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Document 62013CJ0318

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 3 de setembro de 2014.
    X.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus.
    Reenvio prejudicial – Diretiva 79/7/CEE – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social – Seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores por conta de outrem – Montante de uma indemnização única por dano permanente – Cálculo atuarial baseado na esperança média de vida segundo o sexo do beneficiário da referida indemnização – Violação suficientemente caracterizada do direito da União.
    Processo C‑318/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2133

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    3 de setembro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 79/7/CEE — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social — Seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores por conta de outrem — Montante de uma indemnização única por dano permanente — Cálculo atuarial baseado na esperança média de vida segundo o sexo do beneficiário da referida indemnização — Violação suficientemente caracterizada do direito da União»

    No processo C‑318/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Finlândia), por decisão de 7 de junho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de junho de 2013, no processo intentado por

    X,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: C. Strömholm, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 2 de abril de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de X, por K. Kuusi, asianajaja,

    em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

    em representação do Governo helénico, por E.‑M. Mamouna e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de maio de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao Ministério dos Assuntos Sociais e da Saúde (a seguir «ministério») a respeito da concessão de uma indemnização única por acidente de trabalho.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A Diretiva 79/7, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, alínea a), aplica‑se aos regimes legais que assegurem uma proteção, designadamente, contra os riscos de acidente de trabalho.

    4

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva:

    «O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

    ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

    à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas,

    ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

    Direito finlandês

    5

    A concretização do seguro de acidentes é uma tarefa de gestão pública cuja execução é confiada, na Finlândia, a seguradoras privadas. Para cumprirem a obrigação de garantir a segurança dos trabalhadores em matéria de acidentes de trabalho, os empregadores são obrigados a contratar um seguro junto de uma seguradora habilitada a segurar os riscos referidos na Lei dos seguros de acidentes dos trabalhadores por conta de outrem (tapaturmavakuutuslaki), de 1982, conforme alterada em 1992 (a seguir «lei dos seguros de acidentes»). Os custos do seguro legal instituído em matéria de acidentes são cobertos pelos prémios de seguro pagos pelos empregadores.

    6

    A indemnização por dano permanente é uma das prestações de seguro de acidentes. Insere‑se no regime legal de segurança social. O seu objeto é conceder ao trabalhador a reparação desse dano, resultante de um acidente de trabalho ou de doença profissional, ou seja, da diminuição da sua capacidade funcional durante toda a sua vida.

    7

    O § 14 (1), primeiro parágrafo, dessa lei prevê, designadamente, o pagamento de uma indemnização por dano permanente, como reparação de uma lesão ou doença causada por um acidente de trabalho.

    8

    O § 18 b (1), da lei dos seguros de acidentes prevê que a indemnização por acidente de trabalho é paga, consoante os casos, como indemnização única ou como pensão. Segundo o n.o 3 da referida disposição, a indemnização única é calculada sob a forma de um capital correspondente ao valor da indemnização por dano permanente, tendo em conta a idade do trabalhador e em conformidade com critérios definidos pelo ministério.

    9

    A Decisão n.o 1662/453/82 do ministério, de 30 de dezembro de 1982, relativa aos critérios aplicáveis ao cálculo do valor do capital das pensões pagas ao abrigo do seguro de acidentes ou, quando não há lugar ao pagamento de uma pensão, da indemnização única, definiu os critérios em função dos quais esta última indemnização deve ser calculada.

    10

    A este respeito, o anexo dessa decisão estabelece as seguintes fórmulas:

    «A mortalidade aplicável será (TLE‑82), com um aumento da idade de 3 anos, ou seja:

    ux = 0,0000797 e 0,0875 (x+3) (homens)

    ux = 0,0000168 e 0,1000 (y+3) (mulheres).»

    11

    Os danos provocados pelas lesões ou pelas doenças são repartidos, para efeitos da quantificação do dano geral permanente, em 20 classes em função da sua natureza médica e do seu grau de gravidade. O montante da indemnização concedida varia em função da classe do prejuízo. A reparação de lesões e doenças menos graves, incluídas nas classes de prejuízo 1 a 10, é sempre paga numa indemnização única. Nos casos das classes de prejuízo 11 a 20, os segurados podem optar por uma indemnização única ou por uma pensão mensal vitalícia.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    12

    X, nascido em 1953, lesionou‑se num acidente de trabalho em 27 de agosto de 1991. O vakuutusoikeus (Tribunal da Segurança Social) concluiu, em decisão proferida em 18 de outubro de 2005, que este tinha direito a uma indemnização única por dano permanente, nos termos da lei dos seguros de acidentes.

    13

    Na sequência dessa decisão, a seguradora competente, por decisões proferidas em 16 de dezembro de 2005, fixou em 4197,98 euros, incluindo todos os acréscimos, o valor do montante único a pagar a X a título da referida indemnização.

    14

    X recorreu dessas decisões, alegando que a indemnização única por acidente de trabalho devia ser calculada segundo os mesmos critérios aplicáveis às mulheres. A comissão de recursos dos casos de acidentes de trabalho negou provimento ao recurso em 31 de agosto de 2006. Essa decisão foi confirmada pelo vakuutusoikeus em 27 de maio de 2008.

    15

    Em carta enviada ao ministério em 13 de outubro de 2008, X alegou que a indemnização única que lhe fora paga a título de indemnização por dano permanente tinha sido determinada com inobservância das disposições do direito da União relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres. X reclamou então a quantia de 278,89 euros, acrescida de juros de mora. Este montante corresponde à diferença entre a indemnização auferida por X e a indemnização que seria paga a uma mulher da mesma idade que se encontrasse numa situação comparável. Em 27 de maio de 2009, o ministério recusou pagar a quantia pedida.

    16

    Em 17 de junho de 2009, X intentou uma ação no Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia), pedindo a condenação do Estado finlandês no pagamento da quantia em questão. Por decisão de 2 de dezembro de 2010, o Helsingin hallinto‑oikeus julgou a ação inadmissível, por não ter competência para dela conhecer.

    17

    X interpôs então recurso dessa decisão no Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo), que, em 28 de novembro de 2012, anulou a decisão do Helsingin hallinto‑oikeus.

    18

    Quanto ao mérito da ação, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se as disposições do direito da União relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, designadamente o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7, se opõem a uma disposição de direito nacional nos termos da qual uma prestação social prescrita pela lei, paga em caso de acidente de trabalho, tem, devido à aplicação de fatores atuariais em função do sexo, um valor diferente consoante o beneficiário seja um homem ou uma mulher.

    19

    O órgão jurisdicional de reenvio refere também que, caso o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deva ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional como a que está em causa no processo pendente nesse órgão jurisdicional, coloca‑se a questão de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade do Estado‑Membro em causa por violação do direito da União.

    20

    Nestas circunstâncias, o Korkein hallinto‑oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva 79/7] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional por força da qual a esperança de vida diferente para homens e mulheres é considerada um critério atuarial para o cálculo do valor da prestação de segurança social, estabelecida por lei, a pagar em caso de acidente de trabalho, quando o recurso a este critério leva a que o valor da indemnização única a pagar a um homem seja inferior ao valor pago a uma mulher da mesma idade, que quanto ao restante se encontre numa situação semelhante?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: verifica‑se, neste processo, como pressuposto da responsabilidade do Estado‑Membro, uma violação suficientemente caracterizada do direito da União, tendo especialmente em conta que:

    o Tribunal de Justiça não se pronunciou expressamente, na sua jurisprudência, sobre a questão de saber se podem ou não ser considerados fatores atuariais em função do sexo no cálculo dos valores das prestações dos regimes legais de segurança social abrangidos pela Diretiva 79/7;

    o Tribunal de Justiça, no seu acórdão [Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o. (C‑236/09, EU:C:2011:100)], considerou inválido o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2004/113/CE [do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO L 373, p. 37)], que admite a consideração de tais fatores, tendo no entanto decretado um período de transição até que a invalidade produzisse efeitos; e

    o legislador da União admitiu, nas Diretivas 2004/113 e [2006/54/CE] do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO L 204, p. 23)], a possibilidade de, em condições específicas, tais fatores serem considerados no cálculo das prestações na aceção destas diretivas, e o legislador nacional pressupôs, nesta base, que os fatores em questão também podem ser considerados no âmbito dos regimes legais de segurança social, na aceção do presente processo?»

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    21

    O Governo finlandês referiu, na audiência, que os factos na origem do processo, a saber, o acidente de trabalho de X, ocorreram em 1991, ou seja, antes da adesão da República da Finlândia à União Europeia. Apesar de a indemnização única em causa ter como objetivo indemnizar o dano permanente provocado pelo referido acidente de trabalho, apenas a data do facto gerador desse prejuízo importa para efeitos da aplicabilidade do direito União. Nessas circunstâncias, o Governo finlandês considera que o Tribunal de Justiça não tem competência para responder ao órgão jurisdicional de reenvio.

    22

    A este respeito, observe‑se que o ato jurídico objeto do litígio no processo principal foi adotado em 2008, através da decisão do vakuutusoikeus. É também pacífico que a indemnização por dano permanente em causa se destina a compensar as consequências do acidente de X ao longo de toda a sua vida.

    23

    Daqui decorre que o litígio no processo principal não tem por objeto uma situação que produziu todos os seus efeitos antes da adesão da República da Finlândia à União.

    24

    Consequentemente, o Tribunal de Justiça é competente para responder ao órgão jurisdicional de reenvio.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    25

    Para responder à primeira questão, há que observar, a título preliminar, que, embora a indemnização em causa no processo principal tenha de facto sido paga por uma seguradora privada, o seguro de acidentes dos trabalhadores por conta de outrem na Finlândia e os critérios de concessão da referida indemnização fazem parte dos regimes «legais» que garantem uma proteção contra os riscos de acidente de trabalho, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 79/7. Por consequência, a indemnização em causa no processo principal insere‑se no âmbito de aplicação desta diretiva.

    26

    Recorde‑se que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 proíbe, designadamente, qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indireta, quanto ao cálculo das prestações aí referidas.

    27

    Decorre da decisão de reenvio que o processo principal versa sobre as regras de cálculo do montante de uma indemnização devida pelo dano resultante de um acidente de trabalho, que é paga de uma só vez, sob a forma de uma indemnização única. O referido cálculo deve ser efetuado em função, designadamente, da idade do trabalhador e da sua esperança média de vida remanescente. Para a determinação deste último fator, tem‑se em conta o sexo do trabalhador.

    28

    É pacífico que, por força das regras de cálculo da indemnização única em causa no processo principal, uma mulher da idade de X que tenha sofrido, no mesmo dia que este, um acidente de trabalho idêntico e que tenha provocado os mesmos danos tem direito a uma indemnização única superior àquela de que X beneficia.

    29

    O Governo finlandês alega, contudo, que essa mulher e X não se encontram numa situação comparável. Expõe, a este respeito, que se considera que as regras de cálculo da indemnização única paga a título de indemnização por dano permanente, prevista pela legislação nacional, permitem fixar o seu montante num nível equivalente ao montante global que a mesma indemnização teria caso fosse paga sob a forma de renda vitalícia. Tendo em conta a existência de uma diferença entre a esperança de vida de homens e mulheres, a aplicação de um coeficiente de mortalidade idêntico para os dois sexos conduziria a que a indemnização única paga a um trabalhador do sexo feminino que sofreu um acidente deixe de corresponder à esperança média de vida remanescente do seu beneficiário.

    30

    O Governo finlandês precisa que a diferenciação em função do sexo é necessária para evitar o desfavorecimento das mulheres relativamente aos homens. Com efeito, uma vez que, estatisticamente, as mulheres têm uma esperança de vida mais elevada, a indemnização que se destina a indemnizar, numa prestação única, o dano sofrido ao longo da duração remanescente da vida do lesado deve ser mais elevada para as mulheres do que para os homens. Consequentemente, não se verifica qualquer discriminação entre homens e mulheres.

    31

    A este respeito, e conforme observou a advogada‑geral no n.o 29 das suas conclusões, há que salientar que tal argumentação permite, quando muito, justificar a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres quanto à concessão de uma indemnização como a que está em causa no processo principal, e não propriamente refutar, como o Governo finlandês reconheceu na audiência, a realidade da desigualdade de tratamento a que a aplicação das disposições do direito nacional conduz, na medida em que originam, em circunstâncias iguais, indemnizações diferentes.

    32

    Verifica‑se, pois, que as disposições do regime de seguro de acidentes em causa no processo principal implicam uma desigualdade de tratamento suscetível de constituir uma discriminação contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7.

    33

    Nestas circunstâncias, há que determinar se essa desigualdade de tratamento pode ser justificada.

    34

    Quanto aos eventuais motivos para a derrogação do princípio da igualdade de tratamento enunciados no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7, verifica‑se que a consideração de um fator baseado na esperança de vida remanescente não se encontra prevista no artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, que tem por objeto disposições relativas à proteção da mulher em razão da maternidade, nem no artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva, que permite aos Estados‑Membros excluir do seu âmbito de aplicação um determinado número de regras, de benefícios e de prestações em matéria de segurança social.

    35

    Por outro lado, não resulta da redação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 que os fundamentos para a derrogação aí enunciados não são taxativos e que os Estados‑Membros são livres de conceber outros fundamentos para a derrogação do princípio da igualdade de tratamento. O facto de a consideração desse fator não ser expressamente proibida pelas disposições dessa diretiva não pode ser interpretado no sentido de que autoriza o legislador nacional a prever esse fator como elemento de cálculo de uma indemnização como a que está em causa no processo principal.

    36

    O Governo finlandês alega, contudo, que a diferença do montante dessa indemnização segundo o sexo do trabalhador em causa pode ser justificada pela diferença objetiva da esperança média de vida dos homens e das mulheres. Uma solução diferente levaria ao desfavorecimento das mulheres, cuja esperança de vida é superior à dos homens, uma vez que o pagamento da indemnização única tem o objetivo de compensar as consequências de um dano durante todo o tempo de vida remanescente do lesado.

    37

    Observe‑se, a este respeito, que, não obstante a indemnização única em causa no processo principal se encontrar prevista num regime que fixa também prestações por dano resultante de acidente de trabalho pagas durante todo o tempo de vida remanescente do lesado, o cálculo dessa indemnização não pode ser efetuado com base numa generalização relativa à esperança média de vida de homens e mulheres.

    38

    Com efeito, essa generalização pode conduzir a um tratamento discriminatório dos segurados do sexo masculino face aos do sexo feminino. Além disso, a consideração de dados estatísticos gerais, segundo o sexo, é dificultada pela incerteza de que uma segurada tem sempre uma esperança de vida superior à de um segurado da mesma idade que se encontre numa situação comparável.

    39

    Decorre destas considerações que o regime nacional em causa no processo principal não pode ser justificado.

    40

    Há, pois, que responder à primeira questão que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que prevê a utilização da esperança de vida diferente para homens e mulheres como critério atuarial para o cálculo do valor da prestação de segurança social, estabelecida por lei, paga em caso de acidente de trabalho, quando o recurso a este critério leva a que o valor da indemnização única paga, a título dessa prestação, a um homem seja inferior ao valor que seria pago a uma mulher da mesma idade que se encontre numa situação semelhante.

    Quanto à segunda questão

    41

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se uma violação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7, como a que está em causa no processo principal, deve ser qualificada de violação «suficientemente caracterizada» do direito da União constitutiva de um dos pressupostos necessários para que se verifique a responsabilidade do Estado‑Membro em questão.

    42

    A este respeito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 56 do seu acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79), que de entre os elementos que o órgão jurisdicional competente pode ser levado a considerar constam o grau de clareza e de precisão da regra violada, o âmbito da margem de apreciação que a regra violada deixa às autoridades nacionais ou da União, o caráter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do prejuízo causado, o caráter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o facto de as atitudes adotadas por uma instituição da União terem podido contribuir para a omissão, a adoção ou a manutenção de medidas ou práticas nacionais contrárias ao direito da União.

    43

    O Tribunal de Justiça sublinhou também que a instituição de critérios que permitam fazer incorrer os Estados‑Membros em responsabilidade pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União deve, em princípio, ser feita pelos órgãos jurisdicionais nacionais, em conformidade com as orientações fornecidas para o efeito pelo Tribunal de Justiça (v. acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 210 e jurisprudência referida).

    44

    Daí decorre que o Tribunal de Justiça não pode substituir a apreciação dos órgãos jurisdicionais nacionais pela sua (v. acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, EU:C:1996:79, n.o 58). Todavia, o Tribunal de Justiça pode fornecer‑lhes orientações e indicações para a instituição desse princípio (v. acórdão Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 100).

    45

    No que se refere ao presente processo, há que salientar três elementos que devem ser tidos em conta para efeitos da resposta à questão de saber se as disposições do direito nacional em questão devem ser consideradas uma violação «suficientemente caracterizada» do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7.

    46

    Em primeiro lugar, o alcance do princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva e a sua interpretação não foram, até à data, objeto de acórdão do Tribunal de Justiça. Além disso, a violação do direito da União relativamente a X, declarada supra, só se concretizou em 2008, através da decisão definitiva do vakuutusoikeus.

    47

    Em segundo lugar, nem a legislação finlandesa em causa no processo principal nem nenhuma outra legislação nacional foram até à data objeto de uma ação por incumprimento, nos termos do artigo 258.o TFUE, por violação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7.

    48

    Há que observar, em terceiro lugar, no tocante aos atos praticados pelo legislador da União com o objetivo de aplicar o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, que o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2004/113 concedeu aos Estados‑Membros a faculdade de permitirem, antes de 21 de dezembro de 2007, diferenciações proporcionadas nos prémios e benefícios individuais, sempre que a consideração do sexo seja um fator determinante na avaliação de risco, com base em dados atuariais e estatísticos relevantes e rigorosos. Além disso, no artigo 9.o, n.o 1, alínea h), da Diretiva 2006/54, o legislador da União, não obstante ter decidido que um determinado número de disposições no domínio dos regimes profissionais de segurança social baseadas no sexo são contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, consagrou entre as derrogações do referido princípio, em certos casos, a utilização de fatores atuariais diferentes segundo o sexo.

    49

    No que se refere à primeira dessas disposições, o Tribunal de Justiça declarou, em 1 de março de 2011, no n.o 32 do acórdão Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o. (EU:C:2011:100), que permitir aos Estados‑Membros manter sem limite temporal uma derrogação da regra dos prémios e das prestações unissexo é contrário à concretização do objetivo de igualdade de tratamento entre homens e mulheres prosseguido pela Diretiva 2004/113, precisando que a referida disposição, devido ao seu caráter discriminatório, devia ser considerada inválida.

    50

    Atendendo aos elementos que precedem, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se, no caso vertente, a violação do direito da União deve ser considerada «suficientemente caracterizada».

    51

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se se verificam os pressupostos da responsabilidade do Estado‑Membro. De igual modo, quanto à questão de saber se a disposição de direito nacional em causa no processo principal constitui uma violação «suficientemente caracterizada» do direito da União, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, designadamente, que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a licitude da consideração de um fator baseado na esperança média de vida segundo o sexo para a determinação de uma prestação paga a título de um regime legal de segurança social e que se insere no âmbito de aplicação da Diretiva 79/7. O órgão jurisdicional de reenvio deverá também ter em conta a faculdade concedida aos Estados‑Membros pelo legislador da União, manifestada no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2004/113, e no artigo 9.o, n.o 1, alínea h), da Diretiva 2006/54. Além disso, o referido órgão jurisdicional terá de considerar que o Tribunal de Justiça declarou, em 1 de março de 2011 (C‑236/09, EU:C:2011:100), que a primeira das referidas disposições é inválida, uma vez que viola o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

    Quanto às despesas

    52

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que prevê a utilização da esperança de vida diferente para homens e mulheres como critério atuarial para o cálculo do valor da prestação de segurança social, estabelecida por lei, paga em caso de acidente de trabalho, quando o recurso a este critério leva a que o valor da indemnização única paga, a título dessa prestação, a um homem seja inferior ao valor que seria pago a uma mulher da mesma idade que se encontre numa situação semelhante.

     

    2)

    Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se se verificam os pressupostos da responsabilidade do Estado‑Membro. De igual modo, quanto à questão de saber se a disposição de direito nacional em causa no processo principal constitui uma violação «suficientemente caracterizada» do direito da União, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, designadamente, que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a licitude da consideração de um fator baseado na esperança média de vida segundo o sexo para a determinação de uma prestação paga a título de um regime legal de segurança social e que se insere no âmbito de aplicação da Diretiva 79/7. O órgão jurisdicional de reenvio deverá também ter em conta a faculdade concedida aos Estados‑Membros pelo legislador da União, manifestada no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, e no artigo 9.o, n.o 1, alínea h), da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional. Além disso, o referido órgão jurisdicional terá de considerar que o Tribunal de Justiça declarou, em 1 de março de 2011 (C‑236/09, EU:C:2011:100), que a primeira das referidas disposições é inválida, uma vez que viola o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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