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Document 62013CJ0612

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de julho de 2015.
ClientEarth contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão — Informações ambientais — Convenção de Aarhus — Artigo 4.°, n.os 1 e 4 — Exceção ao direito de acesso — Proteção dos objetivos das atividades de inquérito — Estudos efetuados por uma empresa, a pedido da Comissão Europeia, a respeito da transposição de diretivas em matéria ambiental — Recusa parcial de acesso.
Processo C-612/13 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:486

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de julho de 2015 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão — Informações ambientais — Convenção de Aarhus — Artigo 4.o, n.os 1 e 4 — Exceção ao direito de acesso — Proteção dos objetivos das atividades de inquérito — Estudos efetuados por uma empresa, a pedido da Comissão Europeia, a respeito da transposição de diretivas em matéria ambiental — Recusa parcial de acesso»

No processo C‑612/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de novembro de 2013,

ClientEarth, com sede em Londres (Reino Unido), representada por P. Kirch, avocat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por L. Pignataro‑Nolin, P. Costa de Oliveira e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por J. Rodrigues e L. Visaggio, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado por M. Moore, M. Simm e A. Jensen, na qualidade de agentes,

intervenientes no presente recurso,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de janeiro de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de abril de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a ClientEarth pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, ClientEarth/Comissão (T‑111/11, EU:T:2013:482, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso que tinha inicialmente por objeto um pedido de anulação da decisão da Comissão Europeia que indeferiu tacitamente o acesso a certos documentos relativos à conformidade da lei de diversos Estados‑Membros com o direito do ambiente da União Europeia, e depois um pedido de anulação da decisão expressa posterior, de 30 de maio de 2011, que lhe indefere parcialmente o acesso a esses documentos.

Quadro jurídico

Direito internacional

2

O artigo 2.o da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1) (a seguir «Convenção de Aarhus»), dispõe:

«Para efeitos da presente Convenção, entende‑se por:

[...]

2.

‘Autoridade pública’:

[...]

d)

As instituições das organizações de integração económica regional referidas no artigo 17.o que sejam Parte na presente Convenção.

[...]»

3

Nos termos do artigo 4.o, n.os 1 e 4, desta Convenção:

«1.   Cada Parte assegurará que, em resposta a um pedido de informação ambiental, as autoridades públicas coloquem à disposição do público tal informação, de acordo com o disposto no presente artigo e em conformidade com o disposto na legislação nacional, incluindo, quando solicitadas e sem prejuízo do disposto na alínea b), cópias da documentação que contém a informação solicitada:

a)

sem que seja necessário declarar um interesse na questão;

b)

na forma solicitada, a menos que:

i)

seja razoável que a autoridade pública apresente a informação de outra forma; nesse caso, devem ser expostas as razões que o justificam; ou

ii)

a informação já esteja disponível ao público de outra forma.

[...]

4.   Pode ser recusado um pedido de informações se a divulgação das mesmas afetar negativamente:

[...]

c)

O funcionamento da justiça, o direito de qualquer pessoa a um julgamento equitativo ou a possibilidade de as autoridades públicas realizarem inquéritos de natureza criminal ou disciplinar;

[...]

Os fundamentos de recusa acima mencionados devem ser objeto de uma interpretação restritiva, tendo em conta o interesse público defendido pela divulgação e o facto de a informação solicitada ser relativa a emissões para o ambiente.»

Direito da União

4

O Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), define os princípios, as condições e os limites do direito de acesso aos documentos dessas instituições.

5

O artigo 4.o deste regulamento, intitulado «Exceções», dispõe, no seu n.o 2:

«As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[...]

[...]

objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.»

6

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO L 264, p. 13):

«No que se refere aos primeiro e terceiro travessões do n.o 2 do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, com exceção dos inquéritos, em especial os relacionados com possíveis incumprimentos do direito comunitário, considera‑se que existe um interesse público superior na divulgação quando a informação solicitada estiver relacionada com emissões para o ambiente. No que se refere às outras exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, os motivos de recusa de acesso devem ser interpretados restritivamente, atendendo ao interesse público servido pela divulgação e à questão de saber se a informação solicitada está relacionada com emissões para o ambiente.»

Antecedentes do litígio

7

Em 8 de setembro de 2010, a ClientEarth, associação de direito inglês que tem por objeto, nomeadamente, a proteção do ambiente, enviou à Direção‑Geral (DG) «Ambiente» da Comissão um pedido de acesso a documentos com base nos Regulamentos n.os 1049/2001 e 1367/2006. O pedido era relativo a diversos documentos mencionados no «Plano de Gestão 2010» dessa DG.

8

Por carta de 29 de outubro de 2010, a Comissão deferiu esse pedido apenas parcialmente. Transmitiu à ClientEarth um dos documentos pedidos, mas indicou que os outros documentos estavam abrangidos, nomeadamente, pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

9

Em 10 de novembro de 2010, a ClientEarth pediu à Comissão que revisse a sua posição a respeito de vários documentos cujo acesso lhe tinha sido recusado.

10

Em 30 de maio de 2011, a Comissão adotou e comunicou à ClientEarth uma decisão expressa em resposta a este último pedido, à luz dos Regulamentos n.os 1049/2001 e 1367/2006 (a seguir «decisão expressa»).

11

Com essa decisão, a Comissão concedeu à ClientEarth acesso parcial a 41 estudos relativos à conformidade da lei de diversos Estados‑Membros com o direito do ambiente da União, efetuados por uma empresa, a pedido e por conta da Comissão, e por ela recebidos em 2009 (a seguir «estudos controvertidos»). Concretamente, a Comissão transmitiu à ClientEarth, em relação a cada um desses estudos, a capa, o índice, a lista das abreviaturas utilizadas, um anexo com a legislação examinada e as partes intituladas «Introdução», «Visão geral do quadro jurídico do Estado‑Membro» e «Quadro para a transposição e implementação». Em contrapartida, recusou comunicar‑lhe, em relação a cada um desses estudos, as partes intituladas «Ficha de síntese», «Análise jurídica das medidas de transposição» e «Conclusões», bem como o anexo com um quadro de concordâncias entre a legislação do Estado‑Membro em causa e o direito da União pertinente.

12

A Comissão dividiu os estudos controvertidos em duas categorias. A primeira categoria continha um estudo cuja avaliação, efetuada em diálogo com o Estado‑Membro em causa, tinha começado pouco tempo antes da adoção da decisão expressa. A segunda categoria incluía os outros 40 estudos, tendo cada um deles dado origem a um diálogo mais avançado com os Estados‑Membros em causa.

13

Em apoio da sua decisão, a Comissão indicou que as partes não divulgadas dos estudos controvertidos estavam abrangidas, nomeadamente, pela exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito, prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

14

A este respeito, a Comissão salientou que esses estudos eram elaborados com vista a permitir controlar a transposição de várias diretivas pelos Estados‑Membros e, tal sendo o caso, instaurar contra eles o processo por incumprimento previsto no artigo 258.o TFUE.

15

Quanto ao estudo pertencente à primeira categoria mencionada no n.o 12 do presente acórdão, a Comissão indicou que ainda não tinha chegado a uma conclusão sobre a transposição, pelo Estado‑Membro em causa, da diretiva referida nesse estudo e que a divulgação dos dados e das conclusões contidos nesse estudo, que ainda não tinham sido verificados e a respeito dos quais esse Estado‑Membro não tinha tido a oportunidade de reagir, teria causado, relativamente a este último, o risco de ser criticado, talvez injustamente, e teria prejudicado o clima de confiança mútua exigido para avaliar a execução dessa diretiva.

16

Quanto aos estudos controvertidos pertencentes à segunda categoria mencionada no n.o 12 do presente acórdão, a Comissão indicou que, em certos casos, tinha decidido abrir a fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento contra os Estados‑Membros em causa, mas que, noutros casos, ainda não tinha decidido a sua posição. Alega que a divulgação desses estudos, se tivesse sido autorizada, teria prejudicado o clima de confiança mútua necessário para resolver os diferendos entre ela e os Estados‑Membros em causa sem ter de recorrer à fase judicial do processo por incumprimento.

17

A Comissão salientou ainda que o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006 não era suscetível de pôr em causa o exame que tinha feito à luz do Regulamento n.o 1049/2001.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

18

Em 21 de fevereiro de 2011, a ClientEarth interpôs recurso de anulação da decisão tácita de indeferimento do seu pedido de 10 de novembro de 2010. Na sequência da adoção, pela Comissão, da decisão expressa que recusou à ClientEarth o acesso integral aos estudos controvertidos, considerou‑se que o recurso passava a ter como objeto a anulação desta última decisão.

19

A ClientEarth invoca sete fundamentos de recurso.

20

Tendo julgado improcedentes os sete fundamentos, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

21

A ClientEarth pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e condene a Comissão nas despesas.

22

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene a ClientEarth nas despesas.

23

Foram admitidas as intervenções do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia em apoio dos pedidos da Comissão.

Quanto ao presente recurso

24

A ClientEarth invoca três fundamentos de recurso.

Quanto ao segundo fundamento

25

Há que começar pelo exame do segundo fundamento, em que se alega erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao considerar o artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 compatível com o artigo 4.o, n.os 1 e 4, da Convenção de Aarhus.

Argumentos das partes

26

Nesse fundamento, a ClientEarth contesta o raciocínio do Tribunal Geral contido nos n.os 91 a 99 do acórdão recorrido.

27

Em primeiro lugar, a ClientEarth, invocando os acórdãos Fediol/Comissão (70/87, EU:C:1989:254) e Nakajima/Conselho (C‑69/89, EU:C:1991:186), critica o Tribunal Geral por ter verificado a aplicabilidade direta do artigo 4.o da Convenção de Aarhus, apesar de essa verificação não ser necessária para fiscalizar a compatibilidade do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 com essa Convenção.

28

Em segundo lugar, a ClientEarth alega que, de qualquer forma, o Tribunal Geral considerou erradamente que o artigo 4.o, n.os 1 e 4, primeiro parágrafo, alínea c), da Convenção de Aarhus não é diretamente aplicável às instituições da União. Em particular, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aceitar que as especificidades da União pudessem justificar uma exceção à aplicação direta dessa Convenção.

29

Em terceiro lugar, a ClientEarth alega que o Tribunal Geral violou a obrigação de interpretar de forma restritiva o artigo 4.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea c), da Convenção de Aarhus, de acordo com o artigo 4.o, n.o 4, segundo parágrafo, dessa Convenção.

30

Em quarto lugar, a ClientEarth alega que o Tribunal Geral não interpretou a Convenção de Aarhus de modo conforme com os princípios consagrados nos artigos 26.° e 31.° da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»). Com efeito, ao alargar o alcance da exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito aos estudos controvertidos, o Tribunal Geral, contra esses artigos da Convenção de Viena, seguiu uma interpretação do artigo 4.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus contrária à sua letra, ao seu objeto e à sua finalidade.

31

A Comissão, apoiada pelo Parlamento e pelo Conselho, alega, de um modo geral, que o raciocínio do Tribunal Geral contido nos n.os 91 a 99 do acórdão recorrido não está ferido de nenhum erro de direito. Entende que esse raciocínio respeita, em todos os pontos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Apreciação do Tribunal de Justiça

32

A título preliminar, há que esclarecer que o presente fundamento é relativo à compatibilidade do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, mas não do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, com o artigo 4.o, n.os 1 e 4, da Convenção de Aarhus.

33

Feito este esclarecimento preliminar, há que recordar que, por força do artigo 216.o, n.o 2, TFUE, os acordos internacionais celebrados pela União vinculam as suas instituições e prevalecem, portanto, sobre os atos que estas aprovam (acórdãos Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 52 e jurisprudência aí referida, e Conselho e Comissão/Stichting Natuur en Milieu e Pesticide Action Network Europe, C‑404/12 P e C‑405/12 P, EU:C:2015:5, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

34

Daí resulta que a validade de um ato da União pode ser afetada pela incompatibilidade desse ato com essas normas de direito internacional (acórdão Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 51).

35

Contudo, como refere o Tribunal Geral no n.o 91 do acórdão recorrido, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o juiz da União só pode proceder ao exame da alegada incompatibilidade de um ato da União com as disposições de um acordo internacional no qual a União seja parte na condição, por um lado, de a natureza e a sistemática desse acordo não se oporem e, por outro, de essas disposições serem, do ponto de vista do conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas (v. acórdãos IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 39; Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 45; e Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 54).

36

É certo que o Tribunal de Justiça também entendeu que, no caso de a União ter querido dar execução a uma obrigação específica assumida por força dos acordos celebrados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou quando o ato de direito da União em causa remete expressamente para disposições precisas desses acordos, cabe ao Tribunal de Justiça, se for caso disso, fiscalizar a legalidade desse ato da União à luz das regras da OMC (v., neste sentido, acórdãos Fediol/Comissão, 70/87, EU:C:1989:254, n.os 19 a 22, e Nakajima/Conselho, C‑69/89, EU:C:1991:186, n.os 29 a 32; v., ainda, acórdão LVP, C‑306/13, EU:C:2014:2465, n.o 47 e jurisprudência aí referida).

37

Contudo, sem que seja necessário conhecer da questão de saber se a jurisprudência mencionada no número anterior é aplicável no presente caso, basta observar que o Regulamento n.o 1049/2001, em particular o seu artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, não faz nenhuma remissão expressa para a Convenção de Aarhus nem dá execução a uma obrigação particular dela decorrente. Por conseguinte e de qualquer forma, essa jurisprudência não é relevante para a presente lide.

38

Daí resulta que o Tribunal Geral decidiu acertadamente, por um lado, ao não tomar em consideração a jurisprudência dos acórdãos Fediol/Comissão (70/87, EU:C:1989:254) e Nakajima/Conselho (C‑69/89, EU:C:1991:186) e, por outro, ao verificar se as disposições do artigo 4.o, n.os 1 e 4, primeiro parágrafo, alínea c), da Convenção de Aarhus são, do ponto de vista do conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas.

39

Nestas condições, há que analisar a argumentação da ClientEarth relativa ao caráter errado da análise do Tribunal Geral segundo a qual essas disposições não têm essas características e não podem, portanto, ser invocadas para a apreciação da legalidade do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

40

A esse respeito, como acertadamente refere o Tribunal Geral no n.o 96 do acórdão recorrido, a referência, no artigo 4.o, n.o 1, da Convenção de Aarhus, às legislações nacionais demonstra que essa Convenção foi concebida manifestamente tendo em consideração os ordenamentos jurídicos nacionais, e não as especificidades jurídicas das organizações de integração económica regional, como a União, mesmo que estas possam assinar e aderir a essa Convenção, nos termos dos seus artigos 17.° e 19.°

41

É por esta razão, como salientam a Comissão e o Parlamento, que a Comunidade, ao aprovar a Convenção de Aarhus, reiterou, numa declaração depositada nos termos do artigo 19.o dessa Convenção, a declaração que tinha feito no momento da assinatura da mesma Convenção e que anexou à Decisão 2005/370, a saber, que «as instituições comunitárias aplicarão a convenção no quadro das regras atuais e futuras sobre o acesso aos documentos, bem como das outras regras pertinentes do direito comunitário no domínio abrangido pela convenção».

42

Nestas condições, nem a referência, no artigo 4.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea c), da Convenção de Aarhus, aos inquéritos «de natureza criminal ou disciplinar» nem a obrigação, prevista no artigo 4.o, n.o 4, segundo parágrafo, dessa Convenção, de interpretar restritivamente os fundamentos de recusa de acesso referidos na primeira dessas disposições podem ser interpretadas no sentido de que implicam uma obrigação precisa do legislador da União. A fortiori, não se pode inferir dessas disposições uma proibição de interpretar o conceito de «inquérito» num sentido que tenha em conta as especificidades da União, nomeadamente a missão da Comissão de investigar eventuais incumprimentos de Estados‑Membros que ponham em causa a correta aplicação dos tratados e das normas da União adotadas ao abrigo destes.

43

Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral decidiu acertadamente ao excluir a possibilidade de se invocar o artigo 4.o, n.os 1 e 4, da Convenção de Aarhus para apreciar a legalidade do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Assim, não cometeu qualquer erro de direito ao rejeitar a argumentação da ClientEarth relativa à incompatibilidade desta última disposição com a Convenção de Aarhus.

44

Estas mesmas considerações levam igualmente a rejeitar a argumentação da ClientEarth relativa à violação pelo Tribunal Geral dos princípios da execução de boa‑fé e da interpretação dos tratados, enunciados nos artigos 26.° e 31.° da Convenção de Viena.

45

Por conseguinte, improcede o segundo fundamento.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

46

O primeiro fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na interpretação do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, divide‑se em duas partes.

47

A primeira parte é relativa a uma interpretação errada do conceito de «atividades de inquérito», na aceção dessa disposição, e visa, nomeadamente, os n.os 49, 50, 58 a 61 e 70 do acórdão recorrido.

48

Nessa parte, a ClientEarth alega que esse conceito pressupõe a existência de uma decisão formal da Comissão, reunida em colégio. A esse respeito, invoca os acórdãos Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2010:376); Comissão/Éditions Odile Jacob (C‑404/10 P, EU:C:2012:393); LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738); WWF UK/Comissão (T‑105/95, EU:T:1997:26); Bavarian Lager/Comissão (T‑309/97, EU:T:1999:257); Petrie e o./Comissão (T‑191/99, EU:T:2001:284); e API/Comissão (T‑36/04, EU:T:2007:258).

49

Ora, no caso, os estudos controvertidos resultaram de uma decisão administrativa dos serviços da Comissão, e não de uma decisão formal do colégio dos comissários, de abrir processos por incumprimento contra Estados‑Membros.

50

Com base no acórdão Mecklenburg (C‑321/96, EU:C:1998:300, n.os 27 e 30), a ClientEarth acrescenta que, mesmo admitindo que os estudos controvertidos se inserem na fase preliminar de um processo formal por incumprimento, a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 só pode justificar uma recusa de divulgação no caso de a existência do documento pedido ser imediatamente anterior à abertura de um procedimento pré‑contencioso ou quase contencioso e explica‑se pela necessidade de reunir provas ou de instruir um processo antes da abertura da fase processual propriamente dita. Ora, no caso, os estudos controvertidos não foram imediatamente anteriores a uma decisão de abrir, na sequência de um inquérito, um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE.

51

A segunda parte do primeiro fundamento é relativa a uma interpretação errada do conceito de «prejudicar a proteção de […] objetivos de atividades de […] inquérito […]», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, e visa, nomeadamente, os n.os 53 e 68 a 80 do acórdão recorrido.

52

Nessa segunda parte, a ClientEarth alega, antes de mais, que pediu acesso a documentos específicos, e não a um processo administrativo completo relativo a um processo por incumprimento ou a um conjunto de documentos designados de forma global. Além disso, o seu pedido não era relativo a uma categoria de documentos correspondentes a considerações gerais semelhantes, mas sim a duas categorias distintas de estudos, a saber, por um lado, as relativas a um processo por incumprimento que tinha sido aberto e, por outro lado, as que não tinham ligação a qualquer processo dessa natureza.

53

A ClientEarth afirma seguidamente que a divulgação dos estudos controvertidos em nada teria comprometido a realização do objetivo de processos por incumprimento, que é incentivar os Estados‑Membros em causa a adaptarem o seu direito em conformidade com o direito da União.

54

A ClientEarth alega ainda que, enquanto a Comissão não tivesse aberto um processo formal contra o Estado‑Membro em causa, não se podia considerar que a divulgação dos estudos controvertidos era suscetível de prejudicar um clima de confiança mútua. Com efeito, a simples existência desses estudos não teria sido suficiente para criar entre cada Estado‑Membro em causa e a Comissão uma relação bilateral que merecesse proteção em detrimento da transparência.

55

A Comissão alega que a argumentação desenvolvida pela ClientEarth no âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento não tem fundamento jurídico. Alega, em substância, que qualquer documento, como um estudo de conformidade, destinado a permitir‑lhe verificar, nos termos do artigo 17.o TUE, o respeito do direito da União pelos Estados‑Membros deve ser considerado relativo a um inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

56

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que, em face das considerações acima feitas no n.o 53 do acórdão recorrido, o raciocínio do Tribunal Geral, exposto nos n.os 68 a 80 desse acórdão, não está ferido de nenhum erro de direito. Entende que esse raciocínio respeita a jurisprudência do Tribunal de Justiça em todos os pontos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

57

O Regulamento n.o 1049/2001 visa conferir ao público um direito de acesso aos documentos das instituições da União o mais amplo possível. Resulta ainda desse regulamento, nomeadamente do seu artigo 4.o, que prevê um regime de exceção a esse respeito, que esse direito de acesso não deixa de estar sujeito a certos limites baseados em razões de interesse público ou privado (v. acórdãos LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 40 e jurisprudência aí referida, e Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 61 e jurisprudência aí referida).

58

Em virtude da exceção invocada no presente caso pela Comissão, concretamente a prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, as instituições da União recusam o acesso aos documentos se a sua divulgação prejudicar a proteção de objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação desse documento.

59

No caso, há que analisar antes de mais se, como alega a ClientEarth na primeira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que os estudos controvertidos se integravam numa atividade de inquérito, na aceção dessa disposição.

60

A esse respeito, há que salientar desde logo que em nada resulta da jurisprudência invocada pela ClientEarth e recordada no n.o 48 do presente acórdão que uma «atividade de inquérito», na aceção dessa disposição, seja condicionada pela existência de uma decisão formal da Comissão reunida em colégio.

61

Esclarecido isto, há que assinalar que os estudos controvertidos foram realizados a pedido e por conta da Comissão, depois de expirar o prazo de transposição de um conjunto de diretivas da União relativas à proteção do ambiente, com o objetivo preciso de verificar o estado do processo de transposição dessas diversas diretivas num certo número de Estados‑Membros. Com efeito, conforme resulta das indicações que constam dos n.os 13 e 49 do acórdão recorrido, cada um desses estudos, relativo a um único Estado‑Membro e a uma única diretiva, inclui uma observação do direito nacional analisado e do direito da União pertinente, acompanhada de uma análise jurídica e de conclusões relativas às medidas de transposição adotadas pelo Estado‑Membro em causa.

62

Como acertadamente considerou o Tribunal Geral no n.o 49 do acórdão recorrido, esses estudos fazem parte dos instrumentos de que a Comissão dispõe, no âmbito da obrigação que lhe é imposta pelo artigo 17.o, n.o 1, TUE, de garantir, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça, a aplicação do direito da União, para detetar eventuais incumprimentos de Estados‑Membros quanto à sua obrigação de transposição das diretivas em causa e para decidir, se for caso disso, abrir um processo por incumprimento contra Estados‑Membros que considere terem violado o direito da União. Integram‑se, por conseguinte, no conceito de «atividades de inquérito», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

63

O facto, salientado pela ClientEarth, de a realização dos estudos controvertidos ter sido confiada pela Comissão a um prestador externo em vez de ser assegurada pelos seus próprios serviços e de esses estudos não refletirem a posição dessa instituição nem serem causa da sua responsabilidade não significa que a Comissão, ao encomendar a realização desses estudos, tenha prosseguido um objetivo diferente do de dispor, graças aos seus meios de investigação, de informações aprofundadas sobre a conformidade da lei de um certo número de Estados‑Membros com o direito do ambiente da União, que lhe permitisse detetar a existência de possíveis infrações a esse direito e dar início, sendo caso disso, a um processo por incumprimento contra o Estado‑Membro inadimplente.

64

Quanto ao argumento da ClientEarth baseado no acórdão Mecklenburg (C‑321/96, EU:C:1998:300), a doutrina resultante desse acórdão nos seus n.os 27 e 30 não é relevante para a presente lide. Com efeito, essa doutrina diz respeito ao conceito de «instrução preliminar», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/313/CEE do Conselho, de 7 de junho de 1990, relativa à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente (JO L 158, p. 56), e não ao conceito, distinto, de «inquérito», a que se refere essa mesma disposição.

65

Resulta destas considerações que o Tribunal Geral teve razão ao considerar, no n.o 50 do acórdão recorrido, que os estudos controvertidos se inseriam no âmbito de uma atividade de inquérito da Comissão, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

66

Improcede, portanto, a primeira parte do primeiro fundamento.

67

Há que analisar, seguidamente, como alega a ClientEarth na segunda parte do seu primeiro fundamento, se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão tinha razão ao entender, com base em considerações de ordem geral, que a divulgação integral desses estudos teria prejudicado a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

68

A esse respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, para justificar a recusa de acesso a um documento cuja divulgação foi pedida, não basta, em princípio, que esse documento pertença a uma atividade mencionada no artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1049/2001. A instituição em causa deve igualmente prestar explicações quanto à questão de saber de que modo o acesso a esse documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma exceção a esse artigo (acórdão Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 64 e jurisprudência aí referida).

69

Contudo, a esse respeito, a instituição da União em causa pode basear‑se em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos, uma vez que as considerações de ordem geral semelhantes são suscetíveis de aplicação a pedidos de divulgação de documentos da mesma natureza (acórdão Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 65 e jurisprudência aí referida).

70

No caso, o n.o 66 do acórdão recorrido evidencia que a Comissão se baseou nessas considerações de ordem geral para recusar à ClientEarth o acesso integral aos estudos controvertidos. Conforme resulta, nomeadamente, dos n.os 60 e 70 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que a Comissão podia entender que todos esses estudos faziam parte da mesma categoria de documentos e basear‑se nas considerações de ordem geral de que a sua divulgação integral teria prejudicado a proteção dos objetivos prosseguidos pelas suas atividades de inquérito, dado que essa divulgação, caso tivesse sido autorizada, teria sido prejudicial ao clima de confiança que deve existir entre ela e cada Estado‑Membro em causa e teria obstado, caso fossem apuradas infrações ao direito da União, a que fosse encontrada uma solução consensual sem pressões externas.

71

A esse respeito, as indicações que constam do n.o 17 do acórdão recorrido realçam que, à data em que a Comissão adotou a decisão expressa, alguns dos estudos controvertidos já tinham levado à abertura da fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE.

72

Por razões análogas às detalhadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 52 a 65), a Comissão podia entender que a divulgação integral dos estudos controvertidos que, à data da adoção da decisão expressa, já a tinham levado a enviar uma notificação para cumprir a um Estado‑Membro, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e, por conseguinte, tinham sido integrados num processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento podia alterar a natureza e a tramitação dessa fase do processo complicando a negociação entre ela e esse Estado‑Membro e a procura de um acordo que permitisse pôr fim ao incumprimento sem ser necessário recorrer à fase jurisdicional. Podia, portanto, considerar que essa divulgação integral teria prejudicado a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

73

O facto, alegado pela ClientEarth, de os estudos controvertidos terem sido realizados por uma empresa externa e não refletirem a posição da Comissão não é suscetível de contradizer a análise acima feita.

74

Com efeito, por um lado, os documentos que constam de um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento constituem, para efeitos de proteção dos objetivos das atividades de inquérito, uma categoria única de documentos, sem que se deva fazer uma distinção em função do tipo de documento que faz parte do processo ou do autor dos documentos em causa (v., neste sentido, acórdão LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 64).

75

Por outro lado, foi à luz da análise jurídica e das conclusões contidas nos estudos controvertidos que a Comissão abriu a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento contra certos Estados‑Membros. Essa análise e essas conclusões constituíram, assim, a base das negociações abertas entre a Comissão e cada um dos Estados‑Membros em causa, para efeitos de chegar a uma solução não litigiosa para os alegados incumprimentos do direito da União. Nestas condições, a divulgação integral desses estudos teria podido, nomeadamente, gerar pressões externas capazes de comprometer a progressão dessas negociações num clima de confiança mútua e, portanto, prejudicar a proteção dos objetivos prosseguidos pelas atividades de inquérito da Comissão.

76

Daí resulta que o Tribunal Geral decidiu acertadamente ao entender que a Comissão podia considerar, de uma forma geral, que a divulgação integral dos estudos controvertidos que, à data da adoção da decisão expressa, já tinham sido juntos ao processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento aberto pelo envio de uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, teria prejudicado a proteção desses objetivos.

77

Em contrapartida, quanto aos estudos controvertidos não referidos nos n.os 71 a 76 do presente acórdão, refira‑se, por um lado, que, nessa data, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de uma presunção geral de confidencialidade a favor de cinco tipos de documentos, a saber, os documentos de um processo administrativo relativo a um procedimento de fiscalização de auxílios de Estado (acórdão Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 61), os articulados apresentados por uma instituição num processo jurisdicional (acórdão Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 94), os documentos trocados entre a Comissão e as partes notificantes ou terceiros num processo de fiscalização de operações de concentração entre empresas (acórdão Comissão/Éditions Odile Jacob, C‑404/10 P, EU:C:2012:393, n.o 123), os documentos de um procedimento pré‑contencioso por incumprimento (acórdão LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 65) e os documentos de um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE (acórdão Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 93).

78

Em todos os processos que deram origem às decisões mencionadas no número anterior, a recusa de acesso em causa era relativa a um conjunto de documentos claramente circunscritos pela sua pertença comum a um processo administrativo ou jurisdicional em curso (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 12 a 22; Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 75; Comissão/Éditions Odile Jacob, C‑404/10 P, EU:C:2012:393, n.o 128; LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 49 e 50; e Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.os 69 e 70). Em contrapartida, não é esse o caso dos estudos controvertidos diferentes dos referidos nos n.os 71 a 76 do presente acórdão.

79

Por outro lado, embora, como se refere no n.o 72 do presente acórdão, a Comissão tivesse razão ao entender, de uma forma geral, que a divulgação de documentos relativos à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento teria comprometido a boa tramitação dessa fase e a procura, num clima de confiança mútua, de uma composição amigável do diferendo entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, essa presunção geral não podia valer para os estudos controvertidos que, à data da adoção da decisão expressa, não tivessem levado ao envio pela Comissão de uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e sobre os quais, portanto, não houvesse a certeza de conduzirem à abertura da fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento contra esse Estado‑Membro. A esse respeito, há que recordar que a Comissão, quando considera que um Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações, conserva a liberdade de apreciar a oportunidade de agir contra esse Estado‑Membro pelo seu incumprimento e de escolher o momento em que dará abertura ao processo por incumprimento contra ele (v., neste sentido, acórdão LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 61).

80

Nestas condições, ao admitir, no acórdão recorrido, que a Comissão pode legalmente alargar o perímetro da presunção de confidencialidade aos estudos controvertidos referidos no número anterior do presente acórdão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

81

Esse raciocínio é incompatível com a exigência de interpretação e de aplicação estritas dessa presunção, que constitui, com efeito, uma exceção à obrigação de a instituição em causa examinar em concreto e individualmente cada documento referido num pedido de acesso (v., neste sentido, acórdão LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 44 e jurisprudência aí referida) e, de uma forma mais geral, ao princípio do acesso mais amplo possível do público aos documentos na posse das instituições da União (v., neste sentido, acórdãos Suécia/MyTravel e Comissão, C‑506/08 P, EU:C:2011:496, n.o 48, e Conselho/in ’t Veld, C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.o 48).

82

Daí resulta que, visto a presunção não se poder aplicar aos estudos controvertidos referidos no n.o 79 do presente acórdão, cabia à Comissão analisar caso a caso se esses estudos podiam ser integralmente divulgados à ClientEarth.

83

Por conseguinte, é parcialmente procedente a segunda parte do primeiro fundamento, na medida em que respeita aos estudos controvertidos que, à data em que a Comissão adotou a decisão expressa, não tinham levado ao envio de uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e, portanto, não constavam de nenhum processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento.

84

Esta parte do primeiro fundamento improcede no restante.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

85

No terceiro fundamento, relativo ao caráter errado da interpretação dada pelo Tribunal Geral ao conceito de «interesse público superior», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, a ClientEarth alega que a apreciação do Tribunal Geral que consta dos n.os 107 a 109 do acórdão recorrido leva a impor‑lhe a ela própria o ónus da prova e não à Comissão, o que é contrário a essa disposição e à jurisprudência do Tribunal de Justiça que exige que a instituição em causa proceda, sob a fiscalização do juiz da União, à ponderação dos interesses em jogo, partindo de uma presunção de existência de um interesse público superior (v., neste sentido, acórdão Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.os 44 e 45).

86

Salientando a importância fundamental que, para os cidadãos da União, tem a execução correta do direito do ambiente da União pelos Estados‑Membros, a ClientEarth alega que a disponibilização ao público de informações relativas à conformidade das leis nacionais com esse direito constitui um interesse público superior de particular acuidade.

87

A Comissão sustenta que a análise contida os n.os 107 a 109 do acórdão recorrido está em inteira conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Apreciação do Tribunal de Justiça

88

Em face da conclusão a que se chegou nos n.os 83 e 84 do presente acórdão, o exame deste terceiro fundamento só diz respeito às partes não divulgadas unicamente dos estudos controvertidos abrangidos pela presunção geral de confidencialidade pelo facto de, à data da adoção da decisão expressa, esses estudos já terem sido juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento devido ao envio pela Comissão de uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE.

89

A esse respeito, há que recordar que essa presunção geral não exclui a possibilidade de demonstrar que existe, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, um interesse público superior que justifica a divulgação do documento em causa (v., neste sentido, acórdão Comissão/EnBW, C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 100 e jurisprudência aí referida).

90

Cabe, porém, ao requerente invocar de forma concreta as circunstâncias que demonstram um interesse público superior que justifique a divulgação dos documentos em causa (acórdão Strack/Comissão, C‑127/13 P, EU:C:2014:2250, n.o 128 e jurisprudência aí referida).

91

No caso, no processo no Tribunal Geral e no presente recurso, a ClientEarth alega que os princípios da transparência e da democracia implicam o direito dos cidadãos a serem informados sobre o estado de conformidade dos direitos nacionais com o direito do ambiente da União e a participarem no processo decisório.

92

A esse respeito, é certo que o interesse público superior suscetível de justificar a divulgação de um documento não tem de ser necessariamente distinto dos princípios subjacentes ao Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, acórdãos Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 74, e Strack/Comissão, C‑127/13 P, EU:C:2014:2250, n.o 130).

93

Contudo, como acertadamente decidiu o Tribunal Geral no n.o 109 do acórdão recorrido, as considerações tão gerais como as invocadas pela ClientEarth não podem demonstrar que os princípios da transparência e da democracia tivessem, no caso, uma acuidade particular que pudesse primar sobre as razões justificativas da recusa de divulgação integral dos estudos controvertidos juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento (v., neste sentido, acórdãos LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 93 e 95, e Strack/Comissão, C‑127/13 P, EU:C:2014:2250, n.o 131).

94

Daí resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

95

Em face destas considerações, há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento do presente recurso da ClientEarth. Por conseguinte, há que anular o acórdão recorrido na parte em que o Tribunal Geral admitiu que a Comissão podia, com a decisão expressa, recusar à ClientEarth, com base numa presunção geral, o acesso integral aos estudos controvertidos que, à data da adoção dessa decisão, não tinham levado a Comissão a enviar uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e não tinham, portanto, sido juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento.

96

É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

97

De acordo com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do seu Estatuto, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no caso de anulação do acórdão recorrido, pode decidir definitivamente a causa, se esta estiver em condições de ser julgada.

98

No caso, o Tribunal de Justiça considera que o recurso de anulação da decisão expressa interposto pela ClientEarth em primeira instância está em condições de ser julgado, dele devendo, portanto, conhecer definitivamente.

99

Nesse recurso, o quarto fundamento invocado pela ClientEarth é relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, na medida em que a Comissão violou os limites da exceção prevista nessa disposição.

100

Em face da conclusão a que se chega nos n.os 95 e 96 do presente acórdão, este fundamento deve ser analisado unicamente na medida respeitante à recusa da Comissão, contida na decisão expressa, de facultar à ClientEarth acesso integral aos estudos controvertidos que, à data da adoção dessa decisão, não a tinham levado a dirigir uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e não tinham, portanto, sido juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento.

101

A esse respeito, resulta das considerações expostas nos n.os 77 a 83 do presente acórdão que a Comissão não podia basear‑se, como fez, na presunção geral de que a divulgação integral desses estudos teria prejudicado a proteção dos objetivos prosseguidos pelas suas atividades de inquérito. Pelo contrário, a Comissão deveria ter examinado e explicado de que modo a divulgação integral de cada um desses estudos teria prejudicado concreta e efetivamente o interesse protegido pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, acórdão LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

102

Por conseguinte, há que julgar procedente o quarto fundamento e, com ele, o recurso de primeira instância na medida precisada no n.o 100 do presente acórdão, e anular a decisão expressa na medida em que a Comissão recusa facultar à ClientEarth o acesso integral aos estudos controvertidos que, à data da adoção dessa decisão, não tinham levado a Comissão a dirigir uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e não tinham, portanto, sido juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento.

Quanto às despesas

103

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se for dado provimento ao recurso e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. O artigo 138.o, n.o 3, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, prevê que, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. O n.o 140, n.o 1, desse regulamento dispõe que as instituições intervenientes no litígio suportarão as respetivas despesas.

104

Visto o recurso de segunda instância da ClientEarth e o seu recurso no Tribunal Geral terem tido apenas provimento parcial, há que decidir que a ClientEarth e a Comissão suportarão as respetivas despesas relativas aos processos de recurso em segunda e em primeira instâncias. O Parlamento e o Conselho suportarão as respetivas despesas no processo de recurso de segunda instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, ClientEarth/Comissão (T‑111/11, EU:T:2013:482), na parte em que o Tribunal Geral da União Europeia admitiu que a Comissão Europeia podia, com a sua decisão de 30 de maio de 2011, recusar à ClientEarth, com base numa presunção geral, o acesso integral aos estudos relativos à conformidade da lei de diversos Estados‑Membros com o direito do ambiente da União que, à data da adoção dessa decisão, não tinham levado a Comissão Europeia a enviar uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, e não tinham, portanto, sido juntos a um processo relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento.

 

2)

É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

 

3)

É anulada a Decisão da Comissão de 30 de maio de 2011 na parte em que a Comissão Europeia recusa facultar à ClientEarth acesso integral aos estudos referidos no n.o 1 da parte decisória do presente acórdão.

 

4)

A ClientEarth e a Comissão Europeia suportarão as respetivas despesas nos processos de recurso de segunda e de primeira instância.

 

5)

O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as respetivas despesas no processo de segunda instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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