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Document 62013CJ0331

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de outubro de 2014.
    Ilie Nicolae Nicula contra Administraţia Finanţelor Publice a Municipiului Sibiu e Administraţia Fondului pentru Mediu.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Sibiu.
    Reenvio prejudicial – Restituição de impostos cobrados por um Estado‑Membro em violação do direito da União.
    Processo C‑331/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2285

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    15 de outubro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Restituição de impostos cobrados por um Estado‑Membro em violação do direito da União»

    No processo C‑331/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Sibiu (Roménia), por decisão de 30 de maio de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de junho de 2013, no processo

    Ilie Nicolae Nicula

    contra

    Administraţia Finanţelor Publice a Municipiului Sibiu,

    Administraţia Fondului pentru Mediu,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, M. Ilešič (relator), L. Bay Larsen, A. Ó Caoimh, C. Vajda e S. Rodin, presidentes de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, E. Levits, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 25 de março de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de I. Nicula, por D. Târşia, avocat,

    em representação do Governo romeno, por R. Radu, V. Angelescu e A.‑L. Crişan, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e G.‑D. Bălan, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de maio de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 6.° TUE e 110.° TFUE, dos artigos 17.°, 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos princípios da segurança jurídica e da non reformatio in peius.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe I. Nicula à Administraţia Finanţelor Publice a Municipiului Sibiu (Administração das Finanças Públicas de Sibiu) e à Administraţia Fondului pentru Mediu (Administração do Fundo para o Ambiente), a propósito da recusa destas em deferirem o pedido de obtenção da restituição do imposto sobre a poluição dos veículos automóveis (a seguir «imposto sobre a poluição») cobrado em violação do direito da União.

    Quadro jurídico

    3

    O Decreto Urgente do Governo n.o 50/2008, que estabelece o imposto sobre a poluição dos veículos automóveis (Ordonanţă de Urgenţă a Guvernului nr. 50/2008 pentru instituirea taxei pe poluare pentru autovehicule), de 21 de abril de 2008 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 327, de 25 de abril de 2008, a seguir «DUG n.o 50/2008»), que entrou em vigor em 1 de julho de 2008, criou um imposto sobre a poluição para os veículos das categorias M1 a M3 e N1 a N3. A obrigação de pagamento desse imposto nascia, nomeadamente, no ato da primeira matrícula de um veículo automóvel na Roménia.

    4

    O DUG n.o 50/2008 foi várias vezes alterado, antes de ser revogado pela Lei n.o 9/2012, relativa ao imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis (Legea nr. 9/2012 privind taxa pentru emisiili poluante provenite de la autovehicule), de 6 de janeiro de 2012 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 17, de 10 de janeiro de 2012, a seguir «Lei n.o 9/2012»), que entrou em vigor em 13 de janeiro de 2012.

    5

    Nos termos do artigo 4.o da Lei n.o 9/2012, a obrigação de pagar o imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis nascia não apenas no ato da primeira matrícula de um veículo na Roménia mas também, em determinadas condições, no ato do primeiro registo, na Roménia, do direito de propriedade sobre um veículo usado.

    6

    No entanto, por efeito do Decreto Urgente do Governo n.o 1/2012, que suspende a aplicação de algumas disposições da Lei n.o 9/2012 relativa ao imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis e restitui o imposto pago em conformidade com as disposições do artigo 4.o, n.o 2, desta lei (Ordonanța de Urgență a Guvernului nr. 1/2012 pentru suspendarea aplicării unor dispoziții ale Legii nr. 9/2012 privind taxa pentru emisiile poluante provenite de la autovehicule, precum şi pentru restituirea taxei achitate în conformitate cu prevederile art. 4 alin. 2 din lege), de 30 de janeiro de 2012 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 79, de 31 de janeiro de 2012), que entrou em vigor em 31 de janeiro de 2012, a aplicação do imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis no primeiro registo, na Roménia, do direito de propriedade sobre um veículo usado foi suspensa até 1 de janeiro de 2013.

    7

    O Decreto Urgente do Governo n.o 9/2013, relativo ao selo ambiental para veículos automóveis (Ordonanţa de urgenţă nr. 9/2013 privind timbrul de mediu pentru autovehicule), de 19 de fevereiro de 2013 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 119, de 4 de março de 2013, a seguir «DUG n.o 9/2013»), que revoga a Lei n.o 9/2012, entrou em vigor em 15 de março de 2013.

    8

    Nos termos do artigo 4.o do DUG n.o 9/2013:

    «O pagamento único do selo [ambiental para veículos automóveis (a seguir ‘selo ambiental’)] é devido nos seguintes casos:

    a)

    no ato da inscrição, nos registos da autoridade competente, da aquisição do direito de propriedade sobre um veículo automóvel pelo seu primeiro proprietário na Roménia e da atribuição de um certificado de matrícula e de um número de matrícula;

    b)

    no ato da reintrodução, no parque automóvel nacional, de um veículo automóvel, no caso de, no momento da sua retirada do parque automóvel nacional, ter sido restituído ao proprietário o valor residual do [selo ambiental] […];

    c)

    no ato do registo do direito de propriedade sobre um veículo automóvel usado, relativamente ao qual não foi pago o imposto especial sobre veículos automóveis ligeiros e outros veículos automóveis, o [imposto sobre a poluição] nem o imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis, em conformidade com a legislação em vigor no ato da respetiva matrícula;

    d)

    no ato do registo do direito de propriedade sobre um veículo automóvel usado, em relação ao qual o tribunal ordenou a restituição do imposto ou a matrícula sem pagamento do imposto especial sobre veículos automóveis ligeiros e outros veículos automóveis, do [imposto sobre a poluição] ou do imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis.»

    9

    O artigo 12.o, n.os 1 e 2, do DUG n.o 9/2013 prevê:

    «(1)   No caso de ter sido pago um imposto especial sobre veículos automóveis ligeiros e outros veículos automóveis, um [imposto sobre a poluição] ou um imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis superior ao selo ambiental, calculado em [lei romenos (RON)] à taxa de câmbio em vigor no ato da matrícula ou do registo do direito de propriedade sobre um veículo automóvel usado, o montante correspondente à diferença pode ser restituído unicamente a quem tenha a obrigação de pagar, de acordo com o procedimento previsto nas modalidades de aplicação do presente decreto urgente. A diferença a reembolsar é calculada segundo a fórmula do presente decreto urgente, utilizando os elementos considerados no ato da matrícula ou do registo do direito de propriedade sobre um veículo automóvel usado.

    (2)   O montante correspondente à diferença entre a quantia paga pelo contribuinte a título de imposto especial sobre veículos automóveis ligeiros e outros veículos automóveis, de [imposto sobre a poluição] ou de imposto sobre as emissões poluentes dos veículos automóveis, por um lado, e a quantia resultante da aplicação do [selo ambiental], por outro, é restituída no prazo de prescrição previsto no Decreto do Governo [n.o 92, relativo ao Código de Processo Tributário (Ordonanţa Guvernului nr. 92 privind Codul de procedură fiscală), de 24 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 941, de 29 de dezembro de 2003)], republicado, conforme alterado e completado posteriormente, de acordo com o procedimento previsto nas modalidades de aplicação do presente decreto urgente.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    10

    Em 2009, I. Nicula, cidadão romeno residente na Roménia, adquiriu um veículo automóvel usado, matriculado pela primeira vez na Alemanha. Para matricular esse veículo na Roménia, teve de pagar um montante de 5153 RON a título de imposto sobre a poluição, nos termos do artigo 4.o do DUG n.o 50/2008.

    11

    Por sentença de 3 de maio de 2012, o Tribunalul Sibiu julgou procedente a ação intentada por I. Nicula contra a l’Administraţia Fondului pentru Mediu, a saber, a beneficiária do imposto sobre a poluição, e condenou essa Administração a restituir o imposto com fundamento no facto de este ter sido instituído em violação do artigo 110.o TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219). No entanto, aquele órgão jurisdicional julgou improcedente a ação quanto à Administraţia Finanţelor Publice a Municipiului Sibiu, a saber, a entidade que procede à cobrança do referido imposto.

    12

    Na sequência do recurso interposto dessa decisão na Curtea de Apel de Alba‑Iulia, esta anulou a referida decisão em 25 de janeiro de 2013 e remeteu o processo ao órgão jurisdicional de primeira instância, referindo, para efeitos do novo procedimento de julgamento, que, em litígios desta natureza, o titular da «legitimidade passiva» numa ação de restituição de um imposto cobrado em violação do direito da União é não só o beneficiário do imposto em causa mas também a entidade que procede à sua cobrança.

    13

    O DUG n.o 9/2013 entrou em vigor em 15 de março de 2013, ou seja, após o novo registo do processo no Tribunalul Sibiu. Este esclarece que, de acordo com aquele ato legislativo, o imposto sobre a poluição já pago só pode ser restituído no caso de o seu montante ser superior ao do selo ambiental, encontrando‑se a restituição prevista de forma limitada e reduzida a esta mera diferença eventual.

    14

    No caso concreto de I. Nicula, o montante do selo ambiental, calculado em aplicação do DUG n.o 9/2013, corresponde, para o veículo em causa, a 8 126,44 RON, ao passo que o imposto sobre a poluição pago anteriormente foi de 5153 RON. Segundo o Tribunalul Sibiu, o demandante no processo principal não tem razão quando afirma que o contravalor do selo ambiental para o seu veículo era apenas de 3779,74 RON, uma vez que, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 1, segundo período, do mesmo DUG, a diferença a restituir é calculada segundo a fórmula prevista nesse decreto, utilizando os elementos tidos em conta no ato da matrícula do veículo na Roménia, e não com base em elementos atuais.

    15

    Assim, segundo o referido órgão jurisdicional, por aplicação do DUG n.o 9/2013, I. Nicula não tem direito a recuperar o imposto sobre a poluição nem os respetivos juros, uma vez que o montante correspondente foi retido pelas autoridades tributárias e do ambiente a título de selo ambiental, por o valor deste ser superior ao do imposto sobre a poluição que ele tinha pago no ato da matrícula do seu veículo.

    16

    Nestas circunstâncias, o Tribunalul Sibiu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 6.o [TUE], os artigos 17.°, 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 110.o TFUE e os princípios da segurança jurídica e da non reformatio in peius, ambos consagrados no direito [da União] e na jurisprudência do Tribunal de Justiça [acórdãos Belbouab, 10/78, EU:C:1978:181, e Belgocodex, C‑381/97, EU:C:1998:589], podem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma como o [DUG] n.o 9/2013?»

    17

    O Governo romeno solicitou, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 16.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que este reunisse em Grande Secção.

    Quanto à questão prejudicial

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    18

    O Governo romeno considera que o presente pedido de decisão prejudicial é inadmissível. A este respeito, sustenta, em primeiro lugar, que a disposição do direito nacional visada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o artigo 12.o do DUG n.o 9/2013, regula um procedimento administrativo e extrajudicial de restituição de impostos, pelo que essa regulamentação não impõe limites interpretativos aos órgãos jurisdicionais chamados a decidir pedidos de restituição de um imposto cobrado em violação do direito da União, como o em causa no processo principal. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considerou erradamente que a referida disposição o impede de ordenar a restituição da totalidade da quantia paga por I. Nicula a título de imposto sobre a poluição.

    19

    Em segundo lugar, o Governo romeno alega que o DUG n.o 9/2013 não é, de qualquer forma, suscetível de aplicação ao processo principal, uma vez que não estava em vigor na data em que I. Nicula pagou o imposto sobre a poluição.

    20

    Por estes motivos, o Governo romeno considera que a resposta à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não é útil para a resolução do litígio no processo principal e que, por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível.

    21

    A este respeito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., a este respeito, acórdãos Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon, C‑212/06, EU:C:2008:178, n.o 28; Zurita García e Choque Cabrera, C‑261/08 e C‑348/08, EU:C:2009:648, n.o 34; e Filipiak, C‑314/08, EU:C:2009:719, n.o 40).

    22

    Todavia, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que, em circunstâncias excecionais, lhe cabe examinar as condições em que é chamado a pronunciar‑se pelo juiz nacional, a fim de verificar a sua própria competência (v., neste sentido, acórdão Filipiak, EU:C:2009:719, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

    23

    Importa salientar a este respeito que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não está relacionada com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (acórdão Zurita García e Choque Cabrera, EU:C:2009:648, n.o 35).

    24

    Neste caso, o Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 101.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo, pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que precisasse se, tendo em conta a natureza do processo ali pendente, o artigo 12.o do DUG n.o 9/2013 se aplica ao litígio no processo principal. Na sua resposta, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de março de 2014, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou que esse artigo constitui a regra de direito material aplicável ao litígio no processo principal para efeitos do novo exame do processo que lhe foi devolvido para decisão. Segundo o referido órgão jurisdicional, a regra enunciada naquele artigo 12.o, n.o 1, é inequívoca e restringe a restituição dos impostos pagos antes da instituição do selo ambiental apenas aos casos em que estes tenham um valor superior ao montante do selo nos termos instituídos pelo DUG n.o 9/2013.

    25

    Nestas circunstâncias, importa constatar que a resposta do Tribunal de Justiça à interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio é útil para este último se poder pronunciar sobre a compatibilidade da regulamentação nacional em causa no processo principal com o direito da União, pelo que a argumentação do Governo romeno relativa à pretensa inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial deve ser julgada improcedente e, por conseguinte, há que lhe responder.

    Quanto ao mérito

    26

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um sistema de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, como aquele em causa no processo principal.

    27

    Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das regras de direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos sujeitos passivos pelas disposições do direito da União que proíbem esses impostos, nos termos em que foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados‑Membros são assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (acórdãos Littlewoods Retail e o., C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 24, e Irimie, C‑565/11, EU:C:2013:250, n.o 20).

    28

    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação das regras do direito da União, os sujeitos passivos têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto (v., neste sentido, acórdãos Littlewoods Retail e o., EU:C:2012:478, n.o 25, e Irimie, EU:C:2013:250, n.o 21).

    29

    O princípio da obrigação de os Estados‑Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre deste mesmo direito da União (acórdãos Littlewoods Retail e o., EU:C:2012:478, n.o 26, e Irimie, EU:C:2013:250, n.o 22).

    30

    Neste caso, importa realçar, a título liminar, que não resulta claramente da decisão de reenvio qual a versão do DUG com base na qual o imposto sobre a poluição foi aplicado a I. Nicula no ato da matrícula do seu veículo na Roménia. Contudo, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 110.o TFUE se opõe a um imposto como o imposto sobre a poluição instituído pelo DUG n.o 50/2008, tanto na sua versão original como nas suas versões alteradas (v., neste sentido, acórdãos Tatu, EU:C:2011:219, n.os 58 e 61, e Nisipeanu, C‑263/10, EU:C:2011:466, n.os 27 e 29).

    31

    Com efeito, o Tribunal de Justiça constatou que a aplicação das disposições do DUG n.o 50/2008, seja qual for a sua versão, tinha por efeito que veículos usados importados com uma idade e um desgaste consideráveis eram tributados a uma taxa que podia chegar a 30% do seu valor de mercado, ao passo que veículos similares vendidos no mercado nacional dos veículos usados, constituindo estes últimos produtos nacionais similares na aceção do artigo 110.o TFUE, não eram sequer onerados com esse encargo fiscal. O Tribunal de Justiça concluiu daí que uma medida desse tipo desencoraja a colocação em circulação de veículos usados adquiridos noutros Estados‑Membros, sem contudo desencorajar os compradores a adquirirem veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional (v., neste sentido, acórdãos Tatu, EU:C:2011:219, n.os 55, 58 e 61, e Nisipeanu, EU:C:2011:466, n.os 26, 27 e 29).

    32

    Na sequência dos acórdãos Tatu (EU:C:2011:219) e Nisipeanu (EU:C:2011:466), a Roménia aprovou o DUG n.o 9/2013, que introduz um novo imposto sobre os veículos automóveis, a saber, o selo ambiental. Segundo o artigo 4.o deste decreto, a obrigação de pagar o selo ambiental nasce quer no ato da primeira matrícula de um veículo automóvel na Roménia, quer no ato da reintrodução, no parque automóvel nacional, de um veículo automóvel, quer ainda no ato do registo do direito de propriedade sobre um veículo automóvel usado pelo qual não tenha sido pago nenhum dos impostos sobre veículos anteriormente em vigor ou relativamente ao qual um tribunal tenha ordenado a restituição destes impostos ou a matrícula sem pagamento dos mesmos.

    33

    Como decorre da decisão de reenvio e da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, o DUG n.o 9/2013 institui igualmente, no seu artigo 12.o, um regime de reembolso do imposto pago a título, nomeadamente, do DUG n.o 50/2008 ou das suas versões alteradas, que permite aos sujeitos passivos obterem a restituição do imposto anteriormente pago, na medida em que o montante desse imposto exceda o do selo ambiental. O órgão jurisdicional de reenvio considera não ter a possibilidade, em aplicação da referida disposição, de restituir a I. Nicula, por um lado, a quantia que este teve de pagar a título de imposto sobre a poluição e, por outro, os respetivos juros.

    34

    Assim, importa apreciar se tal sistema de reembolso por compensação permite aos sujeitos passivos o exercício efetivo do direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, de que dispõem nos termos do direito da União.

    35

    A este respeito, decorre do artigo 12.o, n.o 1, do DUG n.o 9/2013, segundo a leitura feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, no caso de veículos usados importados de outro Estado‑Membro, o imposto sobre a poluição cobrado em violação do direito da União só é restituído ao sujeito passivo na medida em que seja superior ao montante exigível do selo ambiental, calculado com base nos elementos considerados na data da matrícula do veículo importado na Roménia.

    36

    Daí decorre, como sublinhou a Comissão Europeia, que um sistema de reembolso como o em causa no processo principal tem por efeito, no caso de um veículo usado importado de outro Estado‑Membro, restringir ou até, como no processo principal, eliminar completamente a obrigação de restituição do imposto sobre a poluição cobrado em violação do direito da União, o que é suscetível de perpetuar a discriminação declarada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Tatu (EU:C:2011:219) e Nisipeanu (EU:C:2011:466).

    37

    Além disso, o referido sistema tem por efeito isentar as autoridades nacionais da obrigação de terem em conta os juros devidos ao contribuinte em relação ao período compreendido entre a cobrança indevida do imposto sobre a poluição e o reembolso deste, e não responde, por isso, à exigência enunciada no n.o 29 do presente acórdão.

    38

    Nestas circunstâncias, há que concluir que um sistema de reembolso como o em causa no processo principal não permite o exercício efetivo do direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, de que dispõem os sujeitos passivos nos termos deste direito.

    39

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um sistema de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, como o que está em causa no processo principal.

    Quanto à limitação dos efeitos do acórdão no tempo

    40

    Na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar que o direito da União se opõe a um imposto como o selo ambiental, instituído pelo DUG n.o 9/2013, o Governo romeno, nas suas observações, pediu ao Tribunal de Justiça que limitasse os efeitos do seu acórdão no tempo.

    41

    A este respeito, importa salientar que, através da interpretação do direito da União solicitada, o órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se este se opõe a um imposto como o selo ambiental, mas apenas se esse direito se opõe a um sistema como o instituído pelo DUG n.o 9/2013 e que prevê a restituição do imposto indevidamente cobrado nos termos do DUG n.o 50/2008.

    42

    Nestas condições, basta precisar que os argumentos invocados pelo Governo romeno a favor de uma limitação dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça no tempo dizem respeito a casos diferentes daquele em causa no processo principal e, por conseguinte, não há que apreciar o pedido do referido governo destinado a obter a limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão.

    Quanto às despesas

    43

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um sistema de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, como o que está em causa no processo principal.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: romeno.

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