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Document 62013CJ0098

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 6 de fevereiro de 2014.
Martin Blomqvist contra Rolex SA e Manufacture des Montres Rolex SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Højesteret.
Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.° 1383/2003 — Medidas que visam impedir a colocação no mercado de mercadorias de contrafação e de mercadorias‑pirata — Artigo 2.° — Âmbito de aplicação do regulamento — Venda, a partir de um Estado terceiro, pela Internet, de um relógio de contrafação para fins privados a um particular, residente num Estado‑Membro — Apreensão do relógio pelas autoridades aduaneiras no momento em que entrou no território do Estado‑Membro — Regularidade da apreensão — Condições — Condições atinentes à violação dos direitos de propriedade intelectual — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 4.° — Distribuição ao público — Diretiva 2008/95/CE — Artigo 5.° — Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Artigo 9.° — Uso na vida comercial.
Processo C‑98/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:55

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

6 de fevereiro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 1383/2003 — Medidas que visam impedir a colocação no mercado de mercadorias de contrafação e de mercadorias‑pirata — Artigo 2.o — Âmbito de aplicação do regulamento — Venda, a partir de um Estado terceiro, pela Internet, de um relógio de contrafação para fins privados a um particular, residente num Estado‑Membro — Apreensão do relógio pelas autoridades aduaneiras no momento em que entrou no território do Estado‑Membro — Regularidade da apreensão — Condições — Condições atinentes à violação dos direitos de propriedade intelectual — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 4.o — Distribuição ao público — Diretiva 2008/95/CE — Artigo 5.o — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 9.o — Uso na vida comercial»

No processo C‑98/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Højesteret (Dinamarca), por decisão de 25 de fevereiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2013, no processo

Martin Blomqvist

contra

Rolex SA,

Manufacture des Montres Rolex SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de M. Blomqvist, por J. Petersen, advokat,

em representação da Rolex SA e da Manufature des Montres Rolex SA, por K. Dyekjær e T. Mølsgaard, advokater,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg e M. Linntam, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Clausen e F. W. Bulst, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 1383/2003 do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos (JO L 196, p. 7, a seguir «regulamento aduaneiro»), do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10, a seguir «diretiva relativa ao direito de autor»), do artigo 5.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25, a seguir «diretiva relativa às marcas»), e do artigo 9.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1, a seguir «regulamento sobre a marca comunitária»).

2

Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Blomqvist à Rolex SA e à Manufature des Montres Rolex SA (a seguir, conjuntamente, «Rolex»), relativamente à destruição de um relógio de contrafação apreendido pelas autoridades aduaneiras e que M. Blomqvist tinha comprado por intermédio de um sítio Internet chinês de venda online.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento aduaneiro

3

Os considerandos 2 e 8 do regulamento aduaneiro enunciam:

«(2)

A comercialização de mercadorias de contrafação, de mercadorias‑pirata e, de um modo geral, de quaisquer mercadorias que violem direitos de propriedade intelectual[…] prejudica consideravelmente os fabricantes e comerciantes que respeitam a lei, bem como os titulares de direitos, e engana os consumidores fazendo‑os por vezes correr riscos para a sua saúde e segurança. Convém, por conseguinte e na medida do possível, impedir a colocação dessas mercadorias no mercado e adotar para o efeito medidas que permitam enfrentar eficazmente esta atividade ilegal sem, no entanto, dificultar a liberdade do comércio legítimo. Este objetivo é coerente com os esforços desenvolvidos no mesmo sentido a nível internacional.»

[...]

(8)

Logo que seja iniciado um processo destinado a determinar se houve violação de um direito de propriedade intelectual nos termos do direito nacional, aquele será conduzido com base nos critérios utilizados para determinar se as mercadorias produzidas no Estado‑Membro em questão violam os direitos de propriedade intelectual. O presente regulamento não prejudica as disposições dos Estados‑Membros em matéria de competência judiciária e processual.»

4

O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«1.   O presente regulamento estabelece as condições de intervenção das autoridades aduaneiras em caso de mercadorias suspeitas de violação de direitos de propriedade intelectual, nas seguintes situações:

[...]

b)

Quando sejam descobertas por ocasião de controlos de mercadorias que entrem ou saiam do território aduaneiro da Comunidade, nos termos dos artigos 37.° e 183.° do Regulamento (CEE) n.o 2913/92[ do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1)], [...].

2.   O presente regulamento define igualmente as medidas a tomar pelas autoridades competentes quando se estabeleça que as mercadorias referidas no n.o 1 violam direitos de propriedade intelectual.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), do referido regulamento está redigido nos seguintes termos:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘mercadorias que violam um direito de propriedade intelectual’:

a)

‘Mercadorias de contrafação’, isto é:

i)

mercadorias, incluindo a embalagem, nas quais tenha sido aposta sem autorização uma marca idêntica à marca validamente registada para o mesmo tipo de mercadorias ou que[,] nos seus aspetos essenciais, não pode ser distinguida dessa marca e que, por esse motivo, viola os direitos decorrentes do Direito Comunitário para o titular da marca em questão, tal como previsto no Regulamento (CE) [n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1),] ou no direito do Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras,

[...]

b)

‘Mercadorias‑pirata’, ou seja, as mercadorias que sejam ou contenham cópias fabricadas sem o consentimento do titular do direito de autor ou dos direitos conexos, de um direito relativo aos desenhos ou modelos, independentemente do registo nos termos do direito nacional, ou de uma pessoa autorizada pelo titular do direito no país de produção, quando a realização dessas cópias viole o direito em questão nos termos do [Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1)], ou pelo direito do Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras.»

6

O artigo 9.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê:

«Quando uma estância aduaneira […] suspeitar […] que as mercadorias que se encontram numa das situações referidas no n.o 1 do artigo 1.o violam um direito de propriedade intelectual […], suspende a autorização de saída das referidas mercadorias ou procede à sua detenção.»

7

Segundo o artigo 10.o, primeiro parágrafo, do regulamento aduaneiro:

«É aplicável a legislação em vigor no Estado‑Membro em cujo território as mercadorias se encontrem numa das situações referidas no n.o 1 do artigo 1.o, a fim de determinar se houve violação de um direito de propriedade intelectual nos termos do direito nacional.»

8

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, deste regulamento:

«Sem prejuízo de outros recursos legais à disposição do titular do direito, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir às autoridades competentes:

a)

Nos termos das disposições de direito nacional aplicáveis, destruir as mercadorias consideradas em situação de violação de um direito de propriedade intelectual ou colocá‑las fora dos circuitos comerciais por forma a evitar causar um prejuízo ao titular do direito, sem pagamento de qualquer tipo de indemnização e, salvo disposição em contrário da legislação nacional, sem encargos para a Fazenda Pública;

[...]»

Diretiva relativa ao direito de autor

9

O artigo 4.o, n.o 1, da diretiva relativa ao direito de autor está redigido como se segue:

«Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.»

Diretiva relativa às marcas

10

O artigo 5.o, n.os 1 e 3, da diretiva relativa às marcas dispõe:

«1.   A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)

de qualquer sinal idêntico à marca [...];

[...]

3.   Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

[...]

b)

Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)

Importar ou exportar produtos com esse sinal;

[...]»

Regulamento sobre a marca comunitária

11

Nos termos do artigo 9.o, n.os 1 e 2, do regulamento sobre a marca comunitária:

«1.   A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)

um sinal idêntico à marca [...];

[...]

2.   Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.o 1:

[...]

b)

Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob esse sinal;

c)

Importar ou exportar produtos sob esse sinal;

[...]»

Direito dinamarquês

12

Segundo o § 2, n.os 1 e 3, da Lei sobre os direitos de autor (ophavsretsloven), na sua versão resultante do Decreto de Codificação n.o 202 (lovbekendtgørelse nr. 202), de 27 de fevereiro de 2010, que transpôs a diretiva relativa ao direito de autor:

«1.   Sem prejuízo das limitações estabelecidas na presente lei, os direitos de autor compreendem o direito exclusivo de dispor da obra mediante a sua reprodução e a sua colocação à disposição do público, seja na sua forma original ou modificada, traduzida, ou em adaptação a outro género literário ou artístico ou a outra tecnologia.

[...]

3.   A obra é colocada à disposição do público quando:

1)

são oferecidas cópias da obra para venda, aluguer, empréstimo ou distribuição ao público de qualquer outro modo;

2)

forem exibidas em público cópias da obra, ou

3)

a obra for executada em público.»

13

Nos termos do § 4, n.os 1 e 3, da Lei sobre as marcas (varemærkeloven), na sua versão resultante do Decreto de Codificação n.o 109 (lovbekendtgørelse nr. 109), de 24 de janeiro de 2012, que transpôs a diretiva relativa às marcas:

«1.   O titular de um direito de marca pode proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso de qualquer sinal na vida comercial quando

1)

o sinal for idêntico à marca, e os produtos ou serviços para os quais o sinal é utilizado forem idênticos ou semelhantes aos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada; ou

2)

o sinal for idêntico ou semelhante à marca, e os produtos ou serviços forem idênticos ou semelhantes aos que estão abrangidos pela marca, se existir risco de confusão, incluindo risco de associação entre o sinal e a marca.

[…]

3.   Entende‑se por uso na vida comercial, nomeadamente

1)

a aposição do sinal em produtos ou na respetiva embalagem;

2)

a oferta dos produtos para venda, ou a sua colocação no mercado ou armazenamento para esse fim sob esse sinal, bem como a oferta ou a prestação dos serviços sob o sinal;

3)

a importação ou a exportação dos produtos sob o sinal em causa; ou

4)

a utilização do sinal em documentos comerciais e em publicidade.»

14

Segundo o § 5 do Decreto de Codificação n.o 1047, que aplica o regulamento europeu relativo às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e às medidas contra mercadorias que violem esses direitos (lovbekendtgørelse nr. 1047 om anvendelse af Det Europæiske Fællesskabs forordning om toldmyndighedernes indgriben over for varer, der mistænkes for at krænke visse intellektuelle ejendomsrettigheder, og om de foranstaltninger, som skal træffes over for varer, der krænker sådanne rettigheder), de 20 de outubro de 2005:

«[1.]   Caso seja aplicada uma medida nos termos do artigo 9.o do [regulamento aduaneiro], o destinatário das mercadorias pode requerer ao tribunal que verifique se estavam cumpridos os requisitos previstos nesse artigo para a suspensão da autorização de saída das mercadorias. O órgão jurisdicional pode autorizar a saída das mercadorias.

2.   O destinatário das mercadorias não pode interpor recurso hierárquico da decisão da autoridade tributária e aduaneira relativamente à suspensão da autorização de saída das mercadorias.»

15

O § 4 do Decreto n.o 12, que aplica o regulamento europeu relativo às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e às medidas contra mercadorias que violem esses direitos (bekendtgørelse nr. 12 om anvendelse af Det Europæiske Fællesskabs forordning om toldmyndighedernes indgriben over for varer, der mistænkes for at krænke visse intellektuelle ejendomsrettigheder, og om de foranstaltninger, som skal træffes over for varer, der krænker sådanne rettigheder), de 9 de janeiro de 2006, estabelece o seguinte:

«[1.]   As mercadorias abrangidas pela definição do artigo 2.o, n.o 1, do [regulamento aduaneiro] que violem um direito de propriedade intelectual serão perdidas a favor da Fazenda Pública e destruídas. A destruição deve ser efetuada de acordo com os requisitos estabelecidos no artigo 17.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

2.   Não será paga qualquer indemnização em razão da destruição das mercadorias nos termos do n.o 1.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Em janeiro de 2010, M. Blomqvist, residente na Dinamarca, encomendou, por intermédio de um sítio Internet chinês de venda online, um relógio descrito como sendo da marca Rolex. A encomenda foi feita e paga a partir do sítio Internet inglês desse vendedor. O vendedor despachou o relógio de Hong Kong por encomenda postal.

17

A encomenda foi objeto de controlo pelas autoridades aduaneiras quando da sua chegada à Dinamarca, Estas suspenderam o desalfandegamento do relógio, suspeitando de contrafação do relógio original da marca Rolex e de uma violação dos direitos de autor sobre o modelo em causa e informaram, em 18 de março de 2010, a Rolex e M. Blomqvist.

18

A Rolex pediu, então, em conformidade com o procedimento previsto pelo regulamento aduaneiro, que a suspensão do desalfandegamento fosse mantida, após ter verificado que se tratava efetivamente de uma contrafação, e de ter solicitado a M. Blomqvist que desse o seu acordo para que o relógio fosse destruído pelas autoridades aduaneiras.

19

M. Blomqvist, alegando ter comprado legalmente esse relógio, opôs‑se a essa destruição.

20

A Rolex propôs então uma ação no Sø‑ og Handelsretten (Tribunal de Comércio) em que pediu a condenação de M. Blomqvist a admitir a suspensão do desalfandegamento e a destruição do relógio sem indemnização. Esse órgão jurisdicional deferiu o pedido da Rolex.

21

M. Blomqvist recorreu para o Højesteret. Este interroga‑se sobre se, numa situação como a do presente caso, existe uma violação de um direito de propriedade intelectual, condição necessária para a aplicação do regulamento aduaneiro, uma vez que, para a aplicação desse regulamento, é necessário, por um lado, que se trate de uma violação do direito de autor ou de um direito de marca protegido na Dinamarca e, por outro, que a violação alegada tenha tido lugar nesse mesmo Estado‑Membro. Uma vez que está demonstrado que M. Blomqvist comprou o seu relógio para seu uso pessoal e não violou as leis dinamarquesas sobre o direito de autor e sobre as marcas, coloca‑se, ao órgão jurisdicional de reenvio, a questão de saber se o vendedor violou o direito de autor e o direito das marcas na Dinamarca. Por consequência, e atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 12 de julho de 2011, L’Oréal e o., C-324/09, Colet., p. I-6011; de 1 de dezembro de 2011, Philips e Nokia, C-446/09 e C-495/09, Colet., p. I-12435; e de 21 de junho de 2012, Donner, C‑5/11), o Højesteret põe‑se a questão de saber se, no caso em apreço, se trata de uma distribuição ao público, na aceção da diretiva relativa ao direito de autor, e de um uso na vida comercial, na aceção da diretiva relativa às marcas e do regulamento sobre a marca comunitária.

22

Nestas condições, o Højesteret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 4.o, n.o 1, da [diretiva relativa ao direito de autor] ser interpretado no sentido de que existe ‘distribuição ao público’, num Estado‑Membro, de produtos protegidos por direitos de autor quando uma empresa celebra, através de um sítio Internet localizado num Estado terceiro, um acordo para a venda e o envio dos produtos a um comprador privado cuja morada é conhecida do vendedor e se situa no Estado‑Membro onde os produtos estão protegidos por direitos de autor, recebe o pagamento e envia os produtos ao comprador para a morada acordada ou, nesta situação, é também necessário que, antes da venda, os produtos tenham sido objeto de uma oferta de venda ou de publicidade dirigida, ou exibida num sítio Internet, aos consumidores do Estado‑Membro onde os produtos são entregues?

2)

Deve o artigo 5.o, n.os 1 e 3, da [diretiva relativa às marcas] ser interpretado no sentido de que existe ‘uso na vida comercial’ de uma marca num Estado‑Membro quando uma empresa celebra, através de um sítio Internet localizado num Estado terceiro, um acordo para a venda de produtos que ostentam a marca a um comprador privado cuja morada é conhecida do vendedor e se situa no Estado‑Membro onde a marca está registada, recebe o pagamento e envia os produtos para a morada acordada, ou, nesta situação, é também necessário que, antes da venda, os produtos tenham sido objeto de uma oferta de venda ou de publicidade dirigida, ou exibida num sítio Internet, aos consumidores do Estado‑Membro em causa?

3)

Deve o artigo 9.o, n.os 1 e 2, do [regulamento sobre a marca comunitária] ser interpretado no sentido de que existe ‘uso na vida comercial’ de uma marca num Estado‑Membro quando uma empresa celebra, através de um sítio Internet localizado num Estado terceiro, um acordo para a venda e o envio de produtos que ostentam a marca comunitária a um comprador privado cuja morada é conhecida do vendedor e se situa num Estado‑Membro, recebe o pagamento e envia os produtos ao comprador para a morada acordada ou, nesta situação, é também necessário que, antes da venda, os produtos tenham sido objeto de uma oferta de venda ou de publicidade dirigida, ou exibida num sítio Internet, aos consumidores no Estado‑Membro em causa?

4)

Deve o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do [regulamento aduaneiro] ser interpretado no sentido de que um dos requisitos para aplicar num Estado‑Membro as disposições relativas à proibição de introdução em livre prática e à destruição de ‘mercadorias‑pirata’ consiste em a ‘distribuição ao público’ ter ocorrido no Estado‑Membro nos termos indicados na resposta à primeira questão?

5)

Deve o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do [regulamento aduaneiro] ser interpretado no sentido de que um dos requisitos para aplicar num Estado‑Membro as disposições relativas à proibição de introdução em livre prática e à destruição de ‘mercadorias de contrafação’ consiste em o ‘uso na vida comercial’ ter ocorrido no Estado‑Membro nos termos indicados na resposta à segunda e terceira questões?»

Quanto às questões prejudiciais

23

A título preliminar, deve salientar‑se que, através das suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura ser esclarecido sobre o conceito de «distribuição ao público», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva relativa ao direito de autor, bem como sobre o conceito de «uso na vida comercial», na aceção do artigo 5.o, n.os 1 e 3, da diretiva relativa às marcas e do artigo 9.o, n.os 1 e 2, do regulamento sobre a marca comunitária, a fim de poder apreciar, no processo principal, a existência de uma violação de um direito de propriedade intelectual.

24

Segundo a definição dos termos «mercadorias de contrafação» e «mercadorias‑pirata» que figuram no artigo 2.o, n.o 1, do regulamento aduaneiro, esses conceitos visam violações de uma marca, de um direito de autor ou de um direito conexo ou ainda de um desenho ou de um modelo, aplicáveis por força da regulamentação da União ou por virtude do direito interno do Estado‑Membro em que intervieram as autoridades aduaneiras. Daqui resulta que só são abrangidas as violações de direitos de propriedade intelectual conferidos pelo direito da União e pelo direito nacional dos Estados‑Membros (v. acórdão Philips e Nokia, já referido, n.o 50).

25

O regulamento aduaneiro não institui, a este respeito, um critério novo que permita verificar a existência de uma violação dos direitos de propriedade intelectual (v., neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 2006, Montex Holdings, C-281/05, Colet., p. I-10881, n.o 40). Tal violação só poderá, por conseguinte, ser invocada de modo a justificar a intervenção das autoridades aduaneiras no âmbito desse regulamento se a venda da mercadoria em causa for suscetível de afetar direitos conferidos nas condições previstas pela diretiva relativa ao direito de autor, pela diretiva relativa às marcas e pelo regulamento sobre a marca comunitária.

26

Nestas condições, há que compreender as questões prejudiciais no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se resulta do regulamento aduaneiro que, para que o titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma mercadoria vendida a uma pessoa residente no território de um Estado‑Membro a partir de um sítio Internet de venda online situado num país terceiro beneficie da proteção garantida a esse titular pelo referido regulamento no momento em que essa mercadoria entre no território desse Estado‑Membro, é necessário que essa venda seja considerada, no referido Estado‑Membro, como uma forma de distribuição ao público ou como resultante de um uso na vida comercial. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se também sobre se, antes da venda, a referida mercadoria deve ter sido objeto de uma proposta de venda ou de publicidade que se dirija aos consumidores do mesmo Estado.

27

A este propósito, há que recordar que, por um lado, o titular de uma marca está habilitado, com fundamento na diretiva relativa às marcas e no regulamento sobre a marca comunitária, a proibir que um terceiro use, sem o seu consentimento, um sinal idêntico à referida marca quando esse uso ocorra na vida comercial, seja feito para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca está registada e prejudique ou possa prejudicar as funções da marca (acórdão de 23 de março de 2010, Google France e Google, C-236/08 a C-238/08, Colet., p. I-2417, n.o 49 e jurisprudência referida).

28

Por outro lado, em conformidade com a diretiva relativa ao direito de autor, é conferido aos autores um direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público, pela venda ou por outra forma, do original das suas obras ou de cópias delas. A distribuição ao público caracteriza‑se por uma série de operações que vão, pelo menos, da celebração de um contrato de venda à sua execução por meio da entrega a um elemento do público. Um comerciante é, por isso, responsável por qualquer operação realizada por ele próprio ou por sua conta que dê lugar a uma «distribuição ao público» num Estado‑Membro em que os bens distribuídos são protegidos por um direito de autor (v., neste sentido, acórdão Donner, já referido, n.os 26 e 27).

29

Nestas condições, o direito da União exige que essa venda seja considerada, no território de um Estado‑Membro, como uma forma de distribuição ao público, na aceção da diretiva relativa ao direito de autor, ou como estando abrangida por um uso na vida comercial, na aceção da diretiva relativa às marcas e do regulamento sobre a marca comunitária. A existência de tal distribuição ao público deve ser considerada comprovada em caso de celebração de um contrato de venda e de expedição.

30

Não é contestado que, no caso do processo principal, a Rolex seja titular na Dinamarca dos direitos de autor e de marcas que a mesma reivindica e que o relógio em causa nesse processo constitua uma mercadoria de contrafação e uma mercadoria‑pirata na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), do regulamento aduaneiro. Também não é contestado que a Rolex tinha o direito de fazer valer os seus direitos no caso de essa mercadoria ter sido colocada à venda por um comerciante estabelecido nesse Estado‑Membro, pois, nesse caso, ao fazer essa venda a título comercial, aquele estaria a usar, quando de uma distribuição ao público, os seus direitos na vida comercial. Cumpre ainda, por conseguinte, a fim de responder às questões submetidas, verificar se o titular de direitos de propriedade intelectual, tal como a Rolex, pode ter direito à mesma proteção dos seus direitos no caso de, como no processo principal, a mercadoria em causa ter sido vendida a partir de um sítio Internet de venda online situado num país terceiro em cujo território essa proteção não é aplicável.

31

É, por certo, verdade que a simples acessibilidade de um sítio Internet no território coberto por essa proteção não basta para concluir que as propostas de venda divulgadas nesse sítio se destinam a consumidores situados nesse território (v. acórdão L’Oréal e o., já referido, n.o 64).

32

Todavia, o Tribunal de Justiça já declarou que pode haver violação de direitos assim protegidos quando, mesmo antes da sua chegada ao território coberto por essa proteção, mercadorias provenientes de países terceiros forem objeto de um ato comercial dirigido aos consumidores situados nesse território, tal como uma venda, uma proposta de venda ou uma publicidade (v., neste sentido, acórdão Philips e Nokia, já referido, n.o 57 e jurisprudência referida).

33

Assim, mercadorias provenientes de um Estado terceiro e que constituam uma imitação de um produto protegido na União Europeia por um direito de marca ou uma cópia de um produto protegido na União por um direito de autor, um direito conexo, um desenho ou um modelo podem violar esses direitos e, portanto, ser qualificadas de «mercadorias de contrafação» ou de «mercadoria‑pirata» quando estiver provado que elas se destinam a uma colocação à venda na União, estando tal prova produzida, nomeadamente, quando se mostre que as referidas mercadorias foram objeto de uma venda a um cliente na União ou de uma proposta de venda ou de uma publicidade dirigida aos consumidores na União (v., neste sentido, acórdão Philips e Nokia, já referido, n.o 78).

34

Ora, é facto assente que, no processo principal, a mercadoria em causa foi vendida a um cliente na União, não sendo esta situação, portanto, de forma alguma comparável à situação dos produtos propostos num «sítio de mercado online» nem, tão‑pouco, à dos produtos introduzidos no território aduaneiro da União em regime suspensivo. Por consequência, o simples facto de essa venda ter sido feita a partir de um sítio Internet de venda online situado num país terceiro não pode ter o efeito de privar o titular de um direito de propriedade intelectual sobre a mercadoria objeto da venda da proteção resultante do regulamento aduaneiro, não sendo necessário verificar se tal mercadoria foi também objeto, antes da venda, de uma proposta ao público ou de publicidade dirigida aos consumidores da União.

35

Em face das considerações precedentes, deve responder‑se às questões submetidas que o regulamento aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que o titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma mercadoria vendida a uma pessoa residente no território de um Estado‑Membro a partir de um sítio Internet de venda online situado num país terceiro beneficia, a partir do momento em que essa mercadoria entra no território desse Estado‑Membro, da proteção garantida a esse titular pelo referido regulamento devido ao simples facto da aquisição da referida mercadoria. Para esse efeito, também não é necessário que, antes da venda, a mercadoria em causa tenha sido objeto de uma proposta de venda ou de publicidade dirigida aos consumidores desse mesmo Estado.

Quanto às despesas

36

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O Regulamento (CE) n.o 1383/2003 do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos, deve ser interpretado no sentido de que o titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma mercadoria vendida a uma pessoa residente no território de um Estado‑Membro a partir de um sítio Internet de venda online situado num país terceiro beneficia, a partir do momento em que essa mercadoria entra no território desse Estado‑Membro, da proteção garantida a esse titular pelo referido regulamento devido ao simples facto da aquisição da referida mercadoria. Para esse efeito, também não é necessário que, antes da venda, a mercadoria em causa tenha sido objeto de uma proposta de venda ou de publicidade dirigida aos consumidores desse mesmo Estado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.

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