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Document 62013CJ0527

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de abril de 2015.
    Lourdes Cachaldora Fernández contra Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) e Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia.
    Reenvio prejudicial — Trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino — Igualdade de tratamento em matéria de segurança social — Diretiva 79/7/CEE — Artigo 4.° — Diretiva 97/81/CE — Acordo‑quadro UNICE, CEEP e CES relativo ao trabalho a tempo parcial — Cálculo das prestações — Sistema de integração de lacunas de cotização — Trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores a tempo inteiro.
    Processo C-527/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:215

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    14 de abril de 2015 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino — Igualdade de tratamento em matéria de segurança social — Diretiva 79/7/CEE — Artigo 4.o — Diretiva 97/81/CE — Acordo‑quadro UNICE, CEEP e CES relativo ao trabalho a tempo parcial — Cálculo das prestações — Sistema de integração de lacunas de cotização — Trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores a tempo inteiro»

    No processo C‑527/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Espanha), por decisão de 10 de setembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de outubro de 2013, no processo

    Lourdes Cachaldora Fernández

    contra

    Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS),

    Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, A. Ó Caoimh e J.‑C. Bonichot, presidentes de secção, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, D. Šváby, A. Prechal, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund e F. Biltgen (relator), juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de setembro de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) e da Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS), por M. A. Lozano Mostazo e I. Pastor Merino, abogados,

    em representação do Governo espanhol, por L. Banciella Rodríguez‑Miñón, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e D. Martin, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de outubro de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, por um lado, do artigo 4.o da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174), e, por outro, do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado em 6 de junho de 1997 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura no anexo da Diretiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9), conforme alterada pela Diretiva 98/23/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998 (JO L 131, p. 10).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L. Cachaldora Fernández ao Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) (Instituto Nacional da Segurança Social, a seguir «INSS») e à Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS) (Tesouraria Geral da Segurança Social) a propósito da determinação da base de cálculo de uma pensão por invalidez permanente total.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Nos termos do artigo 2.o da Diretiva 79/7, esta aplica‑se à população ativa incluindo os trabalhadores independentes, os trabalhadores cuja atividade seja interrompida por doença, acidente ou desemprego involuntário e às pessoas à procura de emprego, bem como aos trabalhadores reformados e aos trabalhadores inválidos.

    4

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva, esta aplica‑se, nomeadamente, aos regimes legais que assegurem uma proteção contra a invalidez.

    5

    O artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

    «O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

    ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

    à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas,

    ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

    6

    O terceiro parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro tem a seguinte redação:

    «O acordo incide nas condições de emprego dos trabalhadores a tempo parcial, reconhecendo que compete aos Estados‑Membros deliberarem sobre as questões relativas à segurança social. No respeito pelo princípio de não discriminação, as partes contratantes registaram a declaração relativa ao emprego feita pelo Conselho Europeu de Dublim em dezembro de 1996, na qual o Conselho sublinha, nomeadamente, a necessidade de tornar os sistemas de segurança social mais favoráveis ao emprego, mediante ‘a criação de regimes de proteção social capazes de se adaptarem aos novos modelos de trabalho e de prestarem proteção adequada às pessoas envolvidas nesses modelos’. As partes signatárias consideram que se deve dar força de lei a esta declaração.»

    7

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, este «é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro».

    8

    O artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro dispõe:

    «No que respeita às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro unicamente pelo facto de trabalharem a tempo parcial, a menos que, por razões objetivas, a diferença de tratamento se justifique.»

    9

    O artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro prevê:

    «No contexto da cláusula 1 do presente acordo e do princípio de não discriminação entre trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores a tempo inteiro:

    a)

    Os Estados‑Membros, após consulta aos parceiros sociais de acordo com a legislação ou as práticas nacionais, deveriam identificar e analisar quaisquer obstáculos de natureza jurídica ou administrativa suscetíveis de limitar as possibilidades de trabalho a tempo parcial e, eventualmente, eliminá‑los».

    Direito espanhol

    10

    O artigo 140.o, n.o 1, alínea a), da Lei geral da segurança social (Ley General de la Seguridad Social), aprovada pelo Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20 de junho de 1994 (BOE n.o 154, de 29 de junho de 1994, p. 20658, a seguir «LGSS»), na sua versão aplicável no litígio no processo principal, dispõe:

    «A base de cálculo das pensões de invalidez permanente decorrente de doenças não profissionais é determinada em conformidade com as seguintes disposições:

    a)

    Dividindo por 112 as bases das cotizações pagas pelo interessado durante os 96 meses imediatamente anteriores ao mês de ocorrência do facto gerador».

    11

    O n.o 1, terceira regra, alínea b), da sétima disposição adicional da LGSS prevê, no que diz respeito à base de cálculo das pensões de reforma e de invalidez aplicáveis aos trabalhadores a tempo parcial:

    «Para efeitos do cálculo das pensões de reforma e de invalidez permanente decorrente de uma doença não profissional, os períodos durante os quais não existiu obrigação de cotização são integrados utilizando a base mínima de cotização de entre as bases aplicáveis a cada período, correspondente ao número de horas efetuadas em último lugar.»

    12

    O artigo 7.o, n.o 2, do Real Decreto 1131/2002 que regula a segurança social dos trabalhadores a tempo parcial bem como a reforma parcial (Real Decreto 1131/2002 por el que se regula la Seguridad Social de los trabajadores contratados a tiempo parcial, así como la jubilación parcial), de 31 de outubro de 2002 (BOE n.o 284, de 27 novembro 2002, p. 41643, a seguir «Real Decreto 1131/2002»), que implementou as disposições do n.o 1, terceira regra, alínea b), da sétima disposição adicional da LGSS, prevê:

    «Para efeitos do cálculo das pensões de reforma e de invalidez permanente decorrente de uma doença não profissional ou de um acidente não profissional, os períodos durante os quais não existiu obrigação nenhuma de cotização são integrados tendo em conta a base mínima de cotização de entre as aplicáveis em cada período, correspondente ao número de horas prestadas nos termos do contrato na data em que esta obrigação de cotização foi interrompida ou chegou ao fim.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13

    L. Cachaldora Fernández cotizou para o sistema de segurança social espanhol entre 15 de setembro de 1971 e 25 de abril de 2010, ou seja, um total de 5523 dias, durante os quais esteve empregada em regime de tempo inteiro, excetuando‑se os períodos compreendidos entre 1 de setembro de 1998 e 28 de fevereiro de 1999, entre 1 de março de 1999 e 23 de março de 2001 e entre 24 de março de 2001 e 23 de janeiro de 2002, durante os quais esteve empregada em regime de tempo parcial. Em contrapartida, não pagou nenhuma cotização no período compreendido entre 23 de janeiro de 2002 e 30 de novembro de 2005.

    14

    Em 21 de abril de 2010, L. Cachaldora Fernández pediu ao INSS a concessão de uma pensão de invalidez.

    15

    Por decisão de 29 de abril de 2010, foi‑lhe concedida uma pensão por incapacidade permanente total para o exercício da sua profissão habitual. O montante mensal de base desta pensão foi fixado em 347,03 euros e a taxa aplicável em 55%. Este montante foi estabelecido tomando como período de referência os oito anos anteriores à data da ocorrência do facto gerador, isto é, o período compreendido entre março de 2002 e fevereiro de 2010, tendo sido tomadas em consideração para esse cálculo as bases de incidência contributivas mínimas em vigor em cada ano entre março de 2002 e novembro de 2005, às quais foi aplicado o coeficiente de redução relativo ao trabalho prestado em regime de tempo parcial que deu lugar ao pagamento das últimas cotizações anteriores a março de 2002.

    16

    L. Cachaldora Fernández apresentou reclamação desta decisão alegando que, para efeitos de cálculo da sua pensão, havia que tomar em consideração, para o período compreendido entre março de 2002 e novembro de 2005, o montante total das bases mínimas de cotização correspondentes a cada ano e não o respetivo montante reduzido resultante da aplicação do coeficiente relativo ao trabalho a tempo parcial. Segundo este método de cálculo, o montante de base da sua pensão, que não é contestado pelo INSS, ascende a 763,76 euros.

    17

    Tendo o INSS indeferido a referida reclamação com o fundamento de que o método de cálculo proposto não era conforme com o artigo 7.o, n.o 2, do Real Decreto 1131/2002, L. Cachaldora Fernández interpôs recurso dessa decisão para o Juzgado de lo Social n.o 2 de Ourense. Por sentença de 13 de outubro de 2010, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso e confirmou a decisão administrativa do INSS, com base no texto do artigo 7.o, n.o 2, do Real Decreto 1131/2002, bem como da sétima disposição adicional da LGSS.

    18

    L. Cachaldora Fernández interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Galicia. O referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação espanhola com o direito da União.

    19

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, em primeiro lugar, sobre se não existe, no processo principal, uma discriminação indireta dos trabalhadores do sexo feminino na aceção da Diretiva 79/7. Com efeito, as disposições nacionais em causa no processo principal, na medida em que dizem respeito maioritariamente aos trabalhadores do sexo feminino, têm efeitos desfavoráveis sobre um maior número de mulheres do que de homens e não é certo que a justificação fornecida, ou seja, que «a integração das interrupções [de cotização] efetuada de forma proporcional ao trabalho prestado em regime de tempo parcial obedece a um princípio de lógica e de equilíbrio da função protetora da Segurança Social, o que determina que a proteção conferida pelo referido sistema nunca pode exceder a prévia cotização para o mesmo, em conformidade com os princípios da obrigatoriedade contributiva e da proporcionalidade entre aquele que procede às cotizações e aquele que as recebe», seja conforme com as exigências do direito da União.

    20

    Assim, por um lado, um critério de proporcionalidade em relação à cotização do trabalhador em causa exige que se calcule o coeficiente de redução relativo ao trabalho a tempo parcial, aplicado às bases mínimas de cotização tomadas em conta a título dos períodos de interrupção de cotização, a partir do conjunto das cotizações pagas por este trabalhador ao longo da sua carreira. Ora, as disposições nacionais em causa no processo principal não preveem precisamente esse modo de cálculo, uma vez que obrigam a manter o coeficiente de redução relativo ao trabalho a tempo parcial correspondente ao contrato anterior à interrupção da cotização, o que pode gerar, como demonstra o processo principal, resultados totalmente desproporcionados já que o trabalho a tempo parcial apenas representa uma pequena parte da totalidade da carreira profissional do trabalhador em causa.

    21

    Por outro lado, não é possível aplicar validamente um critério de proporcionalidade do ponto de vista contributivo ao mecanismo de cobertura das interrupções de cotização, na medida em que este não obedece propriamente a uma lógica contributiva, como demonstra o facto de as interrupções serem tidas em conta com base em cotizações fixas que não dependem das cotizações efetuadas, mas visa corrigir as anomalias resultantes da tomada em consideração de um período de referência fixado antecipadamente. No caso em apreço, o facto de ter trabalhado a tempo parcial e de pagar cotizações, em vez de permanecer inativa e não cotizar, causou prejuízo a L. Cachaldora Fernández, uma vez que a sua pensão de invalidez foi reduzida.

    22

    Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições nacionais em causa no processo principal podem igualmente violar o acordo‑quadro. É certo que a pensão de invalidez em causa no processo principal não pode ser considerada um salário, à luz dos critérios fixados pelo Tribunal de Justiça, e não constitui, portanto, uma condição de emprego, sujeita ao princípio da não discriminação dos trabalhadores a tempo parcial previsto no artigo 4.o do acordo‑quadro. Todavia, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro obriga os Estados‑Membros a identificarem e analisarem os obstáculos de natureza jurídica ou administrativa que podem limitar as possibilidades de trabalho a tempo parcial e, se for caso disso, a eliminá‑los. Ora, no caso em apreço, pode considerar‑se que as condições em que as interrupções de cotização são tomadas em conta nos termos da legislação espanhola constituem um «obstáculo de natureza jurídica» ao trabalho a tempo parcial, na medida em que os trabalhadores que, após perderem um emprego em regime de tempo inteiro, aceitaram um trabalho a tempo parcial são desfavorecidos em relação àqueles que não aceitaram esse trabalho. Isso constitui, de facto, uma limitação importante à aceitação de um emprego a tempo parcial.

    23

    Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Contraria o artigo 4.o da [Diretiva 79/7] uma disposição interna, como a [sétima] disposição adicional, n.o 1, [terceira regra], alínea b), da [LGSS], que afeta maioritariamente um grupo composto por mulheres, nos termos da qual as interrupções de [cotizações] verificadas durante o período de referência para calcular o montante de base de uma pensão de incapacidade permanente contributiva e que sejam posteriores a um emprego em que o trabalho foi prestado em regime de tempo parcial são cobertas através da tomada em consideração das bases de incidência contributivas mínimas em vigor em cada momento afetadas do coeficiente de redução relativo a esse trabalho anterior à interrupção da cotização que foi prestado em regime de tempo parcial, ao passo que, se se tratar de um emprego em que o trabalho foi prestado em regime de tempo completo, essa redução não se verifica?

    2)

    Contraria [o artigo 5.o], n.o 1, alínea a), [do acordo‑quadro], uma disposição interna, como é o caso da [sétima] disposição adicional, n.o 1, [terceira regra], alínea b), da [LGSS], que afeta maioritariamente um grupo composto por mulheres, nos termos da qual as interrupções de [cotizações] verificadas durante o período de referência para calcular o montante de base de uma pensão de incapacidade permanente contributiva e que sejam posteriores a um emprego em que o trabalho foi prestado em regime de tempo parcial são cobertas através da tomada em consideração das bases de incidência contributivas mínimas em vigor em cada momento afetadas do coeficiente de redução relativo a esse trabalho anterior à interrupção da cotização que foi prestado em regime de tempo parcial, ao passo que, se se tratar de um emprego em que o trabalho foi prestado em regime de tempo completo, essa redução não se verifica?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    24

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe, à luz dos elementos descritos na decisão de reenvio, a uma regulamentação nacional que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial sejam tomadas em conta utilizando as bases mínimas de cotização em vigor e aplicando‑lhes o coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

    25

    A este propósito, embora seja pacífico que o direito da União respeita a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e que, na falta de harmonização a nível da União Europeia, compete à legislação de cada Estado‑Membro determinar as condições de concessão das prestações em matéria de segurança social, não deixa de ser verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União (v., neste sentido, acórdãos Watts, C‑372/04, EU:C:2006:325, n.o 92 e jurisprudência referida, e Somova, C‑103/13, EU:C:2014:2334, n.os 33 a 35 e jurisprudência referida).

    26

    Portanto, o direito da União não prejudica, em princípio, as opções do legislador espanhol de manter, como base de cálculo da pensão de invalidez em causa no processo principal, um período de referência limitado a oito anos e de aplicar um coeficiente de redução quando uma interrupção de cotização seja imediatamente posterior a um período de trabalho a tempo parcial. Todavia, importa ainda verificar, no presente processo, se esta opção está em conformidade com a Diretiva 79/7.

    27

    Impõe‑se, desde já, observar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não contém discriminação direta em razão do sexo, uma vez que se aplica indistintamente aos trabalhadores do sexo masculino e do sexo feminino. Importa por isso examinar se constitui uma discriminação baseada indiretamente nesse critério.

    28

    No que diz respeito à questão de saber se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal comporta, como sugere o órgão jurisdicional de reenvio, uma discriminação indireta, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que existe discriminação indireta quando a aplicação de uma medida nacional, apesar da sua formulação neutra, prejudica, de facto, um número muito mais elevado de mulheres do que de homens (v., designadamente, acórdãos Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.o 56 e jurisprudência referida, e Elbal Moreno, C‑385/11, EU:C:2012:746, n.o 29).

    29

    No presente processo, importa salientar que a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio assenta sobre a dupla premissa de que a disposição nacional em causa no processo principal visa o grupo dos trabalhadores a tempo parcial, que é maioritariamente constituído por trabalhadores do sexo feminino.

    30

    A este respeito, importa constatar que, conforme resulta da decisão de reenvio, a disposição nacional em causa no processo principal não se aplica a todos os trabalhadores a tempo parcial, mas unicamente aos trabalhadores cujas cotizações tenham sofrido uma interrupção durante o período de referência de oito anos que precede a data do facto gerador quando essa interrupção seja posterior a um emprego a tempo parcial. Portanto, os dados estatísticos gerais relativos ao grupo dos trabalhadores a tempo parcial, considerados na sua totalidade, não são pertinentes para demonstrar que esta disposição afeta um número muito mais elevado de mulheres do que de homens.

    31

    Em seguida, importa precisar que, mesmo que se verifique que uma trabalhadora como L. Cachaldora Fernández é prejudicada por ter trabalhado a tempo parcial durante o período imediatamente anterior à interrupção das suas cotizações, não está excluído, tal como o INSS, o Governo espanhol e a Comissão Europeia salientaram, que certos trabalhadores a tempo parcial possam igualmente ser favorecidos pela regulamentação nacional em causa no processo principal. Com efeito, em todos os casos em que o último contrato que precedeu a inatividade profissional é a tempo inteiro, mas em que os trabalhadores, durante o resto do período de referência ou até durante toda a sua carreira, trabalharam unicamente a tempo parcial, os mesmos são beneficiados porque receberão uma pensão sobrevalorizada em relação às cotizações efetivamente pagas.

    32

    Nestas condições, os dados estatísticos em que o órgão jurisdicional de reenvio baseou as suas apreciações não permitem considerar que o grupo de trabalhadores prejudicados pela regulamentação nacional em causa no processo principal é composto maioritariamente por trabalhadores a tempo parcial e, em particular, trabalhadores do sexo feminino.

    33

    Tendo em conta as considerações precedentes, não se pode considerar, com base nos elementos descritos na decisão de reenvio, que a disposição nacional em causa no processo principal prejudica de maneira preponderante uma categoria determinada de trabalhadores, neste caso os que trabalham a tempo parcial e, a fortiori, as mulheres. Esta disposição não pode, portanto, ser qualificada de indiretamente discriminatória na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7.

    34

    Assim, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial sejam tomadas em conta utilizando as bases mínimas de cotização em vigor e aplicando‑lhes o coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

    Quanto à segunda questão

    35

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo do montante de base de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial são cobertas tomando em conta as bases mínimas de cotização em vigor afetadas do coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

    36

    A este respeito, importa recordar que, por um lado, resulta do preâmbulo do acordo‑quadro que este diz respeito às «condições de emprego dos trabalhadores a tempo parcial, reconhecendo que compete aos Estados‑Membros deliberarem sobre as questões relativas à segurança social».

    37

    Por outro lado, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, devem considerar‑se abrangidas pelo conceito de «condições de emprego», na aceção do referido acordo‑quadro, as pensões que dependem de uma relação laboral entre o trabalhador e o empregador, com exclusão das pensões legais de segurança social, que dependem menos dessa relação do que de considerações de ordem social (acórdão Elbal Moreno C‑385/11, EU:C:2012:746, n.o 21).

    38

    No caso em apreço, resulta do conjunto das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que a pensão em causa no processo principal constitui uma pensão legal de segurança social. Assim, essa pensão não pode, como salientou o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, ser considerada uma condição de emprego, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, e não está, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação deste.

    39

    Além disso, acolher uma interpretação dos termos «obstáculos de natureza jurídica», que figuram no artigo 5.o, n.o 1, alínea a) do acordo‑quadro, em aplicação da qual os Estados‑Membros estão obrigados a adotar, fora do âmbito das condições de emprego, medidas ligadas a uma pensão como a que está em causa no processo principal resultaria em impor‑lhes obrigações em matéria de política social geral relativas a medidas que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação deste acordo‑quadro.

    40

    Além disso, como foi referido nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, a disposição nacional em causa no processo principal não afeta todos os trabalhadores a tempo parcial, mas unicamente os trabalhadores cuja cotização tenha sofrido uma interrupção imediatamente após um período de trabalho a tempo parcial. Acresce que esta disposição favorece os trabalhadores que, mesmo tendo estado empregados a tempo parcial durante uma grande parte da sua carreira profissional, estavam empregados a tempo inteiro imediatamente antes de uma interrupção de cotização. Tendo em conta o caráter aleatório da incidência da referida disposição sobre os trabalhadores a tempo parcial, a mesma disposição não pode ser considerada um obstáculo jurídico suscetível de limitar as possibilidades de trabalho a tempo parcial.

    41

    Assim, há que responder à segunda questão que acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que não entra no seu âmbito de aplicação uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial sejam tomadas em conta utilizando as bases mínimas de cotização em vigor e aplicando‑lhes o coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

    Quanto às despesas

    42

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial sejam tomadas em conta utilizando as bases mínimas de cotização em vigor e aplicando‑lhes o coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

     

    2)

    O acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado em 6 de junho de 1997, que figura no anexo da Diretiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, conforme alterada pela Diretiva 98/23/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998, deve ser interpretado no sentido de que não entra no seu âmbito de aplicação uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que as interrupções de cotização existentes no período de referência para efeitos do cálculo de uma pensão contributiva de invalidez e que sejam posteriores a um emprego a tempo parcial sejam tomadas em conta utilizando as bases mínimas de cotização em vigor e aplicando‑lhes o coeficiente de redução relativo a esse emprego, ao passo que, se essas interrupções forem posteriores a um emprego a tempo inteiro, essa redução não se encontra prevista.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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