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Document 62013CJ0088

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 11 de setembro de 2014.
    Philippe Gruslin contra Beobank SA.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Bélgica).
    Reenvio prejudicial – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) – Diretiva 85/611/CEE – Artigo 45.° – Conceito de ‘pagamentos aos participantes’ – Entrega aos participantes de certificados de partes nominativas.
    Processo C‑88/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2205

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    11 de setembro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Livre prestação de serviços — Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) — Diretiva 85/611/CEE — Artigo 45.o — Conceito de ‘pagamentos aos participantes’ — Entrega aos participantes de certificados de partes nominativas»

    No processo C‑88/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Bélgica), por decisão de 24 de janeiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2013, no processo

    Philippe Gruslin

    contra

    Beobank SA, anteriormente Citibank Belgium SA,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça (relator), G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

    advogado‑geral: N. Jääskinen,

    secretário: V. Tourrès, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 27 de novembro de 2013,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de P. Gruslin, por L. Misson e J. Meyer, avocats,

    em representação da Beobank SA, anteriormente Citibank Belgium SA, por M. van der Haegen e A. Fontaine, avocats,

    em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux, J. Rius e A. Nijenhuis, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de fevereiro de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 375, p. 3; EE 06 F3 p. 38), conforme alterada pela Diretiva 95/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 1995 (JO L 168, p. 7, a seguir «diretiva OICVM»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P. Gruslin à Beobank SA, anteriormente Citibank Belgium SA (a seguir «Beobank»), a propósito da entrega de certificados de partes nominativas do fundo comum de investimento Citiportfolios (a seguir «fundo Citiportfolios»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A diretiva OICVM foi várias vezes alterada antes de ser revogada pela Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 302, p. 32), a qual procedeu a uma reformulação da diretiva OICVM. Porém, é esta última a diretiva aplicável no momento dos factos relativos ao litígio no processo principal.

    4

    O segundo a quinto considerandos da diretiva OICVM, na sua versão em vigor à época dos factos do litígio no processo principal, enunciavam:

    «Considerando que a coordenação das legislações nacionais reguladoras dos organismos de investimento coletivo se afigura […] oportuna com vista a aproximar, no plano comunitário, as condições de concorrência entre estes organismos e realizar uma proteção mais eficaz e mais uniforme dos participantes; que tal coordenação se afigura oportuna com vista a facilitar aos organismos de investimento coletivo situados num Estado‑Membro a comercialização das suas partes sociais no território dos outros Estados‑Membros;

    Considerando que a realização destes objetivos facilita a supressão das restrições à livre circulação no plano comunitário das partes sociais dos organismos de investimento coletivo e que esta coordenação contribui para a criação de um mercado Europeu dos capitais;

    Considerando que, tendo em conta os objetivos referidos anteriormente, é desejável estabelecer regras mínimas comuns, para os organismos de investimento coletivo situados nos Estados‑Membros, no que diz respeito à sua aprovação, controlo, estrutura, atividade e às importações que devem publicar;

    Considerando que a aplicação destas regras comuns constitui uma garantia suficiente para permitir, aos organismos de investimento coletivo situados num Estado‑Membro, sem prejuízo das disposições aplicáveis em matéria de movimentos de capitais comercializarem as suas partes sociais nos outros Estados‑Membros, sem que estes últimos possam submeter estes organismos ou suas partes sociais seja a que disposição for, salvo as que, nestes Estados, não abrangem domínios regulados pela presente diretiva; que é conveniente, todavia, prever que, se um organismo de investimento coletivo comercializar as suas partes sociais num Estado‑Membro, que não aquele onde está situado, deve tomar todas as medidas necessárias para que os participantes neste outro Estado‑Membro possam exercer facilmente os seus direitos financeiros e dispor das informações necessárias».

    5

    O artigo 1.o, n.o 6, da diretiva OICVM dispunha:

    «Sem prejuízo das disposições em matéria de circulação de capitais, bem como dos artigos 44.° e 45.° e do n.o 2 do artigo 52.o, um Estado‑Membro não pode sujeitar os [organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM)] situados noutro Estado‑Membro, nem as partes sociais emitidas por estes OICVM, a qualquer outra disposição no domínio regulado pela presente diretiva, quando estes OICVM comercializarem as suas partes sociais no seu território.»

    6

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva:

    «Um OICVM deve, para exercer a sua atividade, ser aprovado pelas autoridades do Estado‑Membro em que o OICVM esteja situado [...].

    Esta aprovação vale para todos os Estados‑Membros.»

    7

    Sob a secção VIII da referida diretiva, intitulada «Disposições especiais aplicáveis aos OICVM que comercializem as suas partes sociais em Estados‑Membros que não aqueles em que estão situados», o artigo 44.o, n.o 1, desta previa:

    «Um OICVM [que] comercializa as suas partes sociais num outro Estado‑Membro deve respeitar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor nesse Estado e que não sejam abrangidas pelo domínio regulado pela presente diretiva.»

    8

    O artigo 45.o da mesma diretiva tinha a seguinte redação:

    «Na hipótese referida no artigo 44.o, o OICVM deve tomar inter alia, as medidas necessárias, no respeito das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor no Estado‑Membro de comercialização, para que os pagamentos aos participantes, a reaquisição ou o reembolso das partes sociais bem como a difusão das informações que o OICVM deve prestar, sejam assegurados nesse Estado‑Membro, aos participantes.»

    9

    O ponto 1.10 que figura sob a coluna 1, intitulada «Informação relativa ao fundo comum de investimento», do esquema A em anexo à diretiva OICVM tinha a seguinte redação:

    «Menção da natureza e das características principais das partes sociais, com, nomeadamente, as seguintes indicações:

    natureza do direito (real, de crédito ou outro) que a parte social representa,

    títulos originais ou certificados representativos desses títulos, inscrição em registo ou em conta,

    Características das partes nominativas ou ao portador. [...]

    [...]»

    Direito belga

    10

    O artigo 138.o, segundo parágrafo, da Lei de 4 de dezembro de 1990 relativa às operações financeiras e aos mercados financeiros (Moniteur belge de 22 de dezembro 1990, p. 23800, a seguir «Lei de 4 de dezembro de 1990»), na sua versão em vigor no momento dos factos relativos ao litígio no processo principal, dispunha:

    «O organismo de investimento referido no primeiro parágrafo deve designar um organismo referido no artigo 3.o, primeiro ou segundo parágrafos, para assegurar as distribuições aos participantes, a venda ou reaquisição das partes sociais assim como a difusão [...] das informações que incumbem ao organismo de investimento.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    11

    Resulta da decisão de reenvio e dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que o fundo Citiportfolios é um fundo comum de investimento de direito luxemburguês cuja gestão é assegurada pela sociedade de direito luxemburguês Citiportfolios, e cujo banco depositário é a sociedade de direito luxemburguês Citibank Luxembourg.

    12

    O prospeto do fundo Citiportfolios foi distribuído na Bélgica pela Beobank na qualidade de organismo designado pela sociedade Citiportfolios, em conformidade com o segundo parágrafo do artigo 138.o da Lei de 4 de dezembro de 1990.

    13

    P. Gruslin, de nacionalidade belga, residente na Bélgica, investiu, entre 12 e 24 de janeiro de 1996, no fundo Citiportfolios subscrevendo partes sociais diretamente na sociedade Citibank Luxembourg. A Beobank não atuou enquanto domicílio de subscrição nem recebeu qualquer comissão nessa qualidade.

    14

    Em 9 de setembro de 1996, a sociedade Citibank Luxembourg deu por terminadas, com efeitos a partir de 17 de setembro de 1996, todas as suas contas e relações comerciais com P. Gruslin e convidou‑o a retirar todos os fundos e valores existentes nas suas contas. P. Gruslin foi avisado de que, caso não lhe fornecesse instruções quanto às operações a efetuar para a venda das partes sociais no fundo Citiportfolios, as mesmas seriam inscritas em seu nome no registo dos portadores de partes sociais da entidade emissora. Em 14 de outubro de 1996, não tendo recebido instruções de P. Gruslin, a sociedade Citibank Luxembourg procedeu à referida inscrição.

    15

    Em dezembro de 1996, P. Gruslin escreveu à Beobank a fim de obter a entrega de certificados representativos das partes sociais que foram inscritas em seu nome no registo dos portadores de partes sociais no fundo Citiportfolios. A Beobank respondeu que, tendo as partes sociais sido compradas diretamente à Citibank Luxembourg, não figuravam no dossier aberto em nome de P. Gruslin na Beobank. Esta última assinalou‑lhe que transmitiria o dossier à sociedade Citibank Luxembourg para seguimento útil.

    16

    Em 14 de janeiro de 2008, P. Gruslin intentou no tribunal de commerce de Bruxelles uma ação com vista a obter a condenação da Beobank a entregar‑lhe os referidos certificados para poder demonstrar a propriedade das partes sociais por ele subscritas. Não tendo obtido ganho de causa ao termo do processo nesse órgão jurisdicional, recorreu da decisão deste último, baseando‑se, designadamente, no artigo 138.o, segundo parágrafo, da Lei de 4 de dezembro de 1990.

    17

    Por acórdão de 11 de janeiro de 2011, a cour d’appel de Bruxelles declarou infundado o pedido de P. Gruslin destinado a obter a entrega dos certificados em causa, referindo, designadamente, que, na medida em que o artigo 138.o, segundo parágrafo, da Lei de 4 de dezembro de 1990 constituía a transposição para o direito belga do artigo 45.o da diretiva OICVM, o conceito de «distribuição» que aí era utilizado devia ser entendido no sentido de que visava não a entrega de certificados de partes sociais, como defendia P. Gruslin, mas o «pagamento» aos participantes.

    18

    P. Gruslin interpôs recurso de cassação desse acórdão. Em apoio desse recurso, alegou, designadamente, que, nos termos do artigo 138.o, segundo parágrafo, da Lei de 4 de dezembro de 1990, a entrega de certificados de partes sociais constitui uma das tarefas confiadas à Beobank pelo fundo Citiportfolios.

    19

    Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 45.o da diretiva [OICVM] deve ser interpretado no sentido de que [o conceito] de ‘pagamentos aos participantes’ abrange também a entrega aos participantes dos certificados de unidades de participação nominativas?»

    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

    20

    Por requerimento de 6 de março de 2014, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de março seguinte, P. Gruslin pediu, na sequência das conclusões do advogado‑geral proferidas em 13 de fevereiro de 2014, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a reabertura da fase oral salientando, em substância, que, no n.o 48 das suas conclusões, o advogado‑geral tinha referido um princípio jurídico inédito, que não fora abordado pelas partes nas suas observações.

    21

    Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

    22

    Em segundo lugar, em conformidade com o artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça, requeiram a sua intervenção. No exercício dessa missão, é‑lhe permitido, sendo esse o caso, analisar um pedido de decisão prejudicial, reinserindo‑o num contexto mais amplo do que o estritamente definido pelo órgão jurisdicional de reenvio ou pelas partes no processo principal. Dado que o Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que estas assentam, não se afigura indispensável reabrir a fase oral cada vez que o advogado‑geral suscita uma questão de direito que não foi objeto de debate entre as partes (acórdão Pohotovosť, C‑470/12, EU:C:2014:101, n.o 22 e jurisprudência referida).

    23

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas e que as observações que lhe foram apresentadas, na audiência, designadamente por P. Gruslin, disseram respeito a esses elementos.

    24

    Consequentemente, é indeferido o pedido de reabertura da fase oral do processo.

    Quanto à questão prejudicial

    25

    Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a obrigação prevista no artigo 45.o da diretiva OICVM, segundo a qual um OICVM que comercialize as suas partes sociais no território de um Estado‑Membro diferente daquele onde o mesmo esteja situado deve assegurar os pagamentos aos participantes no Estado‑Membro de comercialização, deve ser interpretada no sentido de que inclui a entrega aos participantes de certificados representativos de partes sociais que estão inscritas em seu nome no registo dos portadores de partes sociais detido pelo emissor.

    Quanto à admissibilidade

    26

    A Comissão Europeia tem dúvidas quanto à admissibilidade da questão prejudicial, pelo facto, no essencial, de que P. Gruslin se deslocou ele próprio ao Grão‑Ducado do Luxemburgo para subscrever as partes sociais diretamente junto da sociedade Citibank Luxembourg, quando o objetivo prosseguido pela diretiva OICVM é antes a proteção dos participantes que fazem investimentos recorrendo a um intermediário estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde o OICVM está situado. Por conseguinte, esta diretiva não se aplica necessariamente ao litígio no processo principal.

    27

    Importa recordar a este respeito que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução dos litígios que são chamados a decidir (v., designadamente, acórdão Fish Legal e Shirley, C‑279/12, EU:C:2013:853, n.o 29 e jurisprudência referida).

    28

    As questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que o mesmo define sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a responder a uma questão prejudicial submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdão Fish Legal e Shirley, EU:C:2013:853, n.o 30 e jurisprudência referida).

    29

    É ponto assente, por um lado, que o fundo Citiportfolios está situado no Luxemburgo e que as suas partes sociais foram comercializadas na Bélgica. Por outro lado, que o artigo 138.o, segundo parágrafo, da Lei de 4 de dezembro de 1990 se destinava a transpor para o direito belga o artigo 45.o da diretiva OICVM, apoiando‑se P. Gruslin nas suas disposições para obter a entrega dos certificados em causa no processo principal. Consequentemente, como referiu o advogado‑geral no n.o 22 das suas conclusões, não se afigura que a questão prejudicial, que diz estritamente respeito à interpretação desse artigo, não esteja relacionada com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal.

    30

    Daqui resulta que a questão prejudicial é admissível.

    Quanto ao mérito

    31

    Há que referir que a diretiva OICVM não define o conceito de «pagamentos aos participantes» que figura no seu artigo 45.o

    32

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão Fish Legal e Shirley, C‑279/12, EU:C:2013:853, n.o 42 e jurisprudência referida).

    33

    Resulta do segundo a quarto considerandos da diretiva OICVM que, com vista a assegurar a livre comercialização das partes sociais dos OICVM na União, esta diretiva tem por objeto coordenar as legislações nacionais que regulam os OICVM, de modo, por um lado, a aproximar na União as condições de concorrência entre esses organismos e, por outro, a assegurar uma proteção mais eficaz e mais uniforme dos participantes. Para esse efeito, essa diretiva estabelece regras mínimas comuns no que respeita à aprovação, ao controlo, à estrutura, à atividade e às informações que os OICVM devem publicar.

    34

    Resulta do artigo 1.o, n.o 6, da diretiva OICVM, lido em conjugação com o quinto considerando desta, que a livre comercialização das partes sociais dos OICVM na União implica, para os OICVM situados num Estado‑Membro, a possibilidade de comercializar as suas partes sociais noutro Estado‑Membro sem que este último as possa submeter a outra disposição, seja ela qual for, nos domínios regidos por essa diretiva.

    35

    Assim, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva, qualquer OICVM deve, para exercer a sua atividade, ser aprovado pelas autoridades do Estado‑Membro onde o mesmo se situe e essa aprovação é válida em todos os outros Estados‑Membros.

    36

    Do mesmo modo, o artigo 44.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe que, quando um OICVM comercializa as suas partes sociais num Estado‑Membro diferente daquele onde o mesmo se encontra situado, deve respeitar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor nesse Estado que não estejam abrangidas pelo domínio regido pela diretiva OICVM.

    37

    Todavia, no mesmo caso, o artigo 45.o desta diretiva prevê que o OICVM deve tomar, designadamente, as medidas necessárias para que os pagamentos aos participantes, a requisição ou o reembolso das partes sociais bem como a difusão das informações que lhe incumbem sejam garantidas aos participantes nesse Estado. Esta disposição precisa que essas medidas devem ser tomadas com observância das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor no Estado‑Membro de comercialização.

    38

    Resulta do quinto considerando da diretiva OICVM que o artigo 45.o desta visa garantir a existência de mecanismos que permitam aos participantes exercer de forma simples os seus direitos financeiros no Estado‑Membro de comercialização bem como a difusão nesse Estado‑Membro das informações que devem ser fornecidas aos participantes pelo OICVM.

    39

    Importa observar neste contexto que, mesmo que uma multiplicidade de prestações, a que a Beobank se refere nas suas observações, possa estar ligada à subscrição e à detenção das partes sociais de um OICVM, resulta, no entanto, do artigo 45.o da diretiva OICVM que este organismo apenas tem de assegurar no Estado‑Membro de comercialização os pagamentos aos participantes, a reaquisição ou o reembolso das partes sociais e a difusão de informações.

    40

    Consequentemente, há que concluir que o legislador da União considerou simultaneamente necessário e suficiente, com vista a proteger de modo mais eficaz e uniforme os participantes, impor ao OICVM a obrigação de garantir aos participantes no Estado‑Membro de comercialização as prestações em questão no número anterior.

    41

    Em especial, as disposições da diretiva OICVM que regem os direitos financeiros dos participantes e as obrigações de informação destes últimos que incumbem ao OICVM não comportam nenhuma prescrição quanto às modalidades de representação, de detenção e de circulação das partes sociais de um OICVM nem quanto aos meios de prova da propriedade das partes sociais com vista ao exercício, pelo seu titular, dos direitos que lhes estão ligados.

    42

    Como observaram tanto o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões como a Comissão, a forma de emissão de uma parte está intrinsecamente ligada à maneira como a propriedade das partes sociais pode ser demonstrada e como são exercidos os direitos a ela referentes.

    43

    A este respeito, cumpre referir, por outro lado, que o ponto 1.10 que figura sob a coluna 1, intitulada «Informação relativa ao fundo comum de investimento», do esquema A em anexo à diretiva OICVM enumera as informações a fornecer aos participantes quanto à natureza e características principais das partes sociais a emitir pelo OICVM, incluindo a forma de representação destas, ou seja, se o serão através de um título vivo, por um certificado representativo, ou ainda pela inscrição num registo ou numa conta, bem como a indicação de que as partes sociais serão emitidas sob forma nominativa ou ao portador.

    44

    Consequentemente, como referiu o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, impõe‑se concluir que a diretiva OICVM não rege os domínios acima referidos, limitando‑se a estabelecer uma obrigação de informação dos participantes a este respeito.

    45

    Um participante não se pode, portanto, basear no artigo 45.o desta diretiva e, em especial, na obrigação que incumbe ao OICVM de assegurar os pagamentos aos participantes no Estado‑Membro de comercialização, para efeitos de obter que o serviço financeiro deste organismo emita um certificado representativo das partes sociais que subscrevem.

    46

    Esta interpretação é corroborada pelo artigo 19.o, n.o 3, alínea m), da Diretiva 2009/65, lido em conjugação com o considerando 22 desta. Com efeito, daí resulta de modo explícito que o conteúdo do registo dos portadores de partes sociais, a organização e manutenção desse registo bem como a sua localização são regulados quer por regras do Estado‑Membro de origem do OICVM quer pelas modalidades de organização da sociedade de gestão desse organismo.

    47

    Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à questão prejudicial que a obrigação prevista no artigo 45.o da diretiva OICVM, segundo a qual um OICVM que comercialize as suas partes sociais no território de um Estado‑Membro diferente daquele onde esteja situado deve assegurar os pagamentos aos participantes no Estado‑Membro de comercialização, deve ser interpretada no sentido de que não inclui a entrega aos participantes de certificados representativos de partes sociais que estão inscritas em seu nome no registo dos portadores de partes sociais detido pelo emissor.

    Quanto às despesas

    48

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    A obrigação prevista no artigo 45.o da Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), conforme alterada pela Diretiva 95/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 1995, segundo a qual um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários que comercialize as suas partes sociais num Estado‑Membro diferente daquele onde esteja situado deve assegurar os pagamentos aos participantes no Estado‑Membro de comercialização, deve ser interpretada no sentido de que essa obrigação inclui a entrega aos participantes de certificados representativos de partes sociais que estão inscritas em seu nome no registo dos portadores de partes sociais detido pelo emissor.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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