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Document 62013CJ0539

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de fevereiro de 2015.
Merck Canada Inc. e Merck Sharp & Dohme Ltd contra Sigma Pharmaceuticals plc.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division).
Reenvio prejudicial ― Ato de Adesão à União Europeia de 2003 ― Anexo IV ― Capítulo 2 ― Mecanismo Específico ― Importação de produto farmacêutico patenteado ― Obrigação de notificação prévia.
Processo C-539/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:87

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de fevereiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ato de Adesão à União Europeia de 2003 — Anexo IV — Capítulo 2 — Mecanismo Específico — Importação de produto farmacêutico patenteado — Obrigação de notificação prévia»

No processo C‑539/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 13 de maio de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de outubro de 2013, no processo

Merck Canada Inc.,

Merck Sharp & Dohme Ltd

contra

Sigma Pharmaceuticals plc,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 4 de setembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Merck Canada Inc., por D. Anderson, QC, S. Bennett, advocate, e T. Hinchliffe, barrister,

em representação da Sigma Pharmaceuticals plc, por M. Howe, QC, e I. Jamal, barrister, mandatados por J. Maitland‑Walker, solicitor,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vitáková, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F.W. Bulst, A. Sipos e G. Wilms, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de outubro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do anexo IV do Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca à União Europeia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «Ato de Adesão de 2003»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Merck Canada Inc. (a seguir «Merck Canada») e a Merck Sharp & Dohme Ltd a seguir «MSD») à Sigma Pharmaceuticals plc (a seguir «Sigma»), a respeito da importação, para o Reino Unido, de um produto farmacêutico denominado «Singulair», proveniente da Polónia.

Quadro jurídico

3

O capítulo 2 do Anexo IV do Ato de Adesão de 2003, com a epígrafe «Direito das sociedades», prevê:

«Mecanismo Específico

No que se refere à República Checa, à Estónia, à Letónia, à Lituânia, à Hungria, à Polónia, à Eslovénia ou à Eslováquia, o titular — ou o beneficiário — de uma patente ou de um certificado complementar de proteção [a seguir 'CCP'] de um produto farmacêutico registado num Estado‑Membro, numa data em que não era possível obter essa proteção num dos novos Estados‑Membros acima referidos para esse produto, pode invocar os direitos conferidos por essa patente ou [CCP] para impedir a importação e a comercialização desse produto no Estado ou Estados‑Membros em que o produto em questão goza da proteção conferida pela patente ou pelo [CCP], mesmo que o referido produto tenha sido colocado no mercado pela primeira vez nesse novo Estado‑Membro por ele próprio ou com o seu consentimento.

Qualquer pessoa que tencione importar ou comercializar um produto farmacêutico abrangido pelo parágrafo anterior para um Estado‑Membro onde o produto goze de proteção conferida pela patente ou de proteção suplementar, deve provar às autoridades competentes, no pedido relativo a essa importação, que o titular ou o beneficiário dessa [proteção] foi previamente notificado com o prazo de um mês [a seguir ‘mecanismo específico’]».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

4

A Merck Canada é titular de uma patente europeia EP UK n.o 480 717 relativa ao «montelucaste ou um sal desse princípio ativo, admissível a nível farmacêutico, de preferência o montelucaste sódico». Essa patente deu origem à emissão de um CCP, que expirou em 24 de fevereiro de 2013.

5

O montelucaste é utilizado como princípio ativo do Singulair.

6

A primeira autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») do Singulair na União Europeia foi emitida pelas autoridades finlandesas competentes, em 25 de agosto de 1997. A AIM no Reino Unido data de 15 de janeiro de 1998 e foi concedida à MSD.

7

A sociedade de direito irlandês Merck Sharp and Dohme (Ireland) Ltd dispunha de uma licença exclusiva sobre a patente e o CCP para o período compreendido entre 1 de outubro de 2007 e 1 de dezembro de 2010.

8

Em 22 de junho de 2009, a Pharma XL Ltd (a seguir «Pharma XL»), sociedade ligada à Sigma, notificou à MSD, no Reino Unido, a sua intenção de importar Singulair, em dosagens de 5 mg e de 10 mg, da Polónia para o Reino Unido. Nessa data, a MSD era a titular da AIM no Reino Unido, mas não dispunha de direitos sobre a patente e o CCP em vigor.

9

Em 14 de setembro de 2009, a Pharma XL apresentou dois pedidos de licença de importação paralela de Singulair à Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (agência de regulamentação dos medicamentos e produtos de saúde), respetivamente, para as dosagens de 5 mg e de 10 mg desse produto farmacêutico. Por decisões de 21 de maio e 10 de setembro de 2010, a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency concedeu essas licenças. Essas decisões mencionavam a Sigma entre os importadores autorizados do produto farmacêutico em causa.

10

Entre 4 de junho e 15 de setembro de 2010, a Pharma XL notificou, por três vezes, à MSD a sua intenção de importar Singulair e de proceder ao reacondicionamento desse produto farmacêutico em dosagens de 5 mg e de 10 mg.

11

Na sequência dessas notificações, a Sigma começou a importar Singulair proveniente da Polónia e reacondicionado pela Pharma XL.

12

Em 14 de dezembro de 2010, a Merck Canada e a MSD protestaram junto da Pharma XL contra as importações paralelas de Singulair. Ao receber essa carta, em 16 de dezembro de 2010, a Sigma deixou imediatamente de vender Singulair proveniente da Polónia. Estima‑se que as importações paralelas efetuadas pela Sigma até essa data são de valor superior a dois milhões de libras esterlinas, tal como o valor do stock de Singulair reacondicionado para o mercado do Reino Unido, detido pela mesma sociedade.

13

Em 10 de junho de 2011, a Merck Canada e a MSD intentaram uma ação por contrafação na Patents County Court (tribunal regional de patentes). Por decisão de 27 de abril de 2012, ganharam a causa. A Sigma interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

14

Resulta das indicações fornecidas por este último que as partes no processo principal estão de acordo quanto ao facto de que o mecanismo específico é aplicável à patente e ao CCP do montelucaste, de modo que, em princípio, a sua proteção pode ser invocada para impedir as importações paralelas de Singulair proveniente da Polónia. Em contrapartida, as mesmas partes discordam quanto às modalidades de exercício dessa proteção. A Sigma considera que incumbe ao titular da patente ou do CCP ou ao seu beneficiário manifestar a sua intenção de invocar essa proteção, ao passo que a Merck Canada e a MSD consideram que essa proteção é automaticamente aplicável, sem nenhuma formalidade prévia ou declaração por parte do referido titular ou do seu beneficiário.

15

Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o titular ou o beneficiário de uma patente ou de um [CCP] invocar os seus direitos nos termos do primeiro parágrafo do [m]ecanismo [e]specífico apenas se tiver manifestado anteriormente a sua intenção de o fazer?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão 1:

a)

Como deve ser manifestada essa intenção?

b)

Pode o titular ou o beneficiário ser impedido de invocar os seus direitos em relação a qualquer importação ou comercialização de um produto farmacêutico num Estado‑Membro anterior à manifestação da sua intenção de invocar esses direitos?

3)

Quem deve proceder à notificação prévia do titular ou do beneficiário de uma patente ou de um [CCP], nos termos do segundo parágrafo do [m]ecanismo [e]specífico? Em especial:

a)

A notificação prévia deve ser feita pela pessoa que pretende importar ou comercializar o produto farmacêutico?

ou

b)

Quando, ao abrigo da regulamentação nacional, um pedido de aprovação regulamentar é feito por uma pessoa diferente do importador previsto, a notificação prévia feita pelo requerente da aprovação regulamentar pode ser eficaz se este não tiver intenção de importar ou comercializar, ele próprio, o produto farmacêutico, mas a importação e a comercialização previstas forem realizadas ao abrigo da aprovação regulamentar do requerente? e

i)

O facto de a notificação prévia identificar a pessoa que importará ou comercializará o produto farmacêutico conduz a uma resposta diferente?

ii)

O facto de a notificação prévia e o pedido de aprovação regulamentar serem feitos por uma pessoa coletiva pertencente a um grupo de empresas que forma uma unidade económica, e de os atos de importação e de comercialização deverem ser realizados por outra pessoa coletiva do mesmo grupo, ao abrigo da licença da primeira pessoa coletiva, mas a notificação prévia não identificar a pessoa coletiva que importará ou comercializará o produto farmacêutico conduz a uma resposta diferente?

4)

A quem deve ser feita a notificação prévia nos termos do segundo parágrafo do [m]ecanismo [e]specífico? Em especial:

a)

Os beneficiários de uma patente ou de um [CCP] são apenas as pessoas que têm um direito legal, nos termos do direito nacional, de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo [CCP]?

ou

b)

No caso de um grupo de empresas formar uma unidade económica que inclui uma série de entidades jurídicas, basta que a notificação seja dirigida a uma entidade jurídica que é a subsidiária operacional e a titular da [AIM] no Estado‑Membro de importação, e não a entidade dentro do grupo que, nos termos do direito nacional, tem o direito de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo [CCP], com o fundamento de que essa entidade jurídica pode ser considerada beneficiária da patente ou do CCP ou de que é de esperar que, no curso normal dos acontecimentos, essa notificação seja levada ao conhecimento das pessoas que tomam decisões em nome do titular da patente ou do CCP?

c)

Em caso de resposta afirmativa à questão 4, alínea b), uma notificação considerada válida deixa de o ser se for dirigida ao ‘Diretor dos assuntos regulamentares’ de uma sociedade que não é a entidade dentro do grupo que, nos termos do direito nacional, tem o direito de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo [CCP], mas a subsidiária operacional ou a titular da [AIM] no Estado‑Membro de importação, e se, na prática, esse departamento dos assuntos regulamentares recebe regularmente notificações de importadores paralelos relativas ao [m]ecanismo [e]specífico e a outros assuntos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

16

Com a primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o mecanismo específico impõe ao titular de uma patente ou de um CCP ou ao seu beneficiário que notifique a sua intenção de se opor ao projeto de importação antes de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo e, em caso afirmativo, que precise as modalidades segundo as quais essa notificação prévia deve ser efetuada.

17

Em especial, com essas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se o mecanismo específico priva o titular de uma patente ou de um CCP ou o seu beneficiário da possibilidade de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo relativamente à importação e comercialização de um produto farmacêutico protegido num Estado‑Membro em que o produto em questão goza da proteção de uma patente ou de um CCP, quando, como no processo principal, essa importação e essa comercialização ocorreram anteriormente à manifestação, pelo referido titular de uma patente ou de um CCP ou pelo seu beneficiário, da sua intenção de invocar esses direitos, uma vez que essa intenção não foi manifestada durante o prazo de um mês previsto no segundo parágrafo do referido mecanismo.

18

A Merck considera que importa responder a esta questão pela negativa. A notificação prévia prevista no segundo parágrafo do mecanismo específico teria como única finalidade informar o titular da proteção conferida pela patente ou pelo CCP para lhe permitir adotar, se for caso disso, medidas preventivas. Esta é razão pela qual o mecanismo específico só impõe obrigações ao importador paralelo. A Merck precisa que não é possível dar uma resposta positiva à primeira questão com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em especial, o acórdão Generics e Harris Pharmaceuticals (C‑191/90, EU:C:1992:407), não é pertinente.

19

A Merck alega que não existe nenhuma justificação que permita exigir, ao abrigo do mecanismo específico, uma obrigação de notificação prévia que nunca é imposta ao titular de uma patente ou de um CCP ou ao seu beneficiário quando pretende fazer respeitar os seus direitos. A Merck considera que a interpretação que preconiza não impõe nenhum ónus indevido aos importadores paralelos. Em contrapartida, introduzir um pré‑aviso obrigatório implicaria consequências indesejáveis quando, por razões práticas, o titular da patente não recebeu a notificação do importador paralelo ou não lhe responde. Mais genericamente, a Merck alega que a instauração de um pré‑aviso teria necessariamente de definir com precisão as respetivas modalidades de exercício no mecanismo específico, o que não é o caso.

20

A Comissão Europeia e, em substância, a Sigma consideram que resulta de uma interpretação teleológica e sistemática do mecanismo específico que o titular de uma patente ou de um CCP ou o seu beneficiário é obrigado, no prazo previsto no segundo parágrafo desse mecanismo, a responder a uma notificação e a manifestar a sua intenção de se opor à importação pretendida.

21

A Sigma e a Comissão consideram que o funcionamento do mecanismo específico pressupõe que cada uma das partes interessadas se esforce lealmente por respeitar os interesses legítimos da outra (v., por analogia, acórdãos Boehringer Ingelheim e o., C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 62, e The Wellcome Foundation, C‑276/05, EU:C:2008:756, n.o 34). Esta conclusão é corroborada pelo facto de o mecanismo específico prever expressamente um prazo de um mês antes da importação poder ser efetuada.

22

Esse prazo implicaria, para o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário, uma obrigação de responder à notificação e declarar se pretende proibir a comercialização do produto em causa. O prazo visa, com efeito, garantir uma resposta rápida desse titular ou do seu beneficiário a fim de preservar os interesses e as legítimas expectativas do importador ou do vendedor potencial que não pode ser deixado numa situação de incerteza jurídica. Por conseguinte, o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário devidamente notificado, que não responde e não demonstra a sua intenção de invocar o mecanismo específico, não está habilitado a invocar esses direitos a título retroativo.

23

Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa recordar que, por força do artigo 2.o do Ato de Adesão de 2003, a partir da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados antes da adesão pelas Instituições e o Banco Central Europeu vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados nos termos previstos por esses Tratados e por esse ato.

24

Daqui decorre que, a partir da adesão, os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça, com fundamento nos artigos dos Tratados relativos à livre circulação de mercadorias, são aplicáveis às trocas entre os novos Estados‑Membros e os outros Estados‑Membros da União. É deste modo que, em conformidade com uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o titular de um direito de propriedade industrial e comercial protegido pela legislação de um Estado‑Membro não pode invocar esta legislação para se opor à importação de um produto que foi colocado licitamente no mercado de outro Estado‑Membro pelo próprio titular deste direito ou com o seu consentimento. O Tribunal de Justiça deduziu, nomeadamente, deste princípio que o inventor ou os seus substitutos legais não podiam invocar a patente que detinham num primeiro Estado‑Membro para se opor à importação do produto por eles comercializado livremente noutro Estado‑Membro em que este produto não era suscetível de ser objeto de patente (acórdãos Centrafarm e de Peijper, 15/74, EU:C:1974:114, n.os 11 e 12; Merck, 187/80, EU:C:1981:180, n.os 12 e 13, e Generics e Harris Pharmaceuticals, C‑191/90, EU:C:1992:407, n.o 31).

25

Todavia, o mecanismo específico derroga expressamente esse princípio. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições de um ato de adesão que permitem derrogar as regras dos Tratados devem ser interpretadas de forma estrita face às disposições em causa do Tratado e devem ser limitadas ao absolutamente necessário para atingir o seu objetivo (acórdão Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 35 e jurisprudência referida). Como salientou o advogado‑geral, no n.o 18 das suas conclusões, o mecanismo específico visa alcançar um equilíbrio entre a proteção eficaz dos direitos conferidos pela patente ou pelo CCP e a livre circulação de mercadorias.

26

O primeiro parágrafo do mecanismo específico prevê que o titular de uma patente ou de um CCP ou o seu beneficiário «pode invocar» os direitos conferidos pela patente ou pelo CCP «para impedir a importação e a comercialização» do produto protegido, sem fornecer mais detalhes.

27

O segundo parágrafo do mecanismo específico acrescenta que «[q]ualquer pessoa que tencione importar ou comercializar um produto farmacêutico abrangido pelo parágrafo anterior para um Estado‑Membro onde o produto goze de proteção conferida pela patente ou [por um CCP], deve provar às autoridades competentes, no pedido relativo a essa importação, que o titular ou o beneficiário dessa [proteção] foi previamente notificado com o prazo de um mês».

28

O mecanismo específico não vai ao ponto de impor à pessoa que tenciona proceder à importação de um produto farmacêutico protegido a obrigação de obter previamente o consentimento expresso do titular de uma patente ou de um CCP ou do seu beneficiário. Todavia, a pessoa que tenciona importar um produto farmacêutico protegido é obrigada a cumprir várias obrigações e formalidades antes de proceder à importação desse produto farmacêutico.

29

Em primeiro lugar, essa pessoa é obrigada a notificar a sua intenção ao titular da patente ou do CCP ou ao seu beneficiário a fim de lhe permitir, se for caso disso, invocar os direitos conferidos pela patente ou pelo CCP para impedir a importação e a comercialização do referido produto farmacêutico, e isto em condições que são objeto da terceira e quarta questões prejudiciais. Em seguida, o cumprimento dessa notificação com as devidas formalidades dá início a um prazo de espera de um mês. Por último, só quando esse prazo expirar é que a pessoa em questão pode pedir às autoridades competentes a autorização para importar o produto farmacêutico protegido. Decorre destes elementos que a operação de importação projetada não pode ter lugar sem a autorização prévia das autoridades nacionais competentes, que não pode ser solicitada antes de expirado um prazo de espera de um mês a contar da receção da notificação pelo titular da proteção.

30

Assim, o mecanismo específico faz acrescer aos procedimentos nacionais de autorização de importação de produtos farmacêuticos uma obrigação de notificar previamente da operação projetada o titular da patente ou do CCP ou o beneficiário, associada a um prazo de espera de um mês. Esse prazo visa permitir ao titular da proteção prevenir qualquer importação e ao importador ser informado dessa decisão o mais brevemente possível para retirar todas as consequências pertinentes.

31

É certo que nenhuma disposição do mecanismo específico impõe expressamente ao referido titular ou beneficiário que comunique, antes de intentar um processo judicial para esse efeito, a sua intenção de se opor a um projeto de importação que lhe foi devidamente notificado. Todavia, caso o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário não utilize esse prazo de espera para manifestar a sua objeção, a pessoa que pretende importar o produto farmacêutico pode legitimamente pedir às autoridades competentes a autorização para importar esse produto e, se for caso disso, proceder à sua importação e à sua comercialização.

32

No entanto, mesmo nessa situação, não se pode considerar que o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário foi privado do direito de invocar o mecanismo específico. Ainda que não possa obter uma indemnização pelo prejuízo sofrido em razão das importações a que não se opôs em tempo útil, esse titular ou beneficiário continua, em princípio, livre de se opor, no futuro, à importação e à comercialização do produto farmacêutico protegido pela patente ou pelo CCP.

33

Tendo em conta esses elementos, há que responder à primeira e segunda questões que o segundo parágrafo do mecanismo específico deve ser interpretado no sentido de que não impõe ao titular de uma patente ou de um CCP ou ao seu beneficiário que notifique a sua intenção de se opor ao projeto de importação antes de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo No entanto, caso esse titular ou beneficiário não manifeste tal intenção no decurso do prazo de espera de um mês previsto no segundo parágrafo do referido mecanismo, a pessoa que pretende importar o produto farmacêutico pode legitimamente pedir às autoridades competentes a autorização para importar esse produto e, se for caso disso, proceder à sua importação e comercialização. O mecanismo específico priva então o referido titular ou beneficiário da possibilidade de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo relativamente à importação e comercialização do produto farmacêutico efetuadas anteriormente à manifestação dessa intenção.

Quanto à quarta questão

34

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, a quem deve ser dirigida a notificação prevista no segundo parágrafo do mecanismo específico.

35

Decorre dos termos claros desse mecanismo que a notificação deve ser dirigida ao «titular» ou ao «beneficiário» da proteção conferida por uma patente ou um CCP. Importa compreender que o conceito de «titular», na aceção comum, se refere à pessoa visada pela patente como beneficiário da proteção que confere.

36

Do mesmo modo, o conceito de «beneficiário» («beneficiary» na versão em língua inglesa e «der von ihm Begünstigte» na versão em língua alemã) deve ser entendido, em conformidade com a aceção comum, como designando qualquer pessoa que disponha legalmente dos direitos conferidos ao titular da patente, nomeadamente ao abrigo de um acordo de licença.

37

Resulta, por conseguinte, de uma interpretação literal do mecanismo específico que a notificação prevista no segundo parágrafo do mesmo se deve dirigir ao titular da patente ou do CCP ou a qualquer outra pessoa que disponha legalmente dos direitos conferidos por essa patente ou esse CCP.

38

A Sigma e a Comissão consideram que essa interpretação literal contraria a finalidade do mecanismo específico. Alegam que o termo «beneficiário» visa qualquer sociedade que, no interior de um grupo, se considera poder razoavelmente agir em nome do titular da patente. Essa seria, por exemplo, a situação de uma sociedade titular da AIM do produto farmacêutico pertinente. A Sigma alega que impor aos importadores paralelos o ónus de determinar que entidade, num grupo de sociedades, é titular da patente relativa a um produto farmacêutico é desrazoável e artificial, uma vez que esse grupo opera como uma entidade económica única. A Comissão admite, contudo, que não se pode excluir que, em certos casos excecionais, notificar essa pessoa seja insuficiente para preservar os interesses do titular ou do beneficiário.

39

Todavia, cumpre recordar que a obrigação de notificação visa permitir ao titular de uma patente ou de um CCP ou ao seu beneficiário impedir a importação e a comercialização de um produto protegido, garantindo que seja previamente informado de qualquer projeto de importação paralela proveniente de um dos novos Estados‑Membros nos quais essa proteção não podia ser obtida antes da sua adesão à União. Ao estabelecer essa obrigação de notificação, o legislador da União manifestou a sua intenção de procurar um equilíbrio entre o risco de impor um formalismo excessivo ao importador paralelo e o de colocar o titular ou o beneficiário da proteção conferida por uma patente ou um CCP numa situação de insegurança jurídica.

40

A este respeito, importa salientar que as patentes e os CCP estão, por natureza, sujeitos a um regime de publicidade que permite facilmente a qualquer pessoa tomar conhecimento da identidade do seu titular. Por conseguinte, não se pode considerar que a identificação prévia do titular da patente ou do CCP impõe um encargo excessivo ao importador paralelo. É certo que é, de facto, concebível que um terceiro possa ter dificuldade em identificar com a necessária certeza a entidade que, num grupo multinacional, dispõe legalmente dos direitos conferidos por uma patente ou um CCP. No entanto, como o mecanismo específico não exige sistematicamente essa identificação, a pessoa que pretende proceder à importação tem sempre a possibilidade de dirigir a sua notificação ao titular da patente ou do CCP.

41

Admitir que uma notificação possa ser remetida a outras pessoas pelo facto de estas constituírem, com o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário, uma única e mesma empresa ou de, com o seu comportamento ou a sua qualidade de titular da AIM do produto farmacêutico pertinente, darem a aparência de serem o beneficiário do titular, poderia comprometer a eficácia do mecanismo específico, que assenta na notificação prévia da importação projetada. Tal interpretação poderia colocar o titular da proteção conferida pela patente numa situação de insegurança jurídica contrária à finalidade prosseguida pelo mecanismo específico.

42

Além do facto de não respeitar o teor do mecanismo específico, a interpretação sugerida pela Sigma e a Comissão não permite preservar o equilíbrio procurado pelo mecanismo específico.

43

Por conseguinte, importa responder à quarta questão que o segundo parágrafo do mecanismo específico deve ser interpretado no sentido de que a notificação deve ser remetida ao titular da patente ou do CCP ou ao seu beneficiário, designando este conceito qualquer pessoa que disponha legalmente dos direitos conferidos ao titular da patente ou do CCP.

Quanto à terceira questão

44

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, quem deve efetuar a notificação prevista no segundo parágrafo do mecanismo específico.

45

A Sigma e a Comissão alegam que o mecanismo específico não impõe ao importador potencial que efetue pessoalmente a notificação nem exige que essa notificação identifique com precisão a identidade desse importador potencial.

46

Como observou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, importa notar que, embora o mecanismo específico preveja que quem tem de provar que a exigência de notificação foi cumprida é a pessoa que pretende importar o produto em questão, essa disposição, em razão da utilização da voz passiva na maioria das versões linguísticas, não indica de forma unívoca que essa mesma pessoa está pessoalmente obrigada a efetuar a notificação («[q]ualquer pessoa que tencione importar […] deve provar […] que o titular ou o beneficiário dessa produção foi previamente notificado com o prazo de um mês»).

47

Tendo em conta esta ambiguidade, importa interpretar essa disposição à luz da sua finalidade e do seu contexto. Como foi recordado no n.o 39 do presente acórdão, a obrigação de notificação visa permitir ao titular de uma patente ou de um CCP ou ao seu beneficiário impedir a importação e a comercialização de um produto protegido.

48

Como alega, em substância, o Governo checo, para que o titular da patente ou do CCP ou o seu beneficiário possa decidir de forma esclarecida se pretende opor‑se à importação, se for caso disso instaurando para tal um processo por contrafação, é imperioso que a notificação mencione claramente a identidade da pessoa chamada a efetuar a importação. O interesse do titular da proteção conferida pela patente ou pelo CCP ou o seu beneficiário não estaria suficientemente protegido se a notificação não contivesse essa informação.

49

Em contrapartida, seria excessivamente formalista interpretar os termos do mecanismo específico no sentido de chegarem ao ponto de exigir que seja a pessoa que pretende importar ou comercializar o produto em causa a efetuar, ela própria, essa notificação, atendendo a que o mecanismo específico não prevê expressamente tal obrigação.

50

Por conseguinte, cumpre responder à terceira questão que o segundo parágrafo do mecanismo específico deve ser interpretado no sentido de que essa disposição não impõe à pessoa que tem a intenção de importar ou comercializar o produto farmacêutico em causa que efetue, ela própria, a notificação, desde que essa notificação permita claramente identificar essa pessoa.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O segundo parágrafo do Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do anexo IV do Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca à União Europeia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não impõe ao titular de uma patente ou de um certificado complementar de proteção ou ao seu beneficiário que notifique a sua intenção de se opor ao projeto de importação antes de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo. No entanto, caso esse titular ou o seu beneficiário não manifeste tal intenção no decurso do prazo de espera de um mês previsto no segundo parágrafo do referido mecanismo, a pessoa que pretende importar o produto farmacêutico pode legitimamente pedir às autoridades competentes a autorização de importar esse produto e, se for caso disso, proceder à sua importação e comercialização. O referido Mecanismo Específico priva então o titular ou o seu beneficiário da possibilidade de invocar os seus direitos ao abrigo do primeiro parágrafo desse mecanismo relativamente à importação e comercialização do produto farmacêutico efetuadas anteriormente à manifestação dessa intenção.

 

2)

O segundo parágrafo do referido Mecanismo Específico deve ser interpretado no sentido de que a notificação deve ser remetida ao titular da patente ou do certificado complementar de proteção ou ao seu beneficiário, designando este conceito qualquer pessoa que disponha legalmente dos direitos conferidos ao titular da patente ou do certificado complementar de proteção.

 

3)

O segundo parágrafo desse Mecanismo Específico deve ser interpretado no sentido de que essa disposição não impõe à pessoa que tem a intenção de importar ou comercializar o produto farmacêutico em causa que efetue, ela própria, a notificação, desde que essa notificação permita claramente identificar essa pessoa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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