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Document 62013CJ0268

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de outubro de 2014.
Elena Petru contra Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu e Casa Naţională de Asigurări de Sănătate.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Sibiu.
Reenvio prejudicial – Segurança social – Regulamento (CEE) n.° 1408/71 – Artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo – Seguro de doença – Tratamentos hospitalares dispensados noutro Estado‑Membro – Recusa de autorização prévia – Falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade.
Processo C‑268/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2271

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

9 de outubro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo — Seguro de doença — Tratamentos hospitalares dispensados noutro Estado‑Membro — Recusa de autorização prévia — Falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade»

No processo C‑268/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Sibiu (Roménia), por decisão de 7 de maio de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de maio de 2013, no processo

Elena Petru

contra

Casa Județeană de Asigurări de Sănătate Sibiu,

Casa Națională de Asigurări de Sănătate,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de março de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E. Petru, por R. Giura, avocat,

em representação da Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu e da Casa Naţională de Asigurări de Sănătate, por F. Cioloboc, C. Fechete e L. Bogdan, na qualidade de agentes,

em representação do Governo romeno, por R.‑I. Hațieganu, A.‑L. Crişan e R.‑H. Radu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. Beeko, na qualidade de agente, assistida por M. Gray, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por C. Gheorghiu e D. Martin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de junho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Elena Petru à Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu (Caixa Regional de Seguro de Doença de Sibiu) e à Casa Naţională de Asigurări de Sănătate (Caixa Nacional de Seguro de Doença), a respeito de tratamentos hospitalares administrados na Alemanha, para os quais pede o reembolso a título de indemnização.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O Regulamento n.o 1408/71, no seu artigo 22.o, com a epígrafe «Estada fora do Estado competente — Regresso ou transferência de residência para outro Estado‑Membro no decurso de uma doença ou maternidade — Necessidade de se deslocar a outro Estado‑Membro a fim de receber tratamentos adequados», dispõe:

«1.   O trabalhador assalariado ou não assalariado que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações, tendo em conta, quando necessário, o disposto no artigo 18.o, e:

[...]

c)

Que seja autorizado pela instituição competente a deslocar‑se ao território de outro Estado‑Membro a fim de nele receber tratamentos adequados ao seu estado,

terá direito:

i)

Às prestações em espécie concedidas, por conta da instituição competente, pela instituição do lugar de estada […], nos termos da legislação aplicada por esta instituição, como se nela estivesse inscrito, sendo, no entanto, o período de concessão das prestações regulado pela legislaç[ão] do Estado competente;

[...]

2.   [...]

A autorização exigida nos termos do n.o 1, alínea c), não pode ser recusada quando os tratamentos em causa figurarem entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside o interessado e se os mesmos tratamentos não puderem, tendo em conta o seu estado atual de saúde e a evolução provável da doença, ser‑lhe dispensados no prazo normalmente necessário para obter o tratamento em causa no Estado‑Membro de residência.

3.   Os n.os 1 [...] e 2 são aplicáveis, por analogia, aos membros da família de um trabalhador assalariado ou não assalariado.

[...]»

4

Com base no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156), a Comissão Administrativa para a Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes, referida no artigo 80.o do Regulamento n.o 1408/71, adotou um modelo para o certificado necessário à aplicação do artigo 22.o, n.o 1, alínea c), i), deste último regulamento, a saber, o formulário E 112.

Direito romeno

5

O artigo 208.o, n.o 3, da Lei n.o 95/2006, relativa à reforma do sistema de saúde (Legea nr. 95/2006 privind reforma în domeniul sănătăţii, Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 372, de 28 de abril de 2006), prevê:

«O seguro de doença é obrigatório e funciona como um sistema unitário, sendo os objetivos previstos no n.o 2 alcançados segundo os seguintes princípios:

a)

livre escolha da entidade seguradora pelos beneficiários;

b)

solidariedade e subsidiariedade na constituição e na utilização dos fundos;

c)

livre escolha, pelos beneficiários, dos seus fornecedores de prestações médicas, de medicamentos e dos dispositivos médicos, nas condições previstas na presente lei e no contrato‑quadro;

d)

descentralização e autonomia de direção e de gestão;

e)

participação obrigatória no pagamento de quotizações para o Fundo Nacional Único de Seguro de Doença;

f)

participação dos beneficiários, do Estado e dos empregadores na gestão do Fundo Nacional Único de Seguro de Doença;

g)

direito de qualquer beneficiário de beneficiar de um conjunto de prestações médicas de base, de maneira equitativa e não discriminatória;

h)

transparência da atividade do sistema de seguro de doença;

i)

livre concorrência entre os prestadores que celebram contratos com as caixas de seguro de doença.»

6

Nos termos do artigo 40.o, n.o 1, alínea b), do anexo da Decisão n.o 592/2008 do presidente da Caixa Nacional de Seguro de Doença (Ordinul preşedintelui Casei Naţionale de Asigurări de Sănătate nr. 592/2008), de 26 de agosto de 2008, que aprova as modalidades de utilização, no âmbito do regime de seguro de doença romeno, dos formulários emitidos em aplicação do Regulamento n.o 1408/71, bem como do Regulamento n.o 574/72 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 648, de 11 de setembro de 2008), alterado pela Decisão n.o 575/2009 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 312, de 12 de maio de 2009; retificação publicada no Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 461, de 3 de julho de 2009):

«O formulário E 112 destina‑se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos membros da sua família autorizados pela instituição competente a deslocarem‑se a outro Estado‑Membro a fim de receberem tratamentos médicos.»

7

O artigo 40.o, n.o 3, deste regulamento prevê:

«A emissão do formulário E 112 no caso previsto no n.o 1, alínea b), só poderá ser recusada pela instituição competente se os tratamentos em causa figurarem entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside o interessado e se os mesmos tratamentos não puderem, tendo em conta o seu estado atual de saúde e a evolução provável da doença, ser‑lhe dispensados no Estado‑Membro de residência, no prazo normalmente necessário para obter o tratamento em causa.»

8

O artigo 8.o, n.o 1, do anexo da Decisão n.o 729/2009 da Caixa Nacional de Seguro de Doença, que aprova as regras de reembolso e de restituição das despesas de tratamentos médicos dispensados com base em instrumentos internacionais em matéria de saúde, nos quais a Roménia seja parte (Ordinul nr. 729/2009 al Casei Naţionale a Asigurărilor de Sănătate pentru aprobarea Normelor metodologice privind rambursarea şi recuperarea cheltuielilor reprezentând asistenţa medicală acordată în baza documentelor internaţionale cu prevederi în domeniul sănătăţii la care România este parte), de 17 de julho de 2009 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 545, de 5 de agosto de 2009), dispõe:

«Se um beneficiário inscrito no regime de seguro de doença romeno se deslocar a outro Estado‑Membro da União Europeia para receber tratamentos médicos, sem a autorização prévia da caixa de seguro de doença em que está inscrito, suportará o custo dos serviços médicos prestados.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

9

Resulta da decisão de reenvio que E. Petru sofre, desde há vários anos, de patologias vasculares graves. Em 2007, teve um enfarte do miocárdio, na sequência do qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica. Tendo o seu estado de saúde piorado ao longo do ano de 2009, foi hospitalizada no Institutul de Boli Cardiovasculare (Instituto de Doenças Cardiovasculares) de Timișoara (Roménia). Os exames médicos a que se submeteu conduziram à decisão de proceder a uma operação de coração aberto, para substituir a válvula mitral e implantar duas endopróteses vasculares.

10

Considerando que as condições materiais deste estabelecimento hospitalar eram precárias para a realização dessa intervenção cirúrgica, E. Petru decidiu recorrer a uma clínica na Alemanha, onde veio a realizar‑se a referida operação. O custo da mesma e da hospitalização pós‑operatória ascendeu ao montante total de 17714,70 euros.

11

Antes de ir para a Alemanha, E. Petru solicitou à Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu, por meio do formulário E 112, que suportasse o custo da intervenção. O seu pedido, registado em 2 de março de 2009, foi indeferido com o fundamento de que não resultava do relatório do médico assistente que a prestação solicitada, que faz parte das prestações de base, não podia ser efetuada numa unidade de saúde da Roménia, num prazo razoável, atendendo ao seu atual estado de saúde e à evolução da sua doença.

12

Em 2 de novembro de 2011, E. Petru intentou uma ação cível tendo em vista obter a condenação da Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu e da Casa Naţională de Asigurări de Sănătate no pagamento do equivalente em lei romenos a 17 714,70 euros, a título de indemnização. Em apoio deste pedido, alegou que as condições de hospitalização no Institutul de Boli Cardiovasculare de Timișoara eram particularmente precárias, havia falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade, o número de camas era insuficiente e que, dada a complexidade da intervenção a realizar e a estas más condições, tinha decidido deixar este estabelecimento e entrar numa clínica na Alemanha.

13

Tendo o tribunal de primeira instância, por sentença de 5 de outubro de 2012, considerado improcedente a sua ação, E. Petru interpôs recurso dessa decisão para o Tribunalul Sibiu (Tribunal de Grande Instância de Sibiu).

14

Em apoio desse recurso, E. Petru invocou o artigo 208.o, n.o 3, da Lei n.o 95/2006, o artigo 22.o, n.os 1, alínea c), e 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71 e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

15

As recorridas no processo principal pediram que fosse negado provimento a esse recurso, alegando que E. Petru não preenchia os requisitos para a emissão do formulário E 112 e que não tinha provado a impossibilidade de beneficiar, na Roménia, da prestação médica em causa, num prazo razoável. Invocaram as disposições dos Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72, da Lei n.o 95/2006 e da Decisão n.o 592/2008, conforme alterada pela Decisão n.o 575/2009, e do artigo 8.o da Decisão n.o 729/2009.

16

O órgão jurisdicional de reenvio expõe que as partes no processo principal divergem quanto à interpretação das disposições nacionais e do direito da União aplicáveis ao litígio sobre o qual é chamado a pronunciar‑se e que a solução do mesmo depende da interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 1408/71.

17

Foi nestas circunstâncias que o Tribunalul Sibiu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A impossibilidade de prestar cuidados médicos [a um beneficiário da segurança social] no território do Estado onde reside, na aceção do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do [Regulamento n.o 1408/71], deve ser interpretada de maneira absoluta ou de maneira razoável? Dito de outra forma, uma situação em que, embora a intervenção cirúrgica possa ser efetuada no Estado de residência em tempo útil e de modo satisfatório do ponto de vista técnico, uma vez que existem os especialistas necessários e o mesmo nível de conhecimentos científicos, mas em que faltam medicamentos e produtos médicos de primeira necessidade, pode ser equiparada a uma situação em que os cuidados médicos necessários não podem ser assegurados na aceção das disposições do artigo mencionado?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

18

O Governo romeno, recordando que compete ao órgão jurisdicional de reenvio definir, no seu pedido de decisão prejudicial, o quadro factual em que se inserem as questões que submete ao Tribunal de Justiça, observa que, no caso concreto, o órgão jurisdicional de reenvio não expôs os factos do litígio no processo principal tal como foram provados pelos elementos de prova produzidos perante esse órgão, tendo‑se limitado a reproduzir as afirmações das partes. Ora, segundo a Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu e a Casa Naţională de Asigurări de Sănătate, os factos alegados por E. Petru a respeito da falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade, subjacentes à questão colocada, são infirmados por esses elementos de prova, de forma que esta questão não tem nenhuma utilidade para a solução do referido litígio.

19

Por outro lado, o Governo romeno salienta que o órgão jurisdicional de reenvio não explicou as razões por que considera que uma resposta à sua questão é necessária para a solução do litígio no processo principal.

20

A este respeito, importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução dos litígios que são chamados a decidir (acórdãos Geistbeck, C‑509/10, EU:C:2012:416, n.o 47, e Impacto Azul, C‑186/12, EU:C:2013:412, n.o 26).

21

No âmbito desta cooperação, é da competência exclusiva do juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, à luz das particularidades do processo nele pendente, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 59, e Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, EU:C:2006:784, n.o 16).

22

Para permitir ao Tribunal de Justiça fornecer uma interpretação do direito da União que seja útil para o juiz nacional, o artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça prevê que o pedido de decisão prejudicial deve conter, nomeadamente, uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, pelo menos, uma exposição dos dados factuais em que assentam as questões, e ainda uma exposição das razões que conduziram o referido órgão jurisdicional a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

23

Uma vez que as questões relativas ao direito da União beneficiam de uma presunção de pertinência, o Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., nomeadamente, acórdãos Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 25, e Chartered Institute of Patent Attorneys, C‑307/10, EU:C:2012:361, n.o 32).

24

Não é o que se verifica no caso vertente.

25

Com efeito, por um lado, quanto aos factos do litígio no processo principal, a decisão de reenvio contém, sob o título «Petição inicial», a exposição das alegações de E. Petru e, sob o título «Factos», a exposição dos elementos factuais resumidos nos n.os 9 a 11 do presente acórdão. Embora, na decisão, o órgão jurisdicional de reenvio não se pronuncie sobre as provas produzidas pelas partes para provar ou refutar essas alegações e, por conseguinte, não constate, nessa fase do processo, a falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade subjacentes à questão prejudicial, expõe, ainda assim, pelo menos, os dados factuais nos quais assenta a questão.

26

Por outro lado, quanto às razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação do artigo 22.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71, resulta da decisão de reenvio que, uma vez que as partes em litígio divergem quanto à interpretação desta disposição, o referido órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a referida disposição se aplica quando a impossibilidade de dispensar os tratamentos em causa no Estado‑Membro de residência resulta da falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade e considera que a solução a proferir no processo principal depende da resposta a dar a essa questão.

27

Assim, a interpretação solicitada não é manifestamente desprovida de relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, e o problema suscitado não é hipotético, mas está relacionado com os factos discutidos pelas partes no processo principal, factos que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar. Além disso, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para responder de forma útil à questão colocada.

28

Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

29

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 22.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que a autorização exigida nos termos do n.o 1, alínea c), i), do mesmo artigo não pode ser recusada quando os tratamentos hospitalares em causa não puderem ser dispensados em tempo oportuno, no Estado‑Membro de residência do beneficiário da segurança social, por falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade.

30

Há que recordar que o artigo 22.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71 enuncia dois requisitos cujo preenchimento obriga à emissão, pela instituição competente, da autorização prévia pedida com base no n.o 1, alínea c), i), do mesmo artigo. O primeiro requisito exige que os tratamentos em causa figurem entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside o beneficiário da segurança social. O segundo requisito exige que os tratamentos que o beneficiário pretende receber num Estado‑Membro diferente daquele em cujo território reside não possam, atendendo ao seu estado atual de saúde e à evolução da sua doença, ser‑lhe dispensados no prazo normalmente necessário para obter o tratamento em causa no Estado‑Membro de residência (v., neste sentido, acórdão Elchinov, C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida).

31

No que respeita a este segundo requisito, sobre o qual versa a questão prejudicial, o Tribunal de Justiça já decidiu que a autorização exigida não pode ser recusada quando, no Estado‑Membro em cujo território o interessado reside, não puder ser obtido, em tempo oportuno, um tratamento idêntico ou com o mesmo grau de eficácia (v., neste sentido, acórdãos Inizan, C‑56/01, EU:C:2003:578, n.os 45 e 60; Watts, C‑372/04, EU:C:2006:325, n.o 61; e Elchinov, EU:C:2010:581, n.o 65).

32

A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, para apreciar se um tratamento que apresenta o mesmo grau de eficácia pode ser obtido em tempo útil, no Estado‑Membro de residência, a instituição competente é obrigada a atender a todas as circunstâncias que caracterizam cada caso concreto, tendo devidamente em conta não apenas a situação médica do paciente no momento em que a autorização é solicitada e, eventualmente, o grau de dor ou a natureza da deficiência deste último, que pode, por exemplo, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício de uma atividade profissional, mas igualmente os seus antecedentes (acórdãos Inizan, EU:C:2003:578, n.o 46; Watts, EU:C:2006:325, n.o 62; e Elchinov, EU:C:2010:581, n.o 66).

33

Neste conjunto de circunstâncias que a instituição competente é obrigada a ter em consideração pode figurar o caso concreto de falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade, como o invocado no processo principal. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 25 das suas conclusões, o artigo 22.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71 não distingue consoante os diferentes motivos pelos quais uma determinada prestação médica não pode ser realizada atempadamente. Ora, essa falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade pode, evidentemente, como a falta de equipamento específico ou de competências especializadas, impossibilitar que se dispensem tratamentos idênticos ou com o mesmo grau de eficácia, em tempo oportuno, no Estado‑Membro de residência.

34

Contudo, como alegam os Governos romeno e do Reino Unido e a Comissão Europeia, decorre da jurisprudência referida no n.o 31 do presente acórdão que essa impossibilidade deve ser apreciada, por um lado, em relação à totalidade dos estabelecimentos hospitalares do Estado‑Membro de residência aptos a dispensar os tratamentos em causa e, por outro, tendo em conta o lapso de tempo durante o qual estes últimos podem ser obtidos atempadamente.

35

No que respeita ao processo principal, o Governo romeno observa que E. Petru tinha o direito de se dirigir a qualquer outro estabelecimento de tratamentos na Roménia que dispusesse do equipamento necessário à realização da intervenção de que necessitava. Salienta também, como as recorridas no processo principal, que o relatório do médico assistente referia que esta intervenção devia ser efetuada no prazo de três meses. Assim, embora os factos alegados por E. Petru relativamente à falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade no Institutul de Boli Cardiovasculare de Timișoara estejam provados, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se essa intervenção não poderia ter sido realizada dentro desse prazo noutro estabelecimento hospitalar na Roménia.

36

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 22.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que a autorização exigida nos termos do n.o 1, alínea c), i), do mesmo artigo não pode ser recusada quando os tratamentos hospitalares em causa não puderem ser dispensados em tempo oportuno, no Estado‑Membro de residência do beneficiário da segurança social, por falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade. Esta impossibilidade deve ser apreciada em relação à totalidade dos estabelecimentos hospitalares deste Estado‑Membro aptos a dispensar os tratamentos em causa e tendo em conta o lapso de tempo durante o qual estes podem ser obtidos atempadamente.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, deve ser interpretado no sentido de que a autorização exigida nos termos do n.o 1, alínea c), i), do mesmo artigo não pode ser recusada quando os tratamentos hospitalares em causa não puderem ser dispensados em tempo oportuno, no Estado‑Membro de residência do beneficiário da segurança social, por falta de medicamentos e de material médico de primeira necessidade. Esta impossibilidade deve ser apreciada em relação à totalidade dos estabelecimentos hospitalares deste Estado‑Membro aptos a dispensar os tratamentos em causa e tendo em conta o lapso de tempo durante o qual estes podem ser obtidos atempadamente.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.

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