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Document 62013CJ0315

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 3 de dezembro de 2014.
    Edgard Jan De Clercq e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank van eerste aanleg te Mechelen.
    Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços — Artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE — Diretiva 96/71/CE — Artigo 3.°, n.os 1 e 10 — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 19.° — Legislação nacional que impõe à pessoa a quem é prestado trabalho por trabalhadores por conta de outrem ou estagiários destacados que declare aqueles que não possam apresentar o comprovativo de entrega da declaração que devia ter sido apresentada no Estado‑Membro de acolhimento pelo seu empregador estabelecido noutro Estado‑Membro — Sanção penal.
    Processo C‑315/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2408

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    3 de dezembro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços — Artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE — Diretiva 96/71/CE — Artigo 3.o, n.os 1 e 10 — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 19.o — Legislação nacional que impõe à pessoa a quem é prestado trabalho por trabalhadores por conta de outrem ou estagiários destacados que declare aqueles que não possam apresentar o comprovativo de entrega da declaração que devia ter sido apresentada no Estado‑Membro de acolhimento pelo seu empregador estabelecido noutro Estado‑Membro — Sanção penal»

    No processo C‑315/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank van eerste aanleg te Mechelen (Bélgica), por decisão de 28 de novembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2013, no processo penal contra

    Edgard Jan De Clercq,

    Emiel Amede Rosa De Clercq,

    Nancy Genevieve Wilhelmina Rottiers,

    Ermelinda Jozef Martha Tampère,

    Thermotec NV,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de E. J. De Clercq, E. A. R. De Clercq e N. G. W. Rottiers, por S. Bouzoumita, advocaat,

    em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por S. Rodrigues e I. Majumdar, avocats,

    em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning e M. Wolff, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por R. Coesme e D. Colas, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Wilman, J. Enegren e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE, do artigo 3.o, n.os 1 e 10, da Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), e do artigo 19.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra, por um lado, E. J. De Clercq, E. A. R. De Clercq, N. G. W. Rottiers e E. J. M. Tampère, de nacionalidade belga, e, por outro, a Thermotec NV, sociedade de direito belga (a seguir, conjuntamente, «arguidos»), por terem designadamente, por diversas vezes, no período compreendido entre 1 de abril de 2007 e 18 de novembro de 2008 inclusive, infringido uma obrigação de declaração relativa a trabalhadores por conta de outrem destacados imposta pela legislação nacional.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 96/71

    3

    O artigo 1.o da Diretiva 96/71, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

    «1.   A presente diretiva é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do n.o 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.

    [...]

    3.   A presente diretiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no n.o 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:

    a)

    Destacar um trabalhador para o território de um Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

    ou

    b)

    Destacar um trabalhador para um estabelecimento ou uma empresa do grupo situados num Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

    [...]»

    4

    O artigo 3.o da Diretiva 96/71, sob a epígrafe «Condições de trabalho e emprego», enuncia:

    «1.   Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.o 1 do artigo 1.o garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

    por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

    e/ou

    por convenções coletivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na aceção do n.o 8, na medida em que digam respeito às atividades referidas no anexo[, em concreto, todas as atividades no domínio da construção que visem a realização, reparação, manutenção, alteração ou eliminação de construções]:

    a)

    Períodos máximos de trabalho e períodos mínimos de descanso;

    b)

    Duração mínima das férias anuais remuneradas;

    c)

    Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; [...]

    d)

    Condições de disponibilização dos trabalhadores, nomeadamente por empresas de trabalho temporário;

    e)

    Segurança, saúde e higiene no trabalho;

    f)

    Medidas de proteção aplicáveis às condições de trabalho e emprego das mulheres grávidas e das puérperas, das crianças e dos jovens;

    g)

    Igualdade de tratamento entre homens e mulheres, bem como outras disposições em matéria de não discriminação.

    [...]

    10.   A presente diretiva não obsta a que, no respeito pelo Tratado, os Estados‑Membros imponham às empresas nacionais e de outros Estados, de forma igual:

    condições de trabalho e emprego relativas a matérias que não as referidas no n.o 1, na medida em que se trate de disposições de ordem pública;

    condições de trabalho e emprego fixadas nas convenções coletivas ou decisões arbitrais na aceção [d]o n.o 8, relativas a atividades não previstas no anexo.»

    5

    O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Medidas», prevê:

    «Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento da presente diretiva.

    Os Estados‑Membros assegurarão especialmente que os trabalhadores e/ou os seus representantes disponham de processos adequados para garantir o cumprimento das obrigações previstas na presente diretiva.»

    Diretiva 2006/123

    6

    O artigo 16.o da Diretiva 2006/123, sob a epígrafe «Liberdade de prestação de serviços», dispõe, no seu n.o 2:

    «Os Estados‑Membros não podem restringir a liberdade de prestar serviços de um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro através da imposição de algum dos seguintes requisitos:

    [...]

    g)

    Restrições à liberdade de prestação de serviços referidas no artigo 19.o».

    7

    O artigo 19.o da Diretiva 2006/123, que figura no capítulo IV, secção 2, da mesma, relativa aos direitos dos destinatários dos serviços no âmbito da livre circulação de serviços, sob a epígrafe «Restrições proibidas», prevê:

    «Os Estados‑Membros não podem impor ao destinatário requisitos que restrinjam a utilização de um serviço fornecido por um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, nomeadamente os seguintes requisitos:

    a)

    Obrigação de obter uma autorização das suas autoridades competentes ou de lhes apresentar uma declaração;

    [...]»

    8

    Nos termos do artigo 44.o, n.o 1, primeiro parágrafo, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta diretiva antes de 28 de dezembro de 2009.

    Direito belga

    Lei da reorientação económica de 4 de agosto de 1978

    9

    A Lei da reorientação económica de 4 de agosto de 1978 (Moniteur belge de 17 de agosto de 1978, p. 9106) dispunha, no seu artigo 69.o:

    «§ 1   Qualquer pessoa a quem ou para a qual seja prestado trabalho por trabalhadores de terceiros que continuem sujeitos a um regime de segurança social de um outro Estado‑Membro [...] que não a Bélgica, deve comunicar ao Serviço de Inspeção Social do Ministério da Segurança Social, no primeiro dia de presença desses trabalhadores, os nomes daqueles que não façam prova dessa sujeição através da apresentação de um certificado comprovativo de destacamento, previsto pelo artigo 11.o do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade [JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156], bem como o nome ou a firma e o domicílio dos seus empregadores.

    [...]

    § 2   [...]

    As sanções penais referidas nos artigos 35.° e 39.° da [Lei de 27 de junho de 1969, relativa à reforma do Decreto‑Lei de 28 de dezembro de 1944, relativo à segurança social dos trabalhadores,] são aplicáveis a quem não respeite o disposto no § 1.»

    10

    Esse artigo 69.o foi revogado pelo artigo 149.o da Lei‑Programa (I) de 27 de dezembro de 2006 (Moniteur belge de 28 de dezembro de 2006, p. 75178, a seguir «lei‑programa»).

    Lei‑programa

    11

    A secção 1 do capítulo VIII do título IV da lei‑programa, que inclui os artigos 137.° e 138.° da mesma, precisa o âmbito de aplicação desse capítulo e algumas definições. O artigo 137.o da lei‑programa dispõe:

    «Para a aplicação do presente capítulo e dos seus decretos de execução, entende‑se por:

    Trabalhadores por conta de outrem: as pessoas que prestem trabalho, mediante remuneração e sob a autoridade de outra pessoa;

    Trabalhadores por conta de outrem destacados: as pessoas referidas no ponto 1° que prestem, temporária ou parcialmente, trabalho na Bélgica e que

    a)

    trabalhem habitualmente no território de um ou vários países que não a Bélgica, ou

    b)

    tenham sido contratadas num país que não a Bélgica;

    Empregadores: as pessoas singulares ou coletivas a quem os trabalhadores referidos no ponto 2° prestem trabalho;

    Estagiários: as pessoas que, no âmbito de um programa de estudos ou de uma formação profissional, efetuem um estágio obrigatório ou voluntário para obterem o diploma ou certificado, ou experiência prática;

    Estagiários destacados: as pessoas referidas no ponto 4° que, no âmbito de um programa de estudos estrangeiro ou de uma formação profissional estrangeira, efetuem um estágio ou parte de um estágio no território belga;

    Instituição em que o estagiário segue os estudos ou a formação profissional: a empresa, o estabelecimento de ensino privado ou público ou qualquer outra entidade em que é efetuado o estágio;

    [...]»

    12

    Nos termos do artigo 138.o da lei‑programa:

    «O presente capítulo é aplicável:

    aos trabalhadores por conta de outrem destacados e aos seus empregadores;

    aos estagiários destacados e, se for o caso, às instituições em que estes seguem os estudos ou a formação profissional;

    [...]»

    13

    O capítulo VIII do título IV da lei‑programa intitula‑se «Declaração prévia de trabalhadores por conta de outrem e por conta própria destacados». Este capítulo, que entrou em vigor em 1 de abril de 2007, institui um regime de declaração prévia de trabalhadores por conta de outrem e por conta própria destacados, denominado «regime da declaração Limosa», dado esta obrigação de declaração prévia ter sido instituída no âmbito de um projeto mais vasto, denominado sistema «Limosa», acrónimo de «Landenoverschrijdend Informatiesysteem ten behoeve van Migratieonderzoek bij de Sociale Administratie» (Sistema de informação transfronteiriço da administração social para o estudo da migração).

    14

    A secção 2 do referido capítulo VIII, que abrange os artigos 139.° a 152.° da lei‑programa, intitula‑se «Declaração prévia de trabalhadores por conta de outrem destacados». Na versão aplicável à data dos factos no processo principal, o artigo 139.o da lei‑programa dispunha:

    «Antes de o trabalhador por conta de outrem destacado para o território belga exercer uma atividade profissional, o seu empregador, ou um seu encarregado ou o seu mandatário, deve apresentar ao Instituto Nacional da Segurança Social uma declaração por via eletrónica, elaborada de acordo com o artigo 140.o, segundo as regras fixadas pelo Rei.

    Antes de iniciar o seu estágio no território belga, o estagiário destacado, ou a instituição em que prossegue os seus estudos ou a sua formação profissional, deve apresentar ao Instituto Nacional da Segurança Social uma declaração por via eletrónica, elaborada de acordo com o artigo 140.o, segundo as regras fixadas pelo Rei.

    [...]

    Logo que a declaração referida nos parágrafos anteriores é efetuada, o declarante recebe um comprovativo de entrega [...]

    [...]»

    15

    Segundo o artigo 140.o da lei‑programa, «[o] Rei determina os grupos de dados que devem constar da declaração prévia a que se refere o artigo 139.o» e «[o] Instituto Nacional da Segurança Social determina o conteúdo destes grupos de dados.»

    16

    O artigo 141.o da lei‑programa, que faz parte da subsecção 2 da secção 2 do capítulo VIII do título IV da lei‑programa, relativa à obrigação dos utilizadores finais ou dos comitentes de trabalhadores por conta de outrem destacados, dispõe:

    «Qualquer pessoa a quem, diretamente ou por meio de subcontratação, seja prestado trabalho pelas pessoas a quem se refere o artigo 137.o, pontos 2° e 5°, deve declarar, por via eletrónica e antes do início da prestação do trabalho, os dados de identificação das pessoas que não estejam em condições de apresentar o comprovativo de entrega emitido nos termos do artigo 139.o, n.o 4, deste capítulo, ao Instituto Nacional da Segurança Social, segundo as modalidades determinadas pelo Rei.

    Logo que a declaração referida nos parágrafos anteriores é efetuada, o declarante recebe um comprovativo de entrega [...]

    [...]»

    17

    Na secção 4 do referido capítulo VIII, intitulada «Vigilância e sanções», o artigo 157.o da lei‑programa estabelecia a sanção aplicável em caso de incumprimento da obrigação de declaração prevista no artigo 139.o da mesma. O artigo 158.o da lei‑programa, que faz parte da mesma secção, tinha designadamente por objeto a declaração prevista no artigo 141.o da mesma e dispunha:

    «Sem prejuízo dos artigos 269.° a 274.° do Código Penal, é punido com pena de multa de 250 a 2 500 euros quem não tenha cumprido o disposto no[…] artigo[…] 141.° […]; a pena de multa será aplicada tantas vezes quantos os trabalhadores por conta de outrem ou por conta própria destacados […] em relação aos quais as regras foram infringidas, mas o montante total das multas não pode exceder a quantia de 125000 euros.»

    Código Penal Social e Código Penal

    18

    A Lei de 6 de junho de 2010 (Moniteur belge de 1 de julho de 2010, p. 43712), que entrou em vigor em 1 de julho de 2011, aprovou o Código Penal Social no seu artigo 2.o O artigo 109.o, ponto 55o, desta lei revoga, designadamente, o artigo 158.o da lei‑programa.

    19

    O artigo 183.o do Código Penal Social, sob a epígrafe «Obrigações dos utilizadores finais ou comitentes», dispõe:

    «É punida com uma sanção do nível 3:

    1° Qualquer pessoa a quem, diretamente ou por meio de subcontratação, seja prestado trabalho por trabalhadores por conta de outrem ou estagiários destacados e que, em violação do capítulo 8 do título IV da lei‑programa […] e dos seus decretos de execução, não tenha declarado ao Instituto Nacional da Segurança Social, por via eletrónica e segundo as regras definidas pelo Rei, antes do início da prestação do trabalho, os dados de identificação das pessoas que não estejam em condições de apresentar o comprovativo de entrega.

    [...]

    No que respeita às infrações previstas no n.o 1, a sanção é multiplicada pelo número de trabalhadores, de estagiários, de trabalhadores por conta própria ou de estagiários por conta própria abrangidos.»

    20

    Segundo o artigo 101.o do Código Penal Social, «[a] sanção de nível 3 consiste numa pena de multa de 100 a 1 000 euros, ou numa sanção administrativa de 50 a 500 euros». O artigo 102.o do mesmo código prevê que os fatores de correção, previstos no artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Lei de 5 de março de 1952 relativa aos fatores de correção das sanções penais (Moniteur belge de 3 de abril de 1952, p. 2606), conforme alterada pela Lei de 28 de dezembro de 2011, que aprova diversas disposições em matéria de justiça (II) (Moniteur belge de 30 de dezembro de 2011, p. 81669), são aplicáveis a estas sanções penais e administrativas. A aplicação destes fatores tem por efeito multiplicar por seis o montante das referidas sanções.

    21

    O artigo 2.o, segundo parágrafo, do Código Penal prevê que, «[s]e a pena aplicável à data da decisão for diferente da aplicável à data da infração, deve aplicar‑se a pena mais leve».

    Decreto Real

    22

    O capítulo VIII do título IV da lei‑programa foi completado pelo Decreto Real de 20 de março de 2007, aprovado para execução desse capítulo (Moniteur belge de 28 de março de 2007, p. 16975), conforme alterado pelo Decreto Real de 31 de agosto de 2007 (Moniteur belge de 13 de setembro de 2007, p. 48537, a seguir «decreto real»).

    23

    Nos termos do artigo 7.o do decreto real:

    «A declaração prevista [no] artig[o] 141.° […] da lei‑programa [...] inclui os seguintes dados:

    Dados de identificação do declarante. Quando este disponha de um número de empresa ou de um número de identificação na segurança social, se se tratar de uma pessoa singular que não tenha a qualidade de empresa na aceção da supramencionada Lei de 16 de janeiro de 2003, basta esse número;

    Dados de identificação do trabalhador por conta de outrem [...] ou do estagiário destacado. Quando este disponha de um número de identificação do Registo Nacional ou Número do Banque‑Carrefour [Banco de dados das empresas] a que se refere o artigo 8.o da supramencionada Lei de 15 de janeiro de 1990, basta esse número;

    Dados de identificação do empregador do trabalhador por conta de outrem destacado ou da instituição em que o estagiário efetua o estágio ou formação profissional. Quando estes disponham de um número de empresa ou de um número de identificação na segurança social, se se tratar de uma pessoa singular que não tem a qualidade de empresa na aceção da supramencionada Lei de 16 de janeiro de 2003, basta esse número».

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    24

    Resulta da decisão de reenvio que a Thermotec NV é uma sociedade de direito belga que tem por atividade a construção de sistemas de refrigeração industriais. As quatro pessoas singulares arguidas no processo principal são ou eram os administradores da sociedade. Foi constituída uma sociedade‑irmã na Polónia, a Thermotec sp. z o.o. Exerce a mesma atividade que a Thermotec NV.

    25

    Aquando de uma fiscalização realizada em 5 de maio de 2008, na sede da Thermotec NV, os serviços de inspeção social encontraram quatro trabalhadores polacos, três dos quais eram empregados da Thermotec sp. z o.o. Não foi apresentado o formulário E 101 relativo a esses trabalhadores. A Thermotec sp. z o.o. também não apresentou o comprovativo de entrega da declaração prévia ao destacamento prevista no artigo 139.o da lei‑programa (a seguir «comprovativo de entrega») e a Thermotec NV, utilizadora final dos serviços, não tinha comunicado ao serviço belga competente os dados de identificação dos trabalhadores destacados que não podiam apresentar o comprovativo de entrega.

    26

    Após averiguação, constatou‑se que, mesmo para os períodos de trabalho anteriores de trabalhadores ou estagiários polacos, a Thermotec sp. z o.o. nunca pediu o formulário E 101. Além disso, no período anterior a 1 de abril de 2007, os arguidos não tinham comunicado à inspeção social os nomes desses trabalhadores nem o nome ou a firma e o domicílio dos seus empregadores no primeiro dia de trabalho dos mesmos. No período posterior a essa data, não foram comunicados os dados de identificação das pessoas que não apresentaram o comprovativo de entrega.

    27

    Em 3 de outubro de 2008, o representante do Ministério Público junto do tribunal do trabalho requereu a abertura de um inquérito judicial. No âmbito desse inquérito, foram efetuadas buscas em 18 de novembro de 2008. Em 21 de novembro de 2008, o serviço de inspeção social polaco emitiu formulários E 101 com validade retroativa.

    28

    Foi levantado um auto por infração contra a Thermotec sp. z o.o. Além disso, por decisão de 17 de fevereiro de 2012, a Thermotec NV e as quatro pessoas singulares arguidas no processo principal foram acusadas por duas infrações e o processo foi remetido para o órgão jurisdicional de reenvio. A primeira infração é relativa a factos praticados entre 27 de junho de 2004 e 31 de março de 2007 inclusive e consiste na violação do artigo 69.o, n.os 1, primeiro parágrafo, e 2, segundo parágrafo, da Lei da reorientação económica de 4 de agosto de 1978. A segunda é relativa a factos praticados entre 1 de abril de 2007 e 18 de novembro de 2008 inclusive e consiste na violação do artigo 141.o da lei‑programa. Estas duas infrações são puníveis com sanções pecuniárias de natureza penal.

    29

    O órgão jurisdicional de reenvio especifica que os arguidos são acusados, não por não terem apresentado a declaração prévia ao destacamento que incumbe ao empregador dos trabalhadores destacados, mas por não terem declarado, enquanto utilizadores finais ou comitentes, os dados de identificação das pessoas que não puderam apresentar o comprovativo de entrega.

    30

    Perante o órgão jurisdicional de reenvio, E. J. De Clercq, E. A. R. De Clercq e N. G. W. Rottiers alegam que a obrigação de declaração imposta pelo artigo 141.o da lei‑programa (a seguir «obrigação de declaração em causa») representa um obstáculo desproporcionado à livre prestação de serviços. Salientam que deverá atender‑se ao facto de esta obrigação acrescer à obrigação de declaração do prestador de serviços estrangeiro imposta pelo artigo 139.o da lei‑programa e invocam igualmente o artigo 19.o, alínea a), da Diretiva 2006/123.

    31

    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Comissão/Bélgica (C‑577/10, EU:C:2012:477, n.o 54), a Diretiva 2006/123 pode não ser pertinente no presente caso, dado que os factos imputados são anteriores a 2 de outubro de 2009. Considera, todavia, que deve tomar‑se em consideração a Diretiva 96/71.

    32

    Esse órgão jurisdicional observa que a obrigação, para os utilizadores e comitentes, de comunicação dos dados de identificação dos trabalhadores por conta de outrem destacados não declarados às autoridades belgas pelo respetivo empregador pode ser qualificada, para quem recorra a prestadores de serviços estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o Reino da Bélgica, de restrição à livre prestação de serviços. Indica, no entanto, que, no presente caso, podem existir várias justificações, como a proteção dos trabalhadores por conta de outrem destacados e a necessidade de possuir as informações que permitam exercer um controlo efetivo do respeito da legislação belga aplicável a estes últimos, a prevenção da concorrência desleal, como a luta contra o dumping social, a preservação do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social e a necessidade de prevenir a fraude e de combater os abusos. No entanto, pergunta‑se sobre se a obrigação de declaração em causa e a sanção aplicável ao incumprimento da mesma (a seguir, conjuntamente, «legislação nacional em causa») não vão além do que é necessário para alcançar esses objetivos.

    33

    O órgão jurisdicional de reenvio indica ainda que, na data em que profere a decisão de reenvio, o Tribunal de Justiça ainda não tomou posição no processo Comissão/Bélgica (C‑577/10), que tem igualmente por objeto a lei‑programa. Salienta, no entanto, que este último processo é relativo aos trabalhadores por conta própria, enquanto, no presente caso, estão em causa as obrigações do utilizador final no quadro do destacamento de trabalhadores e de estagiários por conta de outrem, pelo que o presente processo é relativo a disposições da lei‑programa diferentes das que são objeto do processo Comissão/Bélgica.

    34

    Nestas condições, o rechtbank van eerste aanleg te Mechelen (Tribunal de Primeira Instância de Malines) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Devem os artigos 56.° [TFUE] e 57.° TFUE (ex‑artigos 49.° [CE] e 50.° [CE]) e o artigo 3.o, n.os 1 e 10, da [Diretiva 96/71], conjugados ou não com o artigo 19.o da [Diretiva 2006/123], ser interpretados no sentido de que se opõem ao artigo 141.o da [lei‑programa], por força do qual a pessoa a quem, diretamente ou por meio de subcontratação, seja prestado trabalho por trabalhadores por conta de outrem ou estagiários destacados tem a obrigação de comunicar, por via eletrónica (ou, nessa impossibilidade, por fax ou via postal), antes do início da prestação de trabalho, os dados de identificação das pessoas que não estejam em condições de apresentar [o comprovativo de entrega] ao Rijksdienst voor Sociale Zekerheid [Instituto da Segurança Social belga], conjugado com o artigo 157.o da [lei‑programa], e com o artigo 183.o, n.o 1, 1°, do Código Penal Social, que pune o incumprimento com sanções penais?»

    Quanto à questão prejudicial

    35

    A título preliminar, importa salientar, por um lado, que, na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao artigo 157.o da lei‑programa. Este artigo previa, designadamente, a sanção aplicável ao empregador de trabalhadores destacados que viole a obrigação de declaração que lhe incumbe nos termos do artigo 139.o da lei‑programa. Ora, conforme resulta da decisão de reenvio, é a sanção aplicável ao destinatário de serviços que não respeite a obrigação de declaração dos trabalhadores que não tenham sido previamente declarados pelo seu empregador que está em causa no processo principal. Esta sanção estava prevista no artigo 158.o da lei‑programa. Este artigo foi substituído em 1 de julho de 2011 pelo artigo 183.o do Código Penal Social, disposição essa que, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, é aplicável no processo principal nos termos do artigo 2.o, segundo parágrafo, do Código Penal. Por outro lado, embora, como resulta da decisão de reenvio, os arguidos tenham sido acusados de duas infrações perante o órgão jurisdicional nacional, este apenas questiona o Tribunal de Justiça a propósito da infração que consiste na alegada violação do artigo 141.o da lei‑programa.

    36

    Por outro lado, deve desde já especificar‑se que, se bem que, na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio se refira tanto aos trabalhadores como aos estagiários destacados em território belga, as disposições nacionais que lhes são aplicáveis são, mutatis mutandis, idênticas. Assim sendo, os desenvolvimentos subsequentes relativos aos trabalhadores destacados são igualmente válidos para os referidos estagiários, caso o estágio seja realizado nas condições de uma atividade assalariada real e efetiva (v., neste sentido, acórdãos Lawrie‑Blum, 66/85, EU:C:1986:284, n.o 22, e Bernini, C‑3/90, EU:C:1992:89, n.os 14 e 15).

    37

    Nestas circunstâncias, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE, bem como o artigo 3.o, n.os 1 e 10, da Diretiva 96/71, lidos em conjugação ou não com o artigo 19.o da Diretiva 2006/123, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o destinatário de serviços prestados pelos trabalhadores por conta de outrem destacados de um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro tem a obrigação de comunicar às autoridades competentes, antes do início da prestação de trabalho por esses trabalhadores, os dados de identificação destes últimos que não estejam em condições de apresentar o comprovativo de entrega da declaração às autoridades competentes desse Estado‑Membro de acolhimento a que o seu empregador estava obrigado antes do início da referida prestação.

    38

    Os Governos belga, dinamarquês e francês alegam, em substância, que a legislação nacional em causa não pode ser qualificada de obstáculo à livre prestação de serviços e que, em quaisquer circunstâncias, esta legislação é, por um lado, justificada por razões imperiosas de interesse geral atinentes designadamente à proteção dos trabalhadores, à prevenção da concorrência desleal e ao combate à fraude e, por outro, necessária à realização desses objetivos. Além disso, esses governos entendem que, no presente caso, não há que interpretar a Diretiva 96/71 nem a Diretiva 2006/123.

    39

    O Governo austríaco considera, em substância, que a legislação nacional em causa corresponde ao disposto no artigo 5.o da Diretiva 96/71, segundo o qual os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento da mesma.

    40

    E. J. De Clercq, E. A. R. De Clercq e N. G. W. Rottiers alegam, em contrapartida, que esta legislação constitui uma restrição desproporcionada à livre prestação de serviços, contrária aos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE. Acrescentam que a Diretiva 2006/123 proíbe expressamente os Estados‑Membros de imporem uma obrigação de declaração para poderem beneficiar de uma prestação por parte de um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro.

    41

    A Comissão Europeia alega que, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, no presente caso, não há que interpretar o artigo 3.o, n.os 1 e 10, da Diretiva 96/71 e salienta que a Diretiva 2006/123 não é aplicável ratione temporis aos factos no processo principal. Por outro lado, a Comissão considera que a legislação nacional em causa constitui um obstáculo à livre prestação de serviços. Essa legislação pode ser justificada, mas cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar e apreciar concretamente e com exatidão o objetivo prosseguido pela mesma, bem como a sua proporcionalidade.

    Quanto à aplicabilidade do artigo 3.o, n. os 1 e 10, da Diretiva 96/71

    42

    Nos termos da sua epígrafe, o artigo 3.o da Diretiva 96/71 tem por objeto as «[c]ondições de trabalho e emprego» dos trabalhadores destacados.

    43

    Assim, o n.o 1 deste artigo 3.o prevê que os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços, destaquem trabalhadores para o território de outro Estado‑Membro garantam a estes últimos as condições de trabalho e de emprego que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e/ou por convenções coletivas ou decisões arbitrais, na medida em que digam respeito a certas atividades do setor da construção referidas no anexo desta diretiva, e sejam relativas designadamente aos períodos máximos de trabalho e aos períodos mínimos de descanso, à duração mínima das férias anuais remuneradas, às remunerações salariais mínimas e à segurança, saúde e higiene no trabalho.

    44

    De modo semelhante, o n.o 10 do referido artigo 3.o especifica que os Estados‑Membros podem também impor, de forma igual e no respeito pelo Tratado FUE, às empresas nacionais e de outros Estados‑Membros, condições de trabalho e emprego relativas a matérias que não as referidas no n.o 1, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, na medida em que se trate de disposições de ordem pública, bem como de condições de trabalho e emprego fixadas nas convenções coletivas ou decisões arbitrais, relativas a atividades não previstas no anexo da Diretiva 96/71.

    45

    Os n.os 1 e 10 do artigo 3.o da Diretiva 96/71 visam, portanto, garantir aos trabalhadores destacados a aplicação das regras de proteção mínima do Estado‑Membro de acolhimento quanto às condições de trabalho e de emprego relativas às matérias indicadas no referido n.o 1 e, eventualmente, às especificadas pelos Estados‑Membros por força do referido n.o 10, enquanto exercem uma atividade laboral, a título temporário, no território do referido Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Laval un Partneri, C‑341/05, EU:C:2007:809, n.o 76).

    46

    No presente caso, resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a legislação nacional em causa não diz diretamente respeito às condições de trabalho e emprego referidas nessas disposições, mas tende a garantir a eficácia das fiscalizações que podem ser efetuadas pelas autoridades belgas com o objetivo de assegurar o respeito das referidas condições de trabalho e de emprego.

    47

    Ora, o Tribunal de Justiça já decidiu que tais medidas de fiscalização não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 96/71 nem são harmonizadas ao nível da União Europeia, dado que a Diretiva 96/71 visa coordenar as disposições nacionais materiais relativas às condições de trabalho e emprego dos trabalhadores destacados, independentemente das regras administrativas acessórias destinadas a permitir a verificação do cumprimento das referidas condições. Estas medidas podem pois ser livremente definidas pelos Estados‑Membros, cumprindo o Tratado e os princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, acórdão dos Santos Palhota e o., C‑515/08, EU:C:2010:589, n.os 25 a 27).

    48

    Portanto, uma situação como a que está em causa no processo principal não recai no âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.os 1 e 10, da Diretiva 96/71.

    Quanto à aplicabilidade do artigo 19.o da Diretiva 2006/123

    49

    O artigo 16.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2006/123 dispõe que os Estados‑Membros não podem restringir a liberdade de prestar serviços de um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro através da imposição das restrições à livre prestação de serviços referidas no artigo 19.o da mesma diretiva. Ora, como salientam E. J. De Clercq, E. A. R. De Clercq e N. G. W. Rottiers, resulta de uma leitura conjugada do referido artigo 16.o, n.o 2, alínea g), e do artigo 19.o, alínea a), da Diretiva 2006/123 que os Estados‑Membros não podem impor ao destinatário de serviços requisitos que restrinjam a utilização de um serviço fornecido por um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, nomeadamente a obrigação de apresentar uma declaração às autoridades competentes.

    50

    No entanto, cumpre salientar que resulta da decisão de reenvio que os arguidos são acusados por factos ocorridos entre 1 de abril de 2007 e 18 de novembro de 2008, ou seja, antes de ter expirado o prazo de transposição da Diretiva 2006/123, fixado no seu artigo 44.o, n.o 1, em 28 de dezembro de 2009. Esta não é, pois, aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal.

    51

    Nestas condições, não há que tomar em consideração o disposto no artigo 19.o da Diretiva 2006/123 no âmbito da análise da questão prejudicial.

    Quanto aos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE

    52

    A título preliminar, importa salientar que, como resulta da decisão de reenvio, o litígio no processo principal diz respeito aos destinatários de serviços efetuados por uma empresa estabelecida num Estado‑Membro que destacou os seus próprios trabalhadores durante um período determinado para uma empresa do mesmo grupo estabelecida noutro Estado‑Membro com vista à execução de uma prestação de serviços. Dado que o artigo 56.o TFUE confere direitos não apenas ao próprio prestador de serviços mas também ao destinatário desses serviços, essa situação de facto está abrangida pelos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.o 28 e jurisprudência referida, e Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, C‑53/13 e C‑80/13, EU:C:2014:2011, n.o 26 e jurisprudência referida).

    Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços

    53

    Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 56.o TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços, em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e de outros Estados‑Membros, quando seja suscetível de impedir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (v., designadamente, acórdãos dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.o 29 e jurisprudência referida; Comissão/Bélgica, C‑577/10, EU:C:2012:814, n.o 38; e Essent Energie Productie, C‑91/13, EU:C:2014:2206, n.o 44 e jurisprudência referida).

    54

    Além disso, como é recordado no n.o 52 do presente acórdão, o artigo 56.o TFUE confere direitos não apenas ao próprio prestador de serviços mas também ao destinatário desses serviços.

    55

    No presente caso, resulta do artigo 141.o da lei‑programa que a obrigação de declaração em causa implica, para os utilizadores finais ou comitentes, a quem, diretamente ou por meio de subcontratação, seja prestado trabalho por trabalhadores por conta de outrem destacados, verificar, antes do início da prestação de serviços, se esses trabalhadores destacados estão em condições de apresentar o comprovativo de entrega. Se o comprovativo de entrega não puder ser apresentado, estes utilizadores finais ou comitentes têm a obrigação de apresentar, por via eletrónica, uma declaração às autoridades belgas competentes.

    56

    Segundo o artigo 7.o do decreto real, esta declaração deve indicar os dados de identificação do declarante, que podem limitar‑se a um número de empresa ou a um número de identificação na segurança social, os dados de identificação do trabalhador destacado que não pôde apresentar o comprovativo de entrega, que podem eventualmente ser um número de identificação do Registo Nacional ou um «Número do Banque‑Carrefour», bem como os dados de identificação do empregador do trabalhador, que podem igualmente, sendo caso disso, ser um número de empresa ou um número de identificação na segurança social.

    57

    Nos termos dos artigos 101.° e 183.° do Código Penal Social, o incumprimento da obrigação de declaração em causa pelo destinatário dos serviços é punível com pena de multa de 100 euros a 1 000 euros, ou com sanção administrativa de 50 euros a 500 euros, sendo aplicáveis os fatores de correção, e as sanções pecuniárias multiplicadas pelo número de trabalhadores abrangidos.

    58

    A legislação nacional em causa impõe, portanto, aos destinatários de uma prestação de serviços efetuada por trabalhadores destacados ou por um empregador estabelecido num Estado‑Membro que não seja o Reino da Bélgica não apenas que verifiquem, antes do início da prestação, se o próprio empregador dos referidos trabalhadores cumpriu a obrigação de declaração que lhe é imposta pelo artigo 139.o da lei‑programa mas igualmente, se for o caso, que obtenha dos referidos trabalhadores, também antes do início da execução da prestação, os seus dados de identificação e os do seu empregador e que os transmita, juntamente com os seus, às autoridades belgas competentes.

    59

    Há que observar que uma legislação que impõe tais obrigações, cujo incumprimento é passível de sanção penal, pode tornar menos atrativos, para os destinatários de serviços estabelecidos na Bélgica, os serviços prestados por prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros e, consequentemente, dissuadir os referidos destinatários de recorrerem a prestadores de serviços residentes noutros Estados‑Membros.

    60

    Portanto, esta legislação constitui uma restrição à livre prestação de serviços na aceção do artigo 57.o TFUE, proibida, em princípio, pelo artigo 56.o TFUE.

    61

    Esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação do Governo belga segundo a qual, em substância, os efeitos da referida legislação são negligenciáveis, uma vez que apenas é pedida a comunicação de um número limitado de informações, que a obrigação de declaração em causa é puramente declarativa e que é efetuada a título subsidiário. A este respeito, basta recordar que, em quaisquer circunstâncias, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é, em princípio, proibida pelo Tratado [acórdãos Corsica Ferries (France), C‑49/89, EU:C:1989:649, n.o 8, e Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, EU:C:2014:2011, n.o 42].

    Quanto à justificação da restrição à livre prestação de serviços

    62

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional num domínio que não tenha sido objeto de harmonização a nível da União e que se aplique indistintamente a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma atividade no território do Estado‑Membro em causa pode, apesar do seu efeito restritivo para a livre prestação de serviços, ser justificada na medida em que corresponda a uma razão imperiosa de interesse geral e que este interesse não esteja já salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado‑Membro onde está estabelecido, que seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e que não ultrapasse aquilo que é necessário para o alcançar (acórdãos Arblade e o., C‑369/96 e C‑376/96, EU:C:1999:575, n.os 34 e 35; dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.o 45 e jurisprudência referida; e Comissão/Bélgica, EU:C:2012:814, n.o 44).

    63

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça já decidiu que, no tocante à possibilidade de as autoridades do Estado‑Membro em cujo território o serviço é prestado efetuarem fiscalizações destinadas a assegurar a observância dos direitos que a legislação nacional do referido Estado‑Membro confere aos trabalhadores no seu território, as empresas estabelecidas no Estado‑Membro no território do qual a prestação é efetuada e as estabelecidas noutro Estado‑Membro e que enviam trabalhadores para o território desse primeiro Estado‑Membro, para aí prestarem um serviço, encontram‑se em situações objetivamente diferentes (v., neste sentido, acórdãos Finalarte e o., C‑49/98, C‑50/98, C‑52/98 a C‑54/98 e C‑68/98 a C‑71/98, EU:C:2001:564, n.os 63, 64 e 73, e Comissão/Bélgica, EU:C:2012:814, n.o 48).

    64

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio entende que a legislação nacional em causa pode ser justificada pela proteção dos trabalhadores assalariados destacados, pela necessidade de poder exercer um controlo efetivo do respeito da legislação belga aplicável a estes últimos, pela prevenção da concorrência desleal, como a luta contra o dumping social, pela preservação do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social ou ainda pela necessidade de prevenir a fraude e de combater os abusos. O Governo belga alega igualmente que a legislação nacional em causa é justificada pelos objetivos de proteção dos trabalhadores, de prevenção da concorrência desleal e de combate à fraude.

    65

    A este propósito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que, entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição à liberdade de prestação de serviços, figura a proteção dos trabalhadores (acórdão dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.o 47 e jurisprudência referida), a prevenção da concorrência desleal por parte de empresas que remuneram os seus trabalhadores destacados a um nível inferior ao correspondente ao salário mínimo, na medida em que este objetivo faz parte de um objetivo de proteção dos trabalhadores através da luta contra o dumping social (v., neste sentido, acórdão Wolff & Müller, C‑60/03, EU:C:2004:610, n.os 35, 36 e 41), bem como a luta contra a fraude, designadamente social, e a prevenção dos abusos, em especial o combate ao trabalho dissimulado, na medida em que este objetivo possa estar ligado ao objetivo de proteção do equilíbrio financeiro dos regimes de segurança social (v., neste sentido, acórdão Rüffert, C‑346/06, EU:C:2008:189, n.o 42 e jurisprudência referida).

    66

    De igual modo, o Tribunal de Justiça reconheceu aos Estados‑Membros a faculdade de verificar o respeito das disposições nacionais e do direito da União em matéria de prestação de serviços e admitiu que as razões imperiosas de interesse geral que justificam as disposições materiais de uma legislação podem igualmente justificar as medidas de controlo necessárias para assegurar o respeito das mesmas (v., neste sentido, acórdãos Arblade e o., EU:C:1999:575, n.o 38 e jurisprudência referida, e dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.o 48).

    67

    Neste contexto, importa recordar que, a propósito da obrigação de declaração prévia imposta, em substância, pelo artigo 153.o da lei‑programa aos prestadores de serviços independentes legalmente estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o Reino da Bélgica e que pretendam prestar serviços na Bélgica com caráter temporário, o Tribunal de Justiça decidiu que o Reino da Bélgica podia invocar, como justificação para o obstáculo à livre prestação de serviços causado por esta disposição, o objetivo de combate à fraude, nomeadamente social, de prevenção dos abusos e de proteção dos trabalhadores (v., neste sentido, acórdão Comissão/Bélgica, EU:C:2012:814, n.o 45).

    68

    No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a obrigação de declaração em causa é imposta ao destinatário dos serviços e completa a obrigação de declaração prévia já imposta ao empregador dos trabalhadores destacados. Além disso, há que sublinhar que, especialmente em matéria de direito do trabalho, os trabalhadores destacados no território belga pelo seu empregador estabelecido noutro Estado‑Membro beneficiam, em princípio, designadamente por força da Diretiva 96/71, de certos direitos sociais cujo respeito a legislação nacional em causa visa assegurar.

    69

    Daí resulta que os objetivos de proteção dos trabalhadores destacados e de combate à fraude, invocados no presente caso pelo Governo belga, são suscetíveis de justificar igualmente a legislação nacional em causa e que esta, na medida em que constitui uma medida de controlo necessária para assegurar o respeito das referidas razões imperiosas de interesse geral, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 65 e 66 do presente acórdão, é, a priori, adequada para garantir a realização desses objetivos.

    70

    Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esta legislação é proporcionada à realização dos objetivos identificados, tendo em conta todos os elementos relevantes (v., neste sentido, acórdãos Finalarte e o., EU:C:2001:564, n.o 49, e International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 84).

    71

    Para efeitos dessa avaliação, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que uma obrigação imposta a um empregador estabelecido noutro Estado‑Membro de comunicar, antes de um destacamento, às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento a presença de um ou mais trabalhadores por conta de outrem a destacar, a duração prevista dessa presença e a prestação ou as prestações de serviços que justificam o destacamento constitui uma medida eficaz e proporcionada suscetível de permitir a essas autoridades, por um lado, fiscalizar o cumprimento da legislação social e salarial do Estado‑Membro de acolhimento durante o destacamento, tendo em conta as obrigações a que a empresa já está sujeita nos termos das regras de direito social aplicáveis no Estado‑Membro de origem e, por outro, combater a fraude (v., neste sentido, acórdão dos Santos Palhota e o., EU:C:2010:589, n.os 51, 53, 54 e jurisprudência referida).

    72

    Ora, como indica o Governo belga, a legislação nacional em causa, na medida em que implica um controlo da obrigação de declaração que incumbe ao empregador de trabalhadores temporariamente destacados no território belga, pode ser considerada o corolário dessa obrigação, necessária para alcançar os objetivos prosseguidos pelo sistema Limosa.

    73

    Pode recordar‑se igualmente que a aplicação de sanções, incluindo de natureza penal, pode ser considerada necessária para garantir o respeito efetivo de uma legislação nacional, desde que a natureza e o montante da sanção aplicada sejam, em cada um destes casos, proporcionados à gravidade da infração que visa punir (v., neste sentido, acórdãos Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.os 69 e 70, e Comissão/Grécia, C‑156/04, EU:C:2007:316, n.o 72).

    74

    À luz destes elementos, afigura‑se que a legislação nacional em causa é suscetível de ser proporcionada aos objetivos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelo Governo belga, o que todavia cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

    75

    Tendo em conta todas as observações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal por força da qual o destinatário de serviços prestados pelos trabalhadores por conta de outrem destacados de um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro tem a obrigação de comunicar às autoridades competentes, antes do início da prestação de trabalho por esses trabalhadores, os dados de identificação destes últimos que não estejam em condições de apresentar o comprovativo de entrega da declaração às autoridades competentes deste Estado‑Membro de acolhimento a que o seu empregador estava obrigado, antes do início da referida prestação, uma vez que essa legislação pode ser justificada ao abrigo da proteção de uma razão imperiosa de interesse geral, como a proteção dos trabalhadores ou o combate à fraude social, desde que se demonstre que é adequada para garantir a realização do objetivo ou dos objetivos legítimos prosseguidos e não exceda o que é necessário para os alcançar, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

    Quanto às despesas

    76

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    Os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal por força da qual o destinatário de serviços prestados pelos trabalhadores por conta de outrem destacados de um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro tem a obrigação de comunicar às autoridades competentes, antes do início da prestação de trabalho por esses trabalhadores, os dados de identificação destes últimos que não estejam em condições de apresentar o comprovativo de entrega da declaração às autoridades competentes deste Estado‑Membro de acolhimento a que o seu empregador estava obrigado, antes do início da referida prestação, uma vez que essa legislação pode ser justificada ao abrigo da proteção de uma razão imperiosa de interesse geral, como a proteção dos trabalhadores ou o combate à fraude social, desde que se demonstre que é adequada para garantir a realização do objetivo ou dos objetivos legítimos prosseguidos e não exceda o que é necessário para os alcançar, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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