso.

18

O referido pedido de medidas provisórias foi indeferido pelo despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça, Grécia/Comissão (C‑431/14 P‑R, EU:C:2014:2418), com o fundamento de que o requisito relativo ao fumus boni juris não se encontrava preenchido.

19

Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de março de 2015, o Governo helénico, em conformidade com o artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requereu a formação do Tribunal de Justiça em Grande Secção. O Tribunal de Justiça deferiu este pedido.

20

Com o presente recurso, a República Helénica pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida; e

condenar a Comissão nas despesas;

21

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

declarar o recurso inadmissível ou negar‑lhe provimento; e

condenar a República Helénica nas despesas.

Quanto ao presente recurso

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao conceito de auxílio de Estado, ao dever de fundamentação e à desvirtuação de elementos de prova

Argumentos das partes

22

Na primeira parte do primeiro fundamento, a República Helénica acusa o Tribunal Geral de ter violado o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, desvirtuando e qualificando erradamente os factos, ao considerar que as contribuições de seguro obrigatório pagas nos anos de 2008 e 2009 pelos agricultores que beneficiaram dos auxílios compensatórios pagos pelo ELGA nesses anos constituíam recursos do Estado.

23

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral apoiou‑se no acórdão Freskot (C‑355/00, EU:C:2003:298) para concluir que os referidos auxílios constituíam auxílios de Estado. Ora, no n.o 87 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, pelo contrário, que não dispunha, no processo que deu origem ao referido acórdão, dos elementos de facto e de direito necessários para se pronunciar sobre a qualificação de auxílio de Estado das prestações fornecidas pelo ELGA.

24

Em segundo lugar, o Tribunal Geral errou ao negar a natureza de recursos privados às contribuições pagas pelos agricultores a pretexto de que, nos termos do artigo 5.o‑A da Lei 1790/1988, eram contabilizadas como receitas do Estado. A República Helénica salienta que resulta dessa disposição que a contribuição especial de seguro a favor do ELGA era cobrada pelo Estado ou por bancos sendo depois entregue ao ELGA.

25

Ora, o facto de o legislador fixar as modalidades segundo as quais a contribuição especial de seguro cobrada pelo Estado é entregue ao ELGA não faz desta contribuição um recurso estatal. Com efeito, a admitir‑se tal interpretação, a qualificação da referida contribuição de recurso privado ou público dependeria do seu modo de cobrança e seria então necessário distinguir as contribuições cobradas pelo Estado das cobradas por intermédio dos bancos e entregues ao ELGA. Por outro lado, se o Estado procedesse à cobrança dos recursos em causa sem estar obrigado a entregá‑los integralmente, não teria previsto, no artigo 5.o‑A, n.o 16, da Lei 1790/1988, a cobrança de uma comissão.

26

Consequentemente, o Estado ou os bancos são simples intermediários ou mesmo cobradores remunerados da contribuição especial de seguro. Esta constitui exclusivamente uma receita do ELGA e não está sujeita a fiscalização pública, sendo apenas cobrada por instituições bancárias e pelo Estado para ser entregue ao ELGA sem nunca ter estado à disposição da autoridade competente.

27

Na segunda parte do primeiro fundamento, a República Helénica imputa ao Tribunal Geral uma violação do seu dever de fundamentação ao não ter respondido ao argumento segundo o qual as contribuições especiais de seguro deviam ser deduzidas do montante dos auxílios de Estado a recuperar porque, tendo em conta o facto de que foram pagas nos anos de 2008 e 2009 pelos agricultores que beneficiaram dos pretensos auxílios, não preenchiam o requisito relativo à existência de uma vantagem económica.

28

A título subsidiário, a República Helénica alega que o Tribunal Geral aplicou incorretamente o referido requisito aos factos do caso, uma vez que, devido à existência das referidas contribuições, o pagamento dos auxílios compensatórios apenas teve um efeito limitado, ou não teve sequer nenhum efeito, sobre a concorrência. Na sua apreciação, o Tribunal Geral adotou mesmo uma interpretação da decisão controvertida contrária ao princípio da proibição da reformatio in pejus.

29

A Comissão contesta tanto a admissibilidade do argumento relativo à desvirtuação dos factos como a procedência de ambas as partes deste fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

30

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, importa recordar, em primeiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o Tribunal Geral desvirtuou os factos, que resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que só o Tribunal Geral é competente, por um lado, para apurar a matéria de facto, exceto nos casos em que a inexatidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro lado, para apreciar esses factos (acórdãos General Motors/Comissão, C‑551/03 P, EU:C:2006:229, n.o 51, e ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, EU:C:2011:191, n.o 179).

31

Consequentemente, a apreciação dos factos não constitui, salvo em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, EU:C:2006:328, n.o 85, e ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, EU:C:2011:191, n.o 180).

32

Quando o recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, primeiro parágrafo, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (acórdão Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 16 e jurisprudência aí referida, e acórdão Autriche/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

33

No caso em apreço, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 122 a 128 e 130 a 132 do acórdão recorrido, o que se segue:

«122

A Comissão recordou, na decisão [controvertida], que o Tribunal de Justiça já declarou no acórdão Freskot [(C‑355/00, EU:C:2003:298)] que ‘a legislação nacional em causa no processo principal estabelec[ia] claramente que as prestações fornecidas pel[o] ELGA [eram] financiadas com recursos do Estado e que [eram] imputáveis ao Estado na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão França/Comissão, C‑482/99, [EU:C:2002:294], n.o 24)’ (considerando 58).

123

A este respeito, a Comissão considerou que:

‘[…] resulta do artigo 5.o‑A da Lei 1790/1988 [...] e de outras disposições da legislação grega em vigor que as receitas do ELGA provenientes da contribuição especial de seguro são cobradas pela administração das contribuições, entram no orçamento do Estado como receitas do Estado e são atribuídas ao ELGA através do orçamento do Ministério da Agricultura (atualmente, Ministério do Desenvolvimento Rural e da Alimentação). Por consequência, o facto de as contribuições em causa serem contabilizadas como receitas do Estado basta para considerar que as prestações efetuadas pelo ELGA são provenientes de recursos estatais’ (considerando 58).

124

Estas constatações, que não são contestadas pela República Helénica, são suficientes para concluir que os pagamentos compensatórios na parte correspondente a contribuições dos agricultores são recursos do Estado e são imputáveis ao Estado.

125

Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a República Helénica, não se pode considerar que a parte dos pagamentos correspondente às contribuições dos agricultores é constituída por fundos privados. Consequentemente, o facto de uma parte dos pagamentos efetuados em 2008 ser financiado por contribuições dos agricultores não impede que sejam considerados auxílios de Estado financiados por recursos imputáveis ao Estado.

126

Por outro lado, contrariamente ao que alega a República Helénica, a qualificação de auxílio de Estado não respeita às contribuições pagas pelos agricultores, mas aos pagamentos efetuados em 2008. Ora, a este respeito, importa recordar que foi constatado, no âmbito do primeiro e do segundo argumentos, que nem o caráter compensatório das medidas nem o facto de tais medidas serem justificadas por um objetivo social impediam que os pagamento efetuados pelo ELGA fossem considerados uma vantagem.

127

Além disso, a República Helénica admite que as contribuições pagas pelos agricultores não são proporcionais ao risco e que é possível que alguns agricultores paguem uma contribuição sem beneficiar dos pagamentos compensatórios efetuados pelo ELGA. Os pagamentos efetuados em 2008 eram, portanto, independentes das contribuições pagas pelos agricultores e constituíam uma vantagem que a empresa beneficiária não teria podido obter em condições normais de mercado.

128

Resulta do exposto que a Comissão considerou com razão que os pagamentos efetuados pelo ELGA em 2008 constituíam vantagens financiadas por recursos do Estado, mesmo se em parte financiadas pelas contribuições dos agricultores. A República Helénica não demonstrou que a Comissão cometeu um erro ao qualificar esses pagamentos de auxílios de Estado.

[…]

130

Resulta da decisão [controvertida] que os pagamentos compensatórios efetuados pelo ELGA em 2009, no montante total de 415019452 euros, foram efetuados com fundamento no despacho ministerial conjunto. Importa recordar que o despacho ministerial conjunto previa compensações até 425 milhões de euros, a título excecional, para danos ocorridos em 2008 e que, com vista ao pagamento dessas compensações, o ELGA contrairia um empréstimo junto da banca, com a garantia do Estado, para a totalidade desse montante [...].

131

Daqui decorre que a Comissão concluiu acertadamente que os pagamentos compensatórios efetuados em 2009 não tinham sido financiados por contribuições pagas ao abrigo do regime de seguro obrigatório do ELGA [...].

132

Assim, contrariamente ao que sustenta a República Helénica, não se pode considerar que as contribuições pagas em 2009 pelos agricultores ao abrigo do regime de seguro obrigatório financiam uma parte dos auxílios pagos em 2009.»

34

À luz das considerações do Tribunal Geral assim recordadas, o argumento relativo a uma desvirtuação dos factos deve ser liminarmente rejeitado, uma vez que, com a sua argumentação, a República Helénica não conseguiu demonstrar que dos documentos dos autos resulta de forma manifesta uma desvirtuação.

35

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o Tribunal Geral qualificou erradamente os factos, importa referir que, após ter começado por recordar, no n.o 126 do acórdão recorrido, que a qualificação de auxílio de Estado não respeita às contribuições especiais de seguro pagas pelos agricultores, mas ao pagamento dos auxílios compensatórios pelo ELGA, ter, em seguida, considerado, no n.o 127 desse acórdão, que os pagamentos efetuados no ano de 2008 eram independentes das referidas contribuições, e, finalmente, ter sublinhado, nos n.os 130 a 132 do referido acórdão, que os pagamentos efetuados no ano de 2009 haviam sido financiados não por contribuições mas através de um empréstimo contraído para esse fim junto de uma instituição bancária com a garantia do Estado, o Tribunal Geral pôde concluir, sem cometer um erro de direito, que esses pagamentos constituíam vantagens financiadas por recursos do Estado.

36

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral também não cometeu um erro de direito, no n.o 122 do acórdão recorrido, ao basear‑se no n.o 81 do acórdão Freskot (C‑355/00, EU:C:2003:298), uma vez que o Tribunal de Justiça declarou, neste último número e a propósito de uma versão anterior do artigo 5.o‑A da Lei 1790/1988, mas em substância idêntica à versão aplicável ao presente litígio, que essa legislação «estabelec[ia] claramente que as prestações fornecidas pel[o] ELGA [eram] financiadas com recursos do Estado e que [eram] imputáveis ao Estado na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça».

37

Por outro lado, importa salientar que a República Helénica não contesta que as contribuições especiais de seguro, na medida em que eram cobradas pela Administração Fiscal, entravam no orçamento do Estado.

38

No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentar os acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força dos artigos 36.° e 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseia e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso (v., designadamente, acórdão A2A/Comissão, C‑320/09 P, EU:C:2011:858, n.o 97).

39

No caso em apreço, o Tribunal Geral salientou, no n.o 126 do acórdão recorrido, que, contrariamente ao que alegava a República Helénica, a qualificação de auxílio de Estado não respeitava às contribuições pagas pelos agricultores, mas aos pagamentos efetuados em 2008 pelo ELGA.

40

Além disso, nesse mesmo n.o 126, o Tribunal Geral remeteu para as suas considerações no âmbito da análise do primeiro e segundo fundamentos do recurso. Ora, no âmbito dessa análise, o Tribunal Geral precisou, no n.o 70 do acórdão recorrido, «que o facto de os pagamentos efetuados pelo ELGA em 2009 terem por objetivo compensar os danos causados à produção agrícola em razão das condições climáticas adversas não exclu[ía] a existência de uma vantagem e a qualificação de auxílios de Estado» e, no n.o 102 desse acórdão, «que, segundo jurisprudência constante, a concorrência é falseada desde que uma medida aligeire os encargos da empresa beneficiária, reforçando assim a sua posição relativamente à de outras empresas concorrentes».

41

Nestas condições, há que concluir que a fundamentação do acórdão recorrido responde às exigências recordadas no n.o 38 do presente acórdão.

42

Por outro lado, após ter constatado que os pagamentos dos auxílios compensatórios efetuados nos anos de 2008 e 2009 eram independentes das contribuições pagas pelos agricultores, o Tribunal Geral pôde concluir, sem cometer um erro de direito, que esses pagamentos constituíam uma vantagem que a empresa beneficiária não poderia ter obtido em condições normais de mercado e que portanto afetavam a concorrência.

43

Com efeito, considerando a independência das contribuições pagas pelos agricultores em relação aos auxílios compensatórios recebidos por estes últimos, não se pode considerar que essas contribuições eram encargos específicos que oneravam a vantagem que constituía, neste caso, o pagamento desses auxílios nem que as referidas contribuições eram inerentes à aplicação dessa vantagem. Assim, o Tribunal Geral concluiu acertadamente que, no caso em apreço, a Comissão podia validamente, no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, recusar efetuar uma compensação entre a referida vantagem e essas mesmas contribuições (v., nesse sentido, acórdão France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.os 43 e 48).

44

Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser rejeitado, por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo ao conceito de auxílio de Estado e ao dever de fundamentação

Argumentos das partes

45

A República Helénica critica o Tribunal Geral por ter rejeitado o seu primeiro e segundo fundamentos de recurso, baseando‑se na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, qualquer que seja a sua forma, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 84 e jurisprudência aí referida). Com efeito, ao raciocinar neste sentido, o Tribunal Geral não teve em consideração o facto de que esses princípios apenas são válidos em condições normais de mercado e de economia e não nas condições excecionais em que se encontrava a economia helénica no ano de 2009.

46

Neste contexto excecional, o Tribunal Geral deveria, no entender da República Helénica, ter interpretado e aplicado o artigo 107.o TFUE de forma diferente e, especialmente, apreciado se os auxílios compensatórios pagos aos agricultores gregos durante o ano de 2009 lhes haviam efetivamente conferido uma vantagem, colocando‑os numa posição mais vantajosa no âmbito da suas transações comerciais na União Europeia.

47

Com efeito, na medida em que a economia grega devia fazer face, neste período, a um conjunto de medidas orçamentais destinadas à sua estabilização, como a sobretributação dos agricultores, a introdução de contribuições excecionais e de solidariedade, o desmantelamento do Estado‑previdência, o aumento da taxa do imposto sobre o valor acrescentado, o encarecimento do preço do petróleo de aquecimento ou a redução dos salários e das reformas, qualquer «vantagem económica» que os agricultores pudessem receber da parte do ELGA teria sido desde logo anulada.

48

Ora, o Tribunal Geral não examinou se, em tais condições excecionais, o impacto financeiro das medidas adotadas pelo despacho ministerial conjunto podia efetivamente afetar o comércio entre os Estados‑Membros e ameaçar falsear a concorrência. Em especial, deveria ter averiguado se essas circunstâncias excecionais eram suscetíveis de alterar as condições de aplicação do regime de minimis relativo aos auxílios, sem impacto significativo no comércio e na concorrência entre os Estados‑Membros.

49

Por último, a República Helénica alegou, a título subsidiário, que o Tribunal Geral não analisou integralmente os seus argumentos.

50

A Comissão contesta tanto a admissibilidade como a procedência do presente fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

51

Decorre dos autos de primeira instância que a argumentação apresentada pela República Helénica no Tribunal de Justiça, relativa ao facto de a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre o conceito de auxílio de Estado, referida no n.o 45 do presente acórdão, não ser aplicável ao caso em apreço em razão das condições económicas excecionais que a República Helénica atravessava em 2009, não foi apresentada no Tribunal Geral.

52

Com efeito, em primeira instância, a República Helénica acusou a Comissão de não ter explicado suficientemente na decisão controvertida de que forma os pagamentos compensatórios haviam conferido aos agricultores em causa uma vantagem concorrencial que afetava o comércio entre os Estados‑Membros e podiam, por conseguinte, ser qualificados de auxílios de Estado, apesar da grave crise que atravessava a economia grega à época.

53

Ora, não se pode considerar que a República Helénica, ao suscitar tal argumento, tenha formulado uma alegação diferente da baseada na falta de fundamentação da decisão controvertida.

54

Assim, o argumento de que o Tribunal Geral violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ao não declarar que os pagamentos dos auxílios compensatórios, no contexto da grave crise que atravessava a economia grega no ano de 2009, não tinham conferido aos agricultores em causa uma qualquer vantagem concorrencial nem afetado o comércio entre os Estados Membros, tem caráter novo.

55

Por conseguinte, esse argumento deve ser julgado inadmissível. Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, permitir a uma parte suscitar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que não suscitou no Tribunal Geral equivalerá a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em sede de recurso é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral (acórdãos Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479, n.o 111, e Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.o 35).

56

Daqui decorre que o segundo fundamento do recurso apenas é admissível na medida em que, com o mesmo, a República Helénica critica em substância o Tribunal Geral por não ter respondido à alegação relativa a uma insuficiência de fundamentação da decisão controvertida.

57

A este respeito, como recordado no n.o 38 do presente acórdão, o dever de fundamentação dos acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseia e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso (acórdão Isdin/Bial‑Portela, C‑597/12 P, EU:C:2013:672, n.o 21).

58

Ora, já foi referido no n.o 41 do presente acórdão que a fundamentação do acórdão recorrido permitiu às partes, e designadamente à República Helénica, conhecer os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseou para constatar a existência de uma vantagem económica suscetível de falsear a concorrência.

59

Importa acrescentar que o Tribunal Geral, na sua resposta à alegação de uma insuficiência de fundamentação respeitante ao requisito relativo ao efeito adverso na concorrência e à afetação das trocas comerciais, precisou, no n.o 108 do acórdão recorrido, que «[a] crise económica ocorrida na União a partir de 2008 não constitui uma circunstância suscetível de pôr em causa o facto de o setor agrícola estar exposto a uma forte concorrência na União» e que «[a] Comissão adotou, aliás, regras específicas destinadas a autorizar certos auxílios de Estado durante a crise económica, em especial o [QCT], o qual excluía a possibilidade de declarar compatíveis com o mercado interno auxílios concedidos no setor agrícola primário».

60

Daqui se conclui que o segundo fundamento deve ser rejeitado, por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma interpretação e aplicação erradas do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e ao dever de fundamentação

Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa a uma interpretação e aplicação erradas do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE

– Argumentos das partes

61

A República Helénica acusa o Tribunal Geral de ter violado o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ao não analisar se a Comissão havia, pelo menos, cometido um erro manifesto de apreciação pelo facto de ter recusado aplicar esta disposição não obstante as graves perturbações que afetavam a economia grega.

62

Além disso, o Tribunal Geral não analisou os seus argumentos relativos à incorreta limitação pela Comissão do âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, considerando as circunstâncias excecionais que a economia grega enfrentava no ano de 2009 e que se distinguiam das tomadas em consideração pelo QCT. O Tribunal Geral, ao basear‑se no QCT alterado, recusou aplicar diretamente esta disposição, apesar de ter recordado que a validade das comunicações da Comissão estava subordinada à sua conformidade com as disposições do Tratado FUE.

63

Segundo a Comissão, a Republica Helénica invoca tardiamente as circunstâncias excecionais da crise económica na Grécia à época dos factos, as quais não foram demonstradas no Tribunal Geral. Consequentemente, não pode validamente argumentar no Tribunal de Justiça que essas circunstâncias, não demonstradas, teriam conduzido o Tribunal Geral a uma conclusão diferente no que respeita à aplicação do artigo 107.o, n.o 3), alínea b), TFUE. A Comissão contesta também a procedência desta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

64

No que respeita à admissibilidade da primeira parte do terceiro fundamento do presente recurso, resulta dos autos de primeira instância que, em apoio do quarto fundamento desse recurso, pelo qual acusava a Comissão de uma má utilização do seu poder de apreciação e de uma interpretação e aplicação erradas do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, a República Helénica apresentou elementos de prova que, do seu ponto de vista, eram suscetíveis de demonstrar, designadamente, a existência de uma perturbação muito grave do conjunto da economia grega no ano de 2009.

65

Consequentemente, como salientou a advogada‑geral nos n.os 32 e 34 das suas conclusões, embora resulte dos n.os 185 a 188 do acórdão recorrido que, na resposta dada ao quarto fundamento de recurso, o Tribunal Geral se absteve de se pronunciar sobre a existência, durante o ano de 2009, de uma perturbação muito grave na economia grega, a República Helénica pode validamente sustentar perante o Tribunal de Justiça que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao rejeitar a sua argumentação segundo a qual tal perturbação justificava a aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ao caso em apreço.

66

No que respeita ao mérito, importa recordar que o Tribunal Geral, nos n.os 185 a 188 do acórdão recorrido, declarou o seguinte:

«185

No que se refere aos argumentos suscitados no âmbito do quarto fundamento, há que declarar que, contrariamente ao que a República Helénica defende, a Comissão se devia basear no [QCT] e não aplicar diretamente o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE para apreciar a compatibilidade dos pagamentos efetuados pelo ELGA em 2009 devido à crise económica existente na Grécia.

186

Com efeito, como decorre da jurisprudência, ao adotar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (v. acórdão Alemanha e o./Kronofrance, [C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482], n.o 60 e jurisprudência referida; acórdão […] Holland Malt/Comissão, C‑464/09 P, [EU:C:2010:733], n.o 46).

187

Assim, no domínio específico dos auxílios de Estado, a Comissão tem de respeitar os enquadramentos e comunicações que adota, na medida em que não se afastem das normas do Tratado (v. acórdão Holland Malt/Comissão, [C‑464/09 P, EU:C:2010:733], n.o 47, e jurisprudência referida).

188

Consequentemente, há que julgar improcedentes as alegações da República Helénica segundo as quais, por causa da grave perturbação da economia grega devido à crise económica que se manifestava na Grécia desde finais de 2008 e em 2009, a Comissão devia ter declarado os pagamentos efetuados pelo ELGA em 2009 compatíveis diretamente com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.»

67

Nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE «[p]odem ser considerados compatíveis com o mercado interno [...] [o]s auxílios destinados [...] a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro».

68

Como recordou o Tribunal Geral nos n.os 159 a 161 do acórdão recorrido, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Comissão beneficia, por aplicação do artigo 107, n.o 3, TFUE, de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica avaliações complexas de ordem económica e social (acórdãos Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 59, e Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português, C‑667/13, EU:C:2015:151, n.o 67).

69

Além disso, como recordou o Tribunal Geral nos n.os 186 e 187 do acórdão recorrido, decorre também de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, ao adotar regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (v. acórdão Holland Malt/Comissão, C‑464/09 P, EU:C:2010:733, n.o 46, e acórdão Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português, C‑667/13, EU:C:2015:151, n.o 69).

70

Contudo, no domínio específico dos auxílios de Estado, a Comissão tem de respeitar os enquadramentos que adota, na medida em que estes não se afastem das normas do Tratado FUE, entre as quais figura designadamente o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (v., neste sentido, acórdão Holland Malt/Comissão, C‑464/09 P, EU:C:2010:733, n.o 47) e a sua aplicação não viole os princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento, em especial quando circunstâncias excecionais, distintas das visadas por esses enquadramentos, caracterizam um dado setor da economia de um Estado‑Membro.

71

Consequentemente, por um lado, a Comissão não pode infringir o artigo 107.o, n.o 3, TFUE, adotando enquadramentos viciados por um erro de direito ou por um erro manifesto de apreciação, nem renunciar, por via da adoção de enquadramentos, ao exercício do poder de apreciação que essa disposição lhe confere. A este respeito, quando adota, no âmbito desse exercício, enquadramentos desta natureza, estes devem ser objeto de uma verificação contínua com vista a apreender todas as evoluções relevantes não cobertas por esses atos.

72

Por outro lado, a adoção de tais enquadramentos não dispensa a Comissão do seu dever de analisar as circunstâncias específicas excecionais invocadas por um Estado‑Membro, num caso particular, para requerer a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE nem de fundamentar, sendo caso disso, a sua recusa em deferir tal pedido.

73

No caso em apreço, é ponto assente que, no que respeita precisamente à afetação do setor agrícola primário da União pela crise económica que os Estados‑Membros, e designadamente a República Helénica, atravessaram, a Comissão exerceu o poder de apreciação que lhe confere o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE ao adotar o QCT e depois o QCT alterado, uma vez que tanto o primeiro como o segundo referem expressamente esse setor.

74

Ora, há que constatar que, embora a República Helénica tenha invocado perante o Tribunal de Justiça a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE aos factos do caso em apreço, não obstante a existência das regras de conduta enunciadas pelo QCT e pelo QCT alterado, não alegou, em apoio desse pedido, que havia, no caso em apreço, circunstâncias específicas excecionais no setor agrícola primário em causa, como as invocadas nos n.os 70 a 72 do presente acórdão.

75

Com efeito, resulta dos documentos dos autos que os elementos que a República Helénica apresentou no Tribunal Geral procuravam demonstrar a existência de uma grave perturbação que afetava a economia grega desde o final de 2008 e em 2009, mas não eram suscetíveis de provar cabalmente que essa economia enfrentava circunstâncias específicas excecionais que deveriam, sendo caso disso, ter conduzido a Comissão a apreciar os auxílios controvertidos diretamente à luz do artigo 107, n.o 3, alínea b), TFUE.

76

Consequentemente, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa ao dever de fundamentação

– Argumentos das partes

77

A República Helénica acusa o Tribunal Geral de não ter respondido à sua argumentação segundo a qual a decisão controvertida era excessiva na medida em que exigia igualmente a recuperação dos auxílios compensatórios que constituíam indemnizações de prejuízos reais. Além disso, a situação do setor agrícola grego, já excecionalmente difícil quando os auxílios compensatórios foram pagos, era ainda mais precária à data da adoção da decisão controvertida.

78

Mais especificamente, o Tribunal Geral não analisou em que medida a decisão controvertida, na parte em que ordenou a recuperação das contribuições pagas aos agricultores, era conforme às disposições do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e às do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1).

79

A Comissão considera que esta argumentação é demasiado vaga na medida em que não identifica com precisão a alegação suscitada em primeira instância à qual alegadamente o Tribunal Geral não respondeu e que, em qualquer caso, não é procedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

80

Por um lado, como acertadamente alegou a Comissão, o Tribunal Geral respondeu detalhadamente tanto à alegação relativa a uma pretensa violação do princípio da proporcionalidade, suscitada no âmbito do quinto fundamento do recurso em primeira instância, como à relativa ao cálculo do montante dos auxílios a recuperar, suscitada no âmbito do sexto fundamento desse mesmo recurso.

81

Por outro lado, a República Helénica não indica de modo suficientemente preciso quais são as outras alegações que suscitou em primeira instância e às quais o Tribunal Geral não respondeu.

82

Nestes termos, a segunda parte deve ser considerada, em parte, improcedente e, em parte, inadmissível.

83

Daqui decorre que o terceiro fundamento e, por conseguinte, o recurso devem ser julgados, em parte, inadmissíveis e, em parte, improcedentes.

Quanto às despesas

84

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

85

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

86

Não tendo os fundamentos da República Helénica sido acolhidos e tendo a Comissão requerido a sua condenação, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República Helénica é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.

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