Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62014CJ0301

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 3 de dezembro de 2015.
    Pfotenhilfe-Ungarn e. V. contra Ministerium für Energiewende, Landwirtschaft, Umwelt und ländliche Räume des Landes Schleswig-Holstein.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.° 1/2005 — Artigo 1.°, n.° 5 — Proteção dos animais durante o transporte — Transporte de cães sem dono de um Estado‑Membro para outro efetuado por uma associação de proteção de animais — Conceito de ‘atividade económica’ — Diretiva 90/425/CEE — Artigo 12.° — Conceito de ‘operador que procede ao comércio intracomunitário’.
    Processo C-301/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:793

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    3 de dezembro de 2015 ( * )

    «Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 1/2005 — Artigo 1.o, n.o 5 — Proteção dos animais durante o transporte — Transporte de cães sem dono de um Estado‑Membro para outro efetuado por uma associação de proteção de animais — Conceito de ‘atividade económica’ — Diretiva 90/425/CEE — Artigo 12.o — Conceito de ‘operador que procede ao comércio intracomunitário’»

    No processo C‑301/14,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisão de 9 de abril de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de junho de 2014, no processo

    Pfotenhilfe‑Ungarn e.V.

    contra

    Ministerium für Energiewende, Landwirtschaft, Umwelt und ländliche Räume des Landes Schleswig‑Holstein,

    estando presente:

    Vertreter des Bundesinteresses beim Bundesverwaltungsgericht,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J. Malenovský, M. Safjan, A. Prechal (relatora) e K. Jürimäe, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 3 de junho de 2015,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Pfotenhilfe‑Ungarn e.V., por K. Leondarakis, Rechtsanwalt,

    em representação do Ministerium für Energiewende, Landwirtschaft, Umwelt und ländliche Räume des Landes Schleswig‑Holstein, por W. Ewer, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Urbani Neri, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por B. Eggers e H. Kranenborg, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de setembro de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97 (JO 2005, L 3, p. 1), bem como do artigo 12.o da Diretiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspetiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 92/60/CEE do Conselho, de 30 de junho de 1992 (JO L 268, p. 75, a seguir «Diretiva 90/425»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pfotenhilfe‑Ungarn e.V. (a seguir «Pfotenhilfe‑Ungarn»), uma associação de proteção de animais, ao Ministerium für Energiewende, Landwirtschaft, Umwelt und ländliche Räume des Landes Schleswig‑Holstein (Ministério da Transição Energética, da Agricultura, do Ambiente e do Desenvolvimento Rural do Land de Schleswig‑Holstein, a seguir «ministério») a propósito da decisão deste último de sujeitar a Pfotenhilfe‑Ungarn às obrigações de declaração e de registo previstas pela regulamentação nacional relativa à saúde dos animais, na sequência de um transporte transfronteiriço de cães efetuado por essa associação.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 1/2005

    3

    Os considerandos 2, 12 e 21 do Regulamento n.o 1/2005 têm a seguinte redação:

    «(2)

    Nos termos da Diretiva 91/628/CEE [do Conselho, de 19 de novembro de 1991, relativa à proteção dos animais durante o transporte e que altera as Diretivas 90/425 e 91/496/CEE (JO L 340, p. 17), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 806/2003, de 14 de abril de 2003 (JO L 122, p. 1, a seguir «Diretiva 91/628»)], o Conselho adotou normas no domínio do transporte de animais, a fim de eliminar os obstáculos técnicos ao comércio de animais vivos e de permitir às organizações de mercado um funcionamento eficaz, garantindo, ao mesmo tempo, um nível satisfatório de proteção dos animais em causa.

    [...]

    (12)

    O transporte para fins comerciais não se limita aos transportes que impliquem uma troca imediata de dinheiro, de bens ou de serviços. O transporte para fins comerciais inclui nomeadamente os transportes que induzam ou tendam a produzir direta ou indiretamente um lucro.

    [...]

    (21)

    Os equídeos registados, definidos na alínea c) do artigo 2.o da Diretiva 90/426/CEE [do Conselho, de 26 de junho de 1990, relativa às condições de polícia sanitária que regem a circulação de equídeos e as importações de equídeos provenientes de países terceiros (JO L 224, p. 42), conforme alterada pela Diretiva 2004/68/CE (JO L 139, p. 320)], são frequentemente transportados para fins não comerciais, devendo esses transportes ser efetuados em consonância com os objetivos gerais do presente regulamento. Tendo em conta a natureza dessas deslocações, convirá derrogar certas disposições sempre que forem transportados equídeos registados para efeitos de competições, corridas, eventos culturais ou procriação. [...]»

    4

    O artigo 1.o, n.os 1 e 5, deste regulamento dispõe:

    «1.   O presente regulamento é aplicável ao transporte de animais vertebrados vivos dentro da Comunidade, incluindo os controlos específicos a serem efetuados por funcionários às remessas que entrem ou saiam do território aduaneiro da Comunidade.

    [...]

    5.   O presente regulamento não é aplicável ao transporte de animais que não seja efetuado em relação com atividades económicas [...]»

    5

    O artigo 33.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «[É revogada], com efeitos a partir de 5 de janeiro de 2007, a Diretiva [91/628] [...]. As remissões para a diretiva […] [revogada] entendem‑se como sendo feitas para o presente regulamento.»

    Diretiva 90/425

    6

    O segundo a quinto considerandos da Diretiva 90/425 têm a seguinte redação:

    «Considerando que o funcionamento harmonioso das organizações comuns de mercado para os animais e produtos de origem animal implica o desaparecimento dos obstáculos veterinários e zootécnicos ao desenvolvimento do comércio intracomunitário dos animais e produtos em questão; que, a esse respeito, a livre circulação dos animais e produtos agrícolas constitui um elemento fundamental das organizações comuns de mercado e deve permitir o desenvolvimento racional da produção agrícola, assim como a utilização ótima dos fatores de produção;

    Considerando que, no domínio veterinário, as fronteiras são utilizadas para efetuar controlos que visam assegurar a proteção da saúde pública e animal;

    Considerando que o objetivo final é o de limitar os controlos veterinários ao local de partida; que a realização desse objetivo implica a harmonização dos requisitos essenciais relativos à proteção da saúde animal;

    Considerando que, na perspetiva da realização do mercado interno, é conveniente, enquanto esse objetivo não for atingido, pôr a tónica nos controlos a efetuar à partida e organizar os controlos que possam vir a ser efetuados no destino; que essa solução conduz ao abandono da possibilidade de efetuar controlos veterinários nas fronteiras internas da Comunidade e que neste contexto se justifica que se mantenha o certificado sanitário ou um documento de identificação como se prevê na regulamentação comunitária;

    [...]»

    7

    O artigo 1.o da Diretiva 90/425 prevê:

    «Os Estados‑Membros assegurarão que os controlos veterinários dos animais vivos e produtos abrangidos pelas diretivas referidas no anexo A ou pelo primeiro parágrafo do artigo 21.o e destinados ao comércio deixem, sem prejuízo do artigo 7.o, de ser efetuados nas fronteiras e passem a sê‑lo nos termos do disposto na presente diretiva.

    [...]

    A presente diretiva não se aplica aos controlos veterinários relativos à deslocação entre Estados‑Membros, sem objetivo comercial, de animais de companhia que acompanhem pessoas por eles responsáveis durante essa deslocação.»

    8

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, desta diretiva:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    [...]

    3)

    Comércio: o comércio entre Estados‑Membros, na aceção do n.o 2 do artigo 9.o do Tratado [CEE].

    [...]»

    9

    O artigo 12.o da referida diretiva prevê:

    «Os Estados‑Membros deverão providenciar para que todos os operadores que procedem ao comércio intracomunitário de animais e/ou produtos referidos no artigo 1.o:

    a)

    Sejam obrigados, a pedido da autoridade competente, a efetuar um registo prévio num registo oficial;

    b)

    Mantenham um livro de registos no qual sejam mencionadas as entregas e, para os destinatários referidos no n.o 1, alínea b), subalínea iii) do artigo 5.o, o posterior destino dos animais ou produtos.

    Este registo deverá ser conservado por um prazo a fixar pela autoridade nacional competente para poder ser apresentado à autoridade competente, a pedido desta.»

    10

    O Anexo A da Diretiva 90/425 enumera, designadamente, as diretivas que preveem os controlos veterinários dos animais vivos e que devem ser realizados em conformidade com as disposições desta diretiva. Entre os textos referidos, figura a Diretiva 91/628.

    Regulamento (CE) n.o 998/2003

    11

    O Regulamento (CE) n.o 998/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem caráter comercial de animais de companhia e que altera a Diretiva 92/65/CEE do Conselho (JO L 146, p. 1), foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 576/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo à circulação sem caráter comercial de animais de companhia (JO L 178, p. 1). Contudo, tendo em conta a data dos factos relativos ao litígio no processo principal, o Regulamento n.o 998/2003 é aplicável aos mesmos. O artigo 1.o deste regulamento tinha a seguinte redação:

    «O presente regulamento fixa as condições de polícia sanitária (saúde animal) a observar em matéria de circulação sem caráter comercial de animais de companhia, assim como as regras relativas ao controlo dessa circulação.»

    12

    O artigo 2.o, primeiro parágrafo, do referido regulamento previa:

    «O presente regulamento é aplicável à circulação, entre Estados‑Membros ou em proveniência de países terceiros, dos animais de companhia das espécies referidas na lista do Anexo I.»

    13

    O artigo 3.o, alínea a), do mesmo regulamento dispunha:

    «Na aceção do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    ‘Animais de companhia’: os animais das espécies referidas na lista do Anexo I que acompanham o seu proprietário ou uma pessoa singular por eles responsável em nome do proprietário, aquando da sua circulação e que não sejam destinados a ser objeto de venda ou de transferência de propriedade;

    [...]»

    14

    De entre as espécies de animais referidas no Anexo I do Regulamento n.o 998/2003 figuravam, na parte A, os cães.

    Direito alemão

    15

    O § 4 do Regulamento relativo à prevenção de doenças animais infeciosas no mercado interno (Binnenmarkt‑Tierseuchenschutzverordnung, a seguir «regulamento relativo à prevenção de doenças animais infeciosas»), destinado a transpor, designadamente, o artigo 12.o, alínea a), da Diretiva 90/425, tem a seguinte redação:

    «Quem, com fins comerciais, pretender:

    1.

    transportar ou introduzir no interior da Comunidade animais ou bens que figurem no anexo 1, ou

    2.

    transportar animais domésticos com patas no âmbito do transporte ou da importação intracomunitário, deve informar desse facto, antes de iniciar a atividade, as autoridades competentes. Esta obrigação não se aplica a explorações sujeitas a autorização nos termos do § 15, n.os 1 ou 3, ou do § 14 do Regulamento relativo às doenças infeciosas em peixes (Fischseuchen‑Verordnung), e a explorações que se encontram registadas ou que foram autorizadas noutro Estado‑Membro a exercer uma atividade das referidas na primeira frase da presente disposição. A autoridade competente inscreve num registo as explorações declaradas, atribuindo‑lhes um número de registo.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    16

    A Pfotenhilfe‑Ungarn é uma associação registada e reconhecida de utilidade pública, na aceção do direito fiscal nacional, cujo objeto é tanto promover a proteção dos animais como protegê‑los ativamente. Através da sua página Internet, propõe, nomeadamente, a entrega de cães sem dono que foram, em grande maioria, recolhidos em associações de proteção de animais na Hungria. Quando uma pessoa pretende acolher um cão, a Pfotenhilfe‑Ungarn celebra com ela um «contrato de proteção» através do qual essa pessoa se vincula a respeitar o bem‑estar do cão e a pagar uma quantia que, em geral, ascende a 270 euros. Uma vez os contratos celebrados, os cães em causa são transportados com destino à Alemanha por membros da Pfotenhilfe‑Ungarn, onde são entregues às pessoas que aceitaram acolhê‑los. Não há, porém, transferência de propriedade dos cães a essas pessoas e, em caso de violação do «contrato de proteção», a Pfotenhilfe‑Ungarn pode exercer um direito de retirada. Desta maneira, terá entregado mais de 2000 cães entre o ano de 2007 e o ano de 2012.

    17

    Em 29 de dezembro de 2009, a Pfotenhilfe‑Ungarn transportou 39 cães da Hungria para a Alemanha. Uma vez que existiam dúvidas quanto ao estado de saúde e das vacinas de um dos cães abrangidos por esse transporte, o ministério, através de circular, ordenou que as autoridades veterinárias locais procedessem ao controlo de todos os animais que faziam parte do referido transporte.

    18

    A este respeito, o ministério considerou que a Pfotenhilfe‑Ungarn não podia invocar as condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem caráter comercial de animais de companhia, previstas pelo Regulamento n.o 998/2003, com o fundamento de que o transporte e a entrega de animais que organiza se enquadram numa atividade económica. Por conseguinte, aplicam‑se as disposições do Regulamento n.o 1/2005, pelo que a Pfotenhilfe‑Ungarn é obrigada a respeitar as obrigações de declaração e de registo previstas pela regulamentação nacional relativa à saúde dos animais e, designadamente, pelo artigo 4.o do regulamento relativo à prevenção de doenças animais infeciosas.

    19

    O Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo) negou provimento ao recurso, interposto pela Pfotenhilfe‑Ungarn, dessa decisão do ministério. Por sua vez, o Oberverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Superior) negou provimento ao recurso desta decisão, interposto pela Pfotenhilfe‑Ungarn. Por conseguinte, esta última interpôs um recurso de «Revision» desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal).

    20

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se está excluída a aplicação do Regulamento n.o 1/2005 ao litígio que lhe foi submetido, uma vez que, nos termos do artigo 1.o, n.o 5, deste regulamento, este «não é aplicável ao transporte de animais que não seja efetuado em relação com atividades económicas». Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto ao alcance que deve ser dado ao conceito de «atividade económica» que figura nessa disposição e quanto à pertinência da existência de um lucro ou de um fim lucrativo, a este respeito, à luz, designadamente, dos considerandos 12 e 21 desse regulamento.

    21

    Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende conhecer os requisitos nos termos dos quais uma pessoa pode ser qualificada de «operador que procede ao comércio intracomunitário», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425 («Unternehmer» na versão em língua alemã desta diretiva). Segundo esse órgão jurisdicional, não há nenhuma dúvida de que a Pfotenhilfe‑Ungarn procede ao comércio intercomunitário na aceção dessa disposição. Em contrapartida, não é certo que esta associação possa ser qualificada de «empresa» («Unternehmen» na versão em língua alemã), uma vez que a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige, a este respeito, o exercício de uma atividade económica.

    22

    Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Constitui transporte de animais não efetuado no âmbito de atividades económicas, na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento [...] n.o 1/2005, o transporte efetuado por uma associação de proteção de animais reconhecida de utilidade pública e destinada a entregar a terceiros cães abandonados, mediante o pagamento de determinada quantia ([quantia simbólica — ‘Schutzgebühr’]) que

    a)

    não cobre ou cobre estritamente as despesas que a associação suportou com o animal, o transporte e a sua entrega;

    b)

    é superior a essas despesas, mas cujo lucro se destina a financiar as despesas efetuadas com a entrega de outros animais abandonados, as despesas com animais abandonados ou outros projetos de proteção de animais que ficaram sem cobertura financeira?

    2)

    Constitui uma empresa que procede ao comércio intracomunitário na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425 [...] uma associação de proteção de animais reconhecida de utilidade pública que introduz cães abandonados na Alemanha e os entrega a terceiros, mediante o pagamento de determinada quantia ([quantia simbólica — ‘Schutzgebühr’]) que

    a)

    não cobre ou cobre estritamente as despesas que a associação suportou com o animal, o transporte e a sua entrega;

    b)

    é superior a essas despesas, mas cujo lucro se destina a financiar as despesas efetuadas com a entrega de outros animais abandonados, as despesas com animais abandonados ou outros projetos de proteção de animais que ficaram sem cobertura financeira?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    23

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma atividade, como a que está em causa no processo principal, relativa ao transporte de cães sem dono, de um Estado‑Membro para outro, efetuado por uma associação de utilidade pública, com vista a confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de uma quantia que, em princípio, cobre as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

    24

    A este respeito, há que observar, antes de mais, que o Regulamento n.o 1/2005 não precisa o alcance do conceito de «atividade económica». Ora, na falta de definição de tal conceito no direito da União, há que interpretá‑lo à luz, designadamente, do seu contexto e dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União (v., neste sentido, acórdão Szatmári Malom, C‑135/13, EU:C:2014:327, n.o 31 e jurisprudência referida).

    25

    No que respeita, em primeiro lugar, ao contexto em que esse conceito se inscreve, há que salientar que, segundo o artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005, este último «não é aplicável ao transporte de animais que não seja efetuado em relação com atividades económicas». Esta disposição não distingue as atividades económicas que visam lucros financeiros das que não têm um fim lucrativo.

    26

    No entanto, o considerando 12 do Regulamento n.o 1/2005 enuncia que o transporte para fins comerciais não se limita aos transportes que implicam uma troca imediata de dinheiro, de bens ou de serviços e que inclui nomeadamente os transportes que induzam ou tendam a produzir direta ou indiretamente um lucro. Todavia, ao invés do que a Pfotenhilfe‑Ungarn alega nas suas observações escritas, não se pode deduzir desse considerando que uma atividade económica exija a existência ou a intenção de obter um lucro.

    27

    Com efeito, resulta do considerando 21 desse regulamento que não é de excluir que se considere que mesmo transportes para fins não comerciais possam, em determinados casos, integrar‑se numa atividade económica, na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005. Como refere esse considerando, os equídeos registados são, com efeito, frequentemente transportados para fins não comerciais, designadamente com vista a participar em corridas ou em eventos culturais. Estes transportes, ainda que de natureza não comercial, devem, em princípio, ser efetuados no respeito das disposições deste regulamento.

    28

    Há, igualmente, que atender ao contexto em que o artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005 mais amplamente se enquadra.

    29

    Este regulamento tem a sua base jurídica no artigo 37.o CE (atual artigo 43.o TFUE) e respeita, assim, à política do mercado interno. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma importação de mercadorias ou uma prestação de serviços remunerada devem ser consideradas atividades económicas na aceção do Tratado (v., neste sentido, acórdãos Schindler, C‑275/92, EU:C:1994:119, n.o 19; Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 22 e 23; e Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.os 27 e 28). O fator determinante que permite considerar uma atividade como tendo um caráter económico reside no facto de que não deve ser exercida sem contrapartida (v., neste sentido, acórdão Jundt, C‑281/06, EU:C:2007:816, n.o 32).

    30

    No entanto, para que uma atividade possa ser qualificada de económica, não é necessário que seja exercida com um fim lucrativo (v., neste sentido, acórdãos Smits e Peerbooms, C‑157/99, EU:C:2001:404, n.os 50 e 52, e Jundt, C‑281/06, EU:C:2007:816, n.o 33).

    31

    Daqui resulta que uma atividade, como a que está em causa no processo principal, de transporte regular de um número elevado de cães, exercida por uma associação de utilidade pública, para efeitos de levar estes animais até aos particulares a quem são confiados com base num contrato que prevê, designadamente, o pagamento de uma quantia em dinheiro a essa associação, é efetuada no âmbito de uma atividade económica, na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005, mesmo que não seja visado nem obtido nenhum lucro pela referida associação.

    32

    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a plena propriedade dos cães não ser transmitida às pessoas às quais são confiados. Em todo o caso, atividades como as da Pfotenhilfe‑Ungarn podem ser consideradas uma prestação de serviços para essas pessoas e, por conseguinte, «atividades económicas», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005.

    33

    Em segundo lugar, esta interpretação é corroborada pelos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1/2005, a saber, a proteção dos animais durante o transporte, que é o principal objetivo deste regulamento, bem como a eliminação dos obstáculos técnicos ao comércio de animais vivos e o bom funcionamento das organizações de mercado, evocados no seu considerando 2 (v., neste sentido, acórdão Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 44).

    34

    Tendo em conta estes objetivos, o conceito de «atividade económica» não pode ser interpretado de forma restritiva. Limitar o alcance do Regulamento n.o 1/2005 a atividades económicas exercidas com fins lucrativos poderia, como salienta a advogada‑geral no n.o 53 das suas conclusões, comprometer o principal objetivo deste regulamento, conforme recordado no número anterior do presente acórdão.

    35

    Daqui decorre que o conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2005, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma atividade, como a que está em causa no processo principal, relativa ao transporte de cães sem dono, de um Estado‑Membro para outro, efetuado por uma associação de utilidade pública, com vista a confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de um quantia que cobre, em princípio, as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

    Quanto à segunda questão

    36

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o conceito de «operador que procede ao comércio intracomunitário», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425, deve ser interpretado no sentido de que visa, designadamente, uma associação de utilidade pública que transporta cães sem dono de um Estado‑Membro para outro, com o objetivo de confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los, mediante o pagamento, por estas, de uma quantia que cobre, em princípio, as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

    37

    Há que examinar, num primeiro momento, se a Diretiva 90/425 se aplica a um processo como o que está em causa no processo principal.

    38

    Segundo o seu artigo 1.o, quarto parágrafo, esta diretiva não se aplica aos controlos veterinários relativos à deslocação entre Estados‑Membros, sem objetivo comercial, de animais de companhia que acompanhem pessoas por eles responsáveis durante essa deslocação. Estas deslocações são regidas pelo Regulamento n.o 998/2003, na medida em que os animais acompanham o seu proprietário ou uma pessoa singular por eles responsável em nome do proprietário durante a sua deslocação e não são destinados a ser objeto de venda ou de transferência de propriedade.

    39

    A este respeito, há que referir que a derrogação prevista pelo artigo 1.o, quarto parágrafo, da Diretiva 90/425 precisa que o animal de companhia deve ser acompanhado por uma pessoa singular que é por ele responsável durante a deslocação. O transporte efetuado sob a responsabilidade de uma pessoa coletiva não é, por conseguinte, tomado em consideração para efeitos desta derrogação. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional proceder às verificações necessárias a esse respeito.

    40

    Em todo o caso, a referida derrogação respeita unicamente às deslocações entre Estados‑Membros de animais de companhia sem objetivo comercial. Ainda que uma associação de utilidade pública, à semelhança da Pfotenhilfe‑Ungarn, não prossiga um fim lucrativo ou comercial, existe, como salientou a advogada‑geral no n.o 57 das suas conclusões, um certo grau de semelhança entre a atividade que consiste em entregar cães junto de pessoas que se comprometeram a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de uma determinada quantia e a atividade que consiste em vender cães numa loja de animais. Por conseguinte, o primeiro tipo de atividade não pode ser considerado sem objetivo comercial, na aceção do artigo 1.o, quarto parágrafo, da Diretiva 90/425.

    41

    Consequentemente, o litígio no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 90/425.

    42

    Assim, e num segundo momento, há que examinar se uma associação reconhecida de utilidade pública, como a Pfotenhilfe‑Ungarn, pode ser considerada um «operador que procede ao comércio intracomunitário» de animais, na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425.

    43

    Resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio, ao fazer referência à versão em língua alemã do conceito de «operador» («Unternehmer»), se interroga sobre se este conceito se confunde com o de «empresa» («Unternhemen»), pelo que, segundo esse órgão jurisdicional, apenas as pessoas que exercem uma atividade económica poderiam ser qualificadas de «operadores».

    44

    É verdade que determinadas versões linguísticas da Diretiva 90/425 utilizam um termo que sugere o exercício de uma atividade económica ou mesmo, como salientou a advogada‑geral no n.o 62 das suas conclusões, a intenção de lucro, designadamente nas versões em língua alemã, inglesa, neerlandesa e sueca, que empregam, respetivamente, os termos «Unternehmer», «dealers», «handelaars» e «handlare». Contudo, outras versões linguísticas desta diretiva, tais como, designadamente, as versões em língua espanhola («agentes»), dinamarquesa («erhvervsdrivende»), francesa («opérateurs»), italiana («operatori»), portuguesa («operadores») e romena («operatorii»), utilizam um termo cujo alcance se revela mais neutro e geral.

    45

    Assim sendo, o conceito de operador não constitui um requisito distinto, uma vez que o critério pertinente para a aplicabilidade do artigo 12.o da Diretiva 90/245 está relacionado com as atividades a que o operador procede, ou seja, o «comércio intracomunitário».

    46

    No que respeita a este último conceito, resulta do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 90/425 que se trata do comércio entre Estados‑Membros, na aceção do artigo 28.o, n.o 1, TFUE. Segundo esta última disposição, que figura no título II relativo à livre circulação de mercadorias, a união aduaneira abrange a totalidade do comércio de mercadorias.

    47

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, deve entender‑se por «mercadorias», na aceção dessa disposição, os produtos avaliáveis em dinheiro suscetíveis, como tais, de ser objeto de transações comerciais (acórdão Comissão/Itália, 7/68, EU:C:1968:51, p. 626). Esta definição inclui os animais (v., neste sentido, acórdão Comissão/Bélgica, C‑100/08, EU:C:2009:537, n.o 83). Como salientou a advogada‑geral no n.o 63 das suas conclusões, as disposições do Tratado FUE em matéria de livre circulação de mercadorias aplicam‑se, em princípio, independentemente de os bens em causa serem transportados através das fronteiras nacionais para efeitos de venda ou revenda, ou para uso ou consumo pessoal (v., neste sentido, acórdão Schumacher, 215/87, EU:C:1989:111, n.o 22).

    48

    Consequentemente, o caráter lucrativo da atividade exercida pelo operador não é determinante para que esta possa ser qualificada de «comércio intracomunitário», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/245.

    49

    Por último, segundo os seus considerandos 2 a 4, esta diretiva pretende, no contexto da realização do mercado interno, eliminar todos os obstáculos ao desenvolvimento do comércio intracomunitário de animais ao limitar, designadamente, os controlos veterinários ao local de partida, o que implica uma harmonização dos requisitos essenciais relativos à proteção da saúde pública e da saúde animal.

    50

    Assim, há que interpretar o artigo 12.o da Diretiva 90/245, segundo o qual todos os operadores que procedem ao comércio intracomunitário dos animais referidos por esta devem, a pedido da autoridade competente, registar‑se previamente num registo oficial e manter um registo em que são referidas as entregas, à luz deste objetivo. O registo oficial dos operadores e o registo oficial das entregas permitem às autoridades competentes, tanto do Estado‑Membro de origem como do Estado‑Membro de destino, efetuar controlos veterinários regulares e controlos veterinários por sondagem necessários para alcançar os objetivos desta diretiva.

    51

    Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que um número elevado de cães sem dono, que, como a Pfotenhilfe‑Ungarn e a Comissão Europeia salientaram na audiência no Tribunal de Justiça, estão geralmente em pior estado de saúde que os outros cães, foram objeto de um transporte de grupo de um Estado‑Membro para outro, o objetivo, prosseguido pela Diretiva 90/425, de eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento do comércio intracomunitário dos animais e de harmonização das regras relativas à proteção da saúde pública e da saúde animal não poderia ser realizado se o artigo 12.o desta diretiva não se aplicasse a essa situação.

    52

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão submetida que o conceito de «operador que procede ao comércio intracomunitário», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425, deve ser interpretado no sentido de que visa, designadamente, uma associação de utilidade pública que transporta cães sem dono de um Estado‑Membro para outro, com o objetivo de confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de uma quantia que cobre, em princípio, as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

    Quanto às despesas

    53

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    O conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma atividade, como a que está em causa no processo principal, relativa ao transporte de cães sem dono, de um Estado‑Membro para outro, efetuado por uma associação de utilidade pública, com vista a confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de um quantia que cobre, em princípio, as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

     

    2)

    O conceito de «operador que procede ao comércio intracomunitário», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspetiva da realização do mercado interno, conforme alterada pela Diretiva 92/60/CEE do Conselho, de 30 de junho de 1992, deve ser interpretado no sentido de que visa, designadamente, uma associação de utilidade pública que transporta cães sem dono de um Estado‑Membro para outro, com o objetivo de confiar esses cães às pessoas que se vincularam a recolhê‑los mediante o pagamento, por estas, de uma quantia que cobre, em princípio, as despesas efetuadas para este efeito por essa associação.

     

    Assinaturas


    ( * )   Língua do processo: alemão.

    Top