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Document 62014CJ0121

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de novembro de 2015.
    Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
    Recurso de anulação — Regulamento (UE) n.° 1316/2013, que cria o Mecanismo Interligar a Europa — Projetos de interesse comum que dizem respeito ao território de um Estado‑Membro — Aprovação do referido Estado — Prolongamento de um corredor de transporte ferroviário de mercadorias — Base jurídica — Artigos 171.° TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE.
    Processo C-121/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:749

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    12 de novembro de 2015 ( *1 )

    «Recurso de anulação — Regulamento (UE) n.o 1316/2013, que cria o Mecanismo Interligar a Europa — Projetos de interesse comum que dizem respeito ao território de um Estado‑Membro — Aprovação do referido Estado — Prolongamento de um corredor de transporte ferroviário de mercadorias — Base jurídica — Artigos 171.° TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE»

    No processo C‑121/14,

    que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, que deu entrada em 12 de março de 2014,

    Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por M. Holt e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por D. J. Rhee, barrister,

    recorrente,

    contra

    Parlamento Europeu, representado por A. Troupiotis e M. Sammut, na qualidade de agentes,

    Conselho da União Europeia, representado por Z. Kupčová e E. Chatziioakeimidou, na qualidade de agentes,

    recorridos,

    apoiados por:

    Comissão Europeia, representada por J. Samnadda e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

    interveniente,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, J. L. da Cruz Vilaça, A. Arabadjiev, C. Lycourgos e J.‑C. Bonichot, juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de setembro de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pede a anulação do artigo 29.o e do Anexo II do Regulamento (UE) n.o 1316/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Mecanismo Interligar a Europa, altera o Regulamento (UE) n.o 913/2010 e revoga os Regulamentos (CE) n.o 680/2007 e (CE) n.o 67/2010 (JO L 348, p. 129, a seguir «disposições impugnadas»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento (UE) n.o 913/2010

    2

    Tendo como base o artigo 91.o TFUE, o Regulamento (UE) n.o 913/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2010, relativo à rede ferroviária europeia para um transporte de mercadorias competitivo (JO L 276, p. 22), define as regras que regem a criação e a organização de corredores ferroviários internacionais para um transporte ferroviário de mercadorias competitivo. Estabelece ainda regras de seleção, organização, gestão dos corredores de transporte de mercadorias e o planeamento indicativo dos investimentos relacionados com os mesmos.

    3

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 913/2010, o «corredor de transporte de mercadorias» é definido como «o conjunto das linhas férreas designadas, incluindo as linhas ferroviárias de ferry‑boat no território dos Estados‑Membros ou entre os Estados‑Membros e, se for caso disso, em países terceiros europeus, que ligam dois ou mais terminais ao longo de um traçado principal e, se for caso disso, traçados e secções alternativos de ligação entre si, incluindo a infraestrutura ferroviária e os elementos que a compõem, bem como os serviços ferroviários relevantes [...]».

    4

    O capítulo II do Regulamento n.o 913/2010 contém regras para a designação e a administração de duas séries de corredores ferroviários internacionais de transporte de mercadorias, os corredores iniciais e os corredores adicionais. Por força do artigo 3.o desse regulamento, os Estados‑Membros referidos no anexo devem tornar operacionais até às datas nele fixadas os corredores iniciais de transporte de mercadorias enumerados no referido anexo e informar a Comissão Europeia da sua criação.

    5

    O anexo do referido regulamento, na versão anterior às alterações efetuadas pelo Regulamento n.o 1316/2013, apresentava na lista de corredores ferroviários iniciais o corredor n.o 2, da seguinte forma:

    2.NL, BE, LU, FRRoterdão‑Antuérpia‑Luxemburgo‑Metz‑Dijon‑Lyon/[Basileia]Até 10 de novembro de 2013

    Regulamento (UE) n.o 1315/2013, conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 473/2014

    6

    Tendo por base o artigo 172.o TFUE, o Regulamento (UE) n.o 1315/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes e que revoga a Decisão n.o 661/2010/UE (JO L 348, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 473/2014 da Comissão, de 17 de janeiro de 2014 (JO L 136, p. 10, a seguir «Regulamento n.o 1315/2013»), estabelece orientações para o desenvolvimento de uma rede transeuropeia de transportes estruturada em dois níveis, composta pela rede global e, com base nesta, a rede principal. Este regulamento identifica projetos de interesse comum e especifica os requisitos a cumprir na gestão da rede transeuropeia de transportes.

    7

    O artigo 2.o do Regulamento n.o 1315/2013 prevê:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se à rede transeuropeia de transportes, ilustrada nos mapas contidos no Anexo I. A rede transeuropeia de transportes compreende a infraestrutura de transportes e as aplicações telemáticas, bem como medidas destinadas a promover a gestão e utilização eficientes dessa infraestrutura e a permitir a criação e a gestão de serviços de transporte sustentáveis e eficientes.

    2.   A infraestrutura da rede transeuropeia de transportes é composta pelas infraestruturas de transporte ferroviário, de transporte das vias navegáveis interiores, de transporte rodoviário, de transporte marítimo, de transporte aéreo e de transporte multimodal, tal como determinado nas secções relevantes do capítulo II.»

    8

    Nos termos do artigo 3.o, alínea a), desse regulamento, deve entender‑se por «projeto de interesse comum», «um projeto realizado de acordo com os requisitos e nos termos das disposições do presente regulamento». A alínea d) do referido artigo define o conceito de «valor acrescentado europeu» como o valor de um projeto que, além do seu valor potencial apenas para o respetivo Estado‑Membro, conduz a uma melhoria significativa das ligações ou dos fluxos de transporte entre os Estados‑Membros que pode ser demonstrada com base em melhorias na eficiência, sustentabilidade, competitividade ou coesão.

    9

    O artigo 7.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «1.   Os projetos de interesse comum devem contribuir para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes através da construção de novas infraestruturas de transporte e da reabilitação e modernização das infraestruturas de transporte existentes, bem como da adoção de medidas destinadas a promover uma utilização eficiente da rede em termos de recursos.

    2.   Os projetos de interesse comum devem:

    a)

    Contribuir para os objetivos que se insiram em pelo menos duas das quatro categorias estabelecidas no artigo 4.o;

    b)

    Preencher os requisitos do capítulo II e, caso afetem a rede principal, os requisitos do capítulo III;

    c)

    Ser economicamente viáveis com base numa análise dos custos e benefícios socioeconómicos;

    d)

    Aumentar o valor acrescentado europeu.

    3.   Os projetos de interesse comum podem abarcar o seu ciclo completo, incluindo os estudos de viabilidade e os procedimentos de autorização, a execução e a avaliação.

    [...]»

    10

    Segundo o artigo 32.o, alínea a), do Regulamento n.o 1315/2013, que figura no seu capítulo II, os Estados‑Membros devem prestar especial atenção aos projetos de interesse comum que ofereçam serviços de transporte de mercadorias eficientes que utilizem a infraestrutura da rede global, que contribuam simultaneamente para reduzir as emissões de dióxido de carbono e outros impactos ambientais negativos, e que visem melhorar a utilização sustentável da infraestrutura de transportes, incluindo a sua gestão eficaz.

    Regulamento n.o 1316/2013

    11

    Tendo por base o artigo 172.o TFUE, o Regulamento n.o 1316/2013 determina as condições, os métodos e os procedimentos para a concessão de assistência financeira da União às redes transeuropeias, a fim de apoiar projetos de interesse comum no setor das infraestruturas de transporte, das telecomunicações e da energia.

    12

    Por força do artigo 2.o, n.o 1, desse regulamento, deve entender‑se por «projeto de interesse comum», entre outros, um projeto identificado no Regulamento n.o 1315/2013.

    13

    O artigo 29.o do referido regulamento dispõe:

    «O Regulamento (UE) n.o 1093/2010 é alterado do seguinte modo:

    O Anexo do Regulamento (UE) n.o 913/2010 é substituído pelo texto do Anexo II do presente regulamento. Por conseguinte, os corredores (revistos) de transporte ferroviário de mercadorias ficam abrangidos pelas disposições do Regulamento (UE) n.o 913/2010».

    14

    No referido Anexo II, intitulado «Lista dos corredores de transporte de mercadorias iniciais», o corredor ferroviário «Mar do Norte — Mediterrâneo» é descrito da seguinte forma:

     

    Estados‑Membros

    Vias principais

    Criação dos corredores de transporte de mercadorias

    «Mar do Norte — Mediterrâneo»

    NL, BE, LU, FR e UK (+)

    Glasgow(*)/Edinburgh(*)/ Southampton(*)/Felixstowe (*)‑London (+)/Dunkerque (+)/Lille (+)/Liège (+)/Paris (+)/Amsterdam (+)‑Rotterdam‑Zeebrugge (+)/Antwerpen‑Luxembourg ‑Metz‑Dijon‑Lyon/[Basel]‑ Marseille (+)

    Até 10 de novembro de 2013

    Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    15

    O Reino Unido pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular as disposições impugnadas, na medida em que ampliam para além de Londres o corredor n.o 2 que figurava no anexo do Regulamento n.o 913/2010, atualmente designado corredor «Mar do Norte — Mediterrâneo» no Regulamento n.o 1316/2013, e

    condenar o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia nas despesas.

    16

    O Parlamento e o Conselho pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso e

    condenar o Reino Unido nas despesas.

    17

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de julho de 2014, foi admitida a intervenção da Comissão em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

    Quanto ao recurso

    Quanto à admissibilidade

    18

    O Reino Unido considera que as disposições impugnadas são distintas e destacáveis do resto do Regulamento n.o 1316/2013.

    19

    O Parlamento, o Conselho e a Comissão estão de acordo em que o pedido de anulação parcial deduzido pelo Reino Unido é admissível.

    20

    Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato (v. acórdãos Comissão/Conselho, C‑29/99, EU:C:2002:734, n.o 45, e Alemanha/Comissão, C‑239/01, EU:C:2003:514, n.o 33). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que esta exigência de separabilidade não será cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a substância desse ato (v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, C‑427/12, EU:C:2014:170, n.o 16 e jurisprudência referida).

    21

    A verificação da separabilidade de elementos de um ato da União pressupõe o exame do alcance desses elementos, a fim de se poder avaliar se a anulação dos mesmos modificaria o espírito e a substância desse ato (v. acórdão Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.o 112 e jurisprudência referida).

    22

    No caso vertente, importa observar que as disposições impugnadas têm objetivos diferentes do prosseguido pelas outras disposições do Regulamento n.o 1316/2013 e do seu anexo.

    23

    Com efeito, através do Regulamento n.o 1316/2013, o legislador da União pretende facilitar e acelerar a interconexão das redes na Europa, bem como nos setores dos transportes, das telecomunicações e da energia, através da instituição de um mecanismo de interconexão. O mecanismo instituído visa promover o investimento no domínio das redes transeuropeias. Para tal, determina as condições, os métodos e os procedimentos para a concessão de assistência financeira da União às referidas redes.

    24

    Em contrapartida, as disposições impugnadas são distintas, na medida em que apenas dizem respeito à delimitação dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais, definidos pelo Regulamento n.o 913/2010. São, portanto, destacáveis do resto do Regulamento n.o 1316/2013, pelo que a sua legalidade pode ser apreciada separadamente.

    25

    Nestas circunstâncias, uma vez que a anulação dessas disposições em nada altera a própria essência do Regulamento n.o 1316/2013, o recurso do Reino Unido que tem por objeto a anulação parcial do mesmo é admissível.

    Quanto ao mérito

    Argumentos das partes

    26

    Através dos dois fundamentos invocados, que devem ser apreciados conjuntamente, o Reino Unido alega que:

    as ampliações dos corredores de transporte de mercadorias iniciais, que resultam do artigo 29.o do Regulamento n.o 1316/2013, se destinam à realização dos objetivos previstos no artigo 170.o TFUE relacionados com a política transeuropeia de transportes. Por conseguinte, dado que os artigos 170.° TFUE a 172.° TFUE constituem lex specialis aplicável a tais medidas, estas só podem ser adotadas com base nessas disposições;

    as ampliações dos corredores de transporte de mercadorias iniciais, que resultam do artigo 29.o do Regulamento n.o 1316/2013, são «projetos de interesse comum» na aceção do artigo 171.o, n.o 1, TFUE e dizem respeito ao território de cada Estado‑Membro obrigado a participar na sua concretização. No que se refere ao Reino Unido, as ampliações foram decididas em violação da exigência de aprovação do Estado‑Membro interessado, nos termos do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE.

    27

    O Reino Unido observa, a título preliminar, que, no caso vertente, se põe a questão de saber se as disposições impugnadas consideradas no seu todo constituem, predominantemente, medidas «de redes», por oposição a uma medida de «política comum de redes/mercado único». O Regulamento n.o 913/2010 visa contribuir para o desenvolvimento de um sistema de transporte ferroviário de mercadorias competitivo e prossegue, portanto, os objetivos enunciados no artigo 91.o TFUE. Em contrapartida, a alteração da lista de corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais que figura no anexo desse regulamento só se pode basear na política da União relativa às redes transeuropeias de transportes.

    28

    O Reino Unido refere que as ampliações dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais, que resultam do artigo 29.o do Regulamento n.o 1316/2013, são essenciais para a criação das ditas redes. Essas ampliações destinam‑se, portanto, à realização dos objetivos previstos no artigo 170.o TFUE, cuja finalidade consiste em criar e desenvolver as redes transeuropeias, por exemplo, no setor dos transportes, de modo a fomentar a interconexão e a interoperabilidade das redes nacionais e o acesso às mesmas. As ampliações dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias fazem parte desses objetivos. Como tal, as disposições impugnadas deveriam ter sido adotadas com base nos artigos 171.° TFUE e 172.° TFUE.

    29

    O Reino Unido entende que, dado que essas disposições designam o corredor «Mar do Norte — Mediterrâneo» como um dos corredores de transporte de mercadorias iniciais, a sua ampliação constitui um «projeto de interesse comum», na aceção dos artigos 171.° TFUE e 172.° TFUE. Com efeito, um projeto deste tipo deve basear‑se numa análise dos custos e benefícios socioeconómicos, conforme prevê o artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1315/2013.

    30

    O Reino Unido precisa que o procedimento previsto pelo Regulamento n.o 913/2010 relativo à seleção de corredores de transporte de mercadorias adicionais tem em conta a questão de saber se a criação desses corredores impõe encargos desproporcionados ao Estado‑Membro interessado, ao reconhecer que um Estado‑Membro não está obrigado a participar se tiver uma rede ferroviária cuja bitola seja diferente da rede ferroviária principal da União.

    31

    O Reino Unido alega que o facto de os corredores da rede principal serem um instrumento que permite facilitar a implantação coordenada da referida rede, nos termos do artigo 42.o do Regulamento n.o 1315/2013, e de não exigirem a criação de uma nova infraestrutura não impede que possam ser qualificados de «projetos de interesse comum».

    32

    O Reino Unido considera que as ampliações dos corredores de transporte de mercadorias iniciais, que resultam das disposições impugnadas, são, em todo o caso, «projetos de interesse comum», na aceção dos artigos 171.°, n.o 1, TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE, que dizem respeito ao território do Estado‑Membro obrigado a participar na sua criação. Daqui decorre que as ampliações desses corredores, no que se refere ao Reino Unido, foram adotadas em violação da exigência de aprovação do Estado‑Membro interessado, prevista no artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE.

    33

    O Parlamento observa que a finalidade bem como a componente principal e preponderante do Regulamento n.o 1316/2013 consistem em conceder a assistência financeira da União às redes transeuropeias, conforme referido no seu artigo 1.o As disposições impugnadas prosseguem um objetivo meramente acessório a essa finalidade, isto é, a alteração do Regulamento n.o 913/2010, a fim de fazer corresponder a lista de corredores de transporte de mercadorias iniciais aos corredores da rede principal. Por conseguinte, o facto de o Regulamento n.o 1316/2013 se basear unicamente no artigo 172.o TFUE é correto, se bem que preveja uma alteração do Regulamento n.o 913/2010, que, caso fosse objeto de um ato distinto, seria baseada no artigo 91.o TFUE.

    34

    O Parlamento entende que nem todas as medidas que facilitam a utilização da infraestrutura existente podem ser qualificadas de «projeto de interesse comum». No contexto do artigo 172.o TFUE, o termo «projeto» não pode ser entendido no sentido de que inclui puros instrumentos de coordenação destinados a garantir respostas rápidas aos candidatos que pretendam utilizar um canal horário.

    35

    O Parlamento conclui que, uma vez que, no caso vertente, não está em causa um «projeto de interesse comum» na aceção dos artigos 171.° TFUE e 172.° TFUE, o legislador da União não estava obrigado a obter a aprovação do Reino Unido nos termos do segundo parágrafo do artigo 172.o TFUE.

    36

    O Conselho alega que o Reino Unido não provou que as ampliações dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais se destinam à realização dos objetivos do Regulamento n.o 1315/2013. As ampliações dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias «Mar do Norte‑Mediterrâneo» para além de Londres não constituem «projetos de interesse comum», na aceção dos artigos 171.° TFUE e 172.° TFUE. Por conseguinte, não era necessário obter o consentimento do Reino Unido, nos termos do segundo parágrafo do artigo 172.o TFUE.

    37

    O Conselho sustenta que o legislador da União pode alterar a lista dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais utilizando o mesmo procedimento anteriormente utilizado, se entender que é oportuno, ou mesmo necessário, para assegurar a coerência entre os corredores de transporte ferroviário de mercadorias e os corredores da rede principal. No âmbito da alteração da lista dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais, nas notas de pé de página (+) e (*) do Anexo II do Regulamento n.o 1316/2013, o legislador da União procurou aplicar à criação dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais o procedimento utilizado para a criação dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias adicionais, submetendo as alterações dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias iniciais a estudos de mercado e prevendo um período transitório, necessário à sua aplicação.

    38

    O Conselho recorda que o Regulamento n.o 913/2010 não contém orientações relativas às redes transeuropeias nem uma definição dos projetos de interesse comum. Este regulamento insere‑se totalmente na política de transportes e define os corredores de transporte ferroviário de mercadorias como um instrumento de coordenação e de gestão das linhas ferroviárias existentes.

    39

    A Comissão entende que as disposições impugnadas não se inserem no âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1316/2013. Essas disposições constituem uma alteração do Regulamento n.o 913/2010, cuja base jurídica é o artigo 91.o TFUE. Enquanto tais, as disposições impugnadas continuam a ser regidas pelo Regulamento n.o 913/2010.

    40

    A Comissão observa que os corredores de transporte de mercadorias iniciais objeto das disposições impugnadas não prosseguem os objetivos do artigo 170.o TFUE e também não podem ser considerados «projetos de interesse comum» na aceção do mesmo. O objetivo e o conteúdo principais do Regulamento n.o 1316/2013 prendem‑se com o apoio aos projetos de interesse comum enunciados nas disposições do Regulamento n.o 1315/2013.

    41

    A Comissão sublinha que a principal finalidade do Regulamento n.o 913/2010 é executar a política de transportes. Define as modalidades da criação e da organização dos corredores ferroviários de transporte de mercadorias, bem como as regras de seleção, de gestão e de planificação indicativa dos investimentos para esses corredores. As disposições relativas aos corredores ferroviários de transporte de mercadorias são, portanto, essencialmente instrumentos de coordenação e de gestão destinados a que os serviços de transporte ferroviário de mercadorias funcionem de forma eficaz e sejam mais competitivos.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    42

    Através da argumentação avançada em apoio dos seus dois fundamentos, o Reino Unido alega, em substância, que a ampliação do corredor ferroviário de transporte de mercadorias em questão, prevista pelas disposições impugnadas, constitui um projeto de interesse comum na aceção dos artigos 171.°, n.o 1, terceiro travessão, TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE, conjugados com o artigo 170.o TFUE. Dado que essa ampliação diz respeito ao território do referido Estado‑Membro, deveria ter sido adotada com a aprovação deste último, nos termos do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE.

    43

    Importa sublinhar que o conceito de «projeto de interesse comum», que figura nas referidas disposições, não se encontra definido no Tratado FUE.

    44

    Com efeito, por um lado, resulta do artigo 171.o, n.o 1, primeiro e terceiro travessões, TFUE que, a fim de realizar os objetivos enunciados no artigo 170.o TFUE, a União estabelece orientações e que essas orientações identificam projetos de interesse comum, e que a União pode apoiar esses projetos. Por outro lado, nos termos do artigo 172.o, primeiro parágrafo, TFUE, as referidas orientações são adotadas pelo Parlamento e pelo Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, após consulta do Comité Económico e Social Europeu e do Comité das Regiões da União Europeia.

    45

    Daqui decorre que incumbe a essas instituições da União adotar as orientações e, portanto, identificar os projetos de interesse comum relativos à criação e ao desenvolvimento de redes transeuropeias nos setores das infraestruturas dos transportes, das telecomunicações e da energia, referidos no artigo 170.o, n.o 1, TFUE.

    46

    No caso vertente, uma vez que estão em causa infraestruturas de transportes, importa observar que o Parlamento e o Conselho exerceram a competência que lhes é conferida por essas disposições, ao adotarem o Regulamento n.o 1315/2013, que estabelece orientações para o desenvolvimento de uma rede transeuropeia de transportes estruturada em dois níveis, composta por uma rede global e por uma rede principal. Para tal, este regulamento identifica os projetos de interesse comum como o principal instrumento para a realização dessa rede transeuropeia.

    47

    Segundo o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 1315/2013, deve entender‑se por «projeto de interesse comum» um projeto realizado de acordo com os requisitos e nos termos das disposições do mesmo regulamento. Este conceito é desenvolvido em pormenor no artigo 7.o desse regulamento e explicado nos considerandos 9 e 19 a 33 do mesmo.

    48

    A este respeito, decorre desses elementos que os «projetos de interesse comum contribuem para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes através da construção de novas infraestruturas de transporte e da reabilitação e modernização das infraestruturas de transporte existentes». Precisa‑se que esses projetos devem, em especial, apresentar viabilidade económica com base numa análise dos custos e benefícios socioeconómicos assim como «valor acrescentado europeu».

    49

    Por outro lado, o referido conceito de «valor acrescentado europeu» é definido no artigo 3.o, alínea d), do Regulamento n.o 1315/2013 como «o valor de um projeto que, além do seu valor potencial apenas para o respetivo Estado‑Membro, conduz a uma melhoria significativa das ligações ou dos fluxos de transporte entre os Estados‑Membros que pode ser demonstrada com base em melhorias na eficiência, sustentabilidade, competitividade ou coesão».

    50

    A função de inovação e o caráter transversal dos projetos de interesse comum são confirmados pelo artigo 32.o, alínea a), do Regulamento n.o 1315/2013, que se refere à contribuição desses projetos para a redução das emissões de dióxido de carbono e de outros impactos ambientais negativos, cujo objetivo consiste em melhorar a utilização sustentável da infraestrutura de transportes.

    51

    Além disso, em conformidade com o objetivo de contribuir para a criação e o desenvolvimento de redes transeuropeias nos setores das infraestruturas dos transportes, enunciado no artigo 170.o, n.o 1, TFUE, resulta do considerando 8 desse regulamento que a rede transeuropeia de transportes deve ser desenvolvida através da construção de novas infraestruturas de transporte, da reabilitação e modernização das infraestruturas existentes assim como através de medidas que promovam a sua utilização eficiente em termos de recursos.

    52

    Embora o reconhecimento de uma medida como projeto de interesse comum não exija a criação de uma nova infraestrutura de transporte, esse projeto deve, contudo, incluir um investimento que, pelo menos, tenha por objetivo reabilitar ou modernizar uma infraestrutura existente, com vista a torná‑la mais eficaz e eficiente, conforme decorre, designadamente, do artigo 7.o do Regulamento n.o 1315/2013.

    53

    Por último, resulta do artigo 48.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013, que apenas refere uma «coordenação adequada entre os corredores da rede principal e os corredores de transporte ferroviário de mercadorias», que, no exercício do poder que lhes é conferido pelos artigos 171.°, n.o 1, TFUE e 172.°, primeiro parágrafo, TFUE, o Parlamento e o Conselho consideraram que os corredores de transporte ferroviário de mercadorias não se inserem nos projetos de interesse comum identificados nesse regulamento.

    54

    Nestas circunstâncias, o Reino Unido não pode, portanto, sustentar que, através das disposições impugnadas, foi criado um projeto de interesse comum.

    55

    Em especial, o Regulamento n.o 913/2010 não prevê, nem mesmo para os corredores de transporte ferroviário de mercadorias já existentes, que estes sejam desenvolvidos como projetos de infraestruturas. Com efeito, os operadores económicos dispõem de vários instrumentos de gestão para esses corredores, a fim de poderem utilizar com maior eficácia as vias férreas em questão e, deste modo, melhorar o funcionamento do transporte ferroviário. A criação desses corredores tem, portanto, por objetivo garantir uma melhor coordenação do tráfego nas linhas ferroviárias designadas, em conformidade com os princípios de gestão enunciados nas disposições do Regulamento n.o 913/2010.

    56

    A este respeito, tanto o artigo 8.o como as disposições do capítulo IV desse regulamento visam estabelecer, através de uma coordenação entre os gestores das redes, uma alocação simplificada dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias através de um balcão único que responda aos pedidos de utilização dos referidos corredores, apresentados pelos operadores económicos, ao mesmo tempo que reduz a respetiva carga administrativa.

    57

    Este objetivo de racionalização da atribuição das capacidades de transporte desses corredores é confirmada pela criação de organismos de gestão chamados a garantir uma coordenação da gestão do tráfego ferroviário ao longo de cada corredor de transporte de mercadorias.

    58

    Em contrapartida, o conceito de «projeto de interesse comum», na aceção dos artigos 171.°, n.o 1, TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE, engloba projetos que vão além de um simples mecanismo de coordenação do tráfego e que incluem uma melhoria qualitativa estrutural do corredor de transporte ferroviário de mercadorias inicial.

    59

    Não é o caso das disposições impugnadas, que apenas preveem um alinhamento do corredor de transporte ferroviário de mercadorias em causa com o corredor da rede principal, tendo, aliás, a criação deste último pelo Regulamento n.o 913/2010 sido aprovada pelo Reino Unido. Não se inserem, portanto, no conceito de «projeto de interesse comum», na aceção dos artigos 171.°, n.o 1, TFUE e 172.°, segundo parágrafo, TFUE.

    60

    Decorre dos elementos precedentes que o conceito de «projeto de interesse comum», na aceção das referidas disposições do Tratado FUE, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a um projeto que se limita a prolongar um corredor de transporte ferroviário de mercadorias existente.

    61

    Por conseguinte, o primeiro requisito, relativo à existência de um projeto de interesse comum, imposto no artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, não se encontra preenchido.

    62

    Dado que os dois requisitos são cumulativos, não há que apreciar o segundo requisito, enunciado no artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, segundo o qual um projeto de interesse comum que diga respeito ao território de um Estado‑Membro exige a aprovação desse Estado‑Membro.

    63

    Consequentemente, os dois fundamentos invocados pelo Reino Unido devem ser julgados improcedentes.

    64

    Resulta do exposto que há que negar provimento ao recurso.

    Quanto às despesas

    65

    Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão suporta as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

     

    3)

    A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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