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Document 62014CC0263

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 28 de outubro de 2015.
Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação — Política externa e de segurança comum (PESC) — Decisão 2014/198/PESC — Acordo entre a União Europeia e a República Unida da Tanzânia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República Unida da Tanzânia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos — Escolha da base jurídica — Dever de informar o Parlamento Europeu imediata e plenamente em todas as fases do processo de negociação e celebração de acordos internacionais — Manutenção dos efeitos da decisão em caso de anulação.
Processo C-263/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:729

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 28 de outubro de 2015 ( 1 )

Processo C‑263/14

Parlamento Europeu

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação — Decisão 2014/198/PESC do Conselho — Operação ATALANTA — Acordo entre a União Europeia e a República Unida da Tanzânia — Transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República Unida da Tanzânia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e entrega dos bens apreendidos — Escolha da base jurídica correta — Política externa e de segurança comum (PESC, artigo 37.o TUE) — Cooperação judiciária em matéria penal e cooperação policial (artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE) — Direito de participação do Parlamento Europeu em relação aos “acordos internacionais que incidam exclusivamente sobre a PESC” (artigo 218.o, n.o 6, TFUE) — Informação imediata e plena do Parlamento (artigo 218.o, n.o 10, TFUE) — Manutenção dos efeitos da decisão»

I – Introdução

1.

A entrega pela União Europeia de um pirata às autoridades da República Unida da Tanzânia constitui fundamentalmente um ato de política externa e de segurança comum? Ou inclui semelhante medida também uma componente importante de cooperação internacional dos serviços policiais e de investigação criminal? São estas, no essencial, as questões jurídicas para cujo esclarecimento o Tribunal de Justiça é chamado no presente caso. Para o efeito, ele pode usar como base os princípios que estabeleceu no processo C‑658/11 ( 2 ).

2.

Tal como no processo C‑658/11, trata‑se neste caso da operação militar na qual a União Europeia participa, desde há já bastante tempo, sob a forma de uma força naval por ela liderada na luta contra a pirataria ao largo das costas da Somália. As pessoas capturadas e os bens apreendidos pelos navios de guerra dos Estados‑Membros da UE são, em muitos casos, transferidos para Estados terceiros dessa região para efeitos de exercício da ação penal. Para estabelecer as especificidades dessa transferência, a União Europeia celebrou acordos internacionais com esses Estados terceiros — no processo C‑685/11 com a Maurícia, no presente caso com a Tanzânia.

3.

No presente caso, o Parlamento Europeu litiga de novo com o Conselho da União Europeia sobre a escolha da base jurídica material para a celebração desses acordos. Enquanto o Conselho baseou a sua Decisão 2014/198/PESC ( 3 ) para aprovação do acordo com a Tanzânia ( 4 )apenas nas disposições sobre a política externa e de segurança comum, nomeadamente, no artigo 37.o TUE, o Parlamento entende que deveriam ter sido adicionalmente invocadas as disposições sobre cooperação judiciária em matéria penal e cooperação policial, mais exatamente os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE.

4.

À primeira vista, tudo isto pode parecer um detalhe técnico que não desperta, de longe, a mesma emoção que muitos dos trabalhos literários sobre o tema dos piratas ( 5 ). Não obstante, a problemática aqui em discussão é de grande importância política e mesmo constitucional, porque se trata de definir os contornos da política externa e de segurança comum e de a delimitar relativamente a outras políticas ( 6 ). Através da escolha da base jurídica material são, em grande medida, predeterminadas as competências do Parlamento Europeu. A concluir‑se que o acordo em litígio — como aconteceu neste caso — devia ser incluído exclusivamente na PESC e, por isso, devia ser celebrado com base apenas no artigo 37.o TUE, nesse caso, o Parlamento não teria, de acordo com o disposto no artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, primeira frase, TFUE, qualquer direito de participação nem sequer o direito de ser ouvido. Se, pelo contrário, fosse juridicamente correto escolher como base jurídica uma combinação do artigo 37.o TUE e dos artigos 82.°, n.os 1 e 2, TFUE e 87.°, n.o 2, TFUE, nesse caso o acordo em litígio teria, segundo o artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, alínea a), v), TFUE, necessitado a aprovação do Parlamento. A amplitude das competências da Comissão Europeia no procedimento para celebração desse tipo de acordo internacional depende também, em medida não negligenciável, da escolha da base jurídica.

5.

A discussão sobre a escolha da base jurídica correta constitui assim, também, o objeto principal do presente recurso de anulação que o Parlamento interpôs contra o Conselho. No entanto, além disso, as partes discutem igualmente acerca do âmbito do dever do Conselho, segundo o artigo 218.o, n.o 10, TFUE, de informar imediata e plenamente o Parlamento em todas as fases do processo para celebração de um acordo internacional.

II – Quadro jurídico

6.

O quadro jurídico deste caso é determinado pelos artigos 216.° TFUE e 218.° TFUE, ambos incluídos no título V do TFUE relativo aos «Acordos Internacionais».

7.

No artigo 216.o, n.o 1, TFUE, está sintetizado em que base jurídica material pode a União, depois do Tratado de Lisboa, celebrar acordos internacionais:

«A União pode celebrar acordos com um ou mais países terceiros ou organizações internacionais quando os Tratados o prevejam ou quando a celebração de um acordo seja necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados ou quando tal celebração esteja prevista num ato juridicamente vinculativo da União ou seja suscetível de afetar normas comuns ou alterar o seu alcance.»

8.

O artigo 218.o TFUE regula o processo de negociação e celebração de acordos internacionais e tem a redação que a seguir se transcreve em parte:

«[…]

(4)   O Conselho pode endereçar diretrizes ao negociador e designar um comité especial, devendo as negociações ser conduzidas em consulta com esse comité.

(5)   O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor.

(6)   O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão de celebração do acordo.

Exceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a política externa e de segurança comum, o Conselho adota a decisão de celebração do acordo:

a)

Após aprovação do Parlamento Europeu, nos seguintes casos:

[…]

v)

Acordos que abranjam domínios aos quais seja aplicável o processo legislativo ordinário ou o processo legislativo especial, quando a aprovação do Parlamento Europeu é obrigatória.

O Parlamento Europeu e o Conselho podem, em caso de urgência, acordar num prazo para a aprovação;

b)

Após consulta ao Parlamento Europeu, nos restantes casos. [...]

[…]

(10)   O Parlamento Europeu é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo.

[…]»

9.

De um ponto de vista jurídico‑substantivo é também importante, a este propósito, o artigo 37.o TUE, que faz parte do título V, capítulo 2, do Tratado UE sobre a «Política externa e de segurança comum» e está incluído na secção 1 «Disposições comuns». Esta disposição prevê:

«A União pode celebrar acordos com um ou mais Estados ou organizações internacionais nos domínios que se insiram no âmbito do presente capítulo.»

10.

Além disso, devem referir‑se os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE, que estão incluídos no título V do Tratado FUE sobre o «Espaço de liberdade, segurança e justiça».

11.

O artigo 82.o TFUE diz respeito à cooperação judiciária em matéria penal. De acordo com o n.o 1, segundo parágrafo, o Parlamento Europeu e o Conselho podem, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adotar «medidas», entre outras, destinadas a

«Apoiar a formação de magistrados e de funcionários e agentes de justiça» [alínea c)] e

i)

«Facilitar a cooperação entre as autoridades judiciárias ou outras equivalentes dos Estados‑Membros, no âmbito da investigação e do exercício da ação penal, bem como da execução de decisões» [alínea d)].

12.

Além disso, o artigo 82.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, permite ao Parlamento Europeu e ao Conselho, através de diretivas adotadas de acordo com o processo legislativo ordinário, estabelecer regras mínimas relativas aos processos penais, entre outras, sobre

«A admissibilidade mútua dos meios de prova entre os Estados‑Membros» [alínea a)] e

«Os direitos individuais em processo penal» [alínea b)].

13.

O artigo 87.o TFUE tem por objeto a cooperação policial. De acordo com o n.o 2, alínea a), desta disposição, o Parlamento Europeu e o Conselho podem, para efeitos do desenvolvimento desta colaboração, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, estabelecer medidas que digam respeito à recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações pertinentes.

III – Antecedentes do litígio

14.

Face aos casos, cada vez mais frequentes, de pirataria ao largo da Costa da Somália, em finais de 2008, o Conselho aprovou no quadro da política externa e de segurança comum da União, uma Ação Comum ( 7 ), pela qual foi decidido levar a cabo uma operação militar comum — denominada: «Operação ATALANTA». O objeto desta operação era o estabelecimento de uma força militar naval coordenada pela UE (EUNAVFOR) para a proteção dos navios vulneráveis que navegam nas costas da Somália, bem como para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo daquela costa.

15.

De acordo com o artigo 1.o, n.o 1, da ação comum, com esta operação militar, que nessa altura foi decidida com base nos artigos 14.°TUE, 25.°, n.o 3, TUE e 28.°, n.o 3, TUE ( 8 ), a União apoiava os objetivos estabelecidos pelo Conselho nas suas Resoluções 1814, 1816, 1838, 1846 e 1851 do ano de 2008, e invocava, além disso, o artigo 100.o e segs. da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ( 9 ).

16.

O mandato da EUNAVFOR inclui, nos termos do artigo 2.o, alínea e), da ação comum, «[t]endo em vista a eventual instauração de processos judiciais pelos Estados competentes», nomeadamente, o poder de «deter, manter detidas e transferir as pessoas sobre as quais exista a suspeita de que, conforme indicado nos artigos 101.° e 103.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tencionam cometer, cometem ou cometeram atos de pirataria ou assaltos à mão armada», e ainda de «apresar os navios dos piratas ou assaltantes à mão armada ou os navios capturados na sequência de um ato de pirataria ou de um assalto à mão armada e que estejam na posse dos piratas, bem como os bens que se encontrem a bordo».

17.

Nos termos do artigo 10.o, n.o 3, primeira frase, da ação comum as «modalidades exatas da participação de Estados terceiros» nas ações da EUNAVFOR «são objeto de acordos a celebrar nos termos do artigo [37.° TUE]». Além disso, dispõe‑se no artigo 10.o, n.o 6, da ação comum que:

«As condições de transferência das pessoas detidas para um Estado terceiro que participe na operação, tendo em vista o exercício da respetiva jurisdição, são decididas por ocasião da celebração ou da execução dos acordos de participação a que se refere o n.o 3.»

18.

Em articulação com o que antecede, o artigo 12.o da ação comum estabelece os requisitos gerais a respeitar pela EUNAVFOR quando transfere as pessoas detidas para os Estados‑Membros da União Europeia ou para Estados terceiros no caso de o Estado‑Membro ou o Estado terceiro sob cuja bandeira o navio da EUNAVFOR navega não poderem ou não desejarem exercer a sua jurisdição. O objetivo é o exercício da ação penal com respeito por determinadas regras mínimas. A transferência de pessoas para um Estado terceiro pressupõe, de acordo com o artigo 12.o, n.o 3, da ação comum, que «as condições dessa transferência tenham sido decididas com esse Estado terceiro de modo conforme com o direito internacional aplicável, nomeadamente o direito internacional dos direitos humanos, para garantir, em especial, que ninguém seja sujeito à pena de morte, tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante».

19.

Neste contexto, a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança negociou, com base na autorização do Conselho de 22 de março de 2010, o acordo em litígio com a Tanzânia sobre as condições de transferência da força naval liderada pela União Europeia para a República Unida da Tanzânia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos ( 10 ).

20.

Pela decisão impugnada, a qual assenta no artigo 37.o TUE como única base jurídica material e no artigo 218.o, n.os 5 e 6, TFUE como base legal formal ( 11 ), o Conselho aprovou aquele acordo e autorizou a sua assinatura em nome da União sem o acordo ou a audição do Parlamento. O acordo foi, seguidamente, assinado em 1 de abril de 2014.

21.

O Parlamento defende o ponto de vista de que, em relação à decisão impugnada, deviam ser invocados além do artigo 37.o TUE também os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE como base jurídica material adicional e, por conseguinte, esta decisão necessitaria, de acordo com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE, da sua aprovação.

22.

No que respeita à informação do Parlamento, o Conselho notificou esta instituição, por carta de 22 de março de 2010, da concessão da autorização para negociações com vista a um acordo nos termos do artigo 37.o TUE. O Conselho não forneceu ao Parlamento quaisquer elementos sobre o posterior andamento das negociações. Só depois da conclusão do processo, o Conselho comunicou ao Parlamento, por carta de 19 de março de 2014, que aprovara o acordo em litígio e autorizara a sua assinatura sem, no entanto, lhe dar conhecimento do teor da decisão impugnada e do texto do acordo em litígio. O Parlamento apenas teve a possibilidade de tomar conhecimento do respetivo conteúdo através da publicação da decisão e do acordo no Jornal Oficial da União Europeia que ocorreu em 11 de abril de 2014.

23.

No entender do Parlamento, o Conselho não cumpriu, por isso, de forma suficiente o dever a que está obrigado, nos termos do artigo 218.o, n.o 10, TFUE, de informar imediata e plenamente o representante do povo.

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

24.

Por requerimento de 28 de maio de 2014, o Parlamento interpôs o presente recurso de anulação, nos termos do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE.

25.

Em conformidade com o artigo 131.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o Presidente do Tribunal de Justiça admitiu a Comissão Europeia como interveniente em apoio do Parlamento bem como a República Checa, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte como intervenientes em apoio do Conselho.

26.

Apoiado pela Comissão, o Parlamento pede,

a anulação da Decisão 2014/198/PESC do Conselho, de 10 de março de 2014,

que seja decretada a manutenção dos efeitos desta decisão até à sua substituição, e

a condenação do Conselho nas despesas.

27.

O Conselho, por sua vez, apoiado pelos outros intervenientes, pede que seja negado provimento ao recurso. Além disso, o Conselho e a República Checa pedem a condenação do Parlamento nas despesas.

28.

Caso a decisão impugnada deva ser anulada, o Conselho pede ainda ao Tribunal de Justiça que mantenha os efeitos da decisão até a mesma ser substituída, e, nesse caso,

ou até ao momento da sua substituição, caso a anulação assente na constatação da escolha de uma base jurídica incorreta de acordo com o primeiro fundamento,

ou sem limitação no tempo, caso a anulação se baseie apenas na constatação de uma insuficiente informação do Parlamento na aceção do segundo fundamento.

29.

A República Checa e o Reino Unido pedem também, expressamente, que, em caso de anulação da decisão impugnada, os seus efeitos sejam mantidos ( 12 ), solicitando a República Checa simplesmente ao Tribunal de Justiça que faça uso da sua competência nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, enquanto o Reino Unido o convida a adotar o mesmo procedimento que no processo C‑658/11.

30.

O recurso do Parlamento foi tramitado por escrito perante o Tribunal de Justiça ( 13 ) e foram ouvidas as alegações na audiência de 22 de setembro de 2015.

V – Disposições relevantes do acordo em litígio

31.

No artigo 1.o do acordo em litígio são definidas as condições e modalidades de transferência, da EUNAVFOR para a Tanzania, das pessoas suspeitas de atos de pirataria detidas pela EUNAVFOR, e dos bens conexos por esta apreendidos e ainda as condições de tratamento a dar às pessoas em causa.

32.

No artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do acordo estabelece‑se que a Tanzânia decidirá, caso a caso, se aceita, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, incluindo o local do incidente, a transferência das pessoas e bens pela EUNAVFOR.

33.

Nos termos do artigo 3.o, n.o 3 e 4.°, n.o 1, do acordo, as Partes tratarão as pessoas antes e depois da transferência, com humanidade e de acordo com as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, incluindo a proibição da tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a proibição da detenção ilegal, e no respeito pelo direito a um julgamento equitativo. Do artigo 4.o, n.o 1, segunda parte, do acordo, resulta, além disso que as pessoas transferidas receberão alojamento e alimentação adequados, terão acesso a assistência médica e poderão cumprir as suas práticas religiosas.

34.

Do artigo 4.o, n.os 2 a 7 do acordo, constam outros direitos das pessoas transferidas, em especial, o direito a um julgamento equitativo bem como a serem julgadas dentro de um prazo razoável, ou a serem libertadas.

35.

Do artigo 5.o do acordo resulta que nenhuma pessoa transferida será julgada por crime a que corresponda pena máxima mais severa do que a prisão perpétua.

36.

No artigo 6.o do acordo regulam‑se os deveres de registo que da EUNAVFOR em relação às pessoas transferidas e que registos devem ser transmitidos às autoridades da Tanzânia.

37.

O artigo 7.o do acordo trata do dever da União e da EUNAVFOR de facilitar a investigação e o exercício da ação penal pela justiça da Tanzânia.

38.

Finalmente, é ainda de salientar que, no preâmbulo do acordo, é feita menção expressa à ação comum. Além disso, remete‑se ali para diversos instrumentos de direito internacional, em especial, as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar aplicáveis.

VI – Apreciação jurídica

39.

O recurso de anulação interposto pelo Parlamento baseia‑se em dois fundamentos, dos quais o primeiro tem por objeto a escolha da base jurídica correta para a decisão impugnada (v. a este respeito, a parte B, infra), ao passo que o segundo diz respeito ao dever do Conselho de informar plena e imediatamente o Parlamento, em todas as fases do processo para celebração de um acordo internacional (v. a este respeito, a parte C, infra).

40.

Antes de me concentrar na apreciação do mérito de ambos os fundamentos, devo abordar brevemente a competência do Tribunal de Justiça para o presente processo (v. a este respeito, a parte A, infra).

A – Quanto à competência do Tribunal de Justiça

41.

Em princípio, a competência jurisdicional do Tribunal de Justiça da União Europeia abrange, depois do Tratado de Lisboa, todas as matérias de direito da União, sendo os tribunais da União chamados a interpretar todas as disposições do direito da União bem como a fiscalizar a legalidade de todos os atos das instituições, órgãos e outros organismos da União (artigos 19.°, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, 263.°, primeiro parágrafo, TFUE e 267.°, primeiro parágrafo, TFUE).

42.

Em derrogação a este princípio, o Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe de competência quer no que respeita às disposições de direito primário sobre a PESC, quer no que diz respeito aos atos adotados com base nessas disposições (v. artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, em conjugação com o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE). Quanto a isto, porém, o artigo 275.o°, segundo parágrafo, TFUE, abre de novo uma exceção, na medida em que estabelece, inter alia, a competência dos tribunais da União para a fiscalização da observância do artigo 40.o TUE.

43.

Esta última exceção tem, precisamente, influência quanto ao primeiro fundamento do Parlamento, no qual se analisa a escolha da base jurídica correta. Mesmo se, lamentavelmente, o Parlamento não invoca, em momento algum, de forma expressa o artigo 40.o TUE, ele aponta, no entanto, de forma evidente, do ponto de vista substantivo, para a problemática, regulada nesse artigo, da delimitação entre a PESC, por um lado, e os domínios de políticas «comuns», por outro. Se o Conselho tivesse incorretamente baseado a decisão impugnada apenas na PESC, como o Parlamento alega, em vez de a basear, adicionalmente, também, nas disposições sobre a cooperação judiciária em matéria penal e sobre a cooperação policial, ele teria interferido nas competências das outras instituições no domínio da liberdade, segurança e da justiça, o que é proibido pelo artigo 40.o, n.o 1, TUE e pode, segundo o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE, ser fiscalizado pelo Tribunal de Justiça.

44.

No que diz respeito ao segundo fundamento do Parlamento, este apoia‑se no dever geral de informação nos termos do artigo 218.o, n.o 10.°, TFUE, portanto numa disposição que — como o Tribunal de Justiça já decidiu no processo C‑658/11 ( 14 ) — não pertence, enquanto tal, às disposições de direito primário da PESC no título V, capítulo 2, do Tratado UE, mas que tem alcance geral, sendo aplicável a todos os processos da União para celebração de acordos internacionais. Em consequência, esta disposição não é afetada pela limitação das competências judiciais como resulta, quanto à PESC, do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, em conjugação com o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE.

45.

A República Checa convida o Tribunal de Justiça no presente processo a repensar a jurisprudência vertida no acórdão C‑658/11 quanto ao artigo 218.o, n.o 10, TFUE e, eventualmente, a introduzir‑lhe alguns matizes.

46.

No entanto, contrariamente ao entendimento da República Checa, não se pode concluir, de modo algum, do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, em conjugação com o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, que o Tribunal de Justiça, no caso de um recurso com base no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, teria a sua competência restringida, pelo que deveria limitar‑se simplesmente a declarar uma violação do dever de informação do Parlamento sem anular a decisão impugnada.

47.

O Tribunal de Justiça ou é competente ou incompetente. As exceções à sua competência necessitam de estar expressamente previstas e devem ser interpretadas estritamente. Relativamente às competências para o tratamento dos recursos de anulação nos termos do artigo 40.o TUE ou do artigo 218.o, n.o 10, TFUE não estão previstas graduações nem no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, nem no primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE ( 15 ).

48.

Fora destes casos, a prolação de um acórdão declarativo como a República Checa parece ter em mente, seria incompatível com a natureza do recurso de anulação. Estaria em contradição com o artigo 264.o TFUE, o qual regula as consequências jurídicas da procedência desse recurso e que afirma claramente o caráter cassatório do recurso de anulação. Não se encontra nem no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, nem no primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE qualquer ponto de apoio para a não aplicação do artigo 264.o TFUE.

49.

Em síntese, o Tribunal de Justiça é, por conseguinte, perfeitamente competente para o presente recurso, incluindo para a eventual anulação da decisão impugnada ( 16 ).

B – Quanto à escolha da base jurídica correta (primeiro fundamento)

50.

Através do seu primeiro fundamento, que constitui a questão central deste processo, o Parlamento põe em causa a base jurídica escolhida pelo Conselho para a decisão impugnada.

51.

O Parlamento alega que constituiu um erro de direito basear esta decisão apenas na PESC, mais precisamente no artigo 37.o TUE. Em sua opinião seria necessário invocar também os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE, duas disposições, portanto, do domínio da cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policial, como bases jurídicas adicionais. O Parlamento pronuncia‑se assim, afinal, por uma dupla base jurídica material que conjuga as competências da PESC com as do espaço de liberdade, segurança e justiça. Se uma combinação de bases jurídicas destas duas áreas políticas não for possível por os procedimentos previstos para cada uma delas serem incompatíveis um com o outro, nesse caso, o Parlamento considera apenas aplicáveis — como afirmou claramente na audiência — os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE ( 17 ).

Observação preliminar

52.

A jurisprudência já esclareceu que um ato jurídico da União — incluindo a decisão de aprovação de um acordo internacional ( 18 ) — pode basear‑se numa dupla base jurídica material. Isto é sempre necessário quando se conclui que o ato jurídico em causa prossegue simultaneamente várias finalidades ou inclui várias componentes que estão interligadas de forma indissociável, sem que uma seja acessória relativamente à outra, de modo que diferentes disposições do Tratado são aplicáveis em pé de igualdade ( 19 ).

53.

Contrariamente ao entendimento do Conselho e dos intervenientes que o apoiam, o Tribunal de Justiça não descartou, de modo algum, a possibilidade de semelhante dupla base jurídica num caso como o presente. Em particular, o acórdão proferido no processo C‑658/11 não apresenta nenhuma decisão que possa constituir um precedente a este respeito.

54.

É verdade que esse acórdão diz respeito a um acordo internacional — o acordo com a Maurícia — cujo conteúdo era, no essencial, semelhante ao do acordo em litígio neste processo. No entanto, o Tribunal de Justiça não tomou nessa decisão uma posição definitiva sobre qual a base jurídica material adequada, dado que o Parlamento, ali recorrente, — ao contrário do que acontece aqui — não pôs em dúvida a aplicabilidade exclusiva do artigo 37.o TUE e reconheceu mesmo que a autorização do acordo UE‑Maurícia «podia legitimamente basear‑se unicamente no artigo 37.o TUE, com exclusão de qualquer outra base jurídica substantiva» ( 20 ). Em consequência, no processo C‑658/11, o Tribunal de Justiça, partindo das críticas então feitas pelo Parlamento, concentrou‑se na interpretação da disposição processual específica do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, primeira frase, TFUE.

55.

Mesmo que, seguindo o Conselho e os intervenientes que o apoiam, se queira presumir que o Tribunal de Justiça decidiu, pelo menos implicitamente, a questão da base jurídica material adequada no processo C‑658/11 ( 21 ), tal não permitiria ainda, no presente processo, qualquer apreciação definitiva da crítica formulada pelo Parlamento. Efetivamente, segundo jurisprudência constante, para a fiscalização da base jurídica da decisão aqui impugnada não é pertinente a base jurídica adotada para outros atos da União que se revistam, eventualmente, de características semelhantes ( 22 ).

56.

Por conseguinte, no caso presente, deve submeter‑se a questão da base jurídica material para a decisão impugnada — incluindo a possibilidade de, eventualmente, esta decisão assentar numa dupla base jurídica, a uma análise específica.

57.

Não está de modo algum excluído que, para a ação externa da União, se recorra a bases jurídicas diferentes da PESC, conforme o Parlamento e a Comissão aqui defendem. Assim, por exemplo, está expressamente reconhecido no artigo 21.o, n.o 3, TUE que, além da PESC, também outras das suas políticas podem incluir «aspetos externos». Por conseguinte, é, em princípio, perfeitamente admissível invocar para a autorização de um acordo internacional da União competências nos domínios do espaço da liberdade, segurança e justiça ou fundamentar a mesma, através da junção dessas competências, numa dupla base jurídica material.

58.

A isto não se pode opor que, nas disposições de direito primário sobre o espaço de liberdade, segurança e justiça — nomeadamente em ambos os capítulos do TUE aqui em discussão sobre a cooperação judiciária em matéria penal e a cooperação policial — não existem normas de competência expressas para uma atuação internacional ( 23 ). É sabido que às instituições da União podem, em determinadas circunstâncias, ser também atribuídas competências externas implícitas. Inicialmente essas competências derivavam, de acordo com a chamada «doutrina ERTA», das competências existentes para atos internos ( 24 ). Atualmente, essas competências externas estão mesmo expressamente inscritas nos Tratados pelo artigo 216.o, n.o 1, TFUE. Assim, se se quiser invocar hoje a doutrina ERTA deve‑se, no ato jurídico da União em causa, fazer referência expressa ao artigo 216.o°, n.o 1, TFUE ( 25 ).

59.

A apreciação da questão de saber se no caso em apreço era necessária a inclusão de bases jurídicas das áreas da cooperação judicial em matéria penal (artigo 82.o TFUE) e da cooperação policial (artigo 87.o TFUE), deve orientar‑se de acordo com jurisprudência constante, por elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo da decisão impugnada ( 26 ), mas também o contexto em que essa decisão se inscreve ( 27 ).

Inexistência de conexão suficiente com o espaço de liberdade, segurança e justiça

60.

Se olharmos apenas para o conteúdo do acordo em litígio, temos de considerar, tal como o Parlamento e a Comissão, que o mesmo contém numerosas estipulações que são típicas de uma cooperação judiciária em matéria penal transfronteiriça e de uma cooperação policial transfronteiriça. Trata‑se, neste caso, da transferência de pessoas e da transferência de bens para efeitos de exercício da ação penal ( 28 ) bem como dos direitos das pessoas em causa, tendo em vista um tratamento com humanidade e com respeito pela legalidade ( 29 ). Além disso, o acordo regula os deveres que se aplicam à União e à EUNAVFOR ( 30 ) quanto a registos e notificações, e de que medida estas devem prestar assistência às autoridades competentes da Tanzânia, tendo em vista a investigação e o exercício da ação penal contra as pessoas transferidas ( 31 ).

61.

Neste contexto, o conteúdo do acordo em litígio apresenta, sem dúvida, uma certa afinidade com as matérias que são reguladas no espaço de liberdade, segurança e justiça, em especial no que respeita à cooperação das autoridades no âmbito do exercício da ação penal [artigo 82.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea d), TFUE], à recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações pertinentes [artigo 87.o, n.o 2, alínea a), TFUE], à admissibilidade mútua dos meios de prova [artigo 82.o, n.o 2, segundo parágrafo, alínea a), TFUE], aos direitos individuais em processo penal [artigo 82.o, n.o 2, segundo parágrafo, alínea b), TFUE] bem como à formação do pessoal dos serviços competentes [artigo 82.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), TFUE].

62.

No entanto, afigura‑se demasiado insuficiente concluir, com base apenas nesta similitude de conteúdo, que os artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE deviam necessariamente ter sido utilizados como bases jurídicas adicionais para a decisão impugnada. Efetivamente, quando são adotadas medidas tendo uma determinada relação com os objetivos da cooperação judiciária em matéria penal ou com a cooperação policial, nem sempre são necessariamente as disposições sobre o espaço de liberdade, segurança e justiça que constituem a sedes materiae ( 32 ).

63.

Decisivo é, como o Conselho e o Reino da Suécia muito justamente salientaram, que as disposições dos artigos 82.° TFUE e 87.° TFUE aqui em análise apenas tratam da cooperação no interior da União. Por um lado, isso resulta logo do exame do teor de ambas as disposições ( 33 ), por outro, resulta também do conceito de espaço de liberdade, segurança e justiça, a cuja realização essas disposições se destinam: é a União que oferece às suas cidadãs e cidadãos esse mesmo espaço, e é a União que constitui esse espaço (artigo 67.o, n.o 1, TFUE), colocando‑se a tónica num espaço sem fronteiras internas (artigos 3.°, n.o 2, TUE e 67.°, n.o 2, TFUE).

64.

Em contrapartida, a decisão impugnada — em concreto, o acordo em litígio que a mesma aprova — não regula a cooperação judiciária ou policial intra‑União. Também não afeta ou altera esta cooperação na aceção da última hipótese prevista no artigo 216.o, n.o 1, TFUE. Ao invés, ao contrário do que o Parlamento e a Comissão consideram, a competência penal dos Estados‑Membros para os crimes internacionais como a pirataria permanece completamente inalterada pelo acordo. Objeto do acordo é só a cooperação com as autoridades da Tanzânia, um Estado terceiro, e mesmo assim apenas no caso de as autoridades dos Estados‑Membros não exercerem, elas próprias, a ação penal ( 34 ).

65.

É certo que podem ocorrer casos nos quais a cooperação com um Estado‑terceiro também seja adequada para a realização dos objetivos do espaço de liberdade, segurança e justiça no interior da União (v. a segunda hipótese prevista no artigo 216.o, n.o 1, TFUE) e que conferem assim a este espaço uma «dimensão externa», no verdadeiro sentido da palavra. Podemos recordar, por exemplo, a inclusão da Noruega, da Islândia, do Liechtenstein e da Suíça no espaço Schengen ou a Convenção de Lugano que inclui alguns desses Estados em determinados aspetos da cooperação judiciária em matéria civil. Semelhantes repercussões dos atos internacionais nos domínios internos da União não são, no entanto, identificáveis no caso de uma cooperação com a Tanzânia da qual a decisão impugnada e o acordo em litígio constituem as bases jurídicas.

66.

Através da referida cooperação da União com a Tanzânia deve ser promovida apenas a segurança internacional fora do território da União: é um contributo muito importante para uma luta efetiva e sustentada contra a pirataria nos oceanos e, desse modo, para a melhoria da segurança global a nível mundial, se pessoas suspeitas de atos de pirataria forem submetidas, de forma eficaz, a uma justa aplicação da lei penal segundo os princípios do Estado de direito.

67.

Não se vislumbra, pelo contrário, uma conexão específica com a segurança dentro da União Europeia ou com a segurança nacional dos seus Estados‑Membros. A mesma seria, se porventura existisse, apenas de natureza indireta. Efetivamente, na cooperação com a Tanzânia não se trata da luta e do exercício da ação penal contra a pirataria ao largo das costas europeias, mas sim no muito longínquo Corno de África, ao largo da costa da Somália.

68.

Tão pouco se pode deduzir uma dimensão interna da União da simples circunstância de os suspeitos piratas que devem ser transferidos pela EUNAVFOR para as autoridades da Tanzânia, se encontrarem temporariamente a bordo de navios de guerra de Estados‑Membros da União e aí estarem detidos. É que, embora as pessoas em causa estejam temporariamente sujeitas à soberania dos Estados‑Membros e, consequentemente, também possam vir a beneficiar das garantias jurídicas da União, em especial, da Carta dos Direitos Fundamentais ( 35 ), isso não significa que as mesmas se encontrem no território da União e, desse modo, no âmbito geográfico de aplicação do espaço de liberdade, segurança e justiça.

69.

Pela mesma razão, o presente caso não é, de resto, comparável com a situação de um acordo de readmissão na aceção do artigo 79.o, n.o 3, TFUE. Pois aí trata‑se — ao contrário deste caso — precisamente da transferência para Estados terceiros de pessoas que permaneceram ilegalmente no território da União.

Fundamentação do acordo em litígio na PESC

70.

Em última instância, a cooperação com a Tanzânia enquadra‑se num contexto genuíno de política externa e de segurança. Trata‑se de uma «missão no exterior da União» para o «reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas», cuja execução a União fixou como objetivo no âmbito da PESC, mais exatamente no quadro da sua política comum de segurança e defesa (artigos 42.°, n.o 1, segunda frase, TUE e 43.°, n.o 1, TUE).

71.

De acordo com o seu preâmbulo e, também, com o preâmbulo da decisão impugnada, o acordo em litígio destina‑se a dar aplicação a várias Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e concretiza as condições jurídicas para as atividades da EUNAVFOR no quadro da «Operação ATALANTA» ( 36 ), uma operação militar comum no âmbito de aplicação material da PESC.

72.

A circunstância de o acordo em litígio, enquanto quadro de condições para a cooperação com a Tanzânia, também impor um tratamento com humanidade das pessoas detidas bem como o respeito de determinados princípios do Estado de direito, não constitui argumento contra a sua inclusão na PESC. É que os princípios do Estado de direito e a proteção dos direitos humanos fazem parte, de uma forma geral, dos princípios da ação externa da União, os quais devem ser observados e postos em prática não só mas também no quadro da PESC (artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, n.o 2, alínea b) e n.o 3, TFUE) ( 37 ).

73.

Em conclusão, o Conselho fundamentou assim corretamente na PESC, em concreto no artigo 37.o TUE, como única base jurídica para a decisão impugnada ( 38 ). Em consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento invocado pelo Parlamento.

C – Quanto à informação ao Parlamento (segundo fundamento)

74.

No segundo fundamento alega‑se que o Parlamento não foi, em violação do artigo 218.o, n.o 10, TFUE, imediata e plenamente informado em todas as fases de processo para celebração do acordo em litígio.

75.

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 218.o, n.o 10, TFUE aplica‑se a todos os acordos internacionais da União e, portanto, também aos que — como o aqui em litígio — dizem exclusivamente respeito à PESC ( 39 ). No entanto, o âmbito dos deveres do Conselho em relação ao Parlamento nos termos desta disposição é ainda altamente discutido.

Considerações gerais

76.

A redação utilizada no artigo 218.o, n.o 10, TFUE aponta para um dever muito amplo de informação do Conselho: o Parlamento deve ser informado «imediata» e «plenamente» e «em todas as fases do processo». Reflete‑se aí um princípio democrático fundamental que deve ter aplicação em qualquer processo decisório da União ( 40 ) (v. artigo 2.o TUE), incluindo também no domínio da política externa e de segurança.

77.

Contrariamente ao advogado‑geral Y. Bot ( 41 ) e a alguns intervenientes no processo, não sou decididamente da opinião de que, quanto à informação do Parlamento nos termos do artigo 218.o, n.o 10, TFUE, sejam de colocar exigências mais ou menos rigorosas consoante o Parlamento deva, de acordo com o artigo 218.o, n.o 6, TFUE, dar a sua aprovação a um acordo internacional, deva ser consultado ou — como no caso em apreço — não disponha quanto a esse acordo de quaisquer direitos de participação formal.

78.

A fiscalização democrática não se esgota no exercício dos direitos de participação formal e a informação do Parlamento não serve apenas para preparar o exercício desses direitos de participação. Com efeito, desde logo, a simples transparência, que é introduzida pela informação imediata e plena do Parlamento em todas as fases do processo, é um elemento da fiscalização democrática que não pode ser subestimado, constituindo assim um valor em si mesma.

79.

Esta transparência é o corolário de um princípio de primordial importância segundo o qual as decisões da União Europeia serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível do cidadão (artigo 1.o, n.o 2, TUE). Contribui para que todos os atores que participam na ação externa da União adotem um comportamento responsável. Além disso, a transparência garante que os representantes dos cidadãos da União tenham oportunidade de debater publicamente, com pleno conhecimento de causa, os assuntos de política externa de interesse geral europeu bem como de acompanhar de forma crítica todo o processo de celebração de um acordo internacional através de tomadas de posição espontâneas ( 42 ). Deste modo, os mesmos podem, aliás também de forma plenamente legítima, tentar influenciar o conteúdo do acordo projetado e isto mesmo quando o acordo em causa possa, de uma perspetiva formal, ser celebrado sem a sua aprovação ou audição. Diversos exemplos controversos no passado recente mostram muito claramente quão importante é a fiscalização democrática no domínio da ação externa da União e quanto contribui para isso uma adequada informação do Parlamento ( 43 ).

80.

Não está ligado a este entendimento do artigo 218.o, n.o 10, TFUE qualquer «reforço do papel do Parlamento Europeu» incompatível com a declaração sobre a política externa e de segurança comum ( 44 ). Com efeito, esses mesmos princípios de fiscalização democrática e de transparência a que agora o artigo 218.o, n.o 10, TFUE dá expressão, já estavam, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, firmemente alicerçados no sistema dos Tratados Europeus quanto a todos os domínios políticos — incluindo a política externa e de segurança comum ( 45 ).

81.

Além disso, somente a informação plena e imediata em todas as fases do processo, prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, garante que o Parlamento examine criticamente a escolha, pelo Conselho, das bases jurídicas — formais e materiais — e possa, se for o caso, fazer valer o seu ponto de vista ( 46 ). Só quando o Parlamento dispuser de informações suficientes sobre o objeto e o progresso das negociações relativas a um projetado acordo internacional poderá, em tempo útil, chegar a conclusões quanto à escolha da base jurídica correta e defender de forma eficaz o direito de participação que eventualmente lhe possa assistir. Quanto menos o Conselho informar o Parlamento mais possibilidades aquele tem de invocar uma base jurídica por ele escolhida, sem grande oposição política.

82.

Neste contexto, devemos examinar, a seguir, se o Parlamento, no caso presente, foi tão informado como exige o artigo 218.o, n.o 10, TFUE, nomeadamente, em todas as fases do processo, plena e imediatamente.

O dever de informar o Parlamento em todas as fases do processo

83.

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao dever de informação do Parlamento em todas as fases do processo, este inclui, sem qualquer dúvida, a informação sobre o início e sobre a conclusão do processo. Nesta medida, o Conselho cumpriu o dever que lhe incumbia por força do artigo 218.o, n.o 10, TFUE, informando, desde logo, o Parlamento por carta de 22 de março de 2010 sobre o início iminente das negociações com a Tanzânia e, posteriormente, por carta de 19 de março de 2014, sobre a aprovação do acordo já negociado.

84.

No entanto, os deveres do Conselho face ao Parlamento não se esgotam de forma nenhuma aqui. Como facilmente se retira, desde logo, da letra do artigo 218.o, n.o 10, TFUE, da utilização da formulação «em todas as fases do processo», o Parlamento deve ser informado não só no início e no fim do processo para celebração de um acordo internacional, mas também — com uma determinada regularidade — durante o decurso do processo sobre o seu progresso. O próprio Conselho o reconheceu, em princípio, na audiência perante o Tribunal de Justiça.

85.

É certo que a informação do Parlamento nos termos do artigo 218.o, n.o 10, TFUE não tem de ser da mesma qualidade e intensidade que, por exemplo, a de um comité especial nos termos do artigo 218.o, n.o 4, TFUE, que o negociador da União tem de «consultar» durante todas as negociações com um Estado terceiro. Também não têm de ser levadas ao conhecimento do Parlamento simples diligências preparatórias internas de outras instituições da União, tais como as discussões em grupos de trabalho do Conselho ou no Comité de Representantes Permanentes dos Estados‑Membros.

86.

Contrariamente ao que o Conselho defende, a informação do Parlamento não pode, no entanto, limitar‑se àquelas fases do processo nas quais o Conselho toma algumas decisões formais — nomeadamente, a concessão de um mandato de negociação e a adoção de diretrizes para o negociador. O Parlamento deve, no entanto, também ser informado sobre eventuais resultados intermédios alcançados e progressos importantes nas negociações, e ainda sobre dificuldades dignas de nota, que possam ter ocorrido durante as negociações. Neste caso, a informação — tendo em consideração todas as circunstâncias do caso concreto e, eventualmente, com as adequadas precauções quanto ao tratamento confidencial de informações sensíveis — deve sempre ser fornecida de modo que deixe ao Parlamento margem suficiente para exercer eficazmente a sua função de fiscalização.

87.

Apenas através dessa informação contínua pode o Parlamento cumprir a sua função de fiscalização democrática e, além disso, verificar se a base jurídica inicialmente escolhida pelo Conselho ainda é a adequada. Esta função do Parlamento tem especial importância na PESC, porque nesse domínio a fiscalização jurisdicional — como já mencionei — é significativamente limitada (artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, em conjugação com o artigo 275.o, TFUE). Se o Parlamento apenas pudesse desempenhar a sua função no final do processo, tendo por base um acordo internacional com as negociações já concluídas, ou mesmo já aprovado, a sua fiscalização democrática seria, assim, muitíssimo pouco eficaz.

88.

Como no presente processo, o Parlamento não recebeu, no decorrer do processo, qualquer informação sobre a situação do mesmo, verifica‑se, portanto, uma clara violação do artigo 218.o, n.o 10, TFUE.

89.

Não é possível objetar a este respeito, que não foi o Conselho mas sim a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que teve, no decurso do processo, nas suas mãos a condução do mesmo. Com efeito, por um lado, o Conselho enquanto órgão decisório tem a responsabilidade pelo correto desenvolvimento do processo no seu conjunto. Por outro lado, o Conselho deve assumir a responsabilidade pelas eventuais omissões da Alta Representante, pois esta não é apenas presidente do Conselho dos Negócios Estrangeiros (artigo 18.o, n.o 3, TUE), mas está‑lhe confiada, além disso, a condução da política externa e de segurança comum na qualidade de mandatária do Conselho (artigo 18.o, n.o 2, segundo período, TUE); no caso presente, em particular, a Alta Representante foi especificamente autorizada pelo Conselho a iniciar as negociações com a Tanzânia ( 47 ) (artigo 218.o, n.o 3, TFUE).

O dever de informar plenamente o Parlamento

90.

Em seguida, no que diz respeito ao dever de informar plenamente o Parlamento, ambas as cartas deixam de resto muito a desejar, no caso em apreço.

91.

Em primeiro lugar, a carta de 22 de março de 2010, pela qual o Parlamento foi informado do início iminente das negociações do acordo com a Tanzânia não contém quaisquer elementos sobre eventuais diretrizes na aceção do artigo 218.o, n.o 4, TFUE.

92.

Isso não é compatível com o artigo 218.o, n.o 10, TFUE. Com efeito, uma informação plena do Parlamento pressupõe, necessariamente, além da simples comunicação sobre o início das negociações do acordo que também sejam transmitidos detalhes sobre o conteúdo pretendido para o projetado acordo internacional por parte da União. Só assim é possível uma fiscalização democrática eficaz.

93.

Como o próprio Conselho reconheceu, por referência a casos anteriores, não existem obstáculos insuperáveis à transmissão das diretrizes para as negociações. Em particular, podem, se necessário, ser tomadas as precauções adequadas para garantir o tratamento confidencial de informações sensíveis, caso, por exemplo, de elementos sobre a estratégia das negociações da União ou de elementos que digam respeito aos interesses de política externa e de segurança da União e dos seus Estados‑Membros.

94.

Em segundo lugar, com a carta de 19 de março de 2014, pela qual o Parlamento foi informado da conclusão do processo, não foram enviados os textos nem da decisão impugnada nem do acordo em litígio. Mesmo depois dessa data, o Conselho não remeteu oficialmente esses dois textos ao Parlamento.

95.

Isto também não satisfaz as exigências do artigo 218.o, n.o 10, TFUE ( 48 ).

96.

A este respeito não se pode argumentar que o Parlamento conhecia o contexto em que o projetado acordo com a Tanzânia se enquadrava, em particular porque já tinham sido celebrados dois acordos semelhantes com outros Estados terceiros. Como muito justamente o Parlamento afirma, não se trata aqui de os representantes dos cidadãos da União deverem exercer a sua fiscalização democrática com base em presunções sobre o provável conteúdo do acordo internacional a celebrar.

97.

Ao contrário do que o Conselho afirma também não é responsabilidade do Parlamento solicitar mais informações por iniciativa própria. Com efeito, contrariamente a outras disposições, como por exemplo o artigo 319.o, n.o 2, TFUE, o artigo 218.o, n.o 10 TFUE não impõe ao Parlamento nenhuma obrigação de tomar ele próprio a iniciativa. Desde logo, semelhante obrigação prejudicaria muito o Parlamento devido à sua falta de conhecimento dos detalhes e do progresso das negociações e dificultar‑lhe‑ia de forma significativa o exercício da fiscalização democrática. Segundo o artigo 218.o, n.o 10, TFUE, o Conselho deve informar o Parlamento sem necessidade de isso lhe ser solicitado. Em última instância, esse dever é imposto pelo equilíbrio institucional e pelo princípio da colaboração leal entre as instituições (artigo 13.o, n.o 2, TUE).

98.

Por maioria de razão, o Parlamento não deve, como no caso presente, ficar dependente do Jornal Oficial da União Europeia para conhecer o conteúdo de uma decisão do Conselho e do acordo por ela aprovado. Como o Tribunal de Justiça já salientou, a publicação no Jornal Oficial, nos termos do artigo 297.o TFUE, não visa os mesmos fins que a informação ao Parlamento, nos termos do artigo 218.o, n.o 10, TFUE ( 49 ).

99.

É certo que a publicação no Jornal Oficial deixa ainda ao Parlamento tempo suficiente para fiscalizar a legalidade da decisão, e desse modo, indiretamente, também do acordo em litígio, através do recurso de anulação (artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE). Mas aí trata‑se de uma fiscalização jurisdicional através de uma outra instituição da União que, além disso, se limita às questões jurídicas. A mesma deve ser estritamente separada da fiscalização democrática a que o Parlamento procede e na qual estão inseridas avaliações políticas bem como questões sobre a oportunidade. Se esta fiscalização democrática só puder ter lugar ex post, a mesma será, assim, inevitavelmente, muito menos eficaz do que no decurso do processo para celebração de um acordo internacional. Em contrapartida, se essa informação lhe tiver sido facultada com antecedência, pode até possivelmente contribuir para prevenir litígios posteriores entre as instituições.

O dever de informar imediatamente

100.

Por último, de acordo com o artigo 218.o, n.o 10, TFUE, o Parlamento deve também ser informado imediatamente. Como revela um exame das outras versões linguísticas (em francês: «immédiatement», em inglês: «immediately»), esta expressão visa a imediata informação do Parlamento ou, pelo menos, tão rápida quanto possível ( 50 ).

101.

Com a informação que remeteu sobre o início iminente das negociações, o Conselho cumpriu, sem dúvida, este dever pois enviou a sua carta em 22 de março de 2010, portanto ainda no mesmo dia em que foi concedida autorização para abertura das negociações com a Tanzânia.

102.

Procedeu, porém, de maneira diferente quanto à informação sobre a conclusão do processo: o facto de o Conselho ter aprovado o acordo em litígio pela decisão impugnada só foi comunicado ao Parlamento mais de uma semana depois, por carta de 19 de março de 2014. É certo que, em comparação com o processo C‑658/11, em que o Conselho deixou passar três meses ( 51 ), é um atraso relativamente curto. Ainda assim, trata‑se de um atraso significativo, sobretudo na era das comunicações modernas. O Conselho não ofereceu, nem extrajudicialmente nem no processo, a mínima tentativa de justificação ( 52 ). Nestas circunstâncias, mesmo uma semana de atraso como ocorreu neste caso se revela uma falta de respeito em relação à representação popular, que não é compatível nem com a letra nem com o espírito do artigo 218.o, n.o 10, TFUE e nem com a cooperação leal entre as instituições (artigo 13.o, n.o 2, segundo período, TUE).

Conclusão intermédia

103.

Em resumo, no presente caso, o Conselho violou assim em vários aspetos o seu dever, estabelecido no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, de informar plena e rapidamente o Parlamento em todas as fases do processo. Em consequência, o segundo fundamento do Parlamento é procedente.

D – Síntese

104.

No conjunto verifica‑se, assim, que apenas o segundo fundamento do Parlamento tem perspetivas de sucesso. Porém, como o Conselho violou uma formalidade essencial prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, este segundo fundamento justifica, só por si, a anulação da decisão impugnada ( 53 ) (artigo 263.o, primeiro e segundo parágrafos, TFUE, em conjugação com o artigo 264.o, primeiro parágrafo, TFUE).

E – Manutenção dos efeitos da decisão impugnada

105.

Se, como proponho, o Tribunal de Justiça anular a decisão impugnada apenas com base no segundo fundamento, deveria, em consonância com o entendimento unânime de todas as partes no processo, manter os seus efeitos de acordo com o disposto no artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE.

106.

A manutenção em vigor dos efeitos da decisão impugnada justifica‑se por motivos de segurança jurídica, para não prejudicar a plena eficácia dos processos judiciais e do julgamento das pessoas suspeitas de atos de pirataria. Com efeito, deste modo, a partir daqui, relativamente aos artigos 10.°, n.o 6 e 12.°, n.o 3, da ação comum ( 54 ) deixa de ter fundamento qualquer tentativa para pôr em dúvida o mandato da EUNAVFOR em relação à transferência de pessoas capturadas ao largo da costa da Somália e suspeitas de pirataria. Do mesmo modo, não podem ser postos em causa os efeitos jurídicos de ações já realizadas em aplicação do acordo em litígio. De um modo geral, será evitada, a este propósito, através da manutenção dos efeitos da decisão impugnada, qualquer incerteza a nível internacional sobre a existência das obrigações de direito internacional assumidas pela União com a aprovação e a assinatura do acordo em litígio.

107.

Como, a decisão impugnada não foi anulada no quadro do segundo fundamento por assentar numa base jurídica material ou formal incorreta, mas simplesmente pela violação do dever de informação do Parlamento, os efeitos desta decisão devem ser mantidos não apenas transitoriamente, mas por tempo indefinido ( 55 ). Efetivamente, de acordo com o artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, primeira frase, TFUE, a informação omitida pelo Conselho, enquanto tal, ainda que tivesse sido corretamente efetuada, não conferiria ao Parlamento qualquer direito de participação, nem sequer o direito a ser consultado. Nestas circunstâncias, pareceria exageradamente formalista, exigir ainda assim ao Conselho que repetisse o processo de aprovação da decisão num prazo razoável.

108.

Só seria diferente se o Tribunal de Justiça (também) julgasse procedente o primeiro fundamento do Parlamento e declarasse verificada a existência de um erro de direito na escolha da base jurídica da decisão impugnada. Semelhante atuação teria efeitos quanto ao nível de participação do Parlamento. Nesse caso, a manutenção dos efeitos da decisão impugnada seria, de acordo com a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça ( 56 ), fixada não por tempo ilimitado mas apenas pelo espaço de tempo que o Conselho razoavelmente pudesse necessitar para corrigir a ilegalidade quanto à escolha da base jurídica e para, desse modo, permitir ao Parlamento participar de forma adequada. Um prazo de dez meses parece razoável, no caso presente, para possibilitar ao Conselho obter o acordo do Parlamento nos termos do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, alínea a), v), TFUE, bem como aprovar uma nova decisão assente na base jurídica correta.

VII – Quanto às despesas

109.

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que, segundo a solução que proponho, o Conselho foi vencido quanto à sua argumentação e o Parlamento formulou o correspondente pedido, as despesas devem ficar a cargo do Conselho. No entanto, a República Checa, o Reino da Suécia, o Reino Unido e a Comissão Europeia, na sua qualidade de intervenientes, suportam, nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, as suas próprias despesas.

VIII – Conclusão

110.

Com base nas considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do modo seguinte:

1)

É anulada a Decisão 2014/198/PESC do Conselho, de 10 de março de 2014.

2)

Os efeitos da decisão anulada são mantidos em vigor.

3)

O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas do Parlamento Europeu.

4)

A República Checa, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025).

( 3 ) Decisão 2014/198/PESC do Conselho, de 10 de março de 2014, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a República Unida da Tanzânia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República Unida da Tanzânia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos (JO L 108, p. 1), a seguir «decisão impugnada».

( 4 ) JO 2014, L 108, p. 3; a seguir «acordo em litígio».

( 5 ) Penso, designadamente, nas narrativas à volta da personagem de Long John Silver na «Ilha do Tesouro» (Robert Louis Stevenson) e nos «Tratos de Argel» (Miguel de Cervantes), mas também nas histórias para crianças como «Pippi das Meias Altas em Taka‑Tuka‑Land» (Astrid Lindgren) e «Jim Knopf e os 13 Piratas» (Michael Ende).

( 6 ) No mesmo sentido, também o advogado‑geral Y. Bot nas suas conclusões no processo Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:41, n.os 4 e 5).

( 7 ) Ação Comum 2008/851/PESC do Conselho de 10 de novembro de 2008 relativa à operação militar da União Europeia tendo em vista contribuir para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália (JO L 301, p. 33), na redação que lhe foi dada pela Ação Comum 2010/766/PESC (JO L 327, p. 49) e pela Ação Comum 2012/174/PESC (JO L 89, p. 69) na sua versão alterada e atualizada; a seguir «ação comum».

( 8 ) Tratado da União Europeia na versão do Tratado de Nice.

( 9 ) A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi assinada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982. A União Europeia bem como todos os seus Estados‑Membros são Partes nesta Convenção. Segundo o artigo 100.o da Convenção sobre o Direito do Mar, todos os Estados devem cooperar em toda a medida do possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro lugar que não se encontre sob a jurisdição de qualquer Estado. O artigo 105.o da Convenção sobre o Direito do Mar permite o apresamento de um navio ou uma aeronave piratas bem como a prisão das pessoas e a apreensão dos bens que se encontrem a bordo desse navio ou dessa aeronave; esta disposição permite, além disso, que os tribunais do Estado que efetuou o apresamento de um navio ou de uma aeronave decidam as penas a aplicar. O artigo 107.o da Convenção sobre o Direito do Mar regula, finalmente, quais os navios e aeronaves dos Estados que estão autorizados a efetuar o apresamento por motivo de pirataria.

( 10 ) Paralelamente às negociações com a Tanzânia foram também iniciadas negociações com a Maurícia, Moçambique, África do Sul e Uganda.

( 11 ) V. primeiro considerando do preâmbulo da decisão impugnada.

( 12 ) No que respeita ao Reino da Suécia, embora o mesmo não peça expressamente a manutenção dos efeitos da decisão impugnada, deduz‑se das suas alegações que apoia os pedidos formulados nesse sentido pelo Conselho.

( 13 ) Enquanto a maioria dos intervenientes no processo tomaram posição, nos seus articulados, sobre ambos os fundamentos do recurso, a República Checa limitou as suas alegações ao segundo fundamento, ao passo que o Reino da Suécia e a Comissão se concentraram no primeiro fundamento de recurso.

( 14 ) Acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.os 72 e 73); v., a título complementar, igualmente, as conclusões do advogado‑geral Y. Bot proferidas no referido processo (EU:C:2014:41, n.os 137 e 138).

( 15 ) A competência do Tribunal de Justiça só está expressamente limitada quanto à fiscalização da legalidade de medidas restritivas, nos termos da segunda hipótese do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, quanto aos recursos interpostos ao abrigo do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE.

( 16 ) Neste sentido, também, o acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, em particular, n.o 87).

( 17 ) A Comissão defende ainda a opinião de que a decisão impugnada pertence exclusivamente ao âmbito de aplicação da cooperação judiciária em matéria penal, de modo que, para ela, apenas estaria em causa, como única norma de competência, o artigo 82.o TFUE.

( 18 ) V., a este propósito, em especial, acórdãos Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2006:2, n.os 55 e 56), e Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 35).

( 19 ) Acórdãos Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.os 43 e 44); Comissão/Conselho (C‑377/12, EU:C:2014:1903, n.o 34); e Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 43).

( 20 ) Afirmações do Tribunal de Justiça sobre as alegações das Partes no acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.os 44 e 45).

( 21 ) O Conselho e os intervenientes em seu apoio invocam a este propósito, em particular, os n.os 58, 59 e 62 do acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025).

( 22 ) Acórdãos Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2006:2, n.o 50); Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 48); e Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 36); v. também acórdão Reino Unido/Conselho (C‑431/11, EU:C:2013:589, n.o 66).

( 23 ) Constitui uma exceção — não aplicável neste caso — o artigo 79.o, n.o 3, TFUE, no qual se contém uma base jurídica expressa para a celebração de acordos sobre a readmissão nos países de origem ou de proveniência de residentes ilegais nacionais de Estados terceiros.

( 24 ) A doutrina ERTA remonta ao acórdão Comissão/Conselho (dito ERTA, 22/70, EU:C:1971:32, n.os 15 a 19), uma síntese mais recente consta do parecer 1/03 (EU:C:2006:81, n.os 114 a 133).

( 25 ) V., a este respeito, as minhas conclusões no processo Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2114, n.o 104); no mesmo sentido, já as minhas anteriores conclusões no processo Reino Unido/Conselho (C‑431/11, EU:C:2013:187, n.os 64 a 70).

( 26 ) Acórdãos Comissão/Conselho (C‑300/89, EU:C:1991:244, n.o 10); Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 42): e Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 35).

( 27 ) Acórdãos Reino Unido/Conselho (C‑431/11, EU:C:2013:589, n.o 48); Reino Unido/Conselho (C‑656/11, EU:C:2014:97, n.o 50); e Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 38).

( 28 ) Artigo 3.o, n.os 1 e 2 do acordo em litígio.

( 29 ) Artigos 3.°, n.o 3, 4.° e 5.° do acordo em litígio.

( 30 ) Artigo 6.o do acordo em litígio.

( 31 ) Artigo 7.o do acordo em litígio.

( 32 ) A este respeito, v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho (C‑43/12, EU:C:2014:298, n.os 45 a 50); v., no mesmo sentido — em relação com a determinação dos direitos dos nacionais dos Estados terceiros dentro da União — acórdãos Reino Unido/Conselho (C‑431/11, EU:C:2013:589, n.os 62 a 67), e Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.os 40 a 46).

( 33 ) Aí menciona‑se a «cooperação judiciária em matéria penal na União» (artigo 82.o, n.o 1, TFUE) e da «cooperação policial que associa todas as autoridades competentes dos Estados‑Membros» (artigo 87.o, n.o 1, TFUE); o itálico é meu.

( 34 ) V. artigo 12.o, n.o 1, segundo travessão, da ação comum.

( 35 ) V., no mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em especial, acórdãos de 4 de dezembro de 2014, Samatar e o./França, recurso n.o 17110/10 e o., ECLI:CE:TEDH:2014:1204JUD001711010, n.os 41 a 59), e Hassan e o./França (recurso n.o 46695/10 e o., ECLI:CE:TEDH:2014:1204JUD004669510, n.os 60 a 72 e 86 a 104), ambos relativos ao artigo 5.o CEDH [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais].

( 36 ) V. a este respeito, em especial, os artigos 10.°, n.o 6 e 12.°, n.o 3, da ação comum.

( 37 ) No mesmo sentido as conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:50, n.o 64), em relação aos objetivos para garantir a paz no mundo e a segurança internacional.

( 38 ) V. complementarmente a análise exaustiva do advogado‑geral Y. Bot do Acordo UE‑Maurícia nas suas conclusões no processo Parlamento/Conselho (C‑658/111, EU:C:2014:41, n.os 68 a 121), que com argumentos no essencial semelhantes, chega à mesma conclusão (v., em especial, n.os 83 e 109 a 115).

( 39 ) Acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, em especial, n.o 85).

( 40 ) Acórdãos Roquette Frères/Conselho (138/79, EU:C:1980:249, n.o 33); Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 81); e Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 81).

( 41 ) Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:41, em especial, n.os 142 a 144).

( 42 ) Por exemplo, o Parlamento poderia, num caso como o presente, interessar‑se sobre se a proibição da pena de morte em vigor na União (artigo 2.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais) foi tomada em consideração de forma suficiente. O que aconteceria se o Conselho tivesse omitido, no acordo em litígio, a adoção de precauções adequadas? E é suficiente, no acordo em litígio, não se prever uma proibição expressa mas apenas uma proibição velada da pena de morte? Recordo, a este propósito, que a ação comum estabelece no seu artigo 12.o, n.o 3, que o perigo de ser punido com a pena de morte constitui expressamente um impedimento à transferência de presumidos piratas para Estados terceiros, enquanto o n.o 5 do acordo em litígio evoca este ponto de forma indireta e com força simbólica reduzida, designadamente, estabelecendo que nenhuma pessoa transferida «será julgada por crime a que corresponda pena máxima mais severa do que a prisão perpétua».

( 43 ) Penso particularmente na planeada parceria transatlântica de comércio e de investimento «TTIP» com os Estados Unidos da América, no Acordo Swift e no Acordo sobre a transferência de dados dos passageiros («Passenger Name Records»), mas também na adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais prevista no artigo 6.o, n.o 2, TUE e no artigo 218.o, n.os 6 e 8, TFUE.

( 44 ) A Declaração n.o 14 anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que aprovou o Tratado de Lisboa assinada em 13 de dezembro de 2007 (JO 2008, C 115, n.o 343), salienta, no seu segundo parágrafo, que as disposições que regem a política externa e de segurança comum no Tratado de Lisboa «não reforçam o papel do Parlamento Europeu».

( 45 ) V., nomeadamente, artigos 1.°, n.o 2, e 21.°, TUE.

( 46 ) Acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 86).

( 47 ) Como é expressamente afirmado na carta de 22 de março de 2010.

( 48 ) V. também, neste sentido, as conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:41, n.o 155).

( 49 ) Acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 79).

( 50 ) No direito alemão assume‑se que a expressão «unverzüglich» exige uma ação «sem atraso culposo» [v. § 121, n.o 1, primeiro parágrafo, do Bürgerliches Gesetzbuch (código civil alemão)].

( 51 ) V., a este respeito, acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 77 e n.os 15 a 17).

( 52 ) Em particular, o Parlamento não invocou aqui dificuldades de tradução. Se um acordo internacional ou a decisão do Conselho que o aprova não estiver imediatamente disponível em todas as línguas oficiais da União, o Conselho tem, assim, de transmitir, em primeiro lugar, as versões linguísticas disponíveis e de fornecer posteriormente, sem demora, as eventuais traduções em falta.

( 53 ) No mesmo sentido, acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, em especial, n.os 80, 86 e 87).

( 54 ) Como é sabido, a transferência de pessoas para um Estado terceiro com base nestas duas disposições pressupõe a celebração prévia de um acordo com esse Estado terceiro, em que sejam estabelecidas as condições de transferência.

( 55 ) V. acórdão Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, em especial, n.o 91).

( 56 ) Acórdãos Parlamento/Conselho (C‑355/10, EU:C:2012:516, n.o 90); Comissão/Conselho (C‑137/12, EU:C:2013:675, em especial, n.o 81); e Comissão/Parlamento e Conselho (C‑43/12, EU:C:2014:298, n.o 56).

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