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Document 62013CJ0179

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 15 de Janeiro de 2015.
Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank contra L. F. Evans.
Pedido de decisão prejudicial: Centrale Raad van Beroep - Países Baixos.
Reenvio prejudicial - Determinação da legislação aplicável a um trabalhador no domínio da segurança social - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Aplicabilidade - Emprego de um nacional de um Estado-Membro no consulado de um Estado terceiro estabelecido no território de outro Estado-Membro em cujo território reside - Convenção de Viena sobre Relações Consulares - Artigo 71.º, n.º 2 - Legislação nacional que concede facilidades, privilégios e imunidades aos residentes permanentes.
Processo C-179/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:12

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

15 de janeiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Determinação da legislação aplicável a um trabalhador no domínio da segurança social — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Aplicabilidade — Emprego de um nacional de um Estado‑Membro no consulado de um Estado terceiro estabelecido no território de outro Estado‑Membro em cujo território reside — Convenção de Viena sobre Relações Consulares — Artigo 71.o, n.o 2 — Legislação nacional que concede facilidades, privilégios e imunidades aos residentes permanentes»

No processo C‑179/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos), por decisão de 9 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de abril de 2013, no processo

Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank

contra

L. F. Evans,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, A. Rosas, E. Juhász e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de abril de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank, por H. van der Most,

em representação de L. F. Evans, por N. Matt, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, M. Bulterman e M. Gijzen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente, assistido por A. Silva Rocha, Professor,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de junho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, 3.° e/ou 16.° do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO L 392, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), bem como, subsidiariamente, do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank (Conselho de Administração da Segurança Social, a seguir «Svb») a L. F. Evans, de nacionalidade britânica, a respeito do cálculo dos direitos à pensão relativos ao período durante o qual trabalhou para o Consulado‑Geral dos Estados Unidos da América em Amsterdão (Países Baixos) e beneficiava de um estatuto privilegiado graças ao qual estava isenta, nomeadamente, de qualquer contribuição para a segurança social, não estando, portanto, inscrita no regime neerlandês de segurança social.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A Convenção de Viena sobre Relações Consulares, celebrada em Viena, em 24 de abril de 1963 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 596, p. 261, a seguir «Convenção de Viena de 1963»), dispõe, no seu artigo 1.o, n.os 1 e 3:

«1.   Para os efeitos da presente Convenção, as expressões abaixo devem ser entendidas como a seguir se explica:

a)

por ‘posto consular’, todo o consulado‑geral, consulado, vice‑consulado ou agência consular;

[…]

c)

por ‘chefe de posto consular’, a pessoa encarregada de agir nessa qualidade;

d)

por ‘funcionário consular’, toda a pessoa, incluindo o chefe do posto consular, encarregada nesta qualidade do exercício de funções consulares;

e)

por ‘empregado consular’, toda a pessoa empregada nos serviços administrativos ou técnicos de um posto consular;

f)

por ‘membro do pessoal de serviço’, toda a pessoa empregada no serviço doméstico de um posto consular;

g)

por ‘membro do posto consular’, os funcionários consulares, empregados consulares e membros do pessoal de serviço;

h)

por ‘membros do pessoal consular’, os funcionários consulares, com exceção do chefe do posto consular, os empregados consulares e os membros do pessoal de serviço;

i)

por ‘membro do pessoal privativo’, a pessoa empregada exclusivamente no serviço particular de um membro do posto consular;

[…]

3.   A situação peculiar dos membros dos postos consulares que são nacionais ou residentes permanentes do Estado recetor rege‑se pelo artigo 71.o da presente Convenção.»

4

O artigo 48.o desta Convenção, com a epígrafe «Isenção do regime de previdência social», tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do disposto no parágrafo 3 do presente artigo, os membros do posto consular, pelo que respeita aos serviços prestados ao Estado que envia, e os membros da sua família que com eles vivam, estarão isentos das disposições de previdência social em vigor no Estado recetor.

2.   A isenção prevista no parágrafo 1 do presente artigo aplicar‑se‑á também aos membros do pessoal privativo que estejam ao serviço exclusivo dos membros do posto consular, sempre que:

a)

não sejam nacionais do Estado recetor ou nele não residam permanentemente;

b)

estejam protegidos pelas disposições sobre previdência social vigentes no Estado que envia ou num terceiro Estado.

3.   Os membros do posto consular que empregam pessoas às quais não se aplique a isenção prevista no parágrafo 2 do presente artigo devem cumprir as obrigações impostas aos empregadores pelas disposições de previdência social do Estado recetor.

4.   A isenção prevista nos parágrafos 1 e 2 do presente artigo não exclui a participação voluntária no regime de previdência social do Estado recetor, desde que seja permitida por este Estado.»

5

O artigo 71.o da referida Convenção, com a epígrafe «Nacionais ou residentes permanentes do Estado recetor», enuncia:

«1.   Salvo se o Estado recetor conceder outras facilidades, privilégios e imunidades, os funcionários consulares que sejam nacionais ou residentes permanentes desse Estado só beneficiarão de imunidade de jurisdição e de inviolabilidade pessoal pelos atos oficiais realizados no exercício de suas funções e do privilégio previsto no parágrafo 3 do artigo 44.o Pelo que respeita a esses funcionários consulares, o Estado recetor deverá igualmente cumprir a obrigação prevista no artigo 42.o Se um processo penal for instaurado contra esses funcionários consulares, as diligências deverão ser conduzidas, salvo se o interessado estiver preso ou detido, de modo a que se perturbe o menos possível o exercício das funções consulares.

2.   Os demais membros do posto consular que sejam nacionais ou residentes permanentes do Estado recetor e os membros da sua família […] só gozarão de facilidades, privilégios e imunidades na medida em que o Estado recetor lhos reconheça. […]»

6

O Reino dos Países Baixos depositou o seu instrumento de ratificação da Convenção de Viena de 1963 junto do Secretário‑Geral das Nações Unidas, em 17 de dezembro de 1985, tendo esta entrado em vigor, a seu respeito, em 16 de janeiro de 1986.

Direito da União

Regulamento n.o 1612/68

7

Nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

Regulamento n.o 1408/71

8

O quinto e oitavo considerandos do Regulamento n.o 1408/71 estão assim redigidos:

«Considerando que é conveniente, no âmbito desta coordenação, garantir no interior da Comunidade aos trabalhadores dos Estados‑Membros, às pessoas que deles dependam e aos seus sobreviventes, a igualdade de tratamento perante as diferentes legislações nacionais.

[...]

Considerando que convém subordinar os trabalhadores assalariados e não assalariados que se deslocam no interior da Comunidade ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, por forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem decorrer.»

9

O artigo 1.o, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 dispõe que, para efeitos da aplicação deste regulamento, a expressão «trabalhador assalariado» designa, nomeadamente, qualquer pessoa que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados.

10

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família.»

11

O artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«As pessoas às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado‑Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.»

12

No título II, com a epígrafe «Determinação da legislação aplicável», o artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Regras gerais», enuncia:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°‑C e 14.°‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título;

2.   Sem prejuízo dos artigos 14.° a 17.°:

a)

a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[...]»

13

O artigo 16.o do referido regulamento, intitulado «Regras especiais relativas ao pessoal em serviço nas missões diplomáticas e nos postos consulares, assim como aos agentes auxiliares das Comunidades Europeias», tem a seguinte redação:

«1.   O disposto no n.o 2, alínea a), do artigo 13.o aplica‑se aos membros do pessoal em serviço nas missões diplomáticas ou postos consulares e aos trabalhadores domésticos ao serviço pessoal de agentes dessas missões ou postos.

2.   Todavia, os trabalhadores referidos no n.o 1 que sejam nacionais do Estado‑Membro acreditante ou do Estado‑Membro que os envia podem optar pela aplicação deste Estado. Este direito de opção pode novamente ser exercido no fim de cada ano civil e não tem efeitos retroativos.

[...]»

14

O Regulamento n.o 1408/71 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos regimes de segurança social (JO L 166, p. 1). Todavia, este regulamento não é aplicável ao litígio no processo principal.

Direito neerlandês

15

O artigo 6.o, n.o 1, da Lei relativa ao regime geral das pensões de velhice (Algemene Ouderdomswet, Stb. 1956, n.o 281, a seguir «AOW») prevê que estão cobertos pelo regime de segurança social neerlandês, nomeadamente, os residentes neerlandeses. O n.o 3 deste artigo enuncia que «a categoria dos beneficiários pode ser alargada ou limitada por medida geral administrativa ou nos termos desta, em derrogação dos n.os 1 e 2».

16

Com base no artigo 6.o, n.o 3, da AOW, as autoridades neerlandesas adotaram vários decretos de alargamento e de restrição da categoria de beneficiários do regime geral de segurança social, durante os anos de 1976, 1989 e 1998.

17

Em conformidade com estes decretos de alargamento e de restrição da categoria de beneficiários do regime geral de segurança social, os agentes e empregados consulares, entre os quais os membros do pessoal administrativo, não estão cobertos pelo regime geral de segurança social, salvo se tiverem a nacionalidade neerlandesa ou, segundo os decretos em vigor a partir de 1 de julho de 1989, se residirem de forma permanente nos Países Baixos.

18

Relativamente a este estatuto de residente permanente, as autoridades neerlandesas consideraram inicialmente que os empregados consulares, na aceção do artigo 1.o, alínea e), da Convenção de Viena de 1963, residentes nos Países Baixos, mas de nacionalidade estrangeira, não podiam ser considerados residentes permanentes para efeitos dos artigos 1.°, n.o 3, e 71.° da Convenção de Viena de 1963 e, consequentemente, beneficiavam do regime privilegiado previsto no artigo 48.o desta Convenção.

19

A partir de 1 de agosto de 1987, as autoridades neerlandesas alteraram os seus critérios de apreciação e consideraram que o pessoal recrutado localmente e que residisse nos Países Baixos há mais de um ano na data do seu recrutamento devia ser considerado residente permanente, excluindo‑o assim do benefício do regime privilegiado previsto pela Convenção de Viena de 1963. A fim de não prejudicar situações jurídicas adquiridas, as referidas autoridades decidiram que esta alteração não tinha consequências para as pessoas que já trabalhavam num posto consular antes de 1 de agosto de 1987. Todavia, em 1999, o Ministério dos Negócios Estrangeiros neerlandês deu às pessoas que já exerciam as suas funções num consulado ou numa embaixada nos Países Baixos antes de 1 de agosto de 1987 a possibilidade de optarem, até 15 de dezembro de 1999, entre ficar ou não sujeitas ao regime de segurança social neerlandês.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

L. F. Evans, de nacionalidade britânica, trabalhou no Reino Unido, de 1972 a 1973, seguidamente, neste último ano, instalou‑se nos Países Baixos, onde começou por estar empregada em várias empresas e, depois, até abril de 1980, no Consulado‑Geral do Reino Unido em Roterdão (Países Baixos).

21

Desde 17 de novembro de 1980, trabalha no Consulado‑Geral dos Estados Unidos da América em Amesterdão, na qualidade de membro do pessoal administrativo e técnico, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea e), da Convenção de Viena de 1963, e está coberta, desde a sua entrada em funções, por um seguro de saúde subscrito pelo seu empregador junto de uma seguradora privada neerlandesa.

22

Por entender que L. F. Evans não podia ser considerada residente permanente nos Países Baixos, na aceção do artigo 1.o, n.o 3, da Convenção de Viena de 1963, o Ministério dos Negócios Estrangeiros concedeu‑lhe, aquando da sua entrada em funções, o estatuto privilegiado previsto pela Convenção de Viena de 1963, que implicava, nomeadamente, a isenção da maior parte dos impostos e das contribuições para a segurança social. Assim, desde essa data, L. F. Evans não esteve inscrita em nenhum ramo da segurança social.

23

Durante o ano de 1999, L. F. Evans foi convidada pelas autoridades neerlandesas a proceder à escolha referida no n.o 19 do presente acórdão, entre manter o seu estatuto privilegiado ou inscrever‑se, a partir daí, no regime geral de segurança social neerlandês. Em 5 de dezembro desse mesmo ano, L. F. Evans optou pela manutenção do referido estatuto, nos seguintes termos: «desejo conservar o meu estatuto privilegiado, o que significa que não estou inscrita no regime de segurança social neerlandês e, portanto, não tenho direito à cobertura que este oferece».

24

Durante o ano de 2008, L. F. Evans pediu ao Svb que lhe comunicasse os períodos em que tinha estado coberta pelo regime da AOW, para efeitos de cálculo da sua futura pensão. Em 27 de março de 2008, o Svb informou‑a de que estivera inscrita na segurança social no período de 1973 a 1980, mas não no período em que trabalhou no Consulado‑Geral dos Estados Unidos da América. Para este efeito, o Svb baseou‑se no facto de o Regulamento n.o 1408/71 não ser aplicável a L. F. Evans, na medida em que os Estados Unidos da América não são um Estado‑Membro da União Europeia, e de, nos termos da regulamentação neerlandesa, única aplicável nessa situação, os agentes consulares e os membros do pessoal administrativo não beneficiarem do regime de segurança social, salvo se tiverem a nacionalidade neerlandesa.

25

L. F. Evans apresentou então uma reclamação contra a decisão do Svb, que foi declarada infundada, tendo sido objeto de recurso para o Rechtbank Amsterdam. Por decisão de 15 de março de 2011, esse órgão jurisdicional entendeu que L. F. Evans devia ser considerada beneficiária a título da AOW, entre 18 de novembro de 1980 e 12 de março de 2008, uma vez que o artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71 impõe a equiparação da nacionalidade britânica de L. F. Evans à nacionalidade neerlandesa, segundo o acórdão Boukhalfa (C‑214/94, EU:C:1996:174). O referido órgão jurisdicional entendeu ainda que L. F. Evans devia ser considerada residente permanente e que o seu estatuto privilegiado não era relevante a este respeito.

26

O Svb recorreu dessa decisão para o Centrale Raad van Beroep.

27

Uma vez que tem dúvidas sobre a questão de saber se, numa situação como a que está em causa no processo principal, existe uma discriminação direta ou indireta em razão da nacionalidade e, subsidiariamente, se, em caso de discriminação indireta, esta seria justificada, o Centrale Raad van Beroep decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 2.° e/ou 16.° do Regulamento n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que uma pessoa na situação de L. F. Evans, que é nacional de um Estado‑Membro, exerceu o seu direito de livre circulação como trabalhadora, esteve sujeita à legislação neerlandesa em matéria de segurança social e que posteriormente trabalhou, como membro do pessoal de serviço, no Consulado‑Geral dos Estados Unidos da América nos Países Baixos, deixou de estar abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.o 1408/71 desde que começou a exercer essas funções?

Em caso de resposta negativa:

2)

a)

Devem o artigo 3.o do Regulamento 1408/71 e/ou o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 1612/68 ser interpretados no sentido de que a aplicação a L. F. Evans de um estatuto privilegiado — que consiste, nomeadamente, na não [inscrição] obrigatória [no] regime geral da segurança social e no não pagamento de contribuições a esse título — deve ser considerada uma justificação suficiente para uma discriminação em razão da nacionalidade?

b)

Que relevância deverá atribuir‑se, a este respeito, ao facto de, em dezembro de 1999, L. F. Evans, após ter sido interrogada a esse respeito, ter optado pela manutenção do estatuto privilegiado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

28

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71, lido em conjugação com o artigo 16.o deste regulamento, pode ser interpretado no sentido de que, durante o período em que um nacional de um Estado‑Membro esteve empregado num posto consular de um Estado terceiro estabelecido no território de um Estado‑Membro do qual não é nacional, mas em cujo território reside, este Estado‑Membro pode considerar que esse nacional não está sujeito à legislação de um Estado‑Membro, na aceção desta disposição, e, por isso, está excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

29

Desde logo, importa recordar que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, o Regulamento n.o 1408/71 se aplica aos trabalhadores assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros e que sejam nacionais de um Estado‑Membro.

30

No caso em apreço, é pacífico que L. F. Evans é nacional de um Estado‑Membro e que, no que diz respeito ao período controvertido, não estava inscrita em nenhum ramo da segurança social de um Estado‑Membro, desde a sua entrada em funções no Consulado‑Geral dos Estados Unidos da América.

31

Importa, por isso, apreciar se se deve considerar que uma pessoa numa situação como a de L. F. Evans, ou seja, uma pessoa empregada num posto consular de um Estado terceiro estabelecido no território de um Estado‑Membro do qual não é nacional, mas em cujo território reside, está sujeita à legislação deste Estado‑Membro, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71.

32

Ao fazê‑lo, deve ter‑se em conta que uma situação como a que está em causa no processo principal é diferente da que deu lugar ao acórdão Boukhalfa (EU:C:1996:174), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que no processo em que foi proferido esse acórdão estava em causa um nacional de um Estado‑Membro empregado na embaixada de um Estado‑Membro estabelecida no território de um Estado terceiro.

33

De igual modo, importa recordar, por um lado, que o direito da União não prejudica, em princípio, a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social (v., neste sentido, acórdão Salgado González, C‑282/11, EU:C:2013:86, n.o 35 e jurisprudência referida).

34

Na falta de harmonização ao nível da União, cabe, em princípio, à legislação de cada Estado‑Membro determinar as condições da existência do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social ou num dos ramos deste regime (v., neste sentido, acórdãos van Pommeren‑Bourgondiën, C‑227/03, EU:C:2005:431, n.o 33, e Bakker, C‑106/11, EU:C:2012:328, n.o 32).

35

Por outro lado, importa recordar que o direito da União deve ser interpretado à luz das regras pertinentes do direito internacional, o qual faz parte da ordem jurídica da União e vincula as suas instituições (v., neste sentido, acórdãos Racke, C‑162/96, EU:C:1998:293, n.os 45 e 46, e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291).

36

Conforme salientou o advogado‑geral N. Wahl no n.o 52 das suas conclusões, a ideia de «sujeição à legislação de um Estado‑Membro», referida no artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71, deve ser interpretada à luz das disposições pertinentes de direito internacional consuetudinário (v., por analogia, acórdão Salemink, C‑347/10, EU:C:2012:17, n.o 31), ou seja, a Convenção de Viena de 1963, que codifica o direito das relações consulares e enuncia os princípios e regras essenciais à manutenção de relações pacíficas entre os Estados e aceites no mundo inteiro por nações de todas as crenças religiosas, culturas e regimes políticos [v. acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 24 de maio de 1980, processo relativo ao pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos da América em Teerão (Estados Unidos da América c. Irão), Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1980, p. 3, n.o 45].

37

Relativamente ao regime de segurança social aplicável ao pessoal consular, a Convenção de Viena de 1963 prevê, no seu artigo 48.o, que os membros do posto consular, no que respeita aos serviços prestados ao Estado que envia, estão, em princípio, isentos das disposições de previdência social em vigor no Estado recetor, embora admita, no seu artigo 71.o, n.o 2, que os membros do posto consular que sejam nacionais ou residentes permanentes do Estado recetor gozam de facilidades, privilégios e imunidades na medida em que o Estado recetor lhos reconheça.

38

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, relativamente ao período anterior a 1 de agosto de 1987, a legislação neerlandesa previa que os funcionários e os agentes consulares não neerlandeses não estavam cobertos pelo regime de segurança social e, relativamente ao período posterior a essa data, os funcionários e agentes consulares residentes permanentes nos Países Baixos estavam segurados pelo referido regime, prevendo, contudo, um regime opcional para os membros do pessoal que tinham entrado em funções antes de 1 de agosto de 1987, em aplicação do qual era possível continuar a não estar coberto pelo regime de segurança social neerlandês, tendo L. F. Evans escolhido este regime.

39

Decorre daqui que o Reino dos Países Baixos pretendeu, deste modo, fazer uso da faculdade que lhe era oferecida pelo artigo 71.o, n.o 2, da Convenção de Viena de 1963, de isentar certos membros do pessoal dos postos consulares, como L. F. Evans, do regime de segurança social neerlandês.

40

Assim, tendo em conta o que precede, deve considerar‑se que um membro do pessoal de um posto consular, numa situação como a de L. F. Evans, não está, durante o período em que trabalha num posto consular de um Estado terceiro, sujeito à legislação de segurança social do Estado‑Membro em causa, na aceção do artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71 e, como tal, não se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

41

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo artigo 16.o do Regulamento n.o 1408/71, lido à luz das disposições pertinentes da Convenção de Viena de 1963.

42

A este respeito, L. F. Evans alega que está abrangida pela legislação neerlandesa nos termos do n.o 1 deste artigo, por força do qual as disposições do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento se aplicam aos membros do pessoal de serviço das missões diplomáticas ou dos postos consulares e aos trabalhadores domésticos ao serviço pessoal de agentes dessas missões ou desses postos.

43

Importa sublinhar, a este respeito, que o artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 não tem por objeto determinar as condições da existência do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social. Como decorre da jurisprudência referida no n.o 34 do presente acórdão, cabe à legislação de cada Estado‑Membro determinar essas condições (v. acórdãos Kits van Heijningen, C‑2/89, EU:C:1990:183, n.o 19, e Salemink, EU:C:2012:17, n.o 38 e jurisprudência referida).

44

Embora os Estados‑Membros conservem a sua competência para organizar as condições de inscrição nos seus sistemas de segurança social, devem, no entanto, no exercício dessa competência, respeitar o direito da União. Como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça sublinhou que as condições da existência do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social não podem ter por efeito excluir do âmbito de aplicação de uma legislação nacional as pessoas a quem, por força do Regulamento n.o 1408/71, essa mesma legislação é aplicável (v. acórdãos Salemink, EU:C:2012:17, n.o 40, e Bakker, EU:C:2012:328, n.o 33). O artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 tem, pois, por efeito tornar inoponível às pessoas visadas nessa disposição uma cláusula da legislação nacional aplicável, nos termos da qual a admissão ao regime de segurança social previsto nessa legislação está subordinada a uma condição de residência no Estado‑Membro em questão (v., neste sentido, acórdãos Salemink, EU:C:2012:17, n.o 45, e Bakker, EU:C:2012:328, n.o 35 e jurisprudência referida).

45

Todavia, esta jurisprudência não pode ter como consequência que a inscrição de um trabalhador no sistema de segurança social de um Estado‑Membro, na aceção do Regulamento n.o 1408/71, seja determinada, independentemente da legislação nacional que rege a inscrição, de maneira autónoma por este regulamento.

46

No que diz respeito, mais particularmente, aos membros do pessoal de serviço das missões diplomáticas e dos postos consulares visados no artigo 16.o do Regulamento n.o 1408/71, importa concluir que este artigo se limita a determinar, à semelhança do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do mesmo regulamento, como resulta claramente da epígrafe do título II do regulamento e da letra do referido artigo 16.o, a legislação nacional aplicável. Em contrapartida, esse artigo 16.o não prevê as condições da existência do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, as quais devem ser determinadas pela legislação de cada Estado‑Membro, à luz do direito internacional aplicável, conforme se concluiu no n.o 43 do presente acórdão.

47

Assim, nem o artigo 13.o, n.o 2, alínea a), nem o artigo 16.o do Regulamento n.o 1408/71 têm por efeito conferir ou impor aos nacionais dos Estados‑Membros empregados em postos consulares de Estados terceiros que, como L. F. Evans, não estão sujeitos à legislação de segurança social de um Estado‑Membro, na aceção do artigo 2.o deste regulamento, respetivamente, um direito ou uma obrigação de inscrição no sistema de segurança social de um Estado‑Membro.

48

Uma vez que a Convenção de Viena de 1963 não exige aos membros do posto consular que são residentes permanentes do Estado recetor a inscrição obrigatória num regime de segurança social desse Estado, tal interpretação respeita as exigências da referida Convenção.

49

Tendo em conta o que precede, importa responder à primeira questão que o artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71, lido em conjugação com o artigo 16.o deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, relativamente ao período em que um nacional de um Estado‑Membro esteve empregado num posto consular de um Estado terceiro estabelecido no território de um Estado‑Membro do qual não é nacional, mas em cujo território reside, esse nacional não está sujeito à legislação de um Estado‑Membro, na aceção da referida disposição, se, nos termos da legislação do seu Estado‑Membro recetor, adotada em aplicação do artigo 71.o, n.o 2, da Convenção de Viena de 1963, o referido nacional não estiver inscrito no regime nacional de segurança social.

Quanto à segunda questão

50

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, lido em conjugação com o artigo 16.o daquele regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, relativamente ao período em que um nacional de um Estado‑Membro esteve empregado num posto consular de um Estado terceiro estabelecido no território de um Estado‑Membro do qual não é nacional, mas em cujo território reside, esse nacional não está sujeito à legislação de um Estado‑Membro, na aceção da referida disposição, se, nos termos da legislação do seu Estado‑Membro recetor, adotada em aplicação do artigo 71.o, n.o 2, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, celebrada em Viena, em 24 de abril de 1963, o referido nacional não estiver inscrito no regime nacional de segurança social.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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