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Document 62014CC0059

    Conclusões do advogado-geral P. Cruz Villalón apresentadas em 11 de junho de 2015.
    Firma Ernst Kollmer Fleischimport und -export contra Hauptzollamt Hamburg-Jonas.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigos 1.°, n.° 2, e 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo — Recuperação de uma restituição à exportação — Prazo de prescrição — Início (dies a quo) — Ato ou omissão do agente económico — Concretização da lesão — Infração continuada — Infração pontual.
    Processo C-59/14.

    Court reports – general ; Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:396

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    PEDRO CRUZ VILLALÓN

    apresentadas em 11 de junho de 2015 ( 1 )

    Processo C‑59/14

    Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export

    contra

    Hauptzollamt Hamburg‑Jonas

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha)]

    «Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigo 3.o, n.o 1 — Recuperação de uma restituição à exportação — Pagamento antecipado — Prazo de prescrição — Dies a quo — Atos ou omissão de um agente económico — Verificação da lesão — Liberação da garantia — Violação continuada ou repetida — Violação pontual»

    1. 

    O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg tem origem num processo entre Firma Ernst Kollmer Fleischimport und —export (a seguir «Ernst Kollmer») e o Hauptzollamt Hamburg‑Jonas (Estância Aduaneira de Hamburgo; a seguir «Hauptzollamt»), relativo às exportações para a Jordânia, no início dos anos noventa, de remessas de carne de bovino que foram objeto de reexportação para o Iraque, desrespeitando o embargo imposto a este país.

    2. 

    Essas mesmas exportações já deram origem aos acórdãos Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o. ( 2 ) e Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading ( 3 ). No primeiro destes acórdãos, o Tribunal de Justiça confirmou que o prazo de prescrição previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 ( 4 ) também é aplicável às medidas administrativas de recuperação de restituições à exportação indevidamente recebidas em virtude de irregularidades cometidas pelos exportadores, ainda que anteriores à entrada em vigor do referido regulamento. Declarou também, sem outra especificação, que esse prazo começa a correr a partir da data em que a irregularidade foi cometida ( 5 ).

    3. 

    No presente caso, o Tribunal de Justiça vê‑se confrontado com a questão concreta de saber a partir de que data começa a correr o referido prazo de prescrição numa situação em que se exige o reembolso de restituições à exportação pagas antecipadamente e garantidas pela correspondente caução ( 6 ).

    I – Quadro normativo

    4.

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 2988/95 dispõe o seguinte:

    «1.   Para efeitos de proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

    2.   Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

    5.

    O artigo 3.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento tem o seguinte teor:

    «1.   O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.o 1 do artigo 1.o Todavia, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

    O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

    A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

    Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.o 1 do artigo 6.o

    […]

    3.   Os Estados‑Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos […] no n.o 1 […]»

    6.

    Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 565/80 ( 7 ), «[a] pedido do interessado é pago um montante igual à restituição à exportação desde que os produtos ou mercadorias sejam colocados ao abrigo do regime aduaneiro do entreposto ou da zona franca tendo em vista a sua exportação num prazo determinado».

    7.

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 565/80 dispõe o seguinte:

    «O benefício dos regimes previstos no presente regulamento está subordinado à constituição de uma caução que garanta o reembolso de um montante igual ao que foi pago, acrescida de um montante suplementar.

    Sem prejuízo de casos de força maior esta caução permanece total ou parcialmente adquirida:

    nos casos em que o reembolso não foi efetuado uma vez que a exportação não se realizou no prazo referido no n.o 1 do artigo 4.o e no n.o 1 do artigo 5.o

    ou

    se se revelar que não existe qualquer direito à restituição ou que exista um direito a uma restituição dum montante inferior.»

    8.

    Segundo o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 3665/87 ( 8 ), para haver direito à restituição à exportação, o produto deve ter sido importado no mesmo estado no país terceiro ou num dos países terceiros para os quais está prevista a restituição, nos doze meses seguintes à data da aceitação da declaração de exportação. De acordo com o n.o 3 dessa mesma disposição, «o produto é considerado importado quando tiverem sido cumpridas as formalidades aduaneiras de introdução no consumo no país terceiro.»

    9.

    Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 3665/87:

    «A prova de cumprimento das formalidades aduaneiras de introdução no consumo é produzida:

    a)

    Pela apresentação do documento aduaneiro ou da sua cópia ou fotocópia; esta cópia ou fotocópia deve ser certificada conforme, quer pelo organismo que visou o documento original, quer pelos serviços oficiais do país terceiro em causa, quer pelos serviços oficiais de um dos Estados‑Membros, ou

    b)

    Pela apresentação do certificado de desalfandegamento estabelecido num formulário conforme ao modelo que consta do Anexo II, este formulário deve ser preenchido numa ou várias línguas oficiais da Comunidade e numa língua em uso no país terceiro em causa, ou

    c)

    Pela apresentação de qualquer outro documento visado pelos serviços aduaneiros do país terceiro em causa, que contenha a identificação dos produtos e demonstre que estes foram introduzidos no consumo nesse país terceiro.»

    10.

    A liberação da caução é regulamentada detalhadamente no artigo 33.o do Regulamento n.o 3665/87.

    II – Processo principal e questões prejudiciais

    11.

    Através de várias decisões proferidas em 1992 e 1993, o Hauptzollamt concedeu a Ernst Kollmer, contra a prestação de uma garantia, o pagamento antecipado da restituição à exportação ( 9 ) correspondente a diversas remessas de carne de bovino, tal como requerido pelo referido exportador. Em 10 de agosto de 1993, Ernst Kollmer enviou à Hauptzollamt, entre outros documentos, uma declaração aduaneira jordana de 9 março de 1993, que comprovava a introdução das mercadorias exportadas. O Hauptzollamt aceitou a documentação em 1993 como prova da introdução no consumo dos produtos exportados na Jordânia e devolveu uma parte da caução nesse mesmo ano. O remanescente da garantia foi liberado em 30 de abril de 1996 e em 4 de março de 1998 ( 10 ).

    12.

    Por ocasião de uma missão do Organismo Europeia de Luta Antifraude (OLAF), realizada em 1998, constatou‑se que os documentos aduaneiros jordanos, em muitos casos, não provavam o pagamento dos direitos de importação e da introdução da carne no consumo na Jordânia. Os documentos eram declarados sem efeito antes da cobrança dos direitos aduaneiros e a mercadoria era transportada para o Iraque, país que estava sujeito a um embargo. Assim aconteceu, nomeadamente, com o certificado de desalfandegamento que tinha sido apresentado por Ernst Kollmer, embora, segundo o próprio, sem o seu conhecimento. Consequentemente, por decisão de 23 de setembro de 1999, e considerando que o referido exportador, na realidade, não tinha feito a prova requerida para beneficiar da restituição à exportação, o Hauptzollamt exigiu‑lhe a respetiva devolução. Na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading ( 11 ), o Hauptzollamt revogou parcialmente o pedido de reembolso quanto à parte da garantia liberada em 1993, por prescrição, mas continuou a exigir a Ernst Kollmer o reembolso dos quase 60000 euros correspondentes à parte da garantia liberada em abril de 1996 e em março de 1998.

    13.

    No recurso que interpôs no Finanzgericht Hamburg, Ernst Kollmer alega fundamentalmente que o direito ao reembolso da restituição à exportação que lhe tinha sido concedida estava prescrito ( 12 ). Conforme o próprio declarou perante o Finanzgericht Hamburg, o prazo de prescrição de quatro anos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 começa a correr à data da prática da irregularidade e não à data da liberação da garantia. O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 faz depender expressamente a ocorrência da irregularidade de um ato ou omissão de um agente económico, ou seja, no seu caso, à apresentação do certificado jordano de desalfandegamento. Este ato teve como consequência, pressupondo que o direito à restituição foi exercido indevidamente, uma lesão para o orçamento da União na medida em que ele, enquanto exportador, já tinha recebido efetivamente, por pagamento antecipado, o montante correspondente ao seu direito à restituição a expensas do referido orçamento.

    14.

    Por seu lado, o Hauptzollamt alega perante o Finanzgericht Hamburg que ainda não tinha tido lugar a prescrição, nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, porque o dies a quo é a data da liberação da garantia (no caso dos autos, 1996 na melhor das hipóteses), uma vez que só nessa altura passa a existir uma decisão definitiva acerca da concessão da restituição à exportação e se verifica a lesão na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95. O pagamento antecipado é garantido por uma caução, de modo que, quando o pagamento é efetuado, ainda não se verificou qualquer lesão para o orçamento da União. Até à data da liberação da garantia, o Hauptzollamt continua a ter a possibilidade de devolver ou reter a caução.

    15.

    Segundo o Finanzgericht Hamburg, a apresentação, por Ernst Kollmer, de um certificado de desalfandegamento incorreto, para prova da introdução no consumo, na Jordânia, de uma mercadoria exportada, constitui uma violação de uma disposição de direito comunitário, designadamente, do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 3665/87. Se, para efeitos do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, se considera que a irregularidade resulta do mero ato ou omissão de um agente económico que viola uma disposição de direito comunitário, independentemente do momento em que se verifica a lesão, a prescrição já teria tido lugar em 1999, aquando da prolação da decisão de reembolso da restituição à exportação indevidamente paga, dado que, segundo o referido preceito, o prazo de prescrição é de quatro anos desde a prática da irregularidade. Pelo contrário, se se considerar que só existe irregularidade se se verificar uma lesão, para saber se em 1999 a prescrição já tinha tido lugar, é necessário saber se a lesão já se tinha verificado quando se efetuou o pagamento antecipado do montante correspondente à restituição à exportação em 1992 ou 1993, ou se se verificou no momento da liberação da garantia em 1996 ou 1998.

    16.

    Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Numa situação em que a violação de uma disposição de direito comunitário só foi detetada depois de verificada uma lesão, a irregularidade de que depende o início da contagem do prazo de prescrição, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95, e que vem definida no artigo 1.o, n.o 2, do mesmo Regulamento n.o 2988/95, pressupõe que, cumulativamente, com o ato ou omissão de um agente económico, tenham sido lesados o orçamento geral da União ou os orçamentos geridos pela União, de modo que o prazo de prescrição só começa a correr depois de verificada a lesão, ou o prazo de prescrição começa a correr, independentemente do momento em que se verifica a lesão, no momento do ato ou da omissão do agente económico que constitui violação de uma disposição de direito comunitário?

    2)

    Em caso de resposta à primeira questão no sentido de que o prazo de prescrição só começa a correr quando se verifica a lesão: no quadro da recuperação de uma restituição à exportação concedida a título definitivo, existe uma lesão, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, logo que é pago a um exportador um montante igual à restituição à exportação na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 565/80, sem que antes tenha sido liberada a garantia prevista no artigo 6.o do Regulamento n.o 565/80, ou essa lesão só se verifica no momento da liberação da garantia e da concessão definitiva da restituição à exportação?»

    17.

    Apresentaram observações escritas no presente processo Ernst Kollmer, o Governo grego e a Comissão Europeia.

    III – Síntese da posição das partes

    18.

    Relativamente à primeira questão prejudicial, Ernst Kollmer defende que se deve considerar que o início do prazo de prescrição é determinado unicamente pela prática de uma irregularidade tal como definida no artigo 1.o, n.o 2, independentemente do momento em que se verifica a lesão (e em que seja detetada). Fundamenta a sua tese invocando o princípio da segurança jurídica (na sua vertente de previsibilidade, quanto ao início do prazo). Considera que o determinante para que o prazo de prescrição comece a correr é uma conduta concreta do agente económico e não uma decisão administrativa, a qual pode ser adotada num momento não suscetível de ser legalmente determinado.

    19.

    O Governo grego só apresenta observações relativamente à primeira questão prejudicial. Na sua opinião, o momento decisivo para o início do prazo de prescrição é aquele em que a autoridade competente deteta que o pagamento se efetuou indevidamente (ou seja, no presente processo, o momento em que as autoridades aduaneiras tiveram conhecimento dos resultados da inspeção realizada pela OLAF). Este é, no entender do Governo grego, um critério claro e objetivo para determinar o momento em que o prazo de prescrição começa a correr porque é nesse momento que se encontram reunidas todas as condições para pedir o reembolso do indevidamente pago. O Governo grego interpreta o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 no sentido de que confere discricionariedade aos Estados‑Membros, tanto para aplicar prazos de prescrição mais longos como para fixar o momento a partir do qual esse prazo começa a correr. Por conseguinte, segundo esse Governo, os direitos nacionais, ao abrigo do referido regulamento, também podem determinar que é no momento em que a irregularidade e a lesão se detetam que o prazo de prescrição começa a correr.

    20.

    Relativamente à segunda questão prejudicial, na hipótese de o Tribunal de Justiça responder que o início do prazo de prescrição depende da existência da lesão, Ernst Kollmer considera que o prejuízo se verifica desde o momento em que se efetua o pagamento antecipado, uma vez que esse pagamento já representa uma «despesa» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95. Para defender a sua tese, o referido exportador também se socorre do conceito amplo de lesão que resulta do acórdão Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre, no qual o Tribunal de Justiça declarou que «mesmo as irregularidades que não tenham um impacto financeiro preciso podem lesar seriamente os interesses financeiros da União» ( 13 ). Por outro lado, o prazo de prescrição deve começar a correr a partir de um momento legalmente determinado que é, segundo o artigo 3.o, n.o 1, do referido Regulamento, o da prática da irregularidade, momento que está legalmente fixado de uma forma clara e que é previsível para os agentes económicos, mesmo que estes não tenham nem devessem ter tido conhecimento de que estavam a cometer uma irregularidade. Segundo Ernst Kollmer, fazer depender o início do prazo de prescrição da decisão da Administração relativa ao reembolso da caução significa fazê‑lo depender de um momento que não é previsível por não se encontrar legalmente determinado em que momento deve ser liberada essa garantia ( 14 ).

    21.

    Ernst Kollmer acrescenta que, no processo em análise, o Hauptzollamt atrasou indevidamente a liberação da garantia, fazendo‑a depender de factos alheios aos fundamentos do presente processo. Esta circunstância aponta no sentido de que, de fazer depender o início do prazo de prescrição da decisão das autoridades aduaneiras de liberar a garantia, acabaria por lhes dar carta‑branca para decidir quando é que esse prazo começa a correr. Objetivamente, quando, em agosto de 1993, foi apresentada no Hauptzollamt a declaração (incorreta) emitida pela alfândega jordana que certificava a introdução no consumo das mercadorias exportadas (ou seja, na data em que foi praticada a irregularidade), já se tinha gerado, com o pagamento antecipado da restituição à exportação, uma «despesa indevida» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 e a correspondente lesão, considerada, nos termos do referido acórdão Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre ( 15 ), como uma lesão séria dos interesses financeiros da União. Na opinião de Ernst Kollmer, entre a «violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico» e a existência de uma lesão do orçamento geral da União não tem de existir uma simultaneidade; apenas têm de se basear nos mesmos factos.

    22.

    Para a Comissão, que sugere a reformulação das questões prejudiciais e a sua resposta conjunta, em casos como o dos autos a irregularidade «completa‑se», por assim dizer, no momento em que se libera a garantia. Só nesse momento é que começa a correr o prazo de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 porque só nesse momento se pode fundamentar e quantificar o pedido de reembolso da vantagem obtida indevidamente. A decisão definitiva sobre o montante da restituição à exportação é adotada uma vez recebidos e analisados os certificados de exportação, com a consequente liberação (simultânea) da garantia em questão, cujo objetivo é proteger o orçamento da União até se proferir uma decisão sobre a legalidade da restituição à exportação solicitada.

    23.

    Se o Tribunal de Justiça considerar que a violação do direito comunitário neste processo se verificou no momento em que foi apresentado o certificado de desalfandegamento falso, nesse caso, segundo a Comissão, deve considerar‑se que se trata de uma violação continuada, a qual não termina antes de se liberar a garantia, quando a autoridade aduaneira decide definitivamente qual o montante da restituição à exportação que cabe ao requerente. Neste processo, no momento em que Ernst Kollmer apresentou o seu certificado de desalfandegamento não era de forma alguma claro se chegaria a existir uma vantagem indevida, uma vez que não se tinha ainda decidido definitivamente se existia o direito a receber a restituição à exportação. Por conseguinte, nestas circunstâncias específicas, ainda de acordo com a Comissão, não é possível fazer depender o início da contagem do prazo de prescrição do ato inicial do agente económico. Por conseguinte, a lesão do orçamento da União só se verificaria no momento em que se decide de forma definitiva que existe um direito à restituição à exportação pois é nesse momento que se libera a garantia. Uma vez que se trata de processos muito longos, fazer coincidir o início do prazo de prescrição com o ato inicial do agente económico teria como consequência que, na prática, nunca seria possível respeitar o prazo para pedir o reembolso das vantagens indevidamente concedidas.

    IV – Análise

    A – Primeira questão prejudicial

    1. Introdução

    24.

    Com a primeira questão prejudicial, o Finanzgericht Hamburg pretende fundamentalmente ver esclarecido se o início da contagem do prazo de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, nos casos em que a violação de uma disposição do direito da União é detetada depois de verificada a lesão, pressupõe não só a existência de um ato ou omissão do agente económico mas também que se verifique uma lesão do orçamento geral da União ou dos orçamentos por esta geridos. No caso de a resposta a esta questão prejudicial ser afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em segundo lugar, quando é que, para estes efeitos, se considera que ocorreu a lesão, mais concretamente, se esta se verifica quando é efetuado o pagamento antecipado de um montante igual à restituição à exportação ou quando é liberada a garantia correspondente.

    25.

    A resposta à primeira questão prejudicial requer sobretudo uma interpretação do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, segundo o qual o prazo de prescrição das diligências é de quatro anos a contar da data da em que foi praticada a irregularidade referida no artigo 1.o do mesmo regulamento ( 16 ). O artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento dá aos Estados‑Membros a possibilidade de aplicarem um prazo mais longo que o previsto no n.o 1.

    26.

    Por conseguinte, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, o início da contagem do prazo de prescrição é determinado pela prática da irregularidade, que se define no seu artigo 1.o, n.o 2, como «qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida». Essa definição abrange tanto as irregularidades intencionais ou causadas por negligência que possam dar origem a uma sanção administrativa como as irregularidades que tenham unicamente como consequência a retirada da vantagem indevidamente recebida ( 17 ).

    2. Âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95

    27.

    Visando a defesa dos interesses financeiros da União Europeia, o Regulamento n.o 2988/95 estabelece uma série de regras gerais relativas às medidas e sanções administrativas aplicáveis às irregularidades que violam o direito da União Europeia em todos os domínios abrangidos pelas respetivas políticas e se traduzam em lesões para os interesses financeiros da União.

    28.

    Com o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, o legislador da União pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável na falta de regulamentação setorial da União que preveja um prazo mais curto, mas não inferior a três anos, ou de uma regulamentação nacional que fixe um prazo de prescrição mais longo ( 18 ). A regra do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento aplica‑se a todos os atos de natureza administrativa adotados pelas autoridades nacionais e da União destinados a perseguir tais irregularidades, quer se trate de sanções administrativas em sentido estrito na aceção do artigo 5.o do referido regulamento, quer se trate de medidas de retirada de uma vantagem indevidamente obtida na aceção do artigo 4.o do mesmo, como é o caso da recuperação de uma restituição à exportação indevidamente recebida pelo exportador em virtude de irregularidades por ele cometidas ( 19 ).

    29.

    Antes da adoção do Regulamento n.o 2988/95, o direito da União não previa qualquer regra de prescrição aplicável à recuperação de vantagens indevidamente recebidas pelos operadores económicos em prejuízo dos interesses financeiros da União. Ao adotar o artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, o legislador da União procurava, por um lado, definir um prazo mínimo aplicado em todos os Estados‑Membros, para o qual o legislador da União reduziu voluntariamente a quatro anos o período durante o qual as autoridades dos Estados‑Membros, atuando em nome e por conta do orçamento da União, deviam recuperar ou deviam ter recuperado vantagens indevidamente obtidas ( 20 ). Por outro lado, o legislador aceitava renunciar à possibilidade de recuperar montantes indevidamente recebidos do orçamento da União, depois de decorrido um período de quatro anos sobre a prática da irregularidade que afetava os pagamentos controvertidos ( 21 ). O prazo de prescrição previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 também se aplica a irregularidades cometidas antes da entrada em vigor desse regulamento ( 22 ), como é o caso da controvertida no presente processo ( 23 ).

    30.

    O referido prazo de prescrição destina‑se a delimitar o período em é permitido às autoridades nacionais atuar contra as irregularidades que, nos termos do próprio artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, tenham ou possam ter por efeito lesar os interesses financeiros da União. Os Estados‑Membros têm um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetuam e que pesam no orçamento da União, decorrente do dever de diligência geral do artigo 4.o TUE, n.o 3, que implica que devem tomar as medidas destinadas a remediar as irregularidades com prontidão ( 24 ). No caso de um prazo de prescrição de quatro anos se revelar, para as autoridades nacionais, demasiado curto para lhes permitir atuar contra irregularidades com certa complexidade, o legislador nacional pode sempre adotar uma regra de prescrição mais longa adaptada a esse tipo de irregularidades ( 25 ), que deve respeitar as exigências de previsibilidade e de proporcionalidade decorrentes do princípio da segurança jurídica ( 26 ).

    3. Início do prazo de prescrição na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95

    31.

    Tendo em conta, em primeiro lugar, o teor literal do preceito, impõem‑se as seguintes considerações. Segundo o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. Assim, a referida disposição põe o acento tónico, no que respeita ao início do prazo de prescrição, na própria irregularidade, tal como é definida no artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento, e no momento em que «foi praticada».

    32.

    No processo em análise, a irregularidade consistiu, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, na apresentação por Ernst Kollmer, em 10 de agosto de 1993, de um certificado de desalfandegamento incorreto, para prova da introdução no consumo, na Jordânia, de uma mercadoria exportada, o que constitui uma violação do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 3665/87.

    33.

    Se nos ativermos exclusivamente ao teor do artigo 3.o, n.o 1, conjugado com o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, a referida disposição não faz depender o início do prazo de prescrição da verificação de qualquer resultado, uma vez que refere a «data em que foi praticada a irregularidade» e não o «resultado» da mesma: nos termos da disposição, o que determina o início do prazo não é a verificação de uma lesão mas sim um comportamento do agente económico ( 27 ) que viola uma disposição do direito da União. Este entendimento é confirmado pela consulta de outras versões linguísticas desta disposição em que nenhuma alude a qualquer tipo de resultado: enquanto na versão em língua inglesa se utiliza a expressão «when the irregularity […] was commited», na versão em língua alemã fala‑se de «Begehung der Unregelmäßigkeit», na versão em língua francesa de «réalisation de l’irrégularité», em italiano faz‑se referência à «esecuzione dell’irregolarità» e em português à «data em que foi praticada a irregularidade» ( 28 ). Ou seja, todas elas se centram na prática da irregularidade e não no efeito ou no resultado da mesma.

    34.

    Por seu lado, o artigo 1.o, n.o 2, do regulamento, ao definir a «irregularidade», fá‑lo dizendo que «constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou os orçamentos geridos por estas» ( 29 ). A utilização do conjuntivo «possa ter por efeito» parece indicar que existe uma irregularidade sem que se verifique uma lesão ou se tenha concretizado de modo preciso e definitivo, bastando que a conduta do agente seja potencialmente adequada para produzir esse resultado ( 30 ).

    35.

    É perfeitamente plausível, como acontece no presente processo, não ser possível quantificar o benefício ilícito no momento em que uma irregularidade foi praticada ( 31 ). Ora, daí não pode advir qualquer alteração à interpretação da disposição do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, sobretudo se se tiver em conta que «mesmo as irregularidades que não tenham um impacto financeiro preciso podem lesar seriamente os interesses financeiros da União» ( 32 ).

    36.

    O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 tem sido reiteradamente analisado pelo Tribunal de Justiça, que se ateve sempre ao respetivo teor quanto à sua aplicação, nunca exigindo a existência de uma lesão para que o prazo da prescrição começasse a correr. Neste sentido, deve recordar‑se antes de mais o acórdão Handlbauer ( 33 ), no qual o Tribunal de Justiça declarou pela primeira vez que o referido preceito «ao fixar, em matéria de procedimentos, um prazo de prescrição de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, não deixa qualquer margem de apreciação aos Estados‑Membros» ( 34 ) e que o prazo de prescrição fixado no artigo 3.o, n.o 1, «se conta a partir da data em que foi praticada a irregularidade» ( 35 ).

    37.

    Esta fórmula foi mais tarde literalmente reiterada no acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o. ( 36 ), que também tinha por objeto, como o presente processo, os pagamentos antecipados de restituições à exportação pelas mesmas remessas controvertidas de carne de bovino inicialmente destinada à Jordânia e que acabou por ser reexportada para o Iraque. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça reiterou que as dívidas em causa, prescrevem, em princípio, no prazo de quatro anos «a contar da data em as irregularidades foram cometidas» ( 37 ). A prescrição tem lugar «na falta de um ato interruptivo adotado nos quatro anos seguintes à prática de tal irregularidade», de modo que «quando uma irregularidade foi cometida, como nos processos principais […], essa irregularidade […] prescreve durante o ano de 1997, em função da data precisa em que essa irregularidade foi cometida, que remonta a 1993» ( 38 ), sem prejuízo de os Estados‑Membros poderem prever prazos de prescrição mais longos. O Tribunal de Justiça declarou então expressamente, na parte decisória do referido acórdão, que o prazo de prescrição previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 «começa a correr a partir da data em que a irregularidade em causa foi cometida».

    38.

    Por conseguinte, considero que, no caso em análise, em princípio, se nos ativermos ao teor da disposição em causa e à aplicação que o Tribunal de Justiça dela tem feito até à presente, o prazo de prescrição começou a correr a partir do ato do agente económico que viola uma disposição do direito da União, isto é, com a apresentação, em 10 de agosto de 1993, de um certificado de desalfandegamento que se verificou ser incorreto e que tornou indevido o pagamento antecipado feito a Ernst Kollmer em 1992 ou 1993.

    39.

    Neste sentido, não podemos partilhar a tese da Comissão, expressa no n.o 30 das suas observações, de que estamos perante uma «violação continuada» que começou com a apresentação do referido certificado de desalfandegamento e que terminou na data em que a garantia foi liberada na sequência da decisão definitiva sobre o montante efetivo da restituição à exportação.

    40.

    Se partirmos da definição de «irregularidade continuada ou repetida» acolhida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Vonk Dairy Products («uma irregularidade é continuada ou o repetida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário») ( 39 ) ou da definição, noutro contexto, de «infração continuada» contida no acórdão Montecatini («embora a noção de infração continuada tenha um conteúdo um pouco diferente nas ordens jurídicas dos diferentes Estados‑Membros, de qualquer modo comporta uma pluralidade de infrações ou de atos de execução de uma única infração, reunidos por um elemento subjetivo comum») ( 40 ), é evidente que a apresentação de um único certificado aduaneiro, que se verificou ser incorreto, relativo a uma única remessa de carne de bovino para exportação, não permite considerar que estejamos perante uma «irregularidade continuada ou repetida».

    41.

    Numa perspetiva sistemática que, na minha opinião, confirma a interpretação literal exposta no ponto 38 das presentes conclusões, convém recordar a diferença expressa entre o teor do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 e os termos em que se define o dies a quo no Regulamento n.o 800/1999 (que se aplica às exportações de produtos agrícolas realizadas a partir de 1 de julho de 1999 e, por conseguinte, não aplicável a este processo). Para o que aqui importa, o referido regulamento prevê, para a recuperação das restituições à exportação indevidamente recebidas (embora apenas para o caso de o beneficiário ter atuado de boa fé), um prazo de prescrição de quatro anos que começa a correr «na data da notificação ao beneficiário da decisão definitiva da concessão da restituição» [artigo 52.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea b)] ( 41 ).

    42.

    Atendendo ao sentido e à finalidade do Regulamento n.o 2988/95, a interpretação, que defendo, no sentido de que o início do prazo de prescrição depende unicamente da prática da irregularidade pelo agente económico, não sendo necessário que já se tenha verificado uma lesão ou que esta seja quantificável, também está em conformidade com as exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio da segurança jurídica no que respeita aos prazos de prescrição, que se devem conjugar, obrigatoriamente, com uma defesa efetiva dos interesses financeiros da União visada pelo referido Regulamento.

    43.

    Como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading (também ele relativo aos pagamentos antecipados de restituições à exportação a empresas alemãs por remessas de carne de bovino para a Jordânia reexportadas para o Iraque), «o princípio da segurança jurídica exige nomeadamente que a situação desse operador, tendo em conta os seus direitos e obrigações face à autoridade nacional, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa […] Deve ser aplicado um prazo de prescrição à atuação contra essa irregularidade e, para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, esse prazo deve ser fixado antecipadamente» ( 42 ). E acrescenta em seguida: «admitir a possibilidade de os Estados‑Membros concederem [à] Administração um período para agir [muito mais longo que o previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95] poderia, de certa forma, encorajar a inércia das autoridades nacionais no combate às «irregularidades», na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 2988/95, expondo os operadores, por um lado, a um longo período de incerteza jurídica e, por outro, ao risco de já não terem a possibilidade de fazer provar da regularidade das operações em causa» ( 43 ).

    44.

    Ora, fazer depender o início do prazo de prescrição apenas de uma tal atuação da Administração nacional que torne possível concretizar definitivamente o valor da lesão acabaria por contradizer a lógica exposta. É certo que a luta contra as consequências económicas negativas para o orçamento da União decorrentes das irregularidades cometidas neste domínio podia ser mais eficaz se, como propõe a Comissão, se alterasse o início do prazo de prescrição para a data em que a lesão se torna definitiva com a liberação da garantia no caso dos pagamentos antecipados. No entanto, considero que não se pode forçar a interpretação literal da disposição controvertida se assim se puserem em causa as exigências decorrentes (nos termos expostos) da segurança jurídica ( 44 ). Embora a Comissão afirme que a caução deve ser devolvida no momento em que as autoridades adotam uma decisão definitiva sobre a concessão da restituição, essa instituição não refere expressamente que as autoridades estejam juridicamente vinculadas à liberação da garantia nesse momento específico ( 45 ). Partilho a opinião expressa por Ernst Kollmer nas suas observações no sentido de que, se não existe essa obrigação jurídica de liberar a garantia num momento legalmente determinado de forma precisa, não se cumpre a exigência de previsibilidade que os prazos de prescrição devem respeitar, o que sujeita o agente económico a uma situação de insegurança jurídica.

    45.

    Por último, e no que respeita ao anteriormente exposto, também não concordo com a proposta do Governo grego de considerar que o prazo de prescrição começa a correr no momento em que a autoridade competente deteta que o pagamento foi indevidamente efetuado. Além de não existir qualquer argumento literal em defesa desta interpretação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 ( 46 ), se o prazo de prescrição só começasse a contar a partir desse momento, estariam a prolongar‑se os prazos estabelecidos pelo legislador, de um modo tendencialmente indefinido, fazendo assim tábua rasa de qualquer exigência de previsibilidade. O início do prazo de prescrição ficaria dependente, nesses casos, do momento incerto em que as autoridades decidissem levar a efeito as diligências necessárias para verificar a regularidade das operações efetuadas pelo agente económico. Isto iria expor o referido operador a um período indeterminado de incerteza jurídica, além de dificultar a prova da regularidade dos atos ou omissões controvertidas, o que seria contrário às exigências de segurança jurídica ( 47 ).

    46.

    Assim, proponho responder ao órgão jurisdicional de reenvio que, em situações como a que dá origem ao processo a quo, o prazo de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 começa a correr na data em que foi praticada a irregularidade em causa, e que vem definida no artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento, independentemente do momento em que se verifique a lesão do orçamento geral da União ou dos orçamentos por ela geridos.

    B – Segunda questão prejudicial

    47.

    Tendo em conta a resposta que se propõe para a primeira questão prejudicial formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio e de todas as considerações anteriormente expostas, não há que responder à segunda questão prejudicial submetida.

    V – Conclusão

    48.

    À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Finanzgericht Hamburg do seguinte modo:

    «1)

    Em situações como a que deu origem ao processo a quo, o prazo de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 começa a correr na data em que foi praticada a irregularidade em causa, tal como esta é definida no artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento, independentemente do momento em que se verifique a lesão do orçamento geral da União ou dos orçamentos por ela geridos.

    2)

    Tendo em conta a resposta que se propõe para a primeira questão prejudicial formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio e de todas as considerações anteriormente expostas, não há que responder à segunda questão prejudicial submetida.»


    ( 1 )   Língua original: espanhol.

    ( 2 )   C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38.

    ( 3 )   C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282.

    ( 4 )   Regulamento (CE, Euratom) do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1).

    ( 5 )   Também declarou que os prazos de prescrição mais longos, que podem ser aplicados pelos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento, podem resultar de disposições nacionais anteriores à data de adoção do mesmo. O acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading (C‑201/10 e C‑202/10) incidiu precisamente sobre esses prazos de prescrição mais longos que podem ser previstos pelo direito nacional. O Tribunal de Justiça salientou, designadamente, que esses prazos devem satisfazer as exigências de previsibilidade e de proporcionalidade decorrentes do princípio de segurança jurídica.

    ( 6 )   No processo em análise, a restituição tinha sido paga antecipadamente, tendo sido feito esse pagamento, garantido por caução, antes da prática da infração do direito da União que o tornou indevido. A infração foi detetada depois de ter sido devolvida ao agente económico a caução que garantia o referido pagamento antecipado. Nos acórdãos referidos no ponto 2 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça não abordou especificamente a questão agora suscitada: se, no caso das restituições à exportação que foram objeto de pagamento antecipado, o início do referido prazo de prescrição exige não só a prática de uma irregularidade, mas, ainda, que se verifique uma lesão do orçamento da União (nas presentes conclusões usarei os termos «Comunidades Europeias» e «direito comunitário» ao referir as disposições legais em que essas expressões aparecem; em todas as restantes situações usarei os termos «União Europeia» ou «direito da União»).

    ( 7 )   Regulamento (CEE) do Conselho, de 4 de março de 1980, relativo ao pagamento antecipado das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 62, p. 5; EE 03 17 p. 182).

    ( 8 )   Regulamento (CEE) da Comissão, de 27 de novembro de 1987 que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 351, p. 1; retificação no JO 1988, L 337, p. 29). Embora o Regulamento n.o 3665/87 tenha sido substituído desde 1 de julho de 1999 pelo Regulamento (CE) n.o 800/1999 da Comissão, de 15 de abril de 1999, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação de produtos agrícolas (JO L 102, p. 11; retificação no JO L 180, p. 53), é aplicável aos factos objeto do presente processo.

    ( 9 )   As restituições à exportação são ajudas à exportação de determinados produtos agrícolas concedidas pela União Europeia no âmbito da política agrícola comum, visando permitir a presença desses produtos nos mercados mundiais em condições concorrenciais. O montante da restituição representa a diferença entre o preço de um produto no mercado da União e o seu preço no mercado mundial, geralmente mais baixo. O processo normal de pagamento das restituições faz com que o exportador suporte os encargos financeiros representados pelo facto de não receber as restituições até fazer prova que se efetuaram as formalidades aduaneiras de exportação, que o produto tenha deixado o território aduaneiro da União e, em certos casos, que tenha chegado ao seu destino. A fim de evitar este ónus e de facilitar o financiamento das exportações, existe a possibilidade de o exportador receber a restituição assim que os serviços aduaneiros aceitem a declaração de exportação, sem necessidade de aguardar a saída física da mercadoria do território aduaneiro da União. O pagamento antecipado verifica‑se, assim, quando as mercadorias são colocadas sob o regime aduaneiro do entreposto ou sob regime de zona franca para a sua exportação num prazo determinado. O compromisso do exportador de que as mercadorias vão deixar o território aduaneiro da União nesse prazo deve ser garantido pela prestação de uma caução de montante equivalente ao valor da restituição a receber, a que acresce uma determinada percentagem. V., a este respeito, nomeadamente, De Ureta Huertos, A., «Marco general de las restituciones a la exportación», Boletín económico de ICE, n.o 2449, 1995, pp. 65 e segs., e Gigante Guerrero, G., «Restituciones a la exportación en el marco de la Unión Europea», Economistes, n.o 225, 2002.

    ( 10 )   Ernst Kollmer refere este facto nas suas observações, indicando que, no seu caso, contrariamente ao que aconteceu com outros exportadores em idêntica situação, a garantia não foi integralmente liberada assim que o Hauptzollamt aceitou a declaração aduaneira jordana como prova da introdução dos produtos exportados no consumo na Jordânia. O órgão jurisdicional de reenvio refere que o atraso se verificou «por razões não relevantes para os efeitos do presente litígio». Ernst Kollmer transcreve nas suas observações (n.o 8) quais foram esses motivos segundo declarações do próprio Hauptzollamt: «dado que se tinha verificado a existência de irregularidades relativamente a outras operações de desalfandegamento diferentes dos depósitos aduaneiros em causa que não permitiam liberar definitiva e imediatamente a garantia […]»; ou seja, conforme alega Ernst Kollmer, a liberação tardia de parte da garantia não tinha qualquer relação material ou temporal com as exportações controvertidas (n.o 11 das suas observações), mas sim com outras exportações não provadas para o Egito, embora o Hauptzollamt tenha declarado que, para a apreciação da questão da prescrição, eram irrelevantes as circunstâncias concretas que deram origem ao atraso na liberação da garantia no caso do referido exportador (n.o 12).

    ( 11 )   C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282. Na sequência do referido acórdão, do qual também beneficiou Ernst Kollmer, foram integralmente cancelados todos os pedidos de reembolso contra os exportadores alemães de carne de bovino para a Jordânia, uma vez que entre a concessão da restituição à exportação (sob a forma de pagamento antecipado em 1992 e 1993 com liberação imediata da garantia após a apresentação do correspondente certificado) e a decisão mediante a qual se exigia o reembolso em setembro de 1999 tinham decorrido mais de quatro anos (v. n.o 6 das observações de Ernst Kollmer).

    ( 12 )   Alega ainda, como se deduz das suas observações, que a Administração Aduaneira jordana tinha atuado reiterada e culposamente durante um longo período de tempo, o que também invoca como motivo de força maior para se opor ao pedido de reembolso da restituição à exportação apresentado pelo Hauptzollamt.

    ( 13 )   C‑465/10, EU:C:2011:867, n.o 47.

    ( 14 )   Segundo a Comissão, a decisão definitiva sobre o montante da restituição à exportação é adotada assim que a Administração Aduaneira recebe e analisa a documentação correspondente à exportação, designadamente o certificado de desalfandegamento do país para onde se exportaram as mercadorias. A adoção da referida decisão «é necessariamente simultânea com a liberação da garantia» (n.o 27 das observações da Comissão), algo que, no presente processo, podia não ter acontecido, como se deduz das observações de Ernst Kollmer (designadamente os n.os 3, 8 e 11).

    ( 15 )   C‑465/10, EU:C:2011:867.

    ( 16 )   O segundo parágrafo da referida disposição estabelece uma regra especial para as irregularidades continuadas ou repetidas: nestes casos, o prazo de prescrição corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O seu quarto parágrafo acrescenta uma última regra: a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção.

    ( 17 )   Acórdão Handlbauer, C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 33.

    ( 18 )   Acórdão Handlbauer, C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 35.

    ( 19 )   Acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 22. Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida (ou seja, o reembolso dos montantes pagos). Caso a irregularidade tenha sido cometida intencionalmente, ou de forma negligente, pode ser aplicada uma sanção administrativa (v. conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas no processo Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2008:521, ponto 47).

    ( 20 )   Acórdão Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.os 49 e 50. O prazo de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 é diretamente aplicável nos Estados‑Membros no domínio das restituições à exportação de produtos agrícolas, na falta de regulamentação sectorial da União que preveja um prazo mais curto, mas não inferior a três anos, ou uma regulamentação nacional que fixe um prazo de prescrição mais longo (acórdão Handlbauer, C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 35) que não seja desproporcionado (acórdãos Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 47, e Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 65). A referida regulamentação nacional pode ser anterior à data da adoção do referido regulamento (acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 42).

    ( 21 )   Acórdãos Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.os 25, 27 e 29, e Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 24.

    ( 22 )   Acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 34.

    ( 23 )   Evidentemente, desde que as dívidas anteriores à entrada em vigor desse regulamento não tenham prescrito por força de regras nacionais de prescrição aplicáveis à data em que as irregularidades em causa foram cometidas (acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 30).

    ( 24 )   Acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.os 43 e 44.

    ( 25 )   Idem, n.o 46.

    ( 26 )   Idem, n.os 32 e 43.

    ( 27 )   Não é abrangida pelo conceito de «irregularidade» na aceção do Regulamento n.o 2988/95 uma situação em que uma restituição à exportação tenha sido indevidamente paga a um agente em virtude de um erro das autoridades nacionais (acórdãos Bayerische Hypotheken‑ und Vereinsbank, C‑281/07, EU:C:2009:6, n.os 20 e 21, e Chambre de Commerce et d’Industrie de l’Indre, C‑465/10, EU:C:2011:867, n.o 44).

    ( 28 )   O sublinhado é meu.

    ( 29 )   O sublinhado é meu.

    ( 30 )   Na minha opinião, esta ideia de potencialidade encontra‑se expressa mais claramente nas versões portuguesa («um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades») e italiana («un’azione o un’omissione di un operatore economico che abbia o possa avere come conseguenza un pregiudizio al bilancio generale delle Comunità o ai bilanci da queste gestite») do artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento (o sublinhado é meu).

    ( 31 )   Assim o salienta a advogada‑geral E. Sharpston nas suas conclusões apresentadas no processo Pfeifer & Langen, C‑564/10, EU:C:2012:38, ponto 101.

    ( 32 )   Acórdão Chambre de Commerce et d’Industrie de l’Indre, C‑465/10, EU:C:2011:867, n.o 47.

    ( 33 )   C‑278/02, EU:C:2004:388.

    ( 34 )   Idem, n.o 27.

    ( 35 )   Idem, n.o 32.

    ( 36 )   C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 21. V. também o acórdão Corman, C‑131/10, EU:C:2010:825, n.o 38.

    ( 37 )   Acórdão Josef Vosding Schlacht, Kühl und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 31. V., ainda, acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 51: «começa a correr na data da prática da irregularidade em causa».

    ( 38 )   Acórdãos Josef Vosding Schlacht, Kühl und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 33.

    ( 39 )   C‑279/05, EU:C:2007:18, n.o 41 (o sublinhado é meu).

    ( 40 )   C‑235/92 P, EU:C:1999:362, n.o 195 (o sublinhado é meu).

    ( 41 )   O sublinhado é meu. Sobre os problemas suscitados pela relação entre a norma de prescrição do artigo 52.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 800/1999 e as previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, v. Krüger, U., «Verjährung erstattungsrechtlicher Rückzahlungsansprüche». Zeitschrift für Zölle und Verbrauchsteuern 2008, pp. 244 e segs.

    ( 42 )   Acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 32. V., ainda, acórdão Chemiefarma/Comissão, 41/69, EU:C:1970:71, n.o 19.

    ( 43 )   Acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 45. V., ainda, acórdãos Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 62, e Handlbauer, C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 40.

    ( 44 )   Neste sentido, há que recordar que os Estados‑Membros podem tentar incrementar uma defesa mais eficaz dos interesses financeiros da União aplicando prazos de prescrição mais longos (artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95), desde que respeitem os requisitos da previsibilidade e da proporcionalidade.

    ( 45 )   Ernst Kollmer parece confirmar esta opinião no n.o 31 das suas observações.

    ( 46 )   Efetivamente, parece ter sido expressamente afastada no acórdão José Martí Peix, C‑226/03 P, EU:C:2004:768, n.os 25 a 28, no qual o Tribunal de Justiça concluiu que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao considerar que o dies a quo da prescrição do procedimento naquele processo era o dia em que a Comissão tinha detetado a irregularidade em causa.

    ( 47 )   V. acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 45.

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