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Document 62013CJ0104

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 23 de outubro de 2014.
    Olainfarm AS contra Latvijas Republikas Veselības ministrija e Zāļu valsts aģentūra.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākās Tiesas Senāts.
    Reenvio prejudicial – Aproximação das legislações – Política industrial – Diretiva 2001/83/CE – Medicamentos para uso humano – Artigo 6.° – Autorização de introdução no mercado – Artigo 8.°, n.° 3, alínea i) – Obrigação de juntar ao pedido de autorização os resultados dos ensaios farmacêuticos, pré‑clínicos e clínicos – Derrogações relativas aos ensaios pré‑clínicos e clínicos – Artigo 10.° – Medicamentos genéricos – Conceito de ‘medicamento de referência’ – Direito subjetivo de o titular da autorização de introdução no mercado de um medicamento de referência se opor à autorização de introdução no mercado de um genérico deste primeiro medicamento – Artigo 10.°‑A – Medicamentos cujas substâncias ativas têm um uso médico bem estabelecido na União Europeia, desde há, pelo menos, dez anos – Possibilidade de utilizar um medicamento, cuja autorização foi emitida tendo em conta a derrogação prevista no artigo 10.°‑A, como medicamento de referência para a obtenção de uma autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico.
    Processo C‑104/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2316

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    23 de outubro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Política industrial — Diretiva 2001/83/CE — Medicamentos para uso humano — Artigo 6.o — Autorização de introdução no mercado — Artigo 8.o, n.o 3, alínea i) — Obrigação de juntar ao pedido de autorização os resultados dos ensaios farmacêuticos, pré‑clínicos e clínicos — Derrogações relativas aos ensaios pré‑clínicos e clínicos — Artigo 10.o — Medicamentos genéricos — Conceito de ‘medicamento de referência’ — Direito subjetivo de o titular da autorização de introdução no mercado de um medicamento de referência se opor à autorização de introdução no mercado de um genérico deste primeiro medicamento — Artigo 10.o‑A — Medicamentos cujas substâncias ativas têm um uso médico bem estabelecido na União Europeia, desde há, pelo menos, dez anos — Possibilidade de utilizar um medicamento, cuja autorização foi emitida tendo em conta a derrogação prevista no artigo 10.o‑A, como medicamento de referência para a obtenção de uma autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico»

    No processo C‑104/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākās Tiesas Senāts (Letónia), por decisão de 26 de fevereiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de março de 2013, no processo

    Olainfarm AS

    contra

    Latvijas Republikas Veselības ministrija,

    Zāļu valsts aģentūra,

    sendo interveniente:

    Grindeks AS,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, A. Rosas, E. Juhász e D. Šváby (relator), juízes,

    advogado‑geral: N. Wahl,

    secretário: V. Tourrès, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 20 de março de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Olainfarm AS, por M. Grudulis, advokāts,

    em representação da Grindeks AS, por J. Bundulis, na qualidade de presidente do conselho de administração, assistido por D. Lasmanis, advokāts, bem como por L. Jāgere e Z. Sedlova,

    em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e M. Ošleja, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo estónio, por M. Linntam, na qualidade de agente,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida inicialmente por G. De Socio e, em seguida, por G. Fiengo, avvocati dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos, A. Sauka e M. Šimerdová, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de maio de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (JO L 324, p. 121; retificação no JO 2009, L 87, p. 174; a seguir «Diretiva 2001/83»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso que opõe a Olainfarm AS (a seguir «Olainfarm») ao Latvijas Republikas Veselības ministrija (Ministério da Saúde da República da Letónia) e à Zāļu valsts aģentūra (Agência Nacional de Medicamentos), a respeito de uma decisão desta última que concedeu à Grindeks AS (a seguir «Grindeks») uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») para um medicamento genérico de um medicamento de referência para o qual a Olainfarm é titular de uma AIM.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A Diretiva 2001/83 contém os seguintes considerandos:

    «[...]

    (2)

    Toda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos deve ter por objetivo essencial garantir a proteção da saúde pública.

    (3)

    Todavia, este objetivo deve ser atingido por meios que não possam travar o desenvolvimento da indústria farmacêutica e o comércio de medicamentos na Comunidade.

    [...]

    (9)

    A experiência demonstrou que é conveniente precisar ainda melhor os casos em que não é necessário fornecer os resultados dos ensaios toxicológicos, farmacológicos ou clínicos para obter autorização de um medicamento essencialmente similar a um medicamento autorizado, embora zelando por que as firmas inovadoras não fiquem em desvantagem.

    (10)

    Contudo, considerações de ordem pública opõem‑se a que os ensaios no homem ou no animal sejam repetidos sem que uma necessidade imperiosa o justifique.

    [...]»

    4

    O considerando 14 da Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que altera a Diretiva 2001/83 (JO L 136, p. 34), tem a seguinte redação:

    «Dado que os medicamentos genéricos são já uma parte importante do mercado dos medicamentos, convém, à luz da experiência adquirida, facilitar o seu acesso ao mercado comunitário. [...]»

    5

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83:

    «Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma [AIM], em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido [emitida] uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1)] [...]

    [...]»

    6

    O artigo 8.o desta diretiva dispõe:

    «1.   Tendo em vista a concessão [de uma AIM] que não seja objeto de processo previsto pelo [Regulamento n.o 726/2004], deve ser apresentado um pedido à autoridade competente do Estado‑Membro em causa.

    [...]

    3.   O pedido deve ser acompanhado das informações e documentos apresentados em conformidade com o anexo I:

    [...]

    i)

    resultado dos ensaios:

    farmacêuticos (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos),

    pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos),

    clínicos;

    [...]»

    7

    A Diretiva 2001/83 prevê, nomeadamente nos seus artigos 10.° e 10.°‑A, algumas derrogações à obrigação assim estabelecida no artigo 8.o, n.o 3, alínea i), que têm a seguinte redação:

    «Artigo 10.o

    1.   Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há pelo menos oito anos num Estado‑Membro ou na Comunidade.

    Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.

    [...]

    O período de dez anos referido no segundo parágrafo será alargado a um máximo de onze anos se, nos primeiros oito desses dez anos, o titular da [AIM] obtiver uma autorização para uma ou mais indicações terapêuticas novas que, na avaliação científica prévia à sua autorização, se considere trazerem um benefício clínico significativo em comparação com as terapias existentes.

    2.   Para efeitos do presente artigo, entende‑se por:

    a)

    ‘Medicamento de referência’, um medicamento autorizado, nos termos do artigo 6.o, em conformidade com o disposto no artigo 8.o;

    b)

    ‘Medicamento genérico, um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade. Os diferentes sais, ésteres, éteres, isómeros, misturas de isómeros, complexos ou derivados de uma substância ativa são considerados uma mesma substância ativa, a menos que difiram significativamente em propriedades relacionadas com segurança e/ou eficácia, caso em que o requerente deve fornecer dados suplementares destinados a fornecer provas da segurança e/ou da eficácia dos vários sais, ésteres ou derivados de uma substância ativa autorizada. As diferentes formas farmacêuticas orais de libertação imediata são consideradas como uma mesma forma farmacêutica. O requerente pode ser dispensado da apresentação dos estudos de biodisponibilidade, se puder demonstrar que o medicamento genérico satisfaz os critérios pertinentes definidos nas diretrizes pormenorizadas na matéria.

    [...]

    5.   Para além do disposto no n.o 1, quando for apresentado um pedido para uma nova indicação de uma substância bem estabelecida, será concedido um período de um ano de exclusividade dos dados, desde que tenham sido realizados ensaios pré‑clínicos ou clínicos relativos à nova indicação.

    6.   A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.os 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de proteção de medicamentos.

    Artigo 10.o‑A

    Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias ativas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada.»

    8

    O anexo I, parte II, título 1, da Diretiva 2001/83 diz respeito às exigências específicas relativas aos dossiers de AIM apresentados nos termos do seu artigo 10.o‑A. Este título tem a seguinte redação:

    «Para medicamentos cuja(s) substância(s) ativa(s) tenha(m) ‘um uso terapêutico bem estabelecido’, como referido [no artigo 10.o‑A] e apresent[e]m uma eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, devem aplicar‑se as seguintes regras específicas.

    O requerente deve apresentar os módulos 1, 2 e 3 [(relativos, respetivamente, às informações administrativas, aos resumos e às informações químicas, farmacêuticas e biológicas dos medicamentos que contêm substâncias ativas químicas e/ou biológicas)] de acordo com a parte I do presente anexo.

    Para os módulos 4 e 5 [(relativos, respetivamente, aos relatórios não clínicos e aos relatórios de estudos clínicos)], uma bibliografia científica detalhada abordará características não clínicas e clínicas.

    Aplicam‑se as seguintes regras específicas de forma a demonstrar o uso terapêutico bem estabelecido:

    a)

    Os fatores a que há que atender a fim de estabelecer o uso terapêutico bem estabelecido dos componentes dos medicamentos são:

    o período de tempo durante o qual a substância foi utilizada,

    os aspetos quantitativos da utilização da substância,

    o grau de interesse científico na utilização da substância (refletido na literatura científica publicada) e

    a coerência das avaliações científicas.

    [..]

    b)

    A documentação apresentada pelo requerente deve abranger todos os aspetos da avaliação da eficácia e/ou da segurança e incluir ou referir‑se a uma revisão da literatura relevante, que atenda a estudos anteriores e posteriores à introdução no mercado e à literatura científica publicada referente à experiência em termos de estudos epidemiológicos, nomeadamente estudos epidemiológicos comparativos. Toda a documentação, favorável e desfavorável, deve ser comunicada. No que respeita às disposições relativas ao ‘uso terapêutico bem estabelecido’, é particularmente necessário esclarecer que ‘a referência bibliográfica’ a outras fontes de dados (estudos posteriores à introdução no mercado, estudos epidemiológicos, etc.), e não apenas os dados relacionados com estudos e ensaios, pode constituir uma prova válida de segurança e eficácia de um medicamento, se o requerente explicar e fundamentar a utilização de tais fontes de informação de forma satisfatória.

    [...]»

    Direito letão

    9

    As derrogações estabelecidas nos artigos 10.° e 10.°‑A da Diretiva 2001/83 foram transpostas para o direito letão pelo artigo 28.o do Decreto do Conselho de Ministros n.o 376, de 9 de maio de 2006, relativo ao processo de registo dos medicamentos (Ministru kabineta 2006. gada 9. maija noteikumi Nr. 376 «Zāļu reģistrēšanas kārtība»).

    10

    A Lei das Farmácias (Farmācijas likuma) dispõe, no seu artigo 31.o:

    «O registo de medicamentos é suspenso ou anulado se:

    [...]

    4)

    As informações prestadas forem falsas ou se as informações contidas no dossier de registo forem incompletas ou se o controlo dos medicamentos e dos seus componentes não tiverem sido efetuados segundo as informações contidas no dossier de registo;

    [...]

    6)

    Houver uma decisão judicial relativa à violação dos direitos de propriedade intelectual;

    7)

    O dossier de registo dos medicamentos não respeitar as exigências do direito [da União];

    [...]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    11

    Em 2003, a Olainfarm registou na Letónia o medicamento NEIROMIDIN, com base nas disposições legais então aplicáveis nesse Estado‑Membro, as quais correspondiam apenas em parte ao direito comunitário em vigor nessa altura.

    12

    Em 2008, a Olainfarm obteve uma AIM para este medicamento no referido Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 10.o‑A da Diretiva 2001/83, tendo esta sociedade demonstrado, nomeadamente, que as substâncias ativas do referido medicamento tinham um uso médico bem estabelecido na Comunidade, desde há, pelo menos, dez anos.

    13

    Em 2011, a Grindeks obteve da Zāļu valsts aģentūra uma AIM para um medicamento genérico, o IPIDAKRINE‑GRINDEKS, tendo indicado no seu pedido de autorização o NEIROMIDIN como medicamento de referência na aceção do artigo 10.o da Diretiva 2001/83.

    14

    A Olainfarm contestou esta última AIM no Latvijas Republikas Veselības ministrija e requereu a sua anulação, alegando que o dossier de registo do medicamento de referência não estava em conformidade com as exigências do direito da União relativas à AIM de um medicamento genérico. Esta reclamação foi indeferida com fundamento em que o titular da AIM de um medicamento de referência não dispõe de um direito subjetivo que lhe permita contestar a AIM emitida para um medicamento genérico do referido medicamento.

    15

    A Olainfarm interpôs subsequentemente um recurso judicial tendo em vista a anulação da AIM do IPIDAKRINE‑GRINDEKS.

    16

    No âmbito desse recurso, a Olainfarm alega que, enquanto fabricante do medicamento de referência, dispõe de um direito subjetivo que lhe permite contestar a vantagem ilegal que, no seu entender, foi concedida ao fabricante do medicamento genérico em causa.

    17

    Quanto ao mérito, a Olainfarm considera que um medicamento que foi objeto de uma AIM, nos termos do artigo 10.o‑A da Diretiva 2001/83 não está abrangido pelo conceito de «medicamento de referência» na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva. Esta disposição deveria ser interpretada de forma estrita, de modo a que apenas possam constituir medicamentos de referência aqueles cuja AIM tenha sido emitida respeitando as condições enumeradas no artigo 8.o da referida diretiva, entre as quais consta a apresentação dos resultados de estudos pré‑clínicos e clínicos, em conformidade com o seu anexo I.

    18

    Os recorridos no processo principal e a Grindeks alegam que a emissão de uma AIM para um medicamento genérico não infringe os direitos do fabricante do medicamento de referência.

    19

    Por outro lado, a emissão da AIM do IPIDAKRINE‑GRINDEKS é regular, uma vez que, devido à segunda AIM emitida em 2008, em conformidade com a Diretiva 2001/83, para o NEIROMIDIN, estavam reunidas as condições para que este último medicamento pudesse ser utilizado como medicamento de referência por qualquer fabricante de medicamentos, ao abrigo do artigo 10.o da diretiva. A este respeito, a Grindeks alega que expirou o prazo de proteção dos dados de que a Olainfarm beneficiava para o medicamento de referência em causa. Além disso, atendendo à impossibilidade de obter várias AIM para o mesmo medicamento, seria inútil o fabricante do medicamento de referência realizar novos ensaios pré‑clínicos e clínicos e pretender beneficiar de um novo período de proteção, o qual apenas diz respeito às substâncias ativas verdadeiramente novas e que só pode ser obtido uma única vez.

    20

    Por fim, a Zāļu valsts aģentūra refere‑se ao ponto 5.3.1 das recomendações da Comissão Europeia publicadas durante o mês de novembro de 2005 no âmbito do documento intitulado «Notice to applicants Volume 2A Procedures for marketing authorisation Chapter 1 Marketing Autorisation» (Informação aos requerentes, volume 2‑A, procedimentos de autorização de introdução no mercado, capítulo I, autorização de introdução no mercado), segundo o qual o medicamento de referência deve ser registado em conformidade com os artigos 8.°, n.o 3, 10.°‑A, 10.°‑B ou 10.°‑C da Diretiva 2001/83.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que não decorre claramente desta diretiva que o fabricante do medicamento de referência dispõe de um direito subjetivo que lhe permite opor‑se à emissão de uma AIM para um medicamento genérico, nem que um medicamento que tenha sido objeto de uma AIM ao abrigo do artigo 10.o‑A da referida diretiva possa ser utilizado como medicamento de referência tendo em vista a obtenção de uma AIM para um medicamento genérico.

    22

    Nestas circunstâncias, o Augstākās Tiesas Senāts (Senado do Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 10.o ou qualquer outra disposição da Diretiva 2001/83/CE [...] ser interpretado no sentido de que o fabricante de um medicamento [A, registado a pedido deste,] tem um direito subjetivo de recorrer de uma decisão do organismo competente pela qual um medicamento genérico de outro fabricante é registado, utilizando como medicamento de referência o [referido] medicamento [A]? Dito de outra forma, decorre [desta] diretiva o direito do fabricante do medicamento de referência à tutela jurisdicional para verificar se o fabricante do medicamento genérico se referiu legal e fundadamente ao medicamento registado [a pedido] do fabricante do medicamento de referência, baseando‑se nas referidas disposições do artigo 10.o da diretiva?

    2)

    Se a resposta à primeira questão for afirmativa, deve o disposto nos artigos 10.° e 10.°‑A da diretiva [2001/83] ser interpretado no sentido de que um medicamento registado […] [em conformidade com o referido] artigo 10.o‑A […] como medicamento [cujas substâncias ativas têm] um uso terapêutico bem estabelecido, pode ser utilizado como medicamento de referência, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a) […] [desta diretiva]?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à segunda questão

    23

    Com a segunda questão, que há que examinar em primeiro lugar, pelos fundamentos expostos pelo advogado‑geral no n.o 19 das suas conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «medicamento de referência» na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que abrange um medicamento cuja AIM foi emitida com base no artigo 10.o‑A da mesma diretiva.

    24

    O conceito de «medicamento de referência» está definido no artigo 10.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva como um medicamento autorizado na aceção do artigo 6.o da referida diretiva, em conformidade com o seu artigo 8.o

    25

    Ao estabelecer uma derrogação ao artigo 8.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 2001/83, o artigo 10.o‑A da mesma dispõe que o requerente de uma AIM para um dado medicamento não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos, podendo substituí‑los por bibliografia científica adequada, se demonstrar que as substâncias ativas desse medicamento têm um uso médico bem estabelecido na União, desde há, pelo menos, 10 anos, e apresentam não só uma eficácia reconhecida mas também um nível aceitável de segurança, em conformidade com as condições previstas no anexo I da diretiva.

    26

    O artigo 10.o‑A da Diretiva 2001/83 tem assim por efeito dispensar o requerente de uma das obrigações fixadas no artigo 8.o da diretiva tendo em vista a obtenção de uma AIM na aceção do seu artigo 6.o Por conseguinte, um medicamento cuja AIM foi emitida ao abrigo do artigo 10.o‑A dessa diretiva, tendo o requerente dessa autorização usado a exceção prevista nesse artigo e preenchido, por outro lado, todas as demais obrigações fixadas no artigo 8.o da referida diretiva, deve ser considerado como um medicamento autorizado na aceção do artigo 6.o da referida diretiva, em conformidade com o artigo 8.o da mesma diretiva.

    27

    A este respeito, importa salientar, por um lado, que a obrigação de os requerentes de uma AIM juntarem ao pedido o resultado dos ensaios pré‑clínicos e clínicos previstos no artigo 8.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 2001/83 tem por finalidade fazer prova da segurança e da eficácia do medicamento em causa [v., neste sentido, acórdão Generics (UK), C‑527/07, EU:C:2009:379, n.o 22 e jurisprudência aí referida].

    28

    Por outro lado, tendo em conta, nomeadamente, o facto de que qualquer regulamentação em matéria de produção e de distribuição de medicamentos deve ter por objetivo essencial a proteção da saúde pública, conforme enunciado no considerando 2 da Diretiva 2001/83, o conceito de «medicamento de referência», na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, não pode ser interpretado de maneira a que o processo abreviado, previsto neste artigo, se traduza numa flexibilização das normas de segurança e de eficácia que os medicamentos devem cumprir [acórdão Generics (UK), EU:C:2009:379, n.o 24 e jurisprudência aí referida]. Convém assim que, para que a AIM de um medicamento genérico possa ser emitida com base neste processo abreviado, todas as informações e documentos relativos ao medicamento de referência e que demonstrem a segurança e a eficácia deste último fiquem à disposição da autoridade competente a quem foi submetido o pedido de autorização [v., neste sentido, acórdão Generics (UK), EU:C:2009:379, n.o 25 e jurisprudência aí referida].

    29

    Assim, quanto ao artigo 10.o‑A da Diretiva 2001/83, há que observar, em primeiro lugar, que o procedimento regulado por este artigo não flexibiliza minimamente as normas de segurança e de eficácia que os medicamentos devem cumprir, visando apenas reduzir o período de preparação de um pedido de AIM, ao dispensar o requerente da obrigação de realizar os ensaios pré‑clínicos e clínicos referidos no artigo 8.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 2001/83, desde que se prove mediante bibliografia científica adequada, com observância das condições enunciadas no anexo I, parte II, título 1, dessa diretiva, que esses ensaios foram previamente realizados e que demonstraram que o ou os componentes do medicamento em causa cumprem os critérios mencionados no referido artigo 10.o‑A [v., quanto à disposição comparável da Diretiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), conforme alterada pela Diretiva 87/21/CEE do Conselho, de 22 de dezembro 1986 (JO 1987, L 15, p. 36), acórdão Scotia Pharmaceuticals, C‑440/93, EU:C:1995:307, n.o 17]. Por conseguinte, tal como salientou o advogado‑geral no n.o 39 das suas conclusões, esse medicamento apenas é introduzido no mercado depois de a autoridade competente ter fiscalizado a sua segurança e a sua eficácia.

    30

    Em segundo lugar, e consequentemente, o dossier da AIM concedida para um medicamento ao abrigo do referido artigo 10.o‑A contém todas as informações e todos os documentos exigidos para demonstrar a segurança e a eficácia desse medicamento.

    31

    Por conseguinte, nenhum obstáculo se opõe a que tal medicamento possa ser utilizado como medicamento de referência, tendo em vista a obtenção de uma AIM para um medicamento genérico.

    32

    Importa, pois, responder à segunda questão que o conceito de «medicamento de referência», na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2001/83, deve ser interpretado no sentido de que abrange um medicamento cuja AIM foi emitida com base no artigo 10.o‑A da diretiva.

    Quanto à primeira questão

    33

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o fabricante de um medicamento utilizado por outro fabricante como medicamento de referência, tendo em vista a emissão de uma AIM para um medicamento genérico, ao abrigo do artigo 10.o da Diretiva 2001/83, tem o direito de agir judicialmente para que seja averiguado se o fabricante desse medicamento genérico fez referência ao seu próprio medicamento, de forma legal e fundamentada, em conformidade com o dito artigo 10.o

    34

    A título preliminar, há que declarar que, no âmbito da Diretiva 2001/83, o procedimento de emissão de uma AIM está concebido como um procedimento bilateral, que apenas implica o requerente e a autoridade competente (v., por analogia, acórdão Olivieri/Comissão e EMEA, T‑326/99, EU:T:2003:351, n.o 94), e que esta diretiva não contém nenhuma disposição expressa no que respeita ao direito de recurso de que dispõe o titular de uma AIM emitida para um medicamento original contra a decisão da autoridade competente que, ao abrigo do artigo 10.o da referida diretiva, concede uma AIM para um medicamento genérico cujo medicamento original é o medicamento de referência.

    35

    Todavia, em conformidade com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), tem direito a uma ação perante um tribunal qualquer pessoa cujos direitos garantidos pelo direito da União tenham sido violados.

    36

    Por conseguinte, a primeira pergunta deve ser entendida como sendo relativa, em substância, à questão de saber se o artigo 10.o da Diretiva 2001/83, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que confere ao titular da AIM de um medicamento utilizado como medicamento de referência no âmbito de um pedido de AIM para um medicamento genérico de outro fabricante, apresentado com base no artigo 10.o, o direito de recurso contra a decisão da autoridade competente que concedeu uma AIM para este último medicamento.

    37

    A este respeito, há que salientar que o artigo 10.o da Diretiva 2001/83 fixa as condições em que o titular da AIM de um medicamento deve tolerar que o fabricante de outro medicamento se possa referir aos resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos que fazem parte do dossier do pedido da AIM desse primeiro medicamento, em vez de ele próprio realizar tais ensaios, tendo em vista a obtenção de uma AIM para esse outro medicamento. Daqui decorre que o referido artigo confere correlativamente ao titular da AIM do primeiro medicamento o direito de exigir o respeito das prerrogativas que para ele decorrem dessas condições.

    38

    Assim, sem prejuízo da legislação relativa à proteção da propriedade industrial e comercial, o titular da AIM de um medicamento tem o direito de exigir que, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, primeiro, segundo e quinto parágrafos, da diretiva, esse medicamento não seja utilizado como medicamento de referência, tendo em vista autorizar a introdução no mercado de um medicamento de outro fabricante, antes do decurso do prazo oito anos a contar da emissão dessa AIM, ou que um medicamento cuja introdução no mercado tenha sido autorizada com base nesse artigo não seja comercializado antes do termo do período de dez anos, eventualmente alargado para onze anos, após a emissão da referida AIM. De igual modo, o referido titular pode exigir que o seu medicamento não seja utilizado tendo em vista a obtenção, ao abrigo desse artigo 10.o, de uma AIM para um medicamento relativamente ao qual o seu próprio medicamento não pode ser considerado como medicamento de referência na aceção do dito artigo 10.o, n.o 2, alínea a), tal como alega a Olainfarm no órgão jurisdicional de reenvio, ou que não cumpre a condição de semelhança com este último, quanto à composição em substâncias ativas e à forma farmacêutica, nos termos dessa condição decorrente do artigo 10.o, n.o 2, alínea b), da mesma diretiva.

    39

    Ao abrigo do artigo 10.o da Diretiva 2001/83, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve, pois, ser reconhecido ao titular da AIM de um medicamento utilizado como medicamento de referência no âmbito de um pedido de AIM com base nesse artigo o direito a uma proteção jurisdicional no que se refere ao respeito dessas prerrogativas.

    40

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 10.o da Diretiva 2001/83, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que o titular da AIM de um medicamento utilizado como medicamento de referência no âmbito de um pedido de AIM para um medicamento genérico de outro fabricante, apresentado com base no artigo 10.o desta diretiva, dispõe do direito de recurso contra a decisão da autoridade competente que concedeu uma AIM para este último medicamento, desde que se trate de obter a proteção jurisdicional de uma prerrogativa que esse artigo 10.o reconhece a esse titular. Tal direito de recurso existe, nomeadamente, se o referido titular exigir que o seu medicamento não seja utilizado tendo em vista a obtenção de uma AIM, ao abrigo do referido artigo 10.o, para um medicamento relativamente ao qual o seu próprio medicamento não pode ser considerado como medicamento de referência na aceção do mesmo artigo 10.o, n.o 2, alínea a).

    Quanto às despesas

    41

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    1)

    O conceito de «medicamento de referência», na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, deve ser interpretado no sentido de que abrange um medicamento cuja autorização de introdução no mercado foi emitida com base no artigo 10.o‑A desta diretiva.

     

    2)

    O artigo 10.o da Diretiva 2001/83, conforme alterada pelo Regulamento n.o 1394/2007, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que o titular da autorização de introdução no mercado de um medicamento utilizado como medicamento de referência no âmbito de um pedido de autorização de introdução no mercado para um medicamento genérico de outro fabricante, apresentado com base no artigo 10.o desta diretiva, dispõe do direito de recurso contra a decisão da autoridade competente que concedeu uma autorização de introdução no mercado para este último medicamento, desde que se trate de obter a proteção jurisdicional de uma prerrogativa que esse artigo 10.o reconhece a esse titular. Tal direito de recurso existe, nomeadamente, se o referido titular exigir que o seu medicamento não seja utilizado tendo em vista a obtenção de uma autorização de introdução no mercado, ao abrigo do referido artigo 10.o, para um medicamento relativamente ao qual o seu próprio medicamento não pode ser considerado como medicamento de referência na aceção do mesmo artigo 10.o, n.o 2, alínea a).

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: letão.

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