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Document 62014CJ0247

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 10 de março de 2016.
HeidelbergCement AG contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Mercado do ‘cimento e produtos conexos’ — Procedimento administrativo — Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Artigo 18.°, n.os 1 e 3 — Decisão de pedido de informações — Fundamentação — Precisão do pedido.
Processo C-247/14 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:149

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de março de 2016 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Mercado do ‘cimento e produtos conexos’ — Procedimento administrativo — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 18.o, n.os 1 e 3 — Decisão de pedido de informações — Fundamentação — Precisão do pedido»

No processo C‑247/14 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 20 de maio de 2014,

HeidelbergCement AG, com sede em Heidelberg (Alemanha), representada por U. Denzel, C. von Köckritz e P. Pichler, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por M. Kellerbauer, L. Malferrari e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de junho de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de outubro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a HeidelbergCement AG (a seguir «HeidelbergCement») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de março de 2014, HeidelbergCement/Comissão (T‑302/11, EU:T:2014:128, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C (2011) 2361 final da Comissão, de 30 de março de 2011, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (processo COMP/39520 — Cimento e produtos conexos) (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

2

O considerando 23 do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), enuncia:

«A Comissão deverá dispor, em todo o território da [União], de poderes para exigir as informações necessárias para detetar eventuais acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo artigo [101.° TFUE] [...]»

3

O artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, intitulado «Pedidos de informações», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam todas as informações necessárias.

[...]

3.   Sempre que solicitar, mediante decisão, às empresas ou associações de empresas que prestem informações, a Comissão deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas. Deve indicar igualmente as sanções previstas no artigo 23.o e indicar ou aplicar as sanções previstas no artigo 24.o Deve indicar ainda a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça.

[...]»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

4

O Tribunal Geral descreve da seguinte forma os factos na origem do litígio:

«1

Durante os meses de novembro de 2008 e de setembro de 2009, a Comissão das Comunidades Europeias levou a cabo, em aplicação do artigo 20.o do Regulamento [n.o 1/2003], várias inspeções nas instalações de sociedades que operavam no setor cimenteiro, incluindo nas instalações da recorrente HeidelbergCement AG. A essas inspeções seguiu‑se o envio de pedidos de informações ao abrigo do artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. Assim, foram enviados à recorrente pedidos de informações em 30 de setembro de 2009, 9 de fevereiro de e 27 de abril de 2010.

2

Por carta de 8 de novembro de 2010, a Comissão informou a recorrente de que tencionava enviar‑lhe uma decisão solicitando informações nos termos do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e juntou o projeto de questionário que pretendia anexar a essa decisão.

3

Por carta de 16 de novembro de 2010, a recorrente apresentou as suas observações sobre esse projeto de questionário.

4

Em 6 de dezembro de 2010, a Comissão informou a recorrente de que tinha decidido dar início a um procedimento nos termos do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003 em relação à mesma, bem como em relação a sete outras sociedades com atividade no setor cimenteiro, por presumíveis infrações ao disposto no artigo 101.o TFUE visando ‘restrições dos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), incluindo restrições às importações no EEE provenientes de países de fora do EEE, às repartições de mercados, às coordenações de preços e práticas anticoncorrenciais conexas no mercado do cimento e nos mercados dos produtos conexos’ (a seguir ‘decisão de dar início ao procedimento’.

5

Em 30 de março de 2011, a Comissão adotou a decisão [controvertida].

6

Na decisão [controvertida], a Comissão indica que, em conformidade com o disposto no artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, para o cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo referido regulamento, pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam todas as informações necessárias (considerando 3 da decisão [controvertida]). Depois de recordar que a recorrente tinha sido informada da sua intenção de adotar uma decisão em conformidade com o disposto no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e que esta tinha apresentado as suas observações sobre um projeto de questionário (considerandos 4 e 5 da decisão [controvertida]), a Comissão, mediante decisão, pediu à recorrente e às suas filiais situadas na União Europeia e controladas direta ou indiretamente por ela para responderem ao questionário constante do anexo I, que tinha 94 páginas e compreendia onze séries de perguntas (considerando 6 da decisão [controvertida]).

7

A Comissão recordou também a descrição das presumíveis infrações, que consta do n.o 4 supra (considerando 2 da decisão [controvertida]).

8

Referindo‑se à natureza e à quantidade das informações pedidas assim como à gravidade das presumíveis infrações às regras da concorrência, a Comissão considerou que se devia conceder à recorrente um prazo de resposta de doze semanas para as dez primeiras séries de perguntas e de duas semanas para a décima primeira, relativa aos ‘Contactos e reuniões’ (considerando 8 da decisão [controvertida]).

9

O dispositivo da decisão [controvertida] tem a seguinte redação:

Artigo 1.o

[A recorrente,] (incluindo as suas filiais situadas na [União Europeia] e controladas direta ou indiretamente por ela), fornecerá as informações mencionadas no anexo I da presente decisão, na forma pedida no anexo II e no anexo III desta última, num prazo de resposta de doze semanas para as questões 1‑10 e de duas semanas para a questão 11, a contar da data da notificação da presente decisão. Todos os anexos fazem parte integrante da presente decisão.

Artigo 2.o

[A recorrente,] incluindo as suas filiais situadas na [União Europeia] e controladas direta ou indiretamente por ela, é destinatária da presente decisão.’

10

Em 18 de abril de 2011, a recorrente respondeu à décima primeira série de perguntas. Em 6 de maio de 2011, completou a sua resposta.

11

Por carta de 26 de maio de 2011, a recorrente pediu uma prorrogação do prazo de resposta de 18 semanas em relação às dez primeiras séries de perguntas. Por carta de 31 de maio de 2011, a recorrente foi informada do indeferimento desse pedido. No entanto, a Comissão sublinhou nesta mensagem que seria eventualmente possível conceder uma prorrogação limitada com base num pedido fundamentado que identificasse as perguntas em causa.»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

5

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de junho de 2011, a HeidelbergCement interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

6

Em apoio do seu recurso, a recorrente invocou cinco fundamentos, relativos, em primeiro lugar, à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, em segundo lugar, à violação do princípio da proporcionalidade, em terceiro lugar, à insuficiência de fundamentação da decisão controvertida, em quarto lugar, à violação do «princípio da precisão» e, em quinto lugar, à violação dos seus direitos de defesa.

7

O Tribunal Geral julgou improcedentes todos estes fundamentos e, consequentemente, negou provimento ao recurso.

Pedidos das partes

8

A HeidelbergCement conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida na parte em que lhe diz respeito;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida em conformidade com a apreciação jurídica do Tribunal de Justiça; e

condenar a Comissão no pagamento das despesas da recorrente no processo no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

9

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

negar provimento ao presente recurso;

a título subsidiário, em caso de anulação do acórdão recorrido, negar provimento ao recurso de primeira instância; e

condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao presente recurso

10

A recorrente invoca sete fundamentos de recurso da decisão do Tribunal Geral. O primeiro fundamento é relativo ao controlo insuficiente e à aplicação incorreta das exigências relativas à indicação da finalidade do pedido de informações, previstas no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. O segundo fundamento é relativo ao erro de direito que o Tribunal Geral terá cometido na sua apreciação do dever de fundamentação da escolha do instrumento jurídico e da fixação do prazo de resposta. O terceiro fundamento é relativo ao exame, à interpretação e à aplicação errados do «caráter necessário» das informações solicitadas, na aceção do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. O quarto fundamento diz respeito à violação do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, tendo em conta a falta de um dever de preparação, de apresentação e de tratamento das informações solicitadas. O quinto fundamento é relativo à contradição dos fundamentos apresentados pelo Tribunal Geral na sua apreciação da alegação relativa ao curto prazo de resposta ao pedido de informações. Com o seu sexto fundamento, a recorrente considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao violar a exigência de precisão dos atos jurídicos e não fundamentou o acórdão recorrido no que respeita à alegação de falta de precisão. Por último, o sétimo fundamento é relativo à violação dos direitos de defesa devido à obrigação de avaliar informações.

11

Há que começar por examinar o primeiro fundamento.

Argumentos das partes

12

Com o seu primeiro fundamento, que se dirige contra os n.os 23 a 43 e 47 do acórdão recorrido, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito durante o controlo do respeito das exigências relativas à indicação da finalidade do pedido de informações que decorrem do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Alega ainda que o acórdão recorrido também tem fundamentação insuficiente, uma vez que não especifica suficientemente o conteúdo da decisão de abertura e da decisão controvertida às quais se refere e que não menciona se é possível identificar, nas referidas decisões, uma ou várias infrações específicas.

13

A Comissão objeta que a fundamentação dos atos das instituições da União deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que foi adotado, e que a exigência de fundamentação deve ser adaptada às circunstâncias do processo em causa. Considera que um pedido de informações constitui uma medida de inquérito geralmente utilizada no quadro da fase de instrução preliminar, num estádio em que a Comissão ainda não dispõe de informações precisas respeitantes à presumível infração, o que se deve ter em consideração na apreciação das exigências jurídicas relativas à fundamentação exigida pelo artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Por conseguinte, o dever de indicar a finalidade da informação com precisão suficiente de modo nenhum significa que se tenha de descrever em detalhe a presumível infração quanto à sua natureza, ao seu âmbito geográfico, à sua duração ou ao tipo de produtos especificamente em causa. Só na fase da comunicação de acusações se estabelece uma infração determinada e circunscrita no tempo.

14

A Comissão considera que tanto a decisão controvertida como a decisão de dar início ao procedimento dispõem de indicações concretas sobre a natureza da presumível infração, o seu âmbito geográfico e os produtos visados. Por causa dos seus destinatários, a decisão de dar início ao procedimento contém indicações concretas quanto aos presumíveis participantes nessa infração. Daí resulta que foi com razão e sem violar o seu dever de fundamentação que o Tribunal Geral considerou, no n.o 42 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida continha, juntamente com esta decisão de abertura, indicações suficientes quanto à finalidade do pedido de informações. Além disso, alega que, na decisão controvertida, a Comissão limitou o âmbito geográfico do inquérito ao território do EEE, não deixando de manter mais precisamente no questionário certos países afetados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

15

A HeidelbergCement sustenta, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar improcedente o fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão controvertida. Trata‑se de uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v. acórdão Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

16

Segundo jurisprudência assente, a fundamentação dos atos das instituições da União, exigida pelo artigo 296.o TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. O dever de fundamentação deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas por este direta e individualmente abrangidos possam ter em receber explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não só da sua redação mas também do seu contexto e do conjunto de regras jurídicas que regulam a matéria em causa (acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63, e Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.os 31, 32 e jurisprudência aí referida).

17

Quanto à fundamentação de uma decisão de pedido de informações, em particular, importa recordar que o artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 define os elementos essenciais a seu respeito.

18

Com efeito, esta disposição prevê que a Comissão «deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas». Por outro lado, esta disposição dispõe que a Comissão «deve indicar igualmente as sanções previstas no artigo 23.o», «deve indicar ou aplicar as sanções previstas no artigo 24.o» e «[d]eve indicar ainda a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça».

19

Este dever de fundamentação específico constitui uma exigência fundamental tendo em vista não só demonstrar o caráter justificado do pedido de informações mas também dar às empresas visadas as condições para conhecerem o alcance do seu dever de colaboração, preservando ao mesmo tempo os seus direitos de defesa (v., por analogia, quanto às decisões de inspeção, acórdãos Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, EU:C:1989:380, n.o 26; Roquette Frères, C‑94/00, EU:C:2002:603, n.o 47; Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.o 34; e Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 56).

20

Quanto ao dever de indicar a «finalidade do pedido», este significa que a Comissão deve indicar o objeto do seu inquérito no seu pedido e, por conseguinte, identificar a presumível infração às regras de concorrência (v., neste sentido, acórdão SEP/Comissão, C‑36/92 P, EU:C:1994:205, n.o 21).

21

A este respeito, a Comissão não tem de comunicar ao destinatário de uma decisão de pedido de informações todas as informações de que dispõe sobre presumíveis infrações nem de proceder a uma qualificação jurídica rigorosa dessas infrações, desde que indique claramente as suspeitas que pretende verificar (v., por analogia, acórdão Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

22

Esse dever explica‑se, em particular, pela circunstância de, conforme resulta do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e do seu considerando 23, no cumprimento das funções que lhe são atribuídas por esse regulamento, a Comissão poder, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e às associações de empresas que forneçam «todas as informações necessárias».

23

Conforme referiu, com razão, o Tribunal Geral no n.o 34 do acórdão recorrido, «por conseguinte, a Comissão só pode exigir a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir investigar as presunções de infrações que justificam a realização do inquérito e que estejam indicadas no pedido de informações».

24

Ora, uma vez que o caráter necessário da informação deve ser apreciado tendo em conta a finalidade referida no pedido de informações, essa finalidade deve ser indicada com precisão suficiente, sem a qual seria impossível determinar se a informação é necessária e o Tribunal de Justiça não poderia exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, acórdão SEP/Comissão, C‑36/92 P, EU:C:1994:205, n.o 21).

25

Por conseguinte, foi também com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.o 39 do acórdão recorrido, que o caráter suficiente da fundamentação da decisão controvertida depende «do ponto de saber se as presunções de infrações que a Comissão pretende verificar são precisa[das] com clareza suficiente».

26

Quanto à questão de saber se o entendimento do Tribunal Geral, de que a decisão controvertida está suficientemente fundamentada, que figura no n.o 43 do acórdão recorrido, padece de um erro de direito, há que referir, a título preliminar, que o Tribunal Geral, no n.o 42 do referido acórdão, sublinhou que a fundamentação da decisão controvertida era «redigida em termos muito generosos que teriam merecido ser precisados e [incorreria] por conseguinte na crítica», mas que podia «mesmo assim ser considerado que a referência às restrições de importações no Espaço Económico Europeu (EEE), às repartições de mercados e às coordenações dos preços no mercado do cimento e nos mercados dos produtos conexos, lida em conjugação com a decisão de dar início ao procedimento, [equivalia] ao grau mínimo de clareza que permite concluir pelo respeito das prescrições do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003».

27

A este respeito, há que referir que, segundo o considerando 6 da decisão controvertida, a Comissão pede à recorrente para responder ao questionário do anexo I da mesma decisão. Ora, conforme indicou o advogado‑geral, em substância, no n.o 46 das suas conclusões, as perguntas referidas nesse anexo são extremamente numerosas e dizem respeito a informações de tipos muito diferentes. Em particular, o questionário que figura no referido anexo requer a comunicação de informações extremamente vastas e detalhadas relativas a um número considerável de transações, tanto nacionais como internacionais, referentes a doze Estados‑Membros e que abrangem um período de dez anos. Todavia, a decisão controvertida não faz surgir, de forma clara e inequívoca, as suspeitas de infração que justificam a adoção dessa decisão nem permite determinar se as informações solicitadas são necessárias para efeitos do inquérito.

28

Com efeito, os dois primeiros considerandos da decisão controvertida contêm apenas uma fundamentação excessivamente sucinta, vaga e genérica, tendo em conta, em particular, a amplitude considerável do questionário junto ao anexo I dessa decisão que, conforme foi recordado no considerando 6 da referida decisão, já toma em conta as observações das empresas sob investigação ao longo de todo o inquérito.

29

Estes dois considerandos têm a seguinte redação:

«(1)

A Comissão investiga atualmente um suposto comportamento anticoncorrencial no setor do cimento, dos produtos à base de cimento e de outros materiais utilizados na produção de cimento e de produtos à base de cimento [...] no seio da União Europeia/do Espaço Económico Europeu (UE/EEE).

(2)

[...] As presumíveis infrações dizem respeito a restrições aos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), nomeadamente restrições a importações no EEE a partir de países que não fazem parte do EEE, de práticas de repartição dos mercados e de coordenação de preços e a outras práticas anticoncorrenciais afins nos mercados do cimento e dos produtos conexos. Se a sua existência for confirmada, esses comportamentos poderão constituir uma infração ao artigo 101.o TFUE e/ou ao artigo 53.o do Acordo EEE.»

30

O considerando 6 da decisão controvertida acrescenta que «no anexo I solicitam‑se informações suplementares igualmente necessárias para poder apreciar a contabilidade das práticas sob investigação com as regras de concorrência da [União Europeia] tendo a esse respeito conhecimento pleno dos factos e do seu contexto económico exato».

31

Essa fundamentação não permite determinar com um grau de precisão suficiente os produtos sobre os quais incide o inquérito nem as suspeitas de infração que justificam a adoção dessa decisão. Daí resulta que essa fundamentação não permite à empresa em causa verificar se as informações solicitadas são necessárias para efeitos do inquérito nem ao juiz da União exercer a sua fiscalização.

32

É verdade que, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 16 do presente acórdão, a questão de saber se a fundamentação da decisão controvertida cumpre as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não apenas do seu teor mas também do contexto no qual essa decisão se insere, que compreende, nomeadamente, conforme referiu o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a decisão de dar início ao procedimento.

33

Todavia, a fundamentação desta última decisão não permite sanar o caráter sucinto, vago e genérico da fundamentação da decisão controvertida.

34

Com efeito, antes de mais, a infração presumida na decisão de dar início ao procedimento é igualmente formulada de uma forma particularmente sucinta, vaga e genérica, referindo‑se esta às «restrições aos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), incluindo restrições, dentro do EEE, a importações provenientes de países terceiros, repartições do mercado, coordenações de preços e práticas anticoncorrenciais conexas».

35

Em seguida, no que respeita aos produtos sobre os quais incide o inquérito, a decisão dar início ao procedimento refere‑se, à semelhança da decisão controvertida, aos mercados do cimento e dos produtos conexos. Embora esta decisão precise que «o cimento e os produtos conexos devem ser entendidos no sentido de que abrangem o cimento, os produtos à base de cimento (por exemplo, o betão pronto a ser utilizado) e outros materiais utilizados para produzir direta ao indiretamente produtos à base de cimento (por exemplo, clínquer, agregado, escória de alto‑forno, escória granulada de alto‑forno moída, escória granulada de alto‑forno moída no solo, cinzas volantes)», importa referir que os produtos afetados pelo inquérito são aí referidos apenas a título exemplificativo.

36

Por último, quanto ao âmbito geográfico da presumível infração, a fundamentação da decisão controvertida, lida em conjugação com a decisão de dar início ao procedimento, é ambígua. Com efeito, segundo a decisão controvertida, a presumível infração abrange o território da União ou do EEE. Em contrapartida, a decisão de dar início ao procedimento, adotada três meses antes, refere‑se às presumíveis infrações cujo âmbito geográfico abrange, «em particular», a Bélgica, a República Checa, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, o Luxemburgo, os Países Baixos, a Áustria e o Reino Unido. A ambiguidade da fundamentação da decisão controvertida, lida em conjugação com a decisão de dar início ao procedimento, é, a este respeito, reforçada pelo conteúdo do questionário anexo à decisão controvertida que, além dos dez Estados‑Membros acima referidos, abrange também as operações comerciais realizadas na Dinamarca e na Grécia.

37

Conforme sublinha a Comissão, é verdade que um pedido de informações constitui uma medida de inquérito que é geralmente utilizada no âmbito da fase de instrução que precede a comunicação de acusações e tem unicamente por objeto permitir à Comissão recolher as informações e a documentação necessárias para verificar a realidade e o alcance de uma determinada situação de facto e de direito (v., neste sentido, acórdão Orkem/Comissão, 374/87, EU:C:1989:387, n.o 21).

38

Além disso, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado, quanto às decisões de inspeções, que, embora caiba à Comissão precisar, o melhor possível, o que é investigado e os elementos que devem ser verificados, pelo contrário, não é indispensável revelar numa decisão de inspeção a delimitação precisa do mercado em questão nem a qualificação jurídica exata das presumíveis infrações ou a indicação do período durante o qual essas infrações terão sido cometidas, justificou esta consideração pelo facto de as inspeções ocorrerem no inicio do inquérito, num período durante o qual a Comissão não dispõe ainda de informações precisas (v., neste sentido, acórdão Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.os 36 e 37).

39

Todavia, uma fundamentação excessivamente sucinta, vaga e genérica e, em certos aspetos, ambígua não pode cumprir as exigências de fundamentação fixadas pelo artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, para justificar um pedido de informações que, como no presente processo, ocorreu mais de dois anos depois das primeiras inspeções, embora a Comissão já tivesse apresentado vários pedidos de informações às empresas das quais se suspeitava terem participado numa infração e vários meses após a decisão de dar início ao procedimento. Tendo em conta estes elementos, há que declarar que a decisão controvertida foi adotada numa data em que a Comissão já dispunha de informações que lhe teriam permitido expor com alguma precisão as suspeitas de infração que recaíam sobre as empresas em causa.

40

Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 43 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada.

41

Tendo em conta o conjunto destas considerações, o primeiro fundamento deve ser julgado procedente.

42

Por conseguinte, há que anular o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral considerou que a fundamentação da decisão controvertida cumpria as exigências do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, sem que se tenha de analisar a suposta insuficiência de fundamentação do acórdão recorrido e os outros fundamentos invocados pela recorrente.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

43

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando este Tribunal anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que acontece no caso em apreço.

44

Resulta dos n.os 27 a 40 do presente acórdão que o primeiro fundamento do recurso em primeira instância é procedente e que há que anular a decisão controvertida por violação do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003.

Quanto às despesas

45

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

46

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral ao abrigo do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

47

Tendo a recorrente pedido a condenação da Comissão nas despesas, e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas relativas tanto ao processo em primeira instância no processo T‑302/11 como ao recurso da decisão do Tribunal Geral.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de março de 2014, HeidelbergCement/Comissão (T‑302/11, EU:T:2014:128).

 

2)

É anulada a Decisão C (2011) 2361 final da Comissão, de 30 de março de 2011, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (processo COMP/39520 — Cimento e produtos conexos).

 

3)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da HeidelbergCement AG relativas tanto ao processo em primeira instância no processo T‑302/11 como ao recurso da decisão do Tribunal Geral.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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