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Document 62014CC0526

Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 18 de fevereiro de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:102

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 18 de fevereiro de 2016 ( 1 )

Processo C‑526/14

Kotnik e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) (Eslovénia)]

«Auxílios estatais — Comunicação sobre o setor bancário — Repartição dos encargos — Diretiva 2001/24/CE — Medidas de saneamento — Diretiva 2012/30/UE — Acórdão Pafitis — Diretiva 2014/59/UE»

1. 

Uma crise financeira com a magnitude daquela que teve início em 2007, e que rapidamente se espalhou pelo mundo após o colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008, é muitas vezes definida como um «acontecimento multidimensional», que tem na sua origem vários fatores concomitantes. Os políticos e os economistas nem sempre partilham a mesma opinião quanto às causas profundas dessas crises, mas, de um modo geral, estão de acordo quanto às suas possíveis consequências: colapso das instituições financeiras, queda dos mercados acionistas, fracasso tanto de grandes como de pequenas empresas, diminuição da riqueza do consumidor e aumento do desemprego ( 2 ).

2. 

De um modo geral, é pacífico que, para combater uma crise financeira, poderão ser necessárias diferentes formas de intervenção pública, sobretudo para garantir a estabilidade dos mercados financeiros. Nesse sentido, durante a recente crise financeira, vários Estados (na União Europeia e no resto do mundo) recorreram a diversas medidas de recapitalização interna («bail‑in») para restaurar a viabilidade dos bancos.

3. 

O presente caso — o primeiro pedido de decisão prejudicial do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) — diz respeito, de facto, a medidas de recapitalização interna do tipo referido nos pontos 40 a 46 da mais recente Comunicação sobre o setor bancário ( 3 ) (designadas por «medidas de repartição dos encargos»), emitida pela Comissão com vista a fornecer um quadro para a apreciação da compatibilidade dos auxílios estatais concedidos aos bancos durante a crise. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça orientações sobre a validade e a interpretação das disposições da referida comunicação, suscitando uma série de questões jurídicas importantes que abordarei nas presentes conclusões.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Comunicação sobre o setor bancário

4.

A Comunicação sobre o setor bancário é a sétima comunicação adotada desde o início da crise financeira ( 4 ), com vista a fornecer orientações sobre os critérios de compatibilidade com o mercado interno dos auxílios estatais ao setor financeiro durante essa crise, nos termos do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE ( 5 ).

5.

Nos termos do ponto 15 da Comunicação sobre o setor bancário:

«[…] [M]esmo durante a crise, continuam a ser aplicáveis os princípios gerais em matéria de controlo dos auxílios estatais. Em especial, a fim de limitar as distorções de concorrência entre os bancos e entre os Estados‑Membros no mercado único e obviar ao risco moral, os auxílios devem limitar‑se ao mínimo necessário, devendo os seus beneficiários assegurar uma contribuição própria adequada relativamente aos custos de reestruturação. O banco e os seus acionistas devem contribuir para a reestruturação tanto quanto possível com recursos próprios. O apoio estatal deve ser concedido em condições que correspondam a uma repartição adequada dos custos por aqueles que investiram no banco.»

6.

A secção 3.1.2 da Comunicação sobre o setor bancário (pontos 40 a 46) contém disposições relativas à repartição dos encargos pelos acionistas e credores subordinados. Estas disposições têm a seguinte redação:

«40.

O apoio estatal pode criar um risco moral e minar a disciplina do mercado. Para reduzir o risco moral, o auxílio só deve ser concedido em condições que envolvam uma repartição adequada dos encargos pelos investidores existentes.

41.

De acordo com uma adequada repartição dos encargos, as perdas serão normalmente absorvidas em primeiro lugar pelo capital próprio e depois pelas contribuições dos detentores de instrumentos de capital híbridos e detentores de dívida subordinada. Os detentores de instrumentos de capital híbrido e os detentores de dívida subordinada devem dar o máximo contributo para reduzir o défice de capital. Tais contribuições podem assumir a forma quer de uma conversão em fundos próprios principais de nível 1 (common equity Tier 1) ou de uma redução do valor dos instrumentos. […]

42.

A Comissão não exigirá uma contribuição dos detentores de dívida prioritária (em especial de depósitos segurados, depósitos não segurados, obrigações e toda a outra dívida prioritária) como uma componente obrigatória da repartição dos encargos no âmbito das regras em matéria de auxílios estatais, quer por conversão em fundos próprios quer por redução do valor dos instrumentos.

43.

Quando o rácio de fundos próprios do banco, em relação ao qual foi identificado o défice de capital, continuar acima do mínimo regulamentar fixado pela UE, o banco deve, normalmente, ser capaz de restabelecer por si próprio a posição de capital, nomeadamente através de medidas de mobilização de capitais (ver ponto 35). Se não houver outras possibilidades […] a dívida subordinada deve ser convertida em fundos próprios, em princípio antes da concessão do auxílio estatal.

44.

Nos casos em que o banco já não satisfaz os requisitos regulamentares mínimos de fundos próprios, a dívida subordinada deve ser convertida ou reduzida, em princípio antes da concessão do auxílio estatal. O auxílio estatal não pode ser concedido antes de os fundos próprios, o capital híbrido e a dívida subordinada terem contribuído plenamente para compensar as eventuais perdas.

45.

Pode ser feita uma exceção aos requisitos estabelecidos nos pontos 43 e 44 se a implementação dessas medidas pusesse em risco a estabilidade financeira ou conduzisse a resultados desproporcionados. […]

46.

No contexto da implementação dos pontos 43 e 44 deve ser observado o ‘princípio de que nenhum credor deverá ficar em pior situação’. Assim, os credores subordinados não devem receber menos em termos económicos do que aquilo que o seu instrumento teria valido se não tivesse sido concedido o auxílio estatal.»

2. Diretiva 2001/24/CE

7.

Nos termos do artigo 2.°, sétimo travessão, da Diretiva 2001/24 ( 6 ), entende‑se por «medidas de saneamento», «medidas destinadas a preservar ou restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito, suscetíveis de afetar direitos preexistentes de terceiros, incluindo medidas que impliquem a possibilidade de suspensão de pagamentos, suspensão de medidas de execução ou redução dos créditos».

3. Diretiva 2012/30/UE

8.

A Diretiva 2012/30 ( 7 ) é a Diretiva 77/91 reformulada ( 8 ). Nos termos do artigo 29.°, n.o 1, da Diretiva 2012/30, «[q]ualquer aumento do capital deve ser deliberado pela assembleia geral».

9.

O artigo 34.° da Diretiva 2012/30 dispõe que «[q]ualquer redução do capital subscrito, à exceção da que for ordenada por decisão judicial, deve ser, pelo menos, deliberada pela assembleia geral […]». O artigo 35.° da mesma diretiva estabelece que «[s]e existirem várias categorias de ações, a deliberação da assembleia geral sobre a redução do capital subscrito fica subordinada, pelo menos, a uma votação separada, a efetuar por cada uma das categorias de acionistas cujos direitos sejam afetados pela operação». Por seu turno, o artigo 40.°, n.o 1, dessa diretiva dispõe:

«Se a legislação de um Estado‑Membro permitir às sociedades reduzir o seu capital subscrito por amortização forçada de ações, deve exigir pelo menos a observância das seguintes condições:

[…]

b)

Se a amortização forçada for somente autorizada pelos estatutos ou pelo ato constitutivo, deve ser deliberada pela assembleia geral, salvo se os acionistas afetados a tiverem aprovado unanimemente;

[…]»

10.

Nos termos do artigo 42.° da Diretiva 2012/30:

«Nos casos previstos no […] artigo 40.°, n.o 1, […] se existirem várias categorias de ações, a deliberação da assembleia geral sobre a amortização do capital subscrito ou sobre a redução deste por extinção de ações fica subordinada, pelo menos, a uma votação separada, a efetuar por cada uma das categorias de acionistas cujos direitos sejam afetados pela operação».

4. Diretiva 2014/59/UE

11.

Em 15 de maio de 2014, foi adotada a Diretiva 2014/59, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito ( 9 ). O artigo 117.° dessa diretiva altera o artigo 2.° da Diretiva 2001/24. O artigo 123.° da mesma diretiva altera o artigo 45.° da Diretiva 2012/30.

B – Direito nacional

12.

As disposições relevantes do direito esloveno constam da Lei do setor bancário (Zakon o bančništvu; a seguir «ZBan‑1») e da Lei que altera ou complementa a Zban‑1 (Zakon o spremembah in dopolnitvah Zakona o bančništvu; a seguir «ZBan‑1L»).

13.

O artigo 134.° da ZBan‑1 («Capital adicional da banca») dispõe que o capital adicional é constituído por capital adicional I e capital adicional II. O capital adicional I compreende os seguintes elementos: fundos próprios, passivo subordinado e outros elementos similares em qualidade e finalidade, enquanto o capital adicional II compreende o passivo subordinado e outros elementos que, pela sua qualidade e finalidade, são adequados para preencher as exigências do capital para os riscos de mercado.

14.

O artigo 253.° da ZBan‑1 («Medidas extraordinárias») estabelece:

«(1)   De acordo com as condições previstas pela presente lei, o Banco da Eslovénia pode impor aos bancos, por decisão, as seguintes medidas extraordinárias:

[…]

1.a.   anulação ou conversão de determinados passivos elegíveis;

[…]

(3)   As medidas extraordinárias estão abrangidas pelas medidas de saneamento previstas pela Diretiva 2001/24/CE.»

15.

O artigo 261.a da ZBan‑1 («Medidas de anulação ou de conversão de passivos elegíveis») dispõe:

«(1)   Com a sua decisão sobre as medidas extraordinárias, o Banco da Eslovénia dispõe que:

1.

o passivo elegível é anulado, no todo ou em parte,

[…]

(5)   No âmbito da anulação ou da conversão do passivo elegível do banco, o Banco da Eslovénia deve verificar que os credores individuais, na sequência da anulação ou da conversão de passivos elegíveis do banco, não sofrem perdas superiores às que sofreriam em caso de insolvência do banco.

(6)   Os passivos elegíveis do banco são representados por:

1.

fundos próprios do banco (passivo de primeiro grau),

2.

passivos perante detentores de instrumentos financeiros híbridos [...] (passivo de segundo grau),

3.

passivos perante detentores de instrumentos financeiros, os quais, em conformidade com o artigo 134.° da presente lei, devem ser tomados em consideração no cálculo do capital adicional do banco, exceto se esse passivo já estiver abrangido pelas definições dos pontos 1 ou 2 do presente número (passivo de terceiro grau),

4.

passivos não abrangidos pelas definições dos pontos 1, 2 ou 3 do presente número, os quais, em caso de procedimento de insolvência do banco, serão liquidados após pagamento dos créditos não privilegiados (passivo de quarto grau).»

16.

O artigo 261.c da ZBan‑1 («Âmbito da anulação ou da conversão de passivos elegíveis»), na parte pertinente, dispõe:

«(1)   Na sua decisão relativa à anulação de passivos elegíveis […] o Banco da Eslovénia decide que o passivo elegível do banco é anulado na medida necessária à compensação das perdas do banco, à luz da valorização das atividades líquidas referidas no artigo anterior.»

II – Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

17.

Em 17 de dezembro de 2013, o Banka Slovenije (Banco Central da Eslovénia), em conformidade com as disposições da ZBan‑1, adotou uma decisão relativa a medidas extraordinárias e ordenou a cinco bancos (Nova Ljubljanska banka, d.d., Nova Kreditna banka Maribor, d.d., Abanka Vipa, d.d., Probanka, d.d. e Factor banka, d.d.; a seguir «bancos em causa») que anulassem todos os passivos elegíveis previstos no artigo 261.a, n.o 6, da ZBan 1 (a seguir «medidas em causa»).

18.

Em 18 de dezembro de 2013, a Comissão Europeia autorizou a concessão de auxílio estatal aos bancos em causa.

19.

O Državni svet (Conselho Nacional), o Varuh človekovih pravic (Provedor de Justiça) e alguns cidadãos («Kotnik e o.») apresentaram ao Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) um pedido de fiscalização da constitucionalidade de certas disposições da ZBan‑1 e da ZBan‑1L, que constituem a base das medidas referidas no n.o 17 (a seguir «legislação nacional em causa»).

20.

No despacho de reenvio, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) explica que a legislação nacional em causa visava estabelecer um quadro jurídico para a repartição dos encargos, em conformidade com os requisitos da Comunicação sobre o setor bancário. Em especial, os passivos elegíveis referidos no artigo 261.a, n.o 6, da ZBan‑1 correspondem às definições de fundos próprios, capital híbrido e dívida subordinada constantes da Comunicação sobre o setor bancário. Por esse motivo, o referido órgão jurisdicional considera que as alegações dos demandantes no processo principal visam também as disposições dessa comunicação. No seu entender, essas alegações suscitam questões relativas à validade e à interpretação da Comunicação sobre o setor bancário.

21.

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)

Tendo em conta que a União Europeia tem competência exclusiva em matéria de auxílios de Estado, nos termos do artigo 3.°, n.o 1, alínea b), [TFUE], e que a Comissão, em conformidade com o artigo 108.° TFUE, é competente para decidir em matéria de auxílios de Estado, deve a Comunicação sobre o setor bancário, quanto aos seus efeitos jurídicos concretos, ser interpretada no sentido de que tem efeitos vinculativos para os Estados‑Membros que pretendam sanar uma perturbação grave da economia através de um auxílio de Estado a instituições de crédito, se esse auxílio tiver caráter permanente e não puder ser facilmente revogado?

2)

São incompatíveis com os artigos 107.°, 108.° e 109.° TFUE os n.os 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, que subordinam a possibilidade de conceder auxílios de Estado, destinados a sanar uma perturbação grave da economia nacional, ao cumprimento da obrigação de anular o capital, o capital híbrido e a dívida subordinada e/ou de proceder à conversão em capital dos instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada, com o objetivo de limitar os auxílios ao mínimo necessário tomando em consideração o risco moral, na medida em que excedem a competência da Comissão, conforme definida pelas referidas disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em matéria de auxílios de Estado?

3)

Em caso de resposta negativa à questão 2), são compatíveis com o princípio de proteção da confiança legítima, consagrado no direito da União, os n.os 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, que subordinam a possibilidade de conceder auxílios de Estado à obrigação de anulação do capital e/ou conversão em capital, nos limites em que tal obrigação é relativa às ações (fundos próprios), ao capital híbrido e à dívida subordinada emitidos antes da publicação da Comunicação sobre o setor bancário e que, aquando da sua emissão, podiam ser total ou parcialmente anulados sem compensação apenas em caso de insolvência do banco?

4)

Em caso de resposta negativa à questão 2) e de resposta afirmativa à questão 3), são compatíveis com o direito de propriedade previsto pelo artigo 17.° [n.o 1,] da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia os n.os 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, que subordinam a possibilidade de conceder auxílios de Estado à obrigação de anulação do capital, do capital híbrido e da dívida subordinada e/ou à conversão em capital do capital híbrido e da dívida subordinada, sem que tenha sido iniciado e concluído um procedimento de insolvência no qual o património do devedor seja liquidado através de um processo judicial em cujo âmbito os titulares de instrumentos financeiros subordinados tivessem a possibilidade de intervir como partes no processo?

5)

Em caso de resposta negativa à questão 2) e de resposta afirmativa às questões 3) e 4), são incompatíveis com os artigos 29.°, 34.°, 35.° e 40.° a 42.° da [Diretiva 2012/30/UE] os n.os 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, que subordinam a possibilidade de conceder auxílios de Estado à obrigação de anulação do capital, do capital híbrido e da dívida subordinada e/ou à conversão em capital do capital híbrido e da dívida subordinada, na medida em que a execução dessas medidas requer a redução e/ou o aumento dos fundos próprios de sociedades anónimas fundadas na deliberação do órgão da administração competente, e não da assembleia geral da sociedade?

6)

Pode a Comunicação sobre o setor bancário, no que respeita ao n.o 19, em particular à exigência, consagrada no mesmo número, de respeito dos direitos fundamentais, ao n.o 20, e à afirmação da obrigação de princípio, constante dos n.os 43 e 44 ainda da mesma comunicação, de conversão ou de redução do capital híbrido e da dívida subordinada antes de serem concedidos auxílios de Estado, ser interpretada no sentido de que tal medida não obriga os Estados‑Membros que pretendam sanar uma perturbação grave da economia através de um auxílio de Estado a instituições de crédito, a estabelecerem uma obrigação de que a referida conversão ou redução seja efetuada como condição para a concessão de auxílios de Estado nos termos do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE, ou no sentido de que, para poder admitir o auxílio de Estado é suficiente que a medida de conversão ou de redução seja aplicada apenas proporcionalmente?

7)

Pode o artigo 2.°, sétimo travessão, da Diretiva 2001/24/CE ser interpretado no sentido de que as medidas de repartição dos encargos pelos acionistas e credores subordinados, previstas nos n.os 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário (redução dos fundos próprios de nível I, do capital híbrido e da dívida subordinada, bem como conversão do capital híbrido e da dívida subordinada em fundos próprios) fazem parte das medidas de saneamento?»

22.

No presente processo, apresentaram observações escritas T. Kotnik, J. Sedonja, A. Pipuš, F. Marušič, J. Forte, a Fondazione Cassa di Risparmio di Imola, o Državni svet, o Državni zbor (Assembleia Nacional da Eslovénia), o Banka Slovenije, os Governos irlandês, italiano, esloveno e espanhol e a Comissão. T. Kotnik, J. Sedonja, a Fondazione Cassa di Risparmio di Imola, J. Forte, I. Karlovšek, o Državni svet, o Banka Slovenije, os Governos irlandês, espanhol e esloveno e a Comissão apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 1 de dezembro de 2015.

III – Análise

A – Competência do Tribunal de Justiça

23.

Antes de mais, a Comissão chama a atenção para o facto de a Comunicação sobre o setor bancário não ter por destinatários os particulares e não pretender criar direitos subjetivos. Por esse motivo, a Comissão questiona a competência do Tribunal de Justiça para responder às questões que lhe foram submetidas.

24.

No meu entender, não é de acolher o argumento da Comissão. O mero facto de um ato não ter destinatários particulares ou de não pretender criar direitos subjetivos não significa que não esteja abrangido pelo âmbito do procedimento previsto no artigo 267.° TFUE ( 10 ). A tese defendida pela Comissão introduziria distinções entre diferentes atos, às quais as disposições do Tratado não fazem qualquer alusão. O que o artigo 267.° TFUE exige é que a resposta do Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou validade do ato em questão seja necessária ao julgamento da causa pelo órgão jurisdicional de reenvio.

25.

Além disso, conforme explicarei adiante, os atos de «soft law» (como a Comunicação sobre o setor bancário), apesar de não vincularem os particulares, podem, ainda assim, produzir outro tipo de efeitos jurídicos. Assim, o Tribunal de Justiça já respondeu inúmeras vezes a questões submetidas por órgãos jurisdicionais nacionais sobre disposições de atos de «soft law» ( 11 ).

B – As questões prejudiciais

1. Observações preliminares

26.

Antes de iniciar a minha análise das questões suscitadas no presente processo, gostaria de fazer algumas observações preliminares.

27.

Algumas das questões prejudiciais submetidas parecem assentar na premissa de que a Comunicação sobre o setor bancário é, se não de jure, pelo menos de facto, vinculativa para os Estados‑Membros. Caso contrário, não haveria motivo para o órgão jurisdicional de reenvio questionar a sua validade.

28.

Contudo, essa premissa não está correta. Conforme explicarei detalhadamente na minha resposta à primeira questão, a Comunicação sobre o setor bancário não é vinculativa para os Estados‑Membros. Assim sendo, o direito da União não exige que os Estados‑Membros adotem legislação interna que transponha as disposições da Comunicação sobre o setor bancário.

29.

Creio que este facto significa logicamente que as dúvidas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre a validade daquele instrumento poderão ser facilmente dissipadas.

30.

No entanto, considero que, se o Tribunal de Justiça limitasse a sua análise à validade da Comunicação sobre o setor bancário, as questões jurídicas com que o órgão jurisdicional de reenvio se deparou no processo principal poderiam não ficar totalmente esclarecidas. Independentemente dos efeitos jurídicos da Comunicação sobre o setor bancário, é consensual que as disposições impugnadas da ZBan‑1 e da ZBan‑1L foram adotadas para dar cumprimento a essa comunicação. Com efeito, as medidas de auxílio a favor dos bancos em causa foram rapidamente aprovadas pela Comissão.

31.

Por conseguinte, tal como sugeriu o Governo esloveno, a análise do Tribunal de Justiça deve abranger também, sempre que possível, a compatibilidade de disposições como a legislação nacional em causa ou das medidas em causa com o direito da União. Nesse sentido, reformularei algumas das questões submetidas pelo Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) e dedicarei uma parte significativa das presentes conclusões a essas questões.

2. Questão 1

32.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos sobre os efeitos jurídicos da Comunicação sobre o setor bancário. No fundo, esse órgão jurisdicional pergunta se a Comunicação sobre o setor bancário deve ser considerada de facto vinculativa para os Estados‑Membros.

33.

No meu entender, a resposta à primeira questão deve ser negativa.

34.

Nos termos do artigo 13.°, n.o 2, TUE, cada instituição da União atua «dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem».

35.

É indiscutível que, nos termos do artigo 108.° TFUE, a avaliação da compatibilidade de determinadas medidas de auxílio com o mercado comum, em princípio, é da competência exclusiva da Comissão, agindo sob fiscalização dos tribunais da União ( 12 ). Nessa avaliação, que envolve a análise e a ponderação de diferentes elementos de ordem económica e social num contexto pan‑europeu ( 13 ), a Comissão goza de um amplo poder de apreciação ( 14 ).

36.

Em contrapartida, neste domínio, a Comissão não possui competência legislativa geral. Nos termos do artigo 109.° TFUE, apenas o Conselho tem competência para adotar regulamentos adequados à execução dos artigos 107.° e 108.° TFUE, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu. Nesse contexto, o Conselho pode delegar certas competências regulamentares na Comissão ( 15 ).

37.

Isto significa que a Comissão não tem competência para estabelecer regras vinculativas gerais e abstratas que regulem, por exemplo, as situações em que um auxílio poderá ser considerado compatível, ao abrigo do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE, por se destinar a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro. Essas regras seriam nulas ( 16 ).

38.

No entanto, por razões de transparência, e a fim de garantir a igualdade de tratamento e a segurança jurídica, a Comissão poderá publicar atos de «soft law» (tais como orientações, enquadramentos ou comunicações) com o objetivo de anunciar como tenciona exercer, em certas situações, o supramencionado poder de apreciação ( 17 ). Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que o dever de cooperação leal consagrado no artigo 4.°, n.o 3, TUE impõe que as autoridades dos Estados‑Membros tomem em consideração as disposições desses atos de «soft law» ( 18 ), esse dever não pode ser interpretado no sentido de tornar essas regras vinculativas — nem mesmo de facto — sob pena de eludir o procedimento legislativo estabelecido no Tratado FUE.

39.

Por conseguinte, esses princípios e regras não são vinculativos para os Estados‑Membros. Essas regras só produzem efeitos em relação à Comissão e, ainda assim, simplesmente limitam o exercício do seu poder de apreciação: essa instituição está obrigada a aceitar medidas que cumpram as referidas regras e não se pode delas desviar, a menos que indique uma razão válida para o fazer. Não existindo uma razão válida, um desvio a essas regras impostas por ela própria pode resultar numa violação de princípios gerais de direito como, por exemplo, a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima ( 19 ) . Assim, a Comissão está vinculada por essas regras, desde que — porém — não sejam contrárias aos Tratados ou a outra legislação aplicável ( 20 ) .

40.

Consequentemente, um instrumento como a Comunicação sobre o setor bancário não pode ser considerado, de jure ou de facto, vinculativo para os Estados‑Membros. O efeito dessas regras sobre os Estados‑Membros só poderá ser, na melhor das hipóteses, secundário ou indireto. Mesmo depois da publicação de tal comunicação, os Estados‑Membros continuam a poder notificar a Comissão das medidas de auxílio que considerem compatíveis, mesmo sem preencherem as condições estabelecidas na referida comunicação ( 21 ). Feita essa notificação, a Comissão estaria obrigada a examinar diligentemente a compatibilidade dessas medidas de auxílio com as disposições do Tratado.

41.

Nessa conformidade, o mero facto de uma ou mais das regras constantes da Comunicação sobre o setor bancário não terem sido respeitadas não constituiria, por si só, um motivo válido para a Comissão declarar o auxílio incompatível ( 22 ). A Comissão pode — e, em casos justificados, deve — afastar os princípios estabelecidos na Comunicação sobre o setor bancário ( 23 ). A recusa injustificada de o fazer poderia naturalmente ser impugnada perante o juiz da União ao abrigo dos artigos 263.° e 265.° TFUE ( 24 ).

42.

É certo que, muitas vezes, os Estados‑Membros poderão ter dificuldade em convencer a Comissão de que, devido às características específicas de um caso concreto, um dos princípios básicos estabelecidos na Comunicação sobre o setor bancário (por exemplo, o da repartição dos encargos) não se deve aplicar. Provavelmente, uma vez que a análise jurídica que a Comissão terá de realizar é mais complexa (o caso não está abrangido por uma das situações examinadas a priori na comunicação), a apreciação da compatibilidade do auxílio previsto poderá ser mais demorada e o seu resultado mais incerto, conduzindo possivelmente à abertura de um processo formal de investigação ao abrigo do artigo 108.°, n.o 2, TFUE ( 25 ).

43.

Poder‑se‑á até presumir que, em situações como as que estão em causa no processo principal (crise financeira que colocava em risco a estabilidade do sistema financeiro de um Estado‑Membro), o Governo poderá nem sempre estar disposto a correr o risco de notificar à Comissão medidas de auxílio que não estejam em plena conformidade com as disposições da Comunicação sobre o setor bancário. Compreendo que, em certos casos, o Governo poderá ter especial interesse em que o auxílio notificado seja facilmente e rapidamente aprovado. Não obstante, essas são questões de celeridade, que poderão ser importantes para a adoção de decisões políticas por parte de um Governo, mas que não podem afetar a natureza e os efeitos de um ato da União, tal como resulta das regras dos Tratados. O facto de um Estado‑Membro correr o risco de ter de prolongar o período de standstill de um auxílio previsto e de sobre ele impender o ónus de convencer a Comissão da compatibilidade da medida de auxílio é uma mera consequência de facto e não um efeito jurídico da alegada natureza vinculativa da Comunicação sobre o setor bancário ( 26 ).

44.

O que é fundamental é que, de um ponto de vista jurídico, o Estado‑Membro consiga demonstrar que, não obstante a inexistência de repartição de encargos (ou o incumprimento de qualquer outro critério estabelecido na Comunicação sobre o setor bancário), o auxílio a um banco em dificuldades cumpre, ainda assim, os requisitos do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE. Com efeito, seria possível imaginar situações (além das que já estão contempladas na própria Comunicação sobre o setor bancário) em que um Governo demonstrasse que o resgate e a reestruturação de um banco seriam, por exemplo, menos dispendiosos para o Estado e mais rápidos e fáceis de gerir se não fosse adotada qualquer medida de repartição dos encargos em relação a todos ou a alguns dos investidores mencionados na Comunicação sobre o setor bancário ( 27 ).

45.

À luz destas considerações, entendo que a resposta à primeira questão deveria ser a de que a Comunicação sobre o setor bancário não é vinculativa para os Estados‑Membros.

3. Questão 2

46.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, ao adotar os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, relativos à repartição dos encargos pelos acionistas e credores subordinados do banco, a Comissão excedeu as competências que lhe são atribuídas pelos artigos 107.° a 109.° TFUE.

a) A Comissão exige sempre a repartição dos encargos?

47.

Conforme mencionado anteriormente, afigura‑se que a segunda questão se baseia na ideia de que a Comunicação sobre o setor bancário estabelece, de facto, regras que os Estados‑Membros estão obrigados a cumprir.

48.

No entanto, pelos motivos enunciados na resposta à primeira questão, essa premissa não está correta: a Comunicação sobre o setor bancário, incluindo os seus pontos 40 a 46, não é vinculativa para os Estados‑Membros. Consequentemente, é óbvio que a Comissão não pode considerar a repartição dos encargos (nos moldes descritos na Comunicação sobre o setor bancário) uma condicio sine qua non da declaração de que um auxílio previsto a um banco em dificuldades é compatível com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b) TFUE. Com efeito, é possível que uma medida de auxílio cumpra os requisitos dessa disposição do Tratado, apesar de não prever a repartição dos encargos. Afinal, o texto do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE não faz qualquer referência à repartição dos encargos.

49.

A validade dessa conclusão é reforçada pelo facto de o texto da própria Comunicação sobre o setor bancário referir que a repartição dos encargos só é exigida «normalmente» (pontos 41 e 43), «em princípio» (pontos 43 e 44), e que não pode ser exigida quando seja suscetível de violar direitos fundamentais (ponto 19) ou de colocar em risco a estabilidade financeira ou conduzir a resultados desproporcionados (ponto 45). Em circunstâncias excecionais, portanto, a Comissão não exige a adoção de qualquer medida de repartição dos encargos.

b) Ao exigir normalmente a repartição dos encargos, a Comissão está a violar as regras relativas aos auxílios estatais?

50.

Posto isto, a questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional também pode ser interpretada no sentido de pretender saber se a Comissão está a interpretar ou a aplicar incorretamente as regras relativas aos auxílios estatais ao considerar que, nas situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário, o auxílio aos bancos em dificuldades exige que as medidas de repartição dos encargos sejam compatíveis com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE.

51.

No meu entender, a resposta a essa questão deve ser negativa.

52.

Conforme mencionado no n.o 35 supra, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação ao analisar se um auxílio estatal pode ser declarado compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.°, n.o 3, TFUE. Nenhuma das regras relativas a auxílios estatais parece obstar a que a Comissão tenha em conta, para efeitos dessa análise, a eventual adoção de medidas de repartição dos encargos e o seu alcance. Pelo contrário, creio que uma posição favorável face à adoção de tais medidas poderá ser compatível com os próprios princípios subjacentes às disposições do Tratado sobre auxílios estatais. Conforme explicarei de seguida, esse entendimento é particularmente válido nas situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário.

53.

Segundo jurisprudência assente, um auxílio só poderá ser declarado compatível se for necessário para atingir um dos objetivos previstos no artigo 107.°, n.o 3, TFUE. Um auxílio que ultrapasse o que for estritamente necessário para alcançar o objetivo prosseguido gera uma vantagem competitiva injustificada a favor do beneficiário do auxílio. Consequentemente, esse auxílio não pode ser considerado compatível com o mercado interno ( 28 ) .

54.

A exigência de que um banco em dificuldades mobilize os seus recursos internos para cobrir, pelo menos, parte das perdas antes de lhe ser concedido qualquer apoio público e de que, sempre que necessário e oportuno, os investidores do banco também contribuam para a sua recapitalização afigura‑se claramente apta para limitar o auxílio ao mínimo indispensável. Por conseguinte, a raison d’être dos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário afigura‑se consistente com os princípios subjacentes às disposições do Tratado sobre auxílios estatais.

55.

Na verdade, mesmo antes da crise, a prática seguida pela Comissão em matéria de auxílios de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldades — validada pelo juiz da União ( 29 ) — passava, em geral, por exigir que os beneficiários do auxílio contribuíssem, de forma adequada, para os custos da reestruturação ( 30 ). É certo que as regras da UE relativas a auxílios estatais não exigem necessariamente a adoção de qualquer tipo de medidas de recapitalização interna por parte dos acionistas e credores de uma empresa que um Estado‑Membro pretenda reestruturar. Porém, uma contribuição mais significativa pela própria empresa ou pelos seus acionistas e credores — que poderia assumir a forma das medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário — poderá ser considerada ainda mais pertinente devido às situações reguladas pela referida comunicação ( 31 ).

56.

A Comunicação sobre o setor bancário foi adotada com base no artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE, que autoriza auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro ( 32 ). Essa modalidade de auxílio só pode ser concedida em circunstâncias excecionais: a perturbação tem de ser «grave» e afetar toda a economia do Estado‑Membro em causa, e não apenas a economia das suas regiões ou de parte do seu território ( 33 ). No presente caso, o recurso à base jurídica do artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE afigura‑se ainda mais justificado porque vários Estados‑Membros foram afetados por uma perturbação grave da sua economia, que resultava, em maior ou menor grau, de uma crise financeira global.

57.

Pelos motivos que indicarei em seguida, não me parece despropositado que, em primeiro lugar, a natureza excecional das situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário exija uma avaliação particularmente rigorosa para determinar se o auxílio notificado foi verdadeiramente reduzido ao mínimo indispensável; e, em segundo lugar, que essa avaliação rigorosa seja realizada, em princípio, em todos os casos semelhantes notificados à Comissão.

58.

Os serviços financeiros, e os serviços bancários em especial, constituem atividades que devem ser encaradas — pelo menos da perspetiva dos auxílios estatais — da mesma forma que qualquer outra atividade económica. É uma atividade que várias empresas (públicas ou privadas) exercem num mercado aberto e competitivo. Tal como acontece com qualquer outra atividade económica, os particulares investem em empresas ativas no mercado, normalmente com o objetivo de obter lucro. Em qualquer atividade económica, existirão, por natureza, empresas — geralmente aquelas com pior desempenho — que fracassarão e abandonarão o mercado e, consequentemente, os seus investidores perderão a totalidade ou parte dos seus investimentos ( 34 ).

59.

Simultaneamente, porém, os serviços financeiros desempenham um papel muito específico nos sistemas económicos modernos. Os bancos e outras instituições de crédito são uma fonte de financiamento vital para a maioria das empresas ativas num dado mercado. Além disso, existe frequentemente uma estreita ligação entre os bancos e a maior parte destes tem uma presença internacional. É por esse motivo que existe o risco de a crise que afeta um ou mais bancos se espalhar a outros bancos (tanto no Estado de origem como noutros Estados‑Membros), o que, por seu turno, poderá ter repercussões negativas em outros setores da economia (muitas vezes designados por «economia real») ( 35 ). Este efeito de contágio pode, em última análise, afetar gravemente a vida dos particulares.

60.

Consequentemente, durante uma crise financeira, as autoridades públicas deparam‑se com o desafio de intervir (muitas vezes, com grande urgência) para estabelecer um delicado equilíbrio entre diferentes interesses concorrentes. Por um lado, as autoridades têm de assegurar a estabilidade do seu sistema financeiro e evitar ou reduzir a contaminação dos bancos «saudáveis» e da economia real. Por outro lado, porém, têm de limitar, tanto quanto possível, os recursos públicos mobilizados, dado que a garantia dessa estabilidade pode implicar custos consideráveis para o orçamento público. Uma exposição excessiva do Estado poderá, com efeito, contribuir para transformar uma crise financeira numa crise de dívida soberana, o que também poderia ter repercussões em toda a União Económica e Monetária («UEM»). Acresce que, conforme salientou o Governo esloveno, uma intervenção pública em massa, que contemple um apoio total e incondicional aos bancos em dificuldades, poderá provocar graves distorções da concorrência e comprometer a integridade do mercado interno; as empresas bem geridas poderão ser penalizadas pelo auxílio concedido a empresas concorrentes com pior desempenho. Além disso, poderia encorajar o risco moral: as instituições de crédito poderiam ser induzidas a fazer investimentos mais arriscados na esperança de obter maiores lucros, uma vez que, em caso de dificuldades financeiras, as autoridades públicas parecem estar dispostas a intervir e a salvá‑las com dinheiros públicos.

61.

Existe igualmente um bom argumento para a Comissão exigir a adoção de medidas de repartição dos encargos em geral. Se só exigisse tais medidas caso o Estado‑Membro em causa não pudesse contribuir com os fundos adicionais necessários para as substituir, a Comissão estaria, de facto, a comprometer a igualdade das condições da concorrência entre os bancos. Com efeito, os bancos não deveriam ser tratados de forma diferente consoante a dimensão do Estado‑Membro em que estão estabelecidos e as condições económicas nele vigentes ( 36 ).

62.

Neste cenário, creio que a Comissão pode justificadamente entender que, em situações como as que são reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário, a repartição dos encargos pelos investidores pode normalmente ser encarada como necessária para que o auxílio seja considerado compatível com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE.

63.

À luz do exposto, entendo que, ao adotar os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, a Comissão não excedeu as competências que lhe são atribuídas pelos artigos 107.° a 109.° TFUE. Além disso, a Comissão não interpretou nem aplicou incorretamente as regras relativas aos auxílios estatais ao considerar que, nas situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário, o auxílio aos bancos em dificuldades normalmente exige que as medidas de repartição dos encargos sejam compatíveis com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE.

4. Questões 3 e 4

64.

Com a sua terceira e quarta questões, que podem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se a repartição dos encargos, nos moldes previstos nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, é compatível com, respetivamente, o princípio da proteção da confiança legítima e o direito de propriedade (a seguir coletivamente designados por «direitos em causa»).

65.

O Tribunal de Justiça considera que o princípio da proteção da confiança legítima é um princípio geral de direito da União, fundamental para a proteção das pessoas ( 37 ). Além disso, de acordo com o artigo 17.°, n.o 1, da Carta, o direito de propriedade constitui um dos direitos fundamentais reconhecidos pela ordem jurídica da União.

66.

Porém, não subscrevo a tese defendida pelos demandantes no processo principal de que a Comunicação sobre o setor bancário viola os direitos em causa. Antes de mais, importa lembrar que esse instrumento não é vinculativo para os Estados‑Membros: uma medida de auxílio pode ser considerada compatível com o mercado interno nas situações por ele reguladas, ainda que as suas regras (incluindo no que respeita à repartição dos encargos) não sejam seguidas à letra.

67.

Acresce que, conforme salientado anteriormente ( 38 ), a Comunicação sobre o setor bancário refere expressamente que a repartição dos encargos nem sempre será exigida, sobretudo quando dela resulte a violação de direitos fundamentais. Por conseguinte, nenhuma disposição de direito da União sobre auxílios estatais (incluindo os princípios enunciados na Comunicação sobre o setor bancário) pode ser interpretada no sentido de exigir a repartição dos encargos nos casos em que isso constitua uma violação de um dos direitos em causa.

a) A Comunicação sobre o setor bancário viola o princípio da proteção da confiança legítima?

68.

Mais concretamente, no que respeita ao princípio da proteção da confiança legítima, gostaria de observar que, segundo jurisprudência assente, essa confiança só é criada quando uma pessoa tenha recebido garantias precisas, incondicionais e concordantes provenientes de fontes autorizadas e fiáveis ( 39 ). Não vejo quando nem como os demandantes no processo principal poderiam ter recebido qualquer garantia de que os seus investimentos não seriam de modo algum afetados pelas medidas públicas destinadas a resgatar e reestruturar os bancos em dificuldades. O facto de, antes da publicação da Comunicação sobre o setor bancário, a Comissão não exigir sistematicamente que fossem impostas medidas de repartição dos encargos sobre os credores e outros tipos de investidores semelhantes para que um auxílio fosse declarado compatível com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE ( 40 ) não pode ser considerado como «garantias precisas, incondicionais e concordantes» na aceção da jurisprudência supramencionada. Se a Comissão não tiver assumido um compromisso claro e expresso, um investidor prudente e avisado não pode depositar a sua confiança na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das autoridades competentes ( 41 ). A Comissão tem de poder adaptar a sua análise ao abrigo do artigo 107.° TFUE às alterações verificadas nos mercados afetados pelo auxílio e, de modo mais geral, na economia da UE no seu todo ( 42 ). Além disso, a Comissão deveria retirar ensinamentos da prática adotada no passado e, consequentemente, adaptar os métodos de análise do auxílio notificado à luz da experiência por si acumulada ( 43 ).

69.

Tão‑pouco se pode considerar que existe uma violação da proteção da confiança legítima porque a Comissão não previu, na Comunicação sobre o setor bancário, um período de transição antes da entrada em vigor dos novos princípios. É certo que, muitas vezes, é oportuno prever períodos de transição para que os operadores económicos tenham tempo de se adaptar a uma alteração da política numa determinada área do Direito. Porém, nem sempre será esse o caso. Por exemplo, a Comunicação sobre o setor bancário dispõe que, nas situações por ela reguladas, importa evitar as saídas de fundos (especialmente de detentores de instrumentos de capital híbrido e de detentores de dívida subordinada), a fim de garantir que o auxílio seja verdadeiramente limitado ao mínimo necessário ( 44 ). Consequentemente, poderão existir casos em que os períodos de transição sejam desnecessários, impossíveis ou até mesmo contraproducentes. Poderá ser necessário implementar rapidamente (e, por vezes, sem aviso prévio) uma mudança na política ou uma nova prática administrativa.

70.

Com efeito, o Tribunal de Justiça reconheceu que o interesse público superior pode opor‑se à adoção de medidas transitórias para situações surgidas antes da entrada em vigor da nova regulamentação, mas cuja evolução ainda não terminou ( 45 ) No meu entender, o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro, evitando simultaneamente despesas públicas excessivas e minimizando distorções da concorrência, constitui um interesse público superior.

b) A Comunicação sobre o setor bancário viola o direito de propriedade?

71.

Seguidamente, quanto ao direito de propriedade, devo salientar que a Comunicação sobre o setor bancário não exige que as medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 assumam determinada forma ou sejam adotadas de acordo com um determinado procedimento. Com efeito, essas medidas também podem ser adotadas voluntariamente pelo banco ou pelos seus investidores, ou com o seu consentimento. Por conseguinte, a Comunicação sobre o setor bancário não exige necessariamente que as autoridades nacionais adotem medidas que afetem o direito de propriedade dos investidores ( 46 ).

72.

Além disso, o ponto 46 da Comunicação sobre o setor bancário deixa bem claro que os Estados‑Membros devem respeitar o «princípio de que nenhum credor deverá ficar em pior situação»: os credores subordinados não devem receber menos em termos económicos do que aquilo que o seu instrumento teria valido se não tivesse sido concedido o auxílio estatal. Em termos mais gerais, o ponto 20 refere que as medidas destinadas a limitar as distorções da concorrência ( 47 )«devem ser calibradas de forma a aproximar‑se tanto quanto possível a situação de mercado que teria existido se o beneficiário do auxílio tivesse saído do mercado sem o auxílio» (designarei este princípio por «princípio da aproximação ao mercado»).

73.

Estes princípios — que analisarei mais adiante — exigem claramente que os Estados‑Membros tomem devidamente em consideração os direitos de propriedade dos investidores no âmbito da reestruturação de um banco em dificuldades.

74.

À luz do exposto, concluo que os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário são compatíveis com o princípio da proteção da confiança legítima e com o direito de propriedade.

c) As medidas em causa violam os direitos em causa?

75.

No entanto, as questões do órgão jurisdicional de reenvio também podem ser interpretadas no sentido de pretenderem esclarecimentos sobre se as medidas em causa (e não a Comunicação sobre o setor bancário) violam os direitos em causa. É óbvio que o facto de os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não resultar automaticamente numa violação desses direitos não significa que as medidas de repartição dos encargos efetivamente adotadas por um Estado‑Membro no respeito pelas disposições dessa comunicação sejam necessariamente compatíveis com os referidos direitos.

76.

Pelos motivos acima expostos, é evidente que os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não podem ser lidos no sentido de que o direito da União concedeu implicitamente às autoridades nacionais uma autorização ilimitada para «expropriar» o capital próprio, o capital híbrido e a dívida subordinada nos bancos em dificuldades. A Comunicação sobre o setor bancário não exige nem permite que os Estados‑Membros violem os direitos em causa. A aprovação do auxílio por parte da União também não significa que as medidas notificadas não estejam sujeitas à fiscalização da sua compatibilidade com os direitos fundamentais, desde que estejam abrangidas pelo direito da União. Tanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça como do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») relativa aos direitos em causa é, no meu entender, plenamente aplicável a situações como as que se verificam no processo principal.

77.

Essa análise afigura‑se‑me mais importante em relação ao direito de propriedade dos investidores dos bancos em causa. Com efeito, é incontestável que, se forem adotadas contra a vontade dos acionistas e credores dos bancos a recapitalizar, as medidas de repartição dos encargos (como as referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário) podem afetar gravemente os seus direitos de propriedade.

78.

Porém, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre essa questão, mesmo nos casos em que as referidas medidas estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União. Com efeito, o contexto factual, económico e jurídico do processo principal é extraordinariamente complexo e o Tribunal de Justiça não dispõe de todas as informações necessárias para realizar uma apreciação exaustiva.

79.

Além disso, há um motivo ainda mais importante para deixar essa apreciação a cargo dos órgãos jurisdicionais nacionais. Creio ser este o momento oportuno para salientar que, de acordo com as regras da União em matéria de auxílios estatais, nenhuma empresa se pode arrogar o direito a receber auxílio estatal; ou, por outras palavras, nenhum Estado‑Membro pode ser obrigado, por força do direito da União, a conceder auxílio estatal a uma empresa.

80.

É certo que, após a criação da UEM — que envolve a coordenação da política económica, uma política monetária comum e uma moeda comum ( 48 ) — os Estados‑Membros têm uma série de obrigações a cumprir perante a União (e os restantes Estados‑Membros) no que respeita, em especial, ao cumprimento dos objetivos de manutenção de preços estáveis, de finanças públicas e condições monetárias sólidas e de uma balança de pagamentos sustentável ( 49 ). A garantia da estabilidade do sistema financeiro de cada Estado‑Membro deve ser claramente considerada fundamental para alcançar os objetivos supramencionados. É consensual que, conforme salientou o Banka Slovenije, os Estados‑Membros não dispõem de liberdade ilimitada nas suas intervenções destinadas a resgatar e reestruturar bancos de importância sistémica. Também é no interesse da União que os Estados‑Membros intervenham para evitar (ou limitar) as externalidades que o colapso de um ou mais bancos no seu território poderia gerar sobre a estabilidade e o funcionamento da UEM.

81.

No caso em apreço, com efeito, a reestruturação dos bancos em causa fazia parte de uma intervenção mais abrangente das autoridades eslovenas, que tinha por objetivo corrigir os desequilíbrios macroeconómicos existentes e assegurar a estabilidade do sistema bancário. Nesse contexto, entre as medidas possíveis previstas pelas instituições da União figurava efetivamente a recapitalização de bancos sistémicos, quando necessário através da disponibilização de fundos públicos adicionais caso fossem reveladas novas deficiências ( 50 ).

82.

Porém, a verdade é que, não obstante possíveis sugestões ou recomendações das instituições da União, os Estados‑Membros não estão obrigados, à luz do direito da União, a conceder auxílio em circunstâncias específicas. Os Estados‑Membros têm à sua disposição um diversificado leque de instrumentos para resolver as questões problemáticas identificadas pelas instituições da União. Consequentemente, a decisão de conceder ou não auxílio estatal, em dado momento, a uma ou mais empresas específicas compete, em última análise, às autoridades nacionais. As autoridades nacionais também são responsáveis por tomar uma decisão sobre o montante de fundos públicos a utilizar e sobre a estrutura das medidas ( 51 ). À Comissão compete apenas analisar a medida planeada para verificar a sua compatibilidade com o mercado interno. Nesses termos, pode rejeitar uma medida ou autorizá‑la sob certas condições, mas nunca se pode substituir às autoridades nacionais na tomada de decisões.

83.

Isto não significa, obviamente, que a Comissão esteja impedida de fornecer às autoridades nacionais orientações sobre formas de assegurar a compatibilidade do auxílio notificado com o mercado interno ( 52 ). As orientações podem ser fornecidas antecipadamente, através da publicação de atos de «soft law», tal como mencionado no n.o 38 supra, e ad hoc, no contexto de um processo instaurado ao abrigo do artigo 108.° TFUE.

84.

Porém, a verdade é as autoridades dos Estados‑Membros é que são juridicamente responsáveis pela decisão de conceder auxílio numa dada situação e por assegurar a compatibilidade das medidas de auxílio previstas com qualquer outra regra nacional, internacional ou da UE aplicável ( 53 ). Nesse contexto, é irrelevante o facto de, em termos políticos, as suas decisões nesta matéria poderem ser influenciadas, em maior ou menor grau, por sugestões e recomendações das instituições da União.

85.

Consequentemente, os órgãos jurisdicionais nacionais estão geralmente em melhor posição do que o Tribunal de Justiça para analisar se as medidas de auxílio aplicadas violam os direitos fundamentais de certas pessoas.

86.

Debruçando‑me agora sobre o caso em apreço, sem tomar, assim, uma posição definitiva sobre os argumentos aduzidos pelos demandantes no processo principal, gostaria de fazer as seguintes observações, na esperança de que sejam úteis para o órgão jurisdicional de reenvio.

87.

O artigo 17.° da Carta dispõe que o direito de propriedade não é absoluto, devendo ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, atendendo ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido ( 54 ).

88.

Conforme salienta o órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho, o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro, evitando simultaneamente despesas públicas excessivas e minimizando distorções da concorrência, constitui um interesse público superior suscetível de justificar certas restrições ao direito de propriedade ( 55 ).

89.

Quanto à questão de saber se as medidas em causa constituem uma intervenção intolerável que atenta contra a própria substância dos direitos de propriedade dos investidores, remeto novamente para os princípios estabelecidos nos pontos 20 e 46 da Comunicação sobre o setor bancário: aproximação ao mercado e «nenhum credor deverá ficar em pior situação» ( 56 ).

90.

Destes princípios resulta que, se for executada corretamente, a intervenção do Estado reduz unicamente o valor nominal dos instrumentos de capital e de dívida afetados, porque esse valor deixa de corresponder ao seu valor real. Assim, a desvalorização desses instrumentos é meramente formal. De um ponto de vista económico, a posição dos investidores, de um modo geral, não sofre alterações: na pior das hipóteses, não ficam em pior situação, em termos globais, do que aquela em que se encontrariam se o Estado não tivesse intervindo ( 57 ). No meu entender, isso significa que a própria substância do direito de propriedade dos investidores não é afetada.

91.

Contudo, o cumprimento das duas condições supramencionadas no presente caso é um facto que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar. Nessa análise das medidas em causa, o referido órgão jurisdicional deve obviamente tomar em consideração todas as circunstâncias relevantes. Em especial, esse órgão jurisdicional poderá, por um lado, ter de ponderar a necessidade de uma intervenção particularmente rápida por parte das autoridades nacionais, os riscos em que o sistema financeiro esloveno poderia ter incorrido sem essa intervenção, bem como a necessidade de evitar repercussões excessivas sobre o orçamento público. Por outro lado, esse órgão jurisdicional poderá também ter de verificar se as avaliações económicas efetuadas pelas autoridades públicas (por exemplo, do défice de capital do banco e do valor económico real dos investimentos antes e depois da intervenção do Estado) eram, não obstante a urgência com que foram realizadas, razoáveis e se se baseavam em dados fiáveis.

92.

Por conseguinte, a resposta à terceira e quarta questões deve ser a de que os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário são compatíveis com o princípio da proteção da confiança legítima e com o direito de propriedade; compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apurar se, aquando da execução de medidas de auxílio adotadas em conformidade com essa comunicação, os referidos direitos foram ou não violados.

5. Questão 5

93.

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário violam as disposições da Diretiva 2012/30, segundo as quais o aumento ou a redução do capital nas sociedades anónimas só pode ter lugar após deliberação da assembleia geral de acionistas ou decisão judicial.

94.

Antes de mais, gostaria de salientar que os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não tomam, expressa ou implicitamente, posição sobre a natureza do organismo (privado ou público e, neste último caso, administrativo ou judicial) que deve adotar as medidas de repartição dos encargos. Na verdade, essas medidas também podem ser adotadas voluntariamente, sem qualquer intervenção das autoridades públicas. Conforme observam o Governo esloveno e a Comissão, a forma como essas medidas devem ser aprovadas e implementadas é uma questão de direito nacional, que não é afetada pelas disposições da Comunicação sobre o setor bancário.

95.

Consequentemente, a premissa em que assentam os argumentos aduzidos por algumas das partes no processo principal para efeitos de impugnação da validade da Comunicação sobre o setor bancário — que supostamente obriga os Estados‑Membros a atribuírem às autoridades administrativos o poder de adotarem medidas de repartição dos encargos — está incorreta. Assim sendo, os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não violam as disposições da Diretiva 2012/30.

96.

No entanto, a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio também pode ser interpretada no sentido de pretender esclarecimentos sobre se as disposições nacionais que confiam ao banco central nacional a adoção das medidas de repartição dos encargos previstas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário são compatíveis com a Diretiva 2012/30.

97.

Indiscutivelmente, a Diretiva 2012/30 não contém qualquer derrogação explícita à aplicação das suas disposições em situações como a que foi vivida pela Eslovénia (e outros Estados‑Membros) durante a crise financeira. Assim, a questão fundamental que aqui se coloca é se a Diretiva 2012/30 se opõe a decisões como as que estão em causa.

98.

Seguidamente, explicarei por que motivo entendo que a resposta a essa questão deve ser negativa.

a) Finalidade e âmbito de aplicação da Diretiva 2012/30

99.

Em primeiro lugar, importa salientar que a Diretiva 2012/30 não é uma medida que proceda a uma harmonização total na área do Direito que regula. Essa diretiva limita‑se a coordenar as disposições nacionais relativas à constituição das sociedades anónimas, bem como à conservação, ao aumento e à redução do seu capital social, a fim de «assegurar uma equivalência mínima da proteção dos acionistas e dos credores» dessas sociedades em toda a União ( 58 ).

100.

A Diretiva 2012/30 foi, portanto, concebida para que os investidores de todo o mercado interno pudessem confiar que essas sociedades teriam uma determinada estrutura e que certos órgãos sociais seriam responsáveis pela tomada de certas decisões. A finalidade essencial deste instrumento jurídico é, portanto, manter o equilíbrio de poderes entre os diferentes órgãos da sociedade, especialmente em caso de conflitos entre esses órgãos ( 59 ).

101.

Nesse sentido, alguns autores defendem — no meu entender, com base em argumentos convincentes — que a proteção concedida aos acionistas pela Diretiva 2012/30 é, antes de mais, uma proteção contra os outros órgãos da sociedade, mas não necessariamente também contra medidas adotadas pelo Estado ( 60 ). A Diretiva 2012/30 não pretendia harmonizar (muito menos harmonizar totalmente) as garantias dos acionistas contra as medidas adotadas pelo Estado em situações de emergência ou de crise. Assim, essa proteção adicional só poderá ser secundária ou indireta: resulta inevitavelmente das garantias introduzidas pela Diretiva 2012/30.

b) O acórdão Pafitis e as novas disposições da UE

102.

É verdade que o acórdão Pafitis e o. (a seguir «Pafitis») ( 61 ), invocado pelos demandantes no processo principal, parece apontar para uma leitura diferente da Diretiva 2012/30. Naquele processo, o Tribunal de Justiça entendeu que as disposições da Diretiva 77/91 (que foi reformulada pela Diretiva 2012/30) se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que o capital de um banco que se encontre, em razão do seu endividamento, numa situação excecional pode ser aumentado por via administrativa e sem deliberação da assembleia geral.

103.

Não obstante, não aconselharia uma leitura do acórdão Pafitis no sentido de que este estabelece um princípio de aplicação geral. Esse acórdão foi proferido num contexto caracterizado por um quadro factual e jurídico muito diferente.

104.

Para começar, os factos em causa no acórdão Pafitis não eram inteiramente comparáveis aos do processo principal. O primeiro dizia respeito a um ato adotado por um comissário provisório (não diretamente por um banco central nacional), numa situação de mera dificuldade financeira de uma única instituição de crédito num único Estado‑Membro (não numa situação em que todo o sistema financeiro de um Estado‑Membro estava ameaçado por uma crise sistémica, que poderia ter repercussões sobre toda a UEM) ( 62 ) .

105.

Mais importante ainda, tanto o direito primário como secundário da União evoluíram significativamente desde então. As medidas nacionais impugnadas no acórdão Pafitis foram adotadas no período de 1986‑1990, e o Tribunal de Justiça proferiu esse acórdão em 1996, ou seja, muito antes do início da terceira fase de implementação da UEM, com a introdução do euro como moeda da zona euro, com a criação do Eurosistema e com as alterações conexas aos Tratados da UE.

106.

O atual artigo 131.° TFUE estabelece que «[c]ada um dos Estados‑Membros assegurará a compatibilidade da respetiva legislação nacional, incluindo os estatutos do seu banco central nacional, com os Tratados e com os Estatutos do SEBC e do BCE». Por seu turno, o artigo 3.3 do Protocolo (n.o 4) sobre o estatuto do SEBC e do BCE dispõe que o SEBC «contribuirá para a boa condução das políticas desenvolvidas pelas autoridades competentes no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito e à estabilidade do sistema financeiro».

107.

Embora exista um claro interesse público em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse público de assegurar a estabilidade do sistema financeiro. É necessário ponderar reciprocamente esses dois interesses. Seria difícil conciliar uma posição diferente com as disposições do Tratado supramencionadas, sobretudo porque a garantia da estabilidade do sistema financeiro reveste‑se de primordial importância numa união que tem como um dos seus principais objetivos a criação de uma UEM ( 63 ). Neste contexto, é oportuno recordar que as medidas em causa foram adotadas pelo Banka Slovenije após a conclusão de um teste de esforço sobre os bancos em causa, sob a supervisão, designadamente, do BCE.

108.

Além disso, a Diretiva 2001/24 ainda não estava em vigor quando o acórdão Pafitis foi proferido ( 64 ). Essa diretiva, adotada após a entrada em vigor da Diretiva 77/91 (da qual a Diretiva 2012/30 é meramente uma reformulação), visa estabelecer um sistema de reconhecimento mútuo, entre os Estados‑Membros, das medidas de saneamento e dos processos de liquidação das instituições de crédito ( 65 ).

109.

Conforme explicarei no contexto da questão 7, as medidas impugnadas no processo principal poderão enquadrar‑se no conceito de «medidas de saneamento» para os efeitos da Diretiva 2001/24. Com efeito, o saneamento de uma instituição de crédito envolve frequentemente várias medidas como as que estão em causa no processo principal. É importante referir que a diretiva dispõe, muito claramente, que essas medidas também podem ser adotadas por autoridades administrativas ( 66 ).

110.

A Diretiva 2001/24 parece basear‑se na premissa de que as autoridades administrativas nacionais conservam esses poderes, não obstante as disposições da Diretiva 77/91, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Pafitis. Nem o preâmbulo nem as disposições da Diretiva 2001/24 sugerem que o legislador pretendia estabelecer uma derrogação às regras estabelecidas na Diretiva 77/91. Em qualquer caso, ainda que se entendesse que a Diretiva 2001/24 tinha, de facto, por efeito limitar o âmbito de aplicação da Diretiva 77/91, a aplicação da primeira — sendo lex specialis e lex posterior — provavelmente prevaleceria no processo principal.

111.

Por conseguinte, teria alguma relutância em retirar do acórdão Pafitis qualquer argumento conclusivo quanto à possibilidade de, em circunstâncias excecionais, a legislação nacional adotada em prossecução de objetivos de interesse público superior (tais como a estabilidade de todo o sistema financeiro) conferir às autoridades administrativas poderes suscetíveis de prevalecerem sobre os direitos dos acionistas reconhecidos na Diretiva 2012/30 ( 67 ) .

112.

Importa acrescentar que, no rescaldo da crise financeira global, vários Estados‑Membros introduziram mecanismos para dar uma resposta mais eficaz e mais célere à situação das instituições em dificuldades. Entre as medidas adotadas nas legislações nacionais figura a possibilidade de aumentar o capital social dessas instituições sem a aprovação dos acionistas ( 68 ). Por exemplo, a legislação em causa foi informalmente examinada e aprovada pelo BCE antes da sua adoção. ( 69 ). O facto de vários Estados‑Membros terem adotado legislação neste domínio é precisamente um dos motivos que levaram o legislador da União a adotar a Diretiva 2014/59 ( 70 ).

113.

Afigura‑se, assim, que a Diretiva 2012/30 tem sido geralmente interpretada pelas autoridades dos Estados‑Membros no sentido de não se opor, em circunstâncias excecionais como as de uma crise financeira, a medidas administrativas que resultem na alteração do capital de um banco, sem que exista uma deliberação específica da assembleia geral de acionistas ( 71 ).

c) Diretiva 2014/59

114.

Por último, não creio que sejam justificadas as dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em consequência da recente adoção da Diretiva 2014/59 — um instrumento jurídico que não é aplicável ratione temporis no processo principal.

115.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o facto de o artigo 123.° da Diretiva 2014/59 introduzir uma derrogação expressa à aplicação de algumas disposições da Diretiva 2012/30 (incluindo os artigos 33.° a 36.°, e 40.° a 42.°) «em caso de recurso aos instrumentos, poderes e mecanismos de resolução previstos no título IV» ( 72 ) significa que essa derrogação não existia anteriormente.

116.

No meu entender, este argumento não colhe.

117.

É certo que, após a entrada em vigor da Diretiva 2014/59, se diria excluída uma violação das disposições da Diretiva 2012/30 por uma intervenção do banco central como a que está em causa no processo principal: a base explícita dessa intervenção é o artigo 123.° da anterior diretiva.

118.

Contudo, tal não significa que, antes disso, essa intervenção fosse necessariamente proibida pelo direito da União. A Diretiva 2014/59 prossegue o objetivo de estabelecer um quadro regulamentar para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento. Para esse efeito, a Diretiva 2014/59 estabeleceu novas disposições e alterou uma série de instrumentos jurídicos existentes. Neste contexto, é evidente que o legislador da União procurou assegurar a coerência do quadro regulamentar no seu todo ( 73 ), designadamente coordenando e clarificando a relação entre os diferentes instrumentos jurídicos alterados.

119.

Pelos motivos acima expostos, a Diretiva 2001/24 não carecia de uma disposição expressa para autorizar os Estados‑Membros a derrogar, em circunstâncias tão excecionais como as que resultaram da crise financeira, as disposições da Diretiva 77/91 (posteriormente reformulada pela Diretiva 2012/30). Por outro lado, conforme defende o Banka Slovenije com base em argumentos convincentes, a Diretiva 2001/24 não se opunha a que os Estados‑Membros concedessem aos investidores uma proteção mais ampla do que aquela que resultava da Diretiva 77/91: esta última previa apenas um nível mínimo de proteção. Por conseguinte, uma vez que a Diretiva 2014/59 visa harmonizar parcialmente a matéria (especialmente no que respeita aos instrumentos de resolução), tornou‑se necessário não permitir que os Estados‑Membros adotassem ou mantivessem em vigor regras nacionais sobre a proteção dos investidores que contrariassem as novas regras da União.

120.

O artigo 123.° da Diretiva 2014/59 não pode, assim, ser considerado um indício de que as medidas de recapitalização interna codificadas no título IV dessa diretiva eram anteriormente proibidas, de um modo geral, pela Diretiva 2012/30.

121.

Consequentemente, a resposta à questão 5 deve ser a de que os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não violam as disposições da Diretiva 2012/30; as disposições nacionais que confiam ao banco central nacional a adoção das medidas de repartição dos encargos numa situação como a que está em causa no processo principal não são incompatíveis com a Diretiva 2012/30.

6. Questão 6

122.

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a exigência de converter ou reduzir os instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada, prevista nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, é uma pré‑condição da concessão de auxílio estatal, ou se apenas deve ser aplicada se for proporcionada.

123.

Já expus acima os motivos pelos quais entendo que a adoção de medidas de repartição dos encargos não pode constituir uma condicio sine qua non para considerar um auxílio estatal compatível com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE. A fortiori, este entendimento afigura‑se‑me aplicável às medidas adotadas em relação a investidores diferentes dos acionistas, que gozam geralmente de uma proteção jurídica mais forte em caso de insolvência da sociedade em que investiram. Porém, também já expliquei que, em situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário, o facto de os investidores (incluindo os detentores de instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada) contribuírem para a recapitalização do banco não contraria, em princípio, as regras sobre auxílios estatais.

124.

Não obstante, importa recordar que o princípio da proporcionalidade é um princípio geral de direito da União que exige que as medidas adotadas através das suas disposições sejam aptas a realizar os objetivos legitimamente prosseguidos pela legislação em causa e não ultrapassem o que for necessário para os alcançar ( 74 ). Por conseguinte, a decisão de ordenar a conversão ou a redução de instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada pode obviamente ser submetida a uma análise de proporcionalidade.

125.

Com efeito, a própria comunicação exige que as autoridades nacionais tenham em consideração o princípio da proporcionalidade na sua decisão sobre a contribuição devida pelos detentores de instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada para a reestruturação de um banco em dificuldades. Essa contribuição só é exigida como medida de último recurso relativamente aos bancos que, não obstante o défice de capital, continuem acima do mínimo regulamentar (ponto 43). De um modo geral, a referida contribuição só é exigida nos casos em que os bancos deixem de satisfazer esse mínimo (ponto 44). Em qualquer caso, a repartição dos encargos nunca é exigida nos casos em que «conduzisse a resultados desproporcionados» (ponto 45).

126.

Pelos motivos acima expostos nos n.os 78 a 85, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as medidas em causa respeitam esse princípio. Na minha perspetiva, a questão fundamental que deve orientar a análise do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) nessa matéria é a seguinte: a situação em que cada categoria de investidores afetados pela repartição dos encargos se encontra, do ponto de vista económico, é globalmente comparável à que se teria verificado se o banco, na falta de qualquer auxílio, tivesse abandonado o mercado ( 75 )?

127.

Um dos aspetos que o órgão jurisdicional nacional poderá ser chamado a examinar é a coerência global do conjunto de medidas de repartição dos encargos adotadas pelas autoridades dos Estados‑Membros em relação às diferentes categorias de investidores.

128.

Nesse aspeto, a Comunicação sobre o setor bancário limita‑se a traçar a distinção entre, por um lado, acionistas, detentores de instrumentos de capital híbrido e detentores de dívida subordinada, e, por outro, detentores de dívida prioritária (ponto 42). Porém, importa salientar que a Comunicação sobre o setor bancário não refere que os Estados‑Membros devem tratar esses dois grupos de forma diferente; afirma apenas que os Estados‑Membros podem, quando considerarem oportuno, tratá‑los de forma diferente ( 76 ). Na verdade, a posição dos detentores de dívida prioritária não é habitualmente comparável à dos detentores de instrumentos de capital próprio ou dos detentores de dívida subordinada (junior debt), especialmente durante processos de falência ou de liquidação, e, como tal, a ponderação desse elemento poderá ser justificada.

129.

Poderão igualmente existir diferenças entre as diversas categorias de investidores geralmente afetados pelas medidas de repartição dos encargos (acionistas, detentores de instrumentos de capital híbrido e detentores de dívida subordinada), especialmente no que respeita à graduação dos créditos num processo de insolvência. Nesse contexto, o órgão jurisdicional nacional poderá ter de verificar se alguma dessas categorias está sujeita a um encargo injustificado e excessivo, à luz dos factos do caso e das regras nacionais (especialmente no domínio do direito das sociedades e do direito da insolvência) e disposições contratuais que lhes são aplicáveis.

130.

Por conseguinte, a resposta à sexta questão deve ser a de que a conversão ou redução dos instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada, prevista nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, não é uma pré‑condição para a concessão de auxílio estatal e não é exigida se conduzir a resultados desproporcionados; compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apurar se, aquando da execução de medidas de auxílio adotadas em conformidade com a Comunicação sobre o setor bancário, o princípio da proporcionalidade foi respeitado.

7. Questão 7

131.

Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 da comunicação sobre o setor bancário podem ser consideradas medidas de saneamento na aceção do artigo 2.°, sétimo travessão, da Diretiva 2001/24.

132.

Tenho uma certa dificuldade em compreender as razões que levaram o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) a colocar esta questão. No meu entender, esta questão está relacionada com o problema da relação entre a Comunicação sobre o setor bancário, a Diretiva 2001/24 e a Diretiva 2012/30, suscitado no contexto da quinta questão. Por outras palavras, afigura‑se que o que se pretende determinar é se as medidas de repartição dos encargos referidas na Comunicação sobre o setor bancário devem ser consideradas «medidas de saneamento» para os efeitos da Diretiva 2001/24, caso em que, de acordo com o princípio da lex specialis, não são proibidas pela Diretiva 2012/30.

133.

Já abordei a essência deste problema na minha resposta à quinta questão. O que resta aqui explicar são as razões pelas quais entendo (tal como todas as partes que apresentaram observações sobre este assunto) que as medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário podem muitas vezes (mas nem sempre) estar abrangidas pelo conceito de «medidas de saneamento» na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2001/24.

134.

Nos termos dessa disposição, entende‑se por medidas de saneamento «medidas destinadas a preservar ou restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito, suscetíveis de afetar direitos preexistentes de terceiros, incluindo medidas que impliquem a possibilidade de suspensão de pagamentos, suspensão de medidas de execução ou redução dos créditos».

135.

O conceito de medidas de saneamento é, assim, definido em termos muito genéricos. Creio que este facto é concordante com o objetivo prosseguido pela diretiva: estabelecer um sistema de reconhecimento mútuo, entre os Estados‑Membros, das medidas de saneamento e dos processos de liquidação das instituições de crédito. A definição prevista na Diretiva 2001/24 contém três elementos cumulativos: (i) a medida deve ser adotada pelas autoridades administrativas ou judiciais competentes de um Estado‑Membro ( 77 ); (ii) a medida deve ser adotada com o objetivo de preservar ou restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito; e (iii) a medida deve potencialmente afetar direitos de terceiros. Examinarei sucessivamente estes três elementos, reportando‑me às medidas em causa.

136.

Em primeiro lugar, as medidas adotadas por uma autoridade como um banco central nacional podem obviamente ser consideradas adotadas por uma autoridade administrativa de um Estado‑Membro. Em contrapartida, conforme mencionado anteriormente, as medidas de repartição dos encargos adotadas voluntariamente pelos investidores de um banco também podem preencher os requisitos dos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário. Com efeito, já houve casos em que os investidores (públicos e privados) aceitaram voluntariamente uma redução do valor de mercado dos seus títulos (haircut) para restabelecer a viabilidade de uma instituição de crédito. Essas medidas não estariam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/24.

137.

Em segundo lugar, as medidas referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário têm obviamente por objetivo preservar ou restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito. Com efeito, a Comunicação sobre o setor bancário refere expressamente que essas medidas visam «dar o máximo contributo para reduzir o défice de capital» (ponto 41), «restabelecer [...] a posição de capital [do banco]» e «superar o défice de capital» (ponto 43).

138.

Em terceiro lugar, as medidas de repartição dos encargos que afetam os detentores de instrumentos de capital híbrido e os detentores de dívida subordinada são, sem dúvida alguma, suscetíveis de afetar os direitos de terceiros na aceção da Diretiva 2001/24. Por outro lado, as medidas de repartição dos encargos que afetam unicamente os acionistas não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/24. Nos termos do considerando 8 dessa diretiva, as medidas «que afetam o funcionamento da estrutura interna das instituições de crédito ou os direitos dos dirigentes ou dos acionistas, não necessitam de ser abrangidas pela presente diretiva para produzirem todos os seus efeitos nos Estados‑Membros, na medida em que, segundo as regras de Direito Internacional Privado, a lei aplicável é a do Estado de origem». Além disso, o considerando 10 acrescenta que «as pessoas que participam no funcionamento da estrutura interna das instituições de crédito e os dirigentes e acionistas dessas instituições, considerados nessas qualidades, não devem ser tidos como terceiros para efeitos da presente diretiva».

139.

Quando comparado com os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, o conceito de «medidas de saneamento» consagrado no artigo 2.° da Diretiva 2001/24 parece, assim, abranger algumas das medidas referidas na primeira, mas não necessariamente todas.

140.

No meu entender, esta conclusão não é afetada pelo facto de o conceito de «medidas de saneamento» previsto na Diretiva 2001/24 ter sido alterado pelo artigo 117.° da Diretiva 2014/59 para incluir expressamente a aplicação dos instrumentos de resolução e o exercício dos poderes de resolução previstos nesta última diretiva ( 78 ).

141.

Creio que o órgão jurisdicional de reenvio se questiona sobre se a alteração do artigo 2.° da Diretiva 2001/24 deveria ser interpretada no sentido de implicar que a anterior definição de «medidas de saneamento» constante dessa disposição não abrangia esse tipo de medidas de recapitalização interna.

142.

Não partilho as dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre este ponto. Conforme já expliquei, em virtude da sua própria natureza e objeto, algumas das medidas referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário enquadram‑se perfeitamente na definição de medidas de saneamento estabelecida na Diretiva 2001/24.

143.

Tal como observa a Irlanda, a alteração mencionada no ponto 141 deve ser lida à luz do facto de a Diretiva 2001/24 não ter pretendido harmonizar a legislação relevante dos Estados‑Membros, mas apenas estabelecer um sistema de reconhecimento mútuo ( 79 ). No entanto, a Diretiva 2014/59 obriga agora os Estados‑Membros a adotarem certas medidas para facilitar a reorganização dos bancos. Consequentemente, faz sentido que essa mesma diretiva também estabeleça disposições destinadas a assegurar a compatibilidade dessas novas medidas com o atual quadro da UE. Tal não significa, de modo algum, que medidas semelhantes previstas no direito nacional, na falta de quaisquer regras de harmonização, não estivessem anteriormente abrangidas pela definição de medidas de saneamento.

144.

À luz do exposto, entendo que as medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário podem, consoante as circunstâncias, enquadrar‑se na definição de medidas de saneamento constante da Diretiva 2001/24.

IV – Conclusão

145.

Concluindo, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) nos seguintes termos:

A Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira («comunicação sobre o setor bancário») não é vinculativa para os Estados‑Membros;

Ao adotar os pontos 40 a 46 da referida comunicação, a Comissão não excedeu as competências que lhe são atribuídas pelos artigos 107.° a 109.° TFUE; a Comissão não interpretou nem aplicou incorretamente as regras relativas aos auxílios estatais ao considerar que, nas situações reguladas pela Comunicação sobre o setor bancário, o auxílio aos bancos em dificuldades normalmente exige que as medidas de repartição dos encargos sejam compatíveis com o artigo 107.°, n.o 3, alínea b), TFUE;

Os pontos 40 a 46 da referida comunicação são compatíveis com o princípio da proteção da confiança legítima e com o direito de propriedade; compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apurar se, aquando da execução de medidas de auxílio adotadas em conformidade com essa comunicação, os referidos direitos foram ou não violados.

Os pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário não violam as disposições da Diretiva 2012/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012; as disposições nacionais que confiam ao banco central nacional a adoção das medidas de repartição dos encargos numa situação como a que está em causa no processo principal não são incompatíveis com a Diretiva 2012/30/UE;

A conversão ou redução dos instrumentos de capital híbrido e de dívida subordinada, prevista nos pontos 40 a 46 da Comunicação sobre o setor bancário, não é uma pré‑condição indispensável para a concessão de auxílio estatal e não é exigida se conduzir a resultados desproporcionados; compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apurar se, aquando da execução de medidas de auxílio adotadas em conformidade com a Comunicação sobre o setor bancário, o princípio da proporcionalidade foi respeitado;

As medidas de repartição dos encargos referidas nos pontos 40 a 46 da referida comunicação podem, consoante as circunstâncias, enquadrar‑se na definição de medidas de saneamento constante da Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Claessens, S., Kose, A.M., «Financial Crises: Explanations, Types, and Implications», Documento de trabalho do FMI WP/13/2, 2013 Fundo Monetário Internacional.

( 3 ) Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira («comunicação sobre o setor bancário») (JO 2013 C 216, p. 1).

( 4 ) V. lista das comunicações anteriores na nota 1 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 5 ) V. ponto 1 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 6 ) Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito (JO L 125, p. 15).

( 7 ) Diretiva 2012/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 54.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 315, p. 74).

( 8 ) Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.° do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1).

( 9 ) Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 173, p. 190).

( 10 ) V., nesse sentido, acórdãos Deutsche Shell (C‑188/91, EU:C:1993:24, n.os 18 e 19); e JVC France (C‑312/07, EU:C:2008:324, n.os 29 e 32 a 37).

( 11 ) V., entre outros, acórdãos Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.os 7 a 9); e Lodato & C. (C‑415/07, EU:C:2009:220, n.o 23).

( 12 ) V., nesse sentido, acórdãos van Calster e o. (C‑261/01 e C‑262/01, EU:C:2003:571, n.o 75); Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 38); e Deutsche Lufthansa (C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 28).

( 13 ) V. despacho proferido no processo Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português/Comissão (C‑93/15 P, EU:C:2015:703, n.o 61).

( 14 ) V. acórdão Itália/Comissão (C‑310/99, EU:C:2002:143, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

( 15 ) V., em especial, artigo 108.°, n.o 4, TFUE.

( 16 ) V., por analogia, acórdão França/Comissão (C‑57/95, EU:C:1997:164).

( 17 ) V., nesse sentido, acórdãos Alemanha e o./Kronofrance (C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.os 60 e 61); e, por analogia, Comissão/Grécia (C‑387/97, EU:C:2000:356, n.o 87).

( 18 ) V., nesse sentido, acórdão Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.os 18 e 19); e as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Expedia (C‑226/11, EU:C:2012:544, n.o 38).

( 19 ) V., no que respeita à Comunicação sobre o setor bancário de 2008, acórdão Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português (C‑667/13, EU:C:2015:151, n.o 69 e jurisprudência aí referida). A proibição da adoção de comportamentos contraditórios também se pode aplicar em relação às autoridades dos Estados‑Membros que se comprometeram expressamente a respeitar os princípios enunciados num instrumento de «soft law» adotado pela Comissão: as pessoas afetadas podem opor a essas autoridades a violação injustificada desses princípios, em conformidade com a máxima venire contra factum proprium non valet. V., nesse sentido, acórdão Expedia (C‑226/11, EU:C:2012:795, n.os 26 e 27).

( 20 ) V. acórdãos Deufil/Comissão (310/85, EU:C:1987:96, n.o 22); e Espanha/Comissão (C‑351/98, EU:C:2002:530, n.o 53).

( 21 ) V., nesse sentido, despacho proferido no processo EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915, n.os 26 e 29).

( 22 ) A conclusão contrária implicaria, no fundo, que a Comissão tem competência legislativa neste domínio. Por este motivo, não subscrevo a interpretação das regras do Tratado ou a leitura da jurisprudência existente que é proposta nas conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Grécia/Comissão (C‑431/14 P, EU:C:2015:699, nota 21).

( 23 ) V., nesse sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Portugal (C‑391/01, EU:C:2002:270, n.o 38 e jurisprudência aí referida). V. ainda acórdão do Tribunal Geral, Fachvereinigung Mineralfaserindustrie/Comissão (T‑375/03, EU:T:2007:293, n.os 140 e 141); e, por analogia, despacho do Tribunal Geral no processo Smurfit Kappa Group/Comissão (T‑304/08, EU:T:2010:279, n.os 86 a 97).

( 24 ) V. despacho proferido no processo EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915, n.os 26 e 29).

( 25 ) V. despacho proferido no processo EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915, n.o 29).

( 26 ) V., por analogia, acórdãos IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264, n.o 19); e Itália/Comissão (C‑301/03, EU:C:2005:727, n.o 30). V. também acórdão do Tribunal Geral, Alemanha/Comissão (T‑258/06, EU:T:2010:214, n.o 151).

( 27 ) É o que poderia acontecer, por exemplo, nos casos em que — em aplicação do «princípio de que nenhum credor deverá ficar em pior situação» — o contributo exigido pelos investidores fosse bastante limitado e as autoridades considerassem que a aplicação de medidas de repartição dos encargos daria provavelmente origem a processos judiciais dispendiosos e/ou a complexidades processuais. Nessas circunstâncias, não é de excluir a possibilidade de um Estado‑Membro ponderar a hipótese de injetar ele mesmo os (limitados) fundos adicionais necessários para a reestruturação do banco.

( 28 ) V., nesse sentido, acórdãos Nuova Agricast (C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 68 e 69 e jurisprudência aí referida); e Alemanha/Comissão (C‑400/92, EU:C:1994:360, n.os 12, 20 e 21).

( 29 ) V., por exemplo, acórdão França/Comissão (C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 36); e acórdão do Tribunal Geral, Corsica Ferries France/Comissão (T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o 66).

( 30 ) V., por exemplo, Comunicação da Comissão — Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2), pontos 7 e 43 a 45.

( 31 ) V. acórdão do Tribunal Geral, ABN Amro Group/Comissão (T‑319/11, EU:T:2014:186, n.o 43); e acórdão do Tribunal Geral, Corsica Ferries France/Comissão (T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o 266).

( 32 ) V. considerando 3 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 33 ) V. acórdão Freistaat Sachsen e o./Comissão (T‑132/96 e T‑143/96, EU:T:1999:326, n.o 167); confirmado em sede de recurso (acórdão Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, EU:C:2003:510, n.os 97 e 98).

( 34 ) V. conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo KA Finanz (C‑483/14, EU:C:2015:757).

( 35 ) V. ponto 25 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 36 ) V. pontos 9 e 18 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 37 ) V. acórdão Mulder e o./Conselho e Comissão (C‑104/89 e C‑37/90, EU:C:2000:38, n.o 15).

( 38 ) N.o 49 supra.

( 39 ) V., entre muitos outros, acórdão HGA e o./Comissão (C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 132 e jurisprudência aí referida).

( 40 ) V. pontos 16 a 18 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 41 ) V., nesse sentido, acórdão Plantanol (C‑201/08, EU:C:2009:539, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

( 42 ) V. acórdãos Delacre e o./Comissão (C‑350/88, EU:C:1990:71, n.o 33); e British Steel/Comissão (C‑1/98 P, EU:C:2000:644, n.o 52).

( 43 ) V. ponto 18 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 44 ) V. pontos 16, 41 e 47 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 45 ) V. acórdão Affish (C‑183/95, EU:C:1997:373, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

( 46 ) Nessa matéria, importa recordar que, nos termos do artigo 345.° TFUE, «[o]s Tratados em nada prejudicam o regime da propriedade nos Estados‑Membros».

( 47 ) Na minha perspetiva, essas medidas também incluem medidas de repartição dos encargos.

( 48 ) V., em especial, artigo 3.°, n.o 4, TUE e os artigos 119.° a 144.° TFUE.

( 49 ) V. especialmente artigo 119.°, n.o 3, TFUE. V. também, numa perspetiva mais geral, acórdão Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756).

( 50 ) V., em especial, a Recomendação do Conselho, de 9 de julho de 2013, relativa ao Programa Nacional de Reformas de 2013 da Eslovénia e que emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade da Eslovénia para 2012‑2016 (JO 2013, C 217, p. 75) e Comissão Europeia, European Economy — Macroeconomic Imbalances, Slovenia 2013 (Documento de trabalho ocasional n.o 142, abril de 2013).

( 51 ) V., nesse sentido, por analogia, despacho proferido no processo EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915, n.o 28).

( 52 ) Pelo contrário, a Comissão tem o dever de ajudar as autoridades dos Estados‑Membros naquela matéria, nos termos do artigo 4.°, n.o 3, TUE.

( 53 ) V., nesse sentido, por analogia, acórdão Iglesias Gutiérrez e Rion Bea (C‑352/14 e C‑353/14, EU:C:2015:691, n.o 29).

( 54 ) V., por exemplo, acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 355).

( 55 ) V. também acórdão do TEDH, Olczak c. Polónia do TEDH (petição n.o 30417/96). TEDH 2002‑X (excertos) e jurisprudência aí referida.

( 56 ) V. supra, n.o 72 das presentes conclusões.

( 57 ) Desta perspetiva, poder‑se‑ia inclusivamente questionar a terminologia utilizada na Comunicação sobre o setor bancário, dado que, na medida em que os investidores não sofrem, em teoria, qualquer prejuízo económico, afigura‑se que não é partilhado qualquer encargo. Não obstante, creio que os princípios estabelecidos na Comunicação sobre o setor bancário são coerentes com a jurisprudência do TEDH: segundo a jurisprudência assente desse tribunal, expropriar bens sem pagar um montante razoavelmente próximo do seu valor constituiria normalmente uma ingerência desproporcionada, que não poderia ser considerada justificada nos termos do artigo 1.° do Protocolo n.o 1. No entanto, o artigo 1.° não garante o direito a uma indemnização integral, uma vez que objetivos legítimos de «interesse público», como os que são prosseguidos através de medidas de reforma económica ou de medidas destinadas a alcançar uma maior justiça social, poderão impor o reembolso de um montante inferior ao valor integral de mercado. Em circunstâncias excecionais, até mesmo a inexistência de qualquer indemnização pode ser justificada (v. acórdão Lithgow e o. c. Reino Unido, petições n.os 9006/80; 9262/81; 9263/81; 9265/81; 9266/81; 9313/81; e 9405/81, 8 de julho de 1986, Série A, n.o 102).

( 58 ) V. considerando 3 da Diretiva 2012/30. V. também acórdão Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92, n.o 38).

( 59 ) V. considerandos 4 a 7 e 11 da Diretiva 2012/30.

( 60 ) V. Kersting, C., «Combating the Financial Crisis: European and German Corporate and Securities Laws and the Case for Abolishing Sovereign Debtors’ Privilege», Texas International Law Journal, 2012, 269‑324, p. 279.

( 61 ) Acórdão Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92).

( 62 ) Salientando a importância dos factos no acórdão Pafitis: Hüpkes, E.G.H., The Legal Aspects of Bank Insolvency: A Comparative Analysis of Western Europe, the United States and Canada, Kluwer, 2000, p. 63.

( 63 ) V. artigo 3.°, n.o 4, TUE.

( 64 ) V. n.o 43 do acórdão Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92).

( 65 ) V. considerandos 5 e 6 da Diretiva 2001/24.

( 66 ) V., especialmente, artigos 3.° a 8.° da Diretiva 2001/24.

( 67 ) Na doutrina jurídica, há também quem defenda que as considerações do Tribunal de Justiça no acórdão Pafitis não são aplicáveis a situações como as que se seguiram à crise financeira global: v., por exemplo, Attinger, B. J., «Crisis Management and Bank Resolution: Quo Vadis Europe?», Série de Documentos de Trabalho Jurídicos do Banco Central Europeu n.o 13, dezembro de 2011, p. 29; e Kern, A., «Bank Resolution Regimes: Balancing Prudential Regulation and Shareholder Rights», Journal of Corporate Law Studies, (2009), 61‑93, pp. 75 e 76.

( 68 ) Para um resumo da legislação adotada por alguns desses Estados‑Membros (que incluem, além da Eslovénia, a Bélgica, a França, a Alemanha e a Itália), v. Kern, A., op. cit., p. 78.

( 69 ) V. Mnenje Evropske centralne banke z dne 15. oktobra 2013 o ukrepih za reorganizacijo bank (CON/2013/73) (Parecer do BCE, de 15 de outubro de 2013, sobre as medidas de reorganização bancária).

( 70 ) V. considerandos 4 e 9 da Diretiva 2014/59.

( 71 ) Embora este não seja, em rigor, um argumento jurídico, é legítimo, ainda assim, questionar se — caso a legislação da União se tivesse revelado manifestamente um obstáculo à adoção da referida legislação nacional — as instituições da União não teriam reagido a essa situação, quer aplicando coercivamente as disposições alegadamente violadas quer alterando a legislação da União.

( 72 ) O órgão jurisdicional de reenvio observa que o título IV da Diretiva 2014/59 prevê vários instrumentos de resolução, incluindo instrumentos de recapitalização interna («bail‑in»), que são essencialmente equivalentes aos referidos na Comunicação sobre o setor bancário.

( 73 ) V. considerandos 11 e 12 da diretiva.

( 74 ) V. acórdãos ABNA e o. (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, EU:C:2005:741, n.o 68); S.P.C.M. e o. (C‑558/07, EU:C:2009:430, n.o 41); e Vodafone e o. (C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 51).

( 75 ) V., por analogia, pontos 20 e 46 da Comunicação sobre o setor bancário.

( 76 ) Com efeito, tanto quanto é do meu conhecimento, pelo menos um Estado‑Membro também impôs medidas de repartição dos encargos sobre os credores de dívida prioritária durante a recente crise.

( 77 ) V. artigo 2.°, sexto travessão, e artigo 3.° da Diretiva 2001/24.

( 78 ) Conforme já foi mencionado, os instrumentos de resolução previstos na Diretiva 2014/59 incluem alguns instrumentos de recapitalização interna que são semelhantes às medidas de repartição dos encargos impugnadas pelos demandantes no processo principal.

( 79 ) V. acórdão LBI (C‑85/12, EU:C:2013:697, n.o 39).

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