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Document 62013CJ0401

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 22 de janeiro de 2015.
Vasiliki Balazs contra Casa Judeţeană de Pensii Cluj e Casa Judeţeană de Pensii Cluj contra Attila Balazs.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Curtea de Apel Cluj.
Reenvio prejudicial ― Segurança social dos trabalhadores migrantes ― Regulamento (CEE) n.° 1408/71 ― Artigo 7.°, n.° 2, alínea c) ― Aplicabilidade das convenções de segurança social entre Estados‑Membros ― Refugiado repatriado originário de um Estado‑Membro ― Cumprimento dos períodos de emprego no território de outro Estado‑Membro ― Pedido de concessão de uma prestação de velhice ― Recusa.
Processos apensos C-401/13 e C-432/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:26

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de janeiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 7.o, n.o 2, alínea c) — Aplicabilidade das convenções de segurança social entre Estados‑Membros — Refugiado repatriado originário de um Estado‑Membro — Cumprimento dos períodos de emprego no território de outro Estado‑Membro — Pedido de concessão de uma prestação de velhice — Recusa»

Nos processos apensos C‑401/13 e C‑432/13,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pela Curtea de Apel Cluj (Roménia), por decisões de 2 de julho e de 27 de junho de 2013, entradas no Tribunal de Justiça em 16 de julho e 31 de julho de 2013, respetivamente, nos processos

Vasiliki Balazs

contra

Casa Judeţeană de Pensii Cluj (C‑401/13),

e

Casa Judeţeană de Pensii Cluj

contra

Attila Balazs (C‑432/13),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Jürimäe (relatora), J. Malenovský, M. Safjan e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de junho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de V. e A. Balazs, por S. Dima e A. Muntean, advogados,

em representação do Governo romeno, por R. Radu, R. Haţieganu, E. Gane e A.‑L. Crişan, na qualidade de agentes,

em representação do Governo grego, por E.‑M. Mamouna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e C. Gheorghiu, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO L 392, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, V. Balazs à Casa Judeţeană de Pensii Cluj [Serviço distrital das pensões de Cluj (Roménia), a seguir «Casa Judeţeană de Pensii»] e, por outro, a Casa Judeţeană de Pensii a A. Balazs, a propósito da concessão de pensões de velhice a V. e a A. Balazs (a seguir, em conjunto, «casal Balazs»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 6.o do Regulamento n.o 1408/71 prevê:

«No que respeita ao seu âmbito de aplicação pessoal e material, o presente [r]egulamento substitui, sem prejuízo do disposto nos artigos 7.°, 8.° e n.o 4 do artigo 46.o, qualquer convenção da segurança social que vincule:

a)

[...] exclusivamente dois ou mais Estados‑Membros;

[...]».

4

O artigo 7.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 6.o, continuam a ser aplicáveis:

[...]

c)

Determinadas disposições de convenções em matéria de segurança social celebradas pelos Estados‑Membros antes da data de aplicação do presente regulamento, desde que sejam mais favoráveis para os beneficiários ou resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo e se estiverem enumeradas no [A]nexo III.»

5

O artigo 94.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento estabelece:

«1.   O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior a 1 de outubro de 1972 ou à data da sua aplicação no território do Estado‑Membro em causa ou em parte do seu território.

2.   Qualquer período de seguro, bem como, se for caso disso, qualquer período de emprego ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes de 1 de outubro de 1972 ou antes da data da aplicação do presente [r]egulamento no território desse Estado‑Membro ou em parte do seu território será tido em consideração para a determinação do direito a prestações conferido nos termos do presente [r]egulamento.»

6

O Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972 (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156), na versão decorrente, nomeadamente, do Regulamento (CE) n.o 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 574/72»), estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

Acordo bilateral

7

O acordo bilateral entre os Governos grego e romeno, celebrado em 23 de fevereiro de 1996, relativo à regulação definitiva da compensação das contribuições para a segurança social dos refugiados políticos gregos repatriados a partir da Roménia (a seguir «acordo bilateral») não figura no anexo III do Regulamento n.o 1408/71.

8

O artigo 1.o, alíneas a) e e), do acordo bilateral define os conceitos de «repatriado» e de «período de seguro» nos seguintes termos:

«a)

por repatriado entende‑se uma pessoa de origem grega, estabelecida na Roménia após 1 de janeiro de 1945, com o estatuto de refugiado político, assim como os membros da sua família que regressaram ou regressarão à Grécia para aí estabelecerem domicílio no prazo de seis anos a contar da data do presente acordo;

[...]

e)

por período de seguro entende‑se o período em que foram pagas na Roménia contribuições de segurança social, em conformidade com a legislação romena.»

9

O artigo 2.o do acordo bilateral dispõe:

«1.   As partes contratantes regulamentam a compensação das contribuições de segurança social dos repatriados em conformidade com o previsto nos n.os 2 e 3 do presente artigo e no artigo 3.o do presente acordo.

2.   A parte romena obriga-se a pagar à parte grega um montante fixo a título de compensação pelo pagamento das pensões e de cobertura do período de seguro dos repatriados pela parte grega.

3.   A parte grega obriga‑se a pagar as pensões aos pensionistas repatriados e a reconhecer o período de seguro cumprido na Roménia pelos segurados repatriados, em conformidade com a legislação grega em matéria de segurança social.»

10

A compensação referida no artigo 2.o, n.o 2, do acordo bilateral ascende, em conformidade com o artigo 3.o deste acordo, a 15 milhões de dólares americanos (USD).

11

Nos termos do artigo 5.o do acordo bilateral, «[u]ma vez paga a importância de 15 milhões de USD, cessa para a parte romena qualquer obrigação relativa aos direitos em matéria de segurança social dos refugiados políticos gregos repatriados».

Litígios no processo principal e a questão prejudicial

12

O casal Balazs é formado por cidadãos gregos com o estatuto de refugiados políticos gregos repatriados. Este casal tem residência em Salónica (Grécia).

13

Durante o ano de 1948, A. e V. Balazs, respetivamente com 7 e 9 anos, instalaram‑se na Roménia, tendo‑lhes aí sido concedido o estatuto de refugiados políticos. Contribuíram para o sistema público de segurança social deste Estado‑Membro durante, respetivamente, 34 anos, 7 meses e 6 dias, e 28 anos. Foram repatriados para a Grécia em 18 de agosto de 1990.

14

Durante o ano de 1998, o casal Balazs apresentou às autoridades gregas pedidos de reconhecimento dos períodos de trabalho cumpridos na Roménia. Por decisões de 21 de setembro de 1998, essas autoridades consideraram que A. e V. Balazs tinham cumprido, na Roménia, períodos de trabalho que correspondiam, respetivamente, a 9 382 e a 8 351 dias de contribuição para a segurança social. Desses períodos, para efeitos de cálculo das pensões de reforma, as autoridades gregas decidiram apenas reconhecer 4500 dias.

15

Com este fundamento, as autoridades gregas concederam pensões de velhice ao casal Balazs.

16

Foi concedida a V. Balazs uma pensão calculada com base num período total de seguro de 6993 dias de trabalho, dos quais 4500 dias correspondiam ao seu período de trabalho na Roménia e 2 493 dias a um emprego na Grécia. A pensão mensal assim calculada ascendia a 136 910 dracmas gregos (GRD) (cerca de 390 euros).

17

A pensão concedida a A. Balazs foi calculada com base num período total de seguro de 7733 dias, dos quais 4500 dias correspondiam ao seu período de trabalho na Roménia e 3 233 dias a um emprego na Grécia. A pensão assim calculada ascendia a 596,99 euros mensais.

18

Em 11 de outubro e 27 de novembro de 2007, V. e A. Balazs, respetivamente, requereram à Casa Judeţeană de Pensii que lhes fosse concedida uma pensão de velhice com fundamento no disposto nos Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72.

19

Estes pedidos foram indeferidos por decisões de 5 de outubro de 2011. Nessas decisões, a Casa Judeţeană de Pensii referiu que, uma vez que o casal Balazs foi considerado um casal de refugiados políticos gregos repatriados pelas autoridades gregas, as autoridades romenas não tinham, nos termos do artigo 5.o do acordo bilateral, a obrigação de lhes conceder pensões de velhice.

20

A. e V. Balazs recorreram, separadamente, das decisões acima referidas no Tribunalul Cluj.

21

Por sentenças de 26 de setembro de 2012, o Tribunalul Cluj anulou as referidas decisões e ordenou à Casa Judeţeană de Pensii que adotasse novas decisões, através das quais fossem concedidas ao casal Balazs pensões de velhice conformes aos Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72, tendo em conta os períodos totais de seguro cumpridos por este casal na Roménia. O Tribunalul Cluj indicou que tais regulamentos eram aplicáveis aos pedidos do casal Balazs uma vez que o acordo bilateral não era abrangido pela derrogação prevista no artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, pelo facto de a sua aplicação não estar limitada no tempo, de o mesmo não ser mencionado no anexo III deste regulamento e de as suas disposições não poderem manifestamente ser consideradas mais favoráveis para os beneficiários, na medida em que o casal Balazs pediu para beneficiar de pensões ao abrigo do referido regulamento.

22

Em execução dessas sentenças, a Casa Judeţeană de Pensii adotou, em 20 e 27 de fevereiro de 2013, duas novas decisões através das quais, em aplicação do disposto no Regulamento n.o 1408/71, concedeu a V. e a A. Balazs pensões de velhice no montante de 500 e 405 lei romenos (RON) por mês (cerca de 110 e 90 euros), respetivamente.

23

O casal Balazs e a Casa Judeţeană de Pensii recorreram das sentenças do Tribunalul Cluj para a Curtea de Apel de Cluj.

24

A Casa Judeţeană de Pensii defende, em substância, que as disposições dos Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72 são inaplicáveis no caso em apreço devido à existência do acordo bilateral. Em conformidade com este acordo, qualquer obrigação da Roménia a respeito dos refugiados políticos gregos repatriados cessou, uma vez que a Roménia cumpriu a sua obrigação de pagar 15 milhões de USD à Grécia.

25

O casal Balazs contesta a fundamentação das sentenças do Tribunalul Cluj e solicita, com fundamento nas disposições desses mesmos regulamentos, o reconhecimento do seu direito a uma pensão de velhice pelos períodos contributivos cumpridos na Roménia. Aquele casal defende, em substância, que, devido à adesão da Roménia à União Europeia, este Estado‑Membro tem o dever de aplicar os Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72. Com efeito, o acordo bilateral, que é menos favorável e não figura no anexo III do Regulamento n.o 1408/71, não está abrangido pelo artigo 7.o, n.o 2, alínea c), deste regulamento.

26

Nestas circunstâncias, a Curtea de Appel Cluj decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial, formulada nos mesmos termos nas decisões de reenvio nos processos C‑401/13 e C‑432/13:

«Deve a disposição do artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento […] n.o 1408/71 ser interpretada no sentido de que está abrangido pelo seu âmbito de aplicação um acordo bilateral celebrado entre dois Estados‑Membros antes da data de [entrada em vigor] do regulamento, em que estes convencionaram a cessação da obrigação relativa às prestações de segurança social devidas por um Estado aos cidadãos do outro Estado que tiveram o estatuto de refugiados políticos no território do primeiro Estado e foram repatriados para o território do segundo Estado, em troca do pagamento pelo primeiro Estado de um montante fixo para o pagamento das pensões e para a cobertura do período durante o qual foram pagas, no primeiro Estado‑Membro, as contribuições para a segurança social?»

27

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de setembro de 2013, os processos C‑401/13 e C‑432/13 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

Quanto à questão prejudicial

28

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que um acordo bilateral relativo às prestações de segurança social dos nacionais de um dos Estados signatários que tiveram a qualidade de refugiados políticos no território do outro Estado signatário, celebrado numa data em que um dos Estados signatários ainda não tinha aderido à União e que não figura no anexo III deste regulamento, continua a ser aplicável à situação dos refugiados políticos que foram repatriados para o seu Estado de origem antes da celebração do acordo bilateral e da entrada em vigor do referido regulamento.

29

A título preliminar, importa observar que a Casa Judeţeană de Pensii considera que o Regulamento n.o 1408/71 não é aplicável no processo principal devido à existência do acordo bilateral e, em particular, do artigo 5.o deste último, nos termos do qual qualquer obrigação da Roménia em relação aos refugiados políticos gregos se extinguiu pelo facto de a Roménia ter cumprido a sua obrigação de pagar 15 milhões de USD à República Helénica. Importa, pois, verificar se as circunstâncias em causa no processo principal são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

30

A este respeito, há que recordar que, segundo uma jurisprudência constante, embora uma regulamentação nova valha apenas para o futuro, aplica‑se também, salvo derrogação, segundo um princípio geralmente reconhecido, aos efeitos futuros das situações nascidas na vigência da lei antiga (v. acórdão Duchon, C‑290/00, EU:C:2002:234, n.o 21 e jurisprudência referida).

31

Para permitir a aplicação do Regulamento n.o 1408/71 aos efeitos futuros de situações surgidas sob a vigência da lei antiga, o artigo 94.o do referido regulamento prevê, nomeadamente no seu n.o 2, a obrigação de tomar em conta, para a determinação dos direitos à prestação, qualquer período de seguro, emprego ou residência cumprido ao abrigo da legislação de qualquer Estado‑Membro antes de 1 de outubro de 1972 ou antes da data da aplicação do regulamento no território desse Estado‑Membro (v. acórdão Duchon, EU:C:2002:234, n.o 23).

32

Na medida em que, no que respeita à Roménia, o Regulamento n.o 1408/71 entrou em vigor com a sua adesão à União, concretamente em 1 de janeiro de 2007, este regulamento é aplicável ratione temporis a uma situação como a do casal Balazs que, por conseguinte, podia invocá‑lo a partir daquela data.

33

Ao contrário do que defende a Casa Judeţeană de Pensii, não é relevante a este respeito o facto de o acordo bilateral prever que as obrigações da Roménia relativamente aos direitos em matéria de segurança social dos refugiados políticos gregos repatriados cessam após o pagamento de 15 milhões de USD.

34

Com efeito, resulta do artigo 6.o do Regulamento n.o 1408/71 que este se substitui, no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação pessoal e material, e sob determinadas reservas, a qualquer convenção da segurança social que vincule dois ou mais Estados‑Membros. Esta substituição tem um alcance imperativo e não admite exceções, além dos casos mencionados pelo regulamento (v., por analogia, acórdãos Walder, 82/72, EU:C:1973:62, n.os 6 e 7; Thévenon, C‑475/93, EU:C:1995:371, n.o 15; e Rönfeldt, C‑227/89, EU:C:1991:52, n.o 22).

35

Entre as exceções previstas no Regulamento n.o 1408/71 figura a do artigo 7.o, n.o 2, alínea c), segundo a qual as disposições das convenções de segurança social mencionadas no anexo III desse regulamento se mantêm em vigor, sem prejuízo do artigo 6.o do mesmo regulamento (acórdãos Habelt e o., C‑396/05, EU:C:2007:810, n.o 87, e Wencel, C‑589/10, EU:C:2013:303, n.o 35), e desde que as referidas convenções sejam mais favoráveis aos beneficiários ou que decorram de circunstâncias históricas específicas e que tenham um efeito limitado no tempo.

36

No caso vertente, é pacífico que o acordo bilateral não figura no anexo III do Regulamento n.o 1408/71. Daqui decorre que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em conformidade com o seu artigo 6.o, alínea a), o Regulamento n.o 1408/71 substituiu‑se, em princípio, a este acordo.

37

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo romeno invocam o acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52) para defenderem que o acordo bilateral continua a ser aplicável, não obstante a letra dos artigos 6.° e 7.°, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71.

38

Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu, com fundamento nos artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE, que, no caso de trabalhadores migrantes, as convenções bilaterais de segurança social devem continuar a aplicar‑se depois da entrada em vigor do Regulamento n.o 1408/71, independentemente da questão de saber se essas convenções figuram ou não no anexo III deste regulamento, quando esta aplicação for mais favorável ao trabalhador.

39

Importa, pois, determinar se os princípios enunciados no acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52) são aplicáveis em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

40

A este respeito, em primeiro lugar, importa observar que, conforme referido no n.o 33 do presente acórdão, o princípio de substituição previsto no artigo 6.o do Regulamento n.o 1408/71 tem um alcance imperativo e que, em princípio, não admite exceções.

41

Em segundo lugar, importa recordar que os princípios enunciados no acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52) assentam na ideia de que o interessado tinha direito à confiança legítima em que poderia beneficiar das disposições de uma convenção bilateral, que era a única que lhe era aplicável quando decidiu deslocar‑se para outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Kaske, C‑277/99, EU:C:2002:74, n.o 27).

42

Por conseguinte, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, caracterizadas pelo facto de os interessados terem deixado a Roménia para irem para a Grécia em 1990, a saber, seis anos antes da celebração do acordo bilateral, os interessados não podiam ter confiança legítima em que podiam beneficiar das disposições do acordo bilateral na medida em que este ainda não tinha sido celebrado aquando do seu repatriamento para a Grécia.

43

Importa, de qualquer modo, observar que, no processo principal, o casal Balazs não pede para beneficiar do acordo bilateral. Pretende, pelo contrário, que lhe seja aplicado o Regulamento n.o 1408/71. Nestas condições, o Governo romeno não pode invocar o acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52) para demonstrar que este acordo continua a ser aplicável à sua situação.

44

Atendendo ao que precede, há que constatar que os princípios enunciados no acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52), que permitem afastar a aplicação das disposições do Regulamento n.o 1408/71 para continuar a aplicar uma convenção bilateral à qual este regulamento normalmente se substituiu, não são aplicáveis em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

45

Daqui resulta que há que responder à questão submetida que o artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que um acordo bilateral relativo às prestações de segurança social dos nacionais de um dos Estados signatários que tiveram a qualidade de refugiados políticos no território do outro Estado signatário, celebrado numa data em que um dos Estados signatários ainda não tinha aderido à União e que não figura no anexo III deste regulamento, não continua a ser aplicável à situação dos refugiados políticos que foram repatriados para o seu Estado de origem antes da celebração do acordo bilateral e da entrada em vigor do referido regulamento.

Quanto à limitação no tempo dos efeitos do acórdão

46

O Governo romeno pede ao Tribunal de Justiça, caso decida que o acordo bilateral não é abrangido pela exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, que limite no tempo os efeitos do seu acórdão.

47

Em apoio do seu pedido, o referido governo defende, por um lado, que as autoridades romenas agiram de boa‑fé. Com efeito, antes de mais, a posição destas é baseada numa jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão Rönfeldt (EU:C:1991:52). Em seguida, embora a Comissão tenha instaurado um processo por infração contra a Roménia, para que fosse declarado o incumprimento por parte deste Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.o 1408/71, a posição deste Estado‑Membro, neste processo, não se alterou, e a Comissão não reagiu ao pedido da Roménia no sentido de que fossem organizadas consultas técnicas e de que fossem levadas a cabo diligências junto das autoridades gregas. Além disso, a boa‑fé das autoridades romenas não pode ser posta em causa pelo facto de outros Estados‑Membros, confrontados com problemas semelhantes, terem aceitado aplicar o Regulamento n.o 1408/71, uma vez que os acordos celebrados pela República Helénica com esses outros Estados são diferentes do celebrado com a Roménia. Por último, as autoridades romenas levaram a cabo diligências junto das autoridades gregas para esclarecerem a situação.

48

Por outro lado, o Governo romeno chama a atenção do Tribunal de Justiça para as consequências financeiras graves que implicaria a aplicação retroativa do acórdão do Tribunal de Justiça. Segundo os cálculos da Casa Națională de Pensii Publice (Caixa Nacional de Pensões Públicas), o montante suplementar que deveria ser pago ascende a 38 560 683 RON (cerca de 8680537 euros). O Governo romeno também sublinha que estão atualmente pendentes cerca de 800 pedidos análogos aos do casal Balazs.

49

A este respeito, importa recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.o TFUE, a interpretação que ele faz de uma norma de direito da União esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo a relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se, por outro lado, se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v. acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.o 58 e jurisprudência referida).

50

Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois requisitos essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v. acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., EU:C:2012:286, n.o 59 e jurisprudência referida).

51

Mais especificamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, nomeadamente quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em particular, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão (v. acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., EU:C:2012:286, n.o 60 e jurisprudência referida).

52

Como observou o advogado‑geral nos n.os 98 e 99 das suas conclusões, o Governo romeno não demonstrou a existência de um risco de problemas graves. Com efeito, embora este governo refira 800 pedidos análogos aos do casal Balazs, não faz referência ao número total de pessoas que se encontram numa situação comparável à deste casal. Além disso, este governo não precisou se o montante de 38560683 RON também abrangia os 800 pedidos análogos atualmente pendentes. De qualquer modo, estes não seriam afetados por uma limitação no tempo dos efeitos do acórdão (v., neste sentido, acórdão Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 144).

53

Dado que o segundo requisito referido no n.o 50 do presente acórdão não está preenchido, não é necessário verificar o cumprimento do requisito relativo à boa‑fé dos meios interessados.

54

Resulta destas considerações que não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que um acordo bilateral relativo às prestações de segurança social dos nacionais de um dos Estados signatários que tiveram a qualidade de refugiados políticos no território do outro Estado signatário, celebrado numa data em que um dos Estados signatários ainda não tinha aderido à União e que não figura no anexo III deste regulamento, não continua a ser aplicável à situação dos refugiados políticos que foram repatriados para o seu Estado de origem antes da celebração do acordo bilateral e da entrada em vigor do referido regulamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.

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