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Document 62013CJ0053

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de junho de 2014.
Strojírny Prostějov, a.s. e ACO Industries Tábor s.r.o. contra Odvolací finanční ředitelství.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Krajský soud v Ostravě e pelo Nejvyšší správní soud.
Livre prestação de serviços — Agência de trabalho temporário — Destacamento de trabalhadores por uma agência estabelecida noutro Estado‑Membro — Restrição — Empresa utilizadora de mão de obra — Retenção na fonte do imposto sobre o rendimento desses trabalhadores — Obrigação — Pagamento ao fisco — Obrigação — Caso de trabalhadores destacados por uma agência nacional — Inexistência dessas obrigações.
Processos apensos C‑53/13 e C‑80/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2011

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de junho de 2014 ( *1 )

«Livre prestação de serviços — Agência de trabalho temporário — Destacamento de trabalhadores por uma agência estabelecida noutro Estado‑Membro — Restrição — Empresa utilizadora de mão de obra — Retenção na fonte do imposto sobre o rendimento desses trabalhadores — Obrigação — Pagamento ao fisco — Obrigação — Caso de trabalhadores destacados por uma agência nacional — Inexistência dessas obrigações»

Nos processos apensos C‑53/13 e C‑80/13,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Krajský soud v Ostravě (República Checa) e pelo Nejvyšší správní soud (República Checa), por decisões, respetivamente, de 16 e 17 de janeiro de 2013, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 30 de janeiro e 15 de fevereiro de 2013, nos processos

Strojírny Prostějov, a.s. (C‑53/13),

ACO Industries Tábor s.r.o. (C‑80/13)

contra

Odvolací finanční ředitelství,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de dezembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da ACO Industries Tábor s.r.o., por D. Hejzlar, advokát,

em representação da Odvolací finanční ředitelství, por E. Nedorostková, advokátka,

em representação da República Checa, por M. Smolek, T. Müller e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Reino da Dinamarca, por M. Søndahl e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels, M. Šimerdová e Z. Malůšková, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de fevereiro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Os presentes pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 18.° TFUE, 45.° TFUE, 49.° TFUE e 56.° TFUE.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem a Strojírny Prostějov, a.s. (a seguir «Strojírny Prostějov»), e a ACO Industries Tábor s.r.o. (a seguir «ACO Industries Tábor») à Odvolací finanční ředitelství (Direção Tributária de Recursos Fiscais), a propósito do tratamento fiscal a que aquelas duas empresas estão sujeitas.

Quadro jurídico

Direito checo

3

O § 2 da Lei n.o 586/1992, relativa ao imposto sobre o rendimento, conforme alterada, dispunha:

«1.   Estão sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares as pessoas singulares (a seguir ‘sujeitos passivos’).

2.   Os sujeitos passivos que tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual na República Checa são tributados a título do imposto sobre os rendimentos de origem checa e estrangeira.

3.   Os sujeitos passivos que não sejam abrangidos pelo n.o 2 ou os que sejam abrangidos por acordos internacionais são unicamente tributados pelos rendimentos de origem checa (§ 22). […]

4.   São sujeitos passivos com a sua residência habitual na República Checa as pessoas que aí residam pelo menos 183 dias em cada ano civil, de maneira contínua ou periódica; o prazo de 183 dias inclui cada dia de permanência iniciado. Para efeitos desta lei, entende‑se por domicílio na República Checa o local onde o sujeito passivo tem uma residência estável, em circunstâncias em que se possa deduzir a sua intenção de ocupar essa residência de maneira permanente.»

4

O § 6, n.o 2, da mesma lei prevê:

«O sujeito passivo que obtenha os seus rendimentos de uma atividade assalariada e de benefícios relacionados com a sua função é a seguir designado ‘trabalhador’, e a entidade que paga o rendimento ‘empregador’. Por empregador, entende‑se igualmente qualquer sujeito passivo, nos termos referidos no § 2, n.o 2, ou no § 17, n.o 3, para quem os trabalhadores efetuem um trabalho, sob a sua direção, mesmo que os rendimentos desse trabalho sejam pagos, ao abrigo de uma relação contratual, por intermédio de uma pessoa estabelecida ou residente no estrangeiro. À luz das outras disposições da lei, o rendimento pago dessa maneira presume‑se pago por um sujeito passivo, referido no § 2, n.o 2, ou no § 17, n.o 3. No caso de a quantia paga pelo empregador a uma pessoa estabelecida ou residente no estrangeiro incluir igualmente a remuneração pelo serviço de intermediário, considera‑se que pelo menos 60% do pagamento total constitui rendimento do trabalhador.»

5

O § 22, n.o 1, alínea b), da referida lei tem a seguinte redação:

«Relativamente aos sujeitos passivos referidos no § 2, n.o 3, e no § 17, n.o 4, os rendimentos provenientes de atividades remuneradas (trabalho) […] exercidas na República Checa serão considerados rendimentos que têm origem na República Checa […]»

6

O § 38c da mesma lei enuncia:

«Entende‑se igualmente por devedor, nos termos dos §§ 38d, 38e e 38h, qualquer sujeito passivo referido no § 2, n.o 3, e no § 17, n.o 4, que disponha de um estabelecimento permanente na República Checa (§ 22, n.o 2) ou quando aí empregue os seus trabalhadores, durante mais de 183 dias, com exceção de situações de prestação de serviços, na aceção das disposições do § 22, n.o 1, alínea c) […]. Na situação referida no § 6, n.o 2, segunda e terceira frases, o sujeito passivo referido no § 2, n.o 3, e no § 17, n.o 4, não é considerado devedor.»

7

Nos termos do § 38h, n.o 1, da mesma lei:

«A pessoa responsável pelo pagamento do imposto deve calcular o pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares respeitante aos rendimentos provenientes de atividades remuneradas e de benefícios relacionados com o exercício de uma função (a seguir ‘pagamento antecipado’) tendo em conta a base para o cálculo do pagamento antecipado. […]»

Convenção para evitar a dupla tributação

8

O artigo 14.o, n.o 1, da Convenção para evitar a dupla tributação e a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento e sobre o património, celebrada entre a República Checa e a República Eslovaca (Comunicação do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.o 100/2003, publicada na Coletânea das Convenções Internacionais) prevê:

«Os vencimentos, salários e outras remunerações semelhantes recebidos por um residente de um Estado contratante no âmbito da sua atividade profissional só podem ser tributados, com ressalva do disposto nos artigos 15.°, 17.° e 18.°, nesse Estado, exceto se essa atividade profissional for desempenhada no outro Estado contratante. Se for desempenhada neste último, as remunerações recebidas a título dessa atividade podem ser tributadas nesse outro Estado.»

9

O artigo 23.o, n.os 1 e 3, da convenção prevê:

«1.   Os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro Estado contratante a nenhuma tributação nem a nenhuma obrigação conexa com essa tributação que seja diferente ou mais gravosa do que a tributação e as obrigações conexas com essa tributação às quais estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem nas mesmas situações, em especial no que se refere à residência. Não obstante o estabelecido no artigo 1.o, esta disposição aplicar‑se‑á também às pessoas que não são residentes de um ou de ambos os Estados contratantes.

[…]

3.   A tributação de um estabelecimento estável que a empresa de um Estado contratante possua no outro Estado contratante não será menos favorável, neste último Estado, do que a tributação das empresas deste Estado que exerçam a mesma atividade. […]»

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

10

Os litígios nos processos principais referem‑se a duas empresas checas, a Strojírny Prostějov e a ACO Industries Tábor, que recorreram aos serviços de uma agência de trabalho temporário com sede na República Eslovaca, mas que opera na República Checa por intermédio de uma sucursal inscrita no Registo Comercial da República Checa. Essas duas empresas, na qualidade de utilizadoras, dispuseram, por tempo determinado, da mão de obra de trabalhadores empregados pela referida agência.

Processo C‑53/13

11

A Finanční úřad v Prostějově (Direção de Finanças de Prostějov), por decisão de 7 de março de 2011, exigiu da Strojírny Prostějov o pagamento ao fisco do montante retido do imposto sobre o rendimento devido pelos trabalhadores cuja mão de obra utilizou. No seu entendimento, uma vez que, à luz do direito checo, a sucursal de uma pessoa coletiva estrangeira não tem capacidade de ser titular de direitos e de obrigações, a empresa fornecedora deve ser considerada uma agência estrangeira. Por conseguinte, o beneficiário checo da mão de obra é obrigado a reter o imposto sobre o rendimento dos trabalhadores e a transferi‑lo para o fisco.

12

Foi negado provimento ao recurso desta decisão, interposto pela Strojírny Prostějov para a Finanční ředitelství v Ostravě (direção tributária de Ostrava), por decisão de 18 de agosto de 2011. Esta decisão é atualmente objeto de recurso no Krajský soud v Ostravě (tribunal regional de Ostrava).

13

Este órgão jurisdicional considera que a regulamentação checa introduz uma discriminação entre a situação de uma empresa checa que utiliza os serviços de uma agência de trabalho temporário nacional e a de uma empresa checa que recorre a uma agência estabelecida noutro Estado‑Membro. Com efeito é apenas no segundo caso que a empresa checa está obrigada a proceder à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento dos trabalhadores cuja mão de obra utiliza, ao abrigo do contrato celebrado com a agência de trabalho temporário, ao passo que, no primeiro caso, cabe à agência de trabalho temporário a que pertencem estes trabalhadores proceder à referida retenção. Ora, tal constitui uma restrição às liberdades de prestação de serviços e de circulação dos trabalhadores, dado que essa obrigação implica ónus, designadamente de ordem administrativa, que apenas recaem sobre as empresas que escolhem uma agência não estabelecida na República Checa.

14

Nestas condições, o Krajský soud v Ostravě decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 56.° [TFUE] e 57.° [TFUE] opõem‑se a uma legislação nacional que, no caso de uma empresa que fornece trabalhadores (fornecedora) ter sede no território de outro Estado‑Membro, impõe à empresa que utiliza esses trabalhadores a obrigação de [reter] o imposto sobre o rendimento relativamente aos mesmos e pagá‑lo ao fisco, ao passo que se a fornecedora estiver sediada no território da República Checa é sobre ela que impende essa obrigação?»

Processo C‑80/13

15

A Finanční úřad v Táboře (administração tributária de Tábor) efetuou uma auditoria fiscal à ACO Industries Tábor e observou que, nos anos de 2007 e de 2008, não foi feito nenhum pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento dos trabalhadores colocados à disposição pela N‑Partner, uma agência de trabalho temporário estabelecida na República Eslovaca. Por esse motivo, ordenou à ACO Industries Tábor que fizesse esse pagamento antecipado. A matéria coletável considerada para o cálculo do montante desse pagamento antecipado correspondia a 60% dos montantes faturados à ACO Industries Tábor pela sucursal checa da N‑Partner.

16

A ACO Industries Tábor interpôs na Finanční ředitelství v Českých Budějovicích (direção tributária de České Budějovice) recurso da decisão da Finanční úřad v Táboře, ao qual foi negado provimento, por decisão de 13 de maio de 2011. A ACO Industries Tábor recorreu desta decisão para o Krajský soud v Českých Budějovicích (tribunal de segunda instância de České Budějovice). Este negou provimento ao recurso, por decisão de 31 de janeiro de 2012, que foi objeto de recurso de revista para o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo).

17

O Nejvyšší správní soud considera que a regulamentação checa, por um lado, pode dissuadir uma empresa, como a ACO Industries Tábor, de recorrer aos serviços propostos por uma agência de trabalho temporário estabelecida num outro Estado‑Membro que não a República Checa, dado que, nesse caso, essa regulamentação não só impõe a obrigação de retenção na fonte, como prevê também, quanto ao alcance da tributação, uma matéria coletável fixa que não tem em conta o salário efetivo recebido pelos trabalhadores. Por outro lado, a referida regulamentação tem como consequência que é menos atrativo para uma agência de trabalho temporário estabelecida fora da República Checa propor serviços neste Estado‑Membro comparativamente a uma agência nele estabelecida. Do mesmo modo, o acesso ao mercado de trabalho na República Checa por intermédio de agências de trabalho temporário não nacionais torna‑se mais difícil. Por estas razões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se se a regulamentação em causa não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento ou à livre prestação de serviços e, acessoriamente, também à livre circulação de trabalhadores.

18

Além disso, excluindo que essa restrição possa justificar‑se por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, o referido órgão jurisdicional pergunta‑se se considerações ligadas à eficácia da inspeção fiscal poderiam justificar essa restrição, uma vez que, no caso, o prestador de serviços, a saber, a agência de trabalho temporário eslovaca, dispõe de uma sucursal, estabelecida na República Checa, à qual a administração tributária se poderia dirigir para reclamar o imposto. Com efeito, esta sucursal poderia proceder à retenção, como, aliás, foi feito no processo principal pela sucursal checa da N‑Partner.

19

No que toca à determinação da matéria coletável do imposto pela aplicação de uma taxa fixa de 60% do montante faturado pela agência de trabalho temporário eslovaca à empresa utilizadora, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em contrapartida, que esta ficção jurídica pode ser justificada por um interesse ligado à eficácia da auditoria fiscal. Com efeito, esta regra tem como objetivo desencorajar as agências de trabalho temporário estrangeiras de faturar o montante devido pelas empresas utilizadoras sem distinguir entre a parte deste montante devida a título do salário dos trabalhadores — relativamente à qual deve ser feita uma retenção — e a devida a título da remuneração dessa agência pelo serviço prestado. Assim, esta regulamentação só se aplica à situação em que a fatura emitida pela agência de trabalho temporário não residente não indica o montante da comissão de mediação.

20

Nestas condições, o Nejvyšší správní soud decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 18.° [TFUE], 45.° [TFUE], 49.° [TFUE] e 56.° [TFUE] opõem‑se a uma regulamentação nos termos da qual um empregador estabelecido num primeiro Estado‑Membro é obrigado a efetuar pagamentos antecipados do imposto sobre o rendimento dos trabalhadores (nacionais de um segundo Estado‑Membro) que foram temporariamente cedidos ao empregador por uma empresa de trabalho temporário estabelecida num segundo Estado‑Membro através de uma sucursal desta situada no primeiro Estado‑Membro?

2)

Os artigos 18.° [TFUE], 45.° [TFUE], 49.° [TFUE] e 56.° [TFUE] opõem‑se a uma regulamentação nos termos da qual a base tributável do imposto sobre o rendimento desses trabalhadores é fixada com base numa percentagem fixa de pelo menos 60% do montante faturado pela empresa de trabalho temporário nos casos em que a comissão de mediação esteja incluída no montante faturado?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, é possível, numa situação como a do presente processo, restringir as referidas liberdades fundamentais invocando para tal motivos de ordem pública, segurança pública ou saúde pública ou ainda a eficácia dos controlos fiscais?»

21

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2013, os processos C‑53/13 e C‑80/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à questão prejudicial no processo C‑53/13 e às primeira e terceira questões prejudiciais no processo C‑80/13

22

Com a questão no processo C‑53/13 e as primeira e terceira questões no processo C‑80/13, que importa examinar conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se os artigos 18.° TFUE, 45.° TFUE, 49.° TFUE, 56.° TFUE ou 57.° TFUE se opõem a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as sociedades estabelecidas num primeiro Estado‑Membro que recorrem a trabalhadores empregados e destacados por agências de trabalho temporário estabelecidas num segundo Estado‑Membro, mas que operam no primeiro Estado através de uma sucursal, são obrigadas à retenção na fonte e ao pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento devido pelos referidos trabalhadores ao primeiro Estado, quando a mesma obrigação não está prevista para as sociedades estabelecidas no primeiro Estado que utilizam os serviços das agências de trabalho temporário estabelecidas nesse mesmo Estado.

Observações preliminares

23

A fim de responder a essas questões, há que recordar, de imediato, que, se bem que no estado atual do direito da União a matéria dos impostos diretos não se encontre, enquanto tal, incluída na esfera de competência da União, não é menos certo que os Estados‑Membros devem exercer no respeito do direito da União as competências que mantiveram (v. acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.o 30 e jurisprudência referida).

24

Além disso, quanto à questão de saber se uma legislação nacional está abrangida por uma ou outra das liberdades de circulação previstas pelos Tratados, resulta de jurisprudência bem assente que se deve ter em conta o objeto da legislação em causa (v., designadamente, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 90; e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, EU:C:2006:544, n.os 31 a 33).

25

Concretamente, a regulamentação checa impõe às empresas checas que pretendem recorrer aos serviços de mediação de uma agência de trabalho temporário não estabelecida na República Checa uma obrigação de retenção na fonte de um imposto sobre o rendimento devido pelos trabalhadores destacados em seu benefício por essa agência, quando a mesma obrigação não está prevista para as empresas checas que pretendem recorrer aos serviços de mediação de uma agência de trabalho temporário estabelecida na República Checa.

26

Ora, de acordo com jurisprudência constante, o artigo 56.o TFUE confere direitos não apenas ao próprio prestador de serviços mas também ao destinatário desses serviços (v., nomeadamente, acórdãos Luisi e Carbone, 286/82 e 26/83, EU:C:1984:35, n.o 10; FKP Scorpio Konzertproduktionen, EU:C:2006:630, n.o 32; e X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.o 23).

27

Por conseguinte, a legislação em causa no processo principal é abrangida pela livre prestação de serviços.

28

Na verdade, como defende a Comissão Europeia, essa regulamentação é suscetível de afetar também a liberdade de estabelecimento das agências de trabalho temporário que pretendam fornecer os seus serviços na República Checa continuando a manter a sua sede noutro Estado‑Membro, tanto mais que, no caso, as agências em questão exercem as suas atividades na República Checa por intermédio de uma sucursal.

29

Do mesmo modo, no que se refere à liberdade de circulação dos trabalhadores, uma vez que a referida regulamentação se refere às modalidades de cobrança do imposto sobre o rendimento que recaem sobre as empresas checas junto das quais esses trabalhadores foram destacados no âmbito de uma relação contratual com as agências de que são empregados, o que é suscetível de afetar indiretamente a possibilidade de estes exercerem a sua liberdade de circulação.

30

No entanto, apesar dos efeitos restritivos eventuais que a referida regulamentação tenha sobre a liberdade de estabelecimento e sobre a livre circulação de trabalhadores, tais efeitos são a consequência inevitável de um eventual obstáculo à livre prestação de serviços que não justificam, em todo o caso, uma análise autónoma da referida legislação tendo em consideração os artigos 45.° TFUE e 49.° TFUE (v., nesse sentido, acórdãos Omega, C‑36/02, EU:C:2004:614, n.o 27; e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, EU:C:2006:544, n.o 33).

31

Por fim, nestas circunstâncias, também não há que interpretar o artigo 18.o TFUE.

32

Com efeito, esta disposição só deve ser aplicada autonomamente a situações reguladas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação. Ora, o princípio da não discriminação foi instituído, no âmbito da livre prestação de serviços, pelos artigos 56.° TFUE a 62.° TFUE (v, por analogia, acórdãos Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 37; e Schulz‑Delzers e Schulz, C‑240/10, EU:C:2011:591, n.o 29).

33

Por conseguinte, importa examinar a legislação checa em causa no processo principal na ótica do artigo 56.o TFUE.

Quanto à restrição à livre prestação de serviços

34

De modo a verificar se a regulamentação em causa no processo principal respeita a livre prestação de serviços, deve recordar‑se que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 56.o TFUE exige a supressão de qualquer restrição a esta liberdade fundamental imposta pelo facto de o prestador se encontrar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação é efetuada (v. acórdãos Comissão/Alemanha, 205/84, EU:C:1986:463, n.o 25; Comissão/Itália, EU:C:1991:78, n.o 15; FKP Scorpio Konzertproduktionen, EU:C:2006:630, n.o 31; e X, EU:C:2012:635, n.o 21).

35

Constituem restrições à livre prestação de serviços as medidas nacionais que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (acórdão X, EU:C:2012:635, n.o 22 e jurisprudência referida).

36

Além disso, como foi recordado no n.o 26 do presente acórdão, o artigo 56.o TFUE confere direitos não só ao próprio prestador de serviços, mas também ao destinatário desses serviços.

37

Ora, impõe‑se concluir que, no caso, a obrigação de proceder à retenção de um pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento dos trabalhadores disponibilizados pelas agências de trabalho temporário não estabelecidas na República Checa e o pagamento desse imposto ao Estado checo impõe‑se inevitavelmente aos destinatários dos serviços fornecidos por essas agências e implica um ónus administrativo adicional que não é exigido aos destinatários dos mesmos serviços fornecidos por um prestador residente. Por conseguinte, uma tal obrigação é suscetível de tornar os serviços transfronteiriços menos atrativos para esses destinatários do que os serviços prestados por prestadores de serviços residentes e, logo, de dissuadir os referidos destinatários de recorrerem a prestadores de serviços residentes noutros Estados‑Membros (v. nesse sentido, acórdãos FKP Scorpio Konzertproduktionen, EU:C:2006:630, n.o 33; Comissão/Bélgica, C‑433/04, EU:C:2006:702, n.os 30 a 32; e X, EU:C:2012:635, n.o 28).

38

O Governo dinamarquês, baseando‑se no acórdão Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762, n.os 49 a 51), alega que a situação das agências estabelecidas na República Checa é objetivamente diferente da das agências estabelecidas fora deste Estado‑Membro e que, por conseguinte, a restrição à livre prestação de serviços em causa não é discriminatória.

39

A este propósito, basta, contudo, salientar que o prestador e o destinatário dos serviços são dois sujeitos de direito distintos, dotados de interesse próprio, e ambos podem reclamar o benefício da livre prestação de serviços, quando os seus direitos são lesados (acórdão X, EU:C:2012:635, n.o 27).

40

No caso, a diferença de tratamento criada pela regulamentação em causa no processo principal afeta o direito de os destinatários dos serviços escolherem livremente serviços transfronteiriços. Além disso, na medida em que esses destinatários residem na República Checa, os que decidem recorrer aos serviços das agências residentes encontram‑se numa situação comparável à dos que preferem os serviços de uma agência não residente.

41

De onde resulta que uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, pelo artigo 56.o TFUE.

42

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do Governo checo segundo o qual os efeitos da legislação em questão são negligenciáveis, uma vez que, de acordo com jurisprudência constante, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (acórdãos Comissão/França, C‑34/98, EU:C:2000:84, n.o 49; e X, EU:C:2012:635, n.o 30).

Quanto à justificação de uma restrição à livre prestação de serviços

43

Quanto à possibilidade de justificar uma tal restrição, nenhuma das partes interessadas que apresentou observações ao Tribunal de Justiça nem os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram que esta restrição possa ser justificada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

44

Contudo, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma regulamentação nacional abrangida por um domínio que não tenha sido objeto de harmonização a nível da União e que se aplique indistintamente a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma atividade no território do Estado‑Membro em causa pode, apesar do seu efeito restritivo para a livre prestação de serviços, ser justificada quando corresponda a uma razão imperativa de interesse geral que não esteja já salvaguardada pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado‑Membro em que está estabelecido, quando seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e não ultrapasse o limite do necessário para o atingir (v., nomeadamente, acórdãos Säger, C‑76/90, EU:C:1991:331, n.o 15; e Comissão/Bélgica, EU:C:2006:702, n.o 33).

45

Ora, tanto o Nejvyšší správní soud, no seu pedido, como o Governo checo, na audiência, consideraram, em substância, que a legislação checa em causa no processo principal se justifica à luz da necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto sobre o rendimento. A este propósito, este governo alegou, designadamente, que a retenção na fonte constitui um modo muito eficaz de cobrar o imposto uma vez que permite à administração tributária conhecer imediatamente as informações pertinentes relativamente ao contribuinte.

46

Importa observar, a este propósito que, como o Tribunal de Justiça já admitiu, a necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto sobre o rendimento pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição à livre circulação de serviços (acórdãos FKP Scorpio Konzertproduktionen, EU:C:2006:630, n.o 35; e X, EU:C:2012:635, n.o 39).

47

Em particular, o Tribunal de Justiça precisou mesmo que o procedimento de retenção na fonte constitui um meio legítimo e adequado para assegurar o tratamento fiscal dos rendimentos de uma pessoa estabelecida fora do Estado de tributação e para evitar que os rendimentos em causa escapem ao imposto tanto no Estado de residência como no Estado onde os serviços são prestados (acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, EU:C:2006:630, n.o 36; e X, EU:C:2012:635, n.o 39).

48

Todavia, esta solução baseava‑se, tanto no acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen (EU:C:2006:630) como no acórdão X (EU:C:2012:635), na circunstância de os prestadores de serviços em causa nos processos que deram lugar a estes acórdãos prestarem serviços ocasionais num Estado‑Membro diferente daquele onde se encontravam estabelecidos, e aí permanecerem pouco tempo (v., em especial, acórdão X, EU:C:2012:635, n.o 42).

49

Como o advogado‑geral salientou no n.o 70 das suas conclusões, é de notar que, no caso concreto, não é defensável dizer que as agências de trabalho temporário em causa no processo principal prestam os seus serviços na República Checa apenas a título ocasional, uma vez que atuaram por intermédio de uma sucursal inscrita no Registo Comercial da República Checa.

50

Nestas circunstâncias, ainda que, como precisa o Governo checo, uma sucursal, de acordo com o direito checo, não tenha personalidade jurídica e não possa, portanto, ser obrigada a pagar impostos segundo o direito checo, não é menos verdade que essa sucursal assegura uma presença física do prestador de serviços no território do Estado‑Membro de acolhimento e realiza determinadas diligências administrativas por conta da agência de trabalho temporário em causa, como a celebração de contratos.

51

A este propósito, não só não se pode excluir que as autoridades tributárias checas cobram o imposto devido à sucursal e que, por conseguinte, esta procede à retenção em causa, como resulta também dos elementos dos autos no processo C‑80/13 que, no caso concreto, os pagamentos antecipados feitos sobre os salários dos trabalhadores em causa foram efetivamente pagos pela sucursal da agência de trabalho temporário eslovaca.

52

De resto, a imposição aos destinatários dos serviços residentes, mais que à sucursal checa das agências residentes noutros Estados‑Membros, do ónus administrativo ligado à retenção do imposto sobre o rendimento devido pelos trabalhadores destacados não se afigura mais simples ou mais eficaz, nem do ponto de vista dos prestadores de serviços, nem do ponto de vista da administração checa. Com efeito, dado que a sucursal da agência de trabalho temporário de que os trabalhadores são empregados dispõe mais facilmente das informações necessárias relativamente aos rendimentos desses trabalhadores, o ónus administrativo ligado à operação de retenção é menos pesado para essa sucursal do que para o destinatário dos serviços.

53

Por conseguinte, nestas circunstâncias, a legislação nacional em causa no processo principal não é adequada para garantir a eficácia da cobrança do imposto sobre o rendimento.

54

A Odvolací finanční ředitelství acrescenta que esta legislação pode, todavia, ser justificada pela necessidade de impedir a fraude e a evasão fiscal. Além disso, de acordo com o Governo checo, os mecanismos de cooperação administrativa em matéria fiscal não são suficientemente eficazes para impedir eventuais evasões fiscais. Com efeito, a prática das autoridades tributárias demonstra a existência de numerosas fraudes e evasões fiscais quando da utilização internacional de mão de obra.

55

É certo que o Tribunal de Justiça tem repetidamente decidido que o combate à evasão fiscal e a eficácia dos controlos fiscais podem ser invocados para justificar restrições ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v. acórdãos Baxter e o., C‑254/97, EU:C:1999:368, n.o 18; e Comissão/Bélgica, EU:C:2006:702, n.o 35).

56

Todavia, o Tribunal de Justiça também precisou que uma presunção geral de evasão ou fraude fiscal baseada na circunstância de um prestador de serviços estar estabelecido noutro Estado‑Membro não basta para justificar uma medida fiscal que prejudique os objetivos do Tratado (v., nesse sentido, acórdãos Centro di Musicologia Walter Stauffer, C‑386/04, EU:C:2006:568, n.o 61; Comissão/Bélgica, EU:C:2006:702, n.o 35; e Comissão/Espanha, C‑153/08, EU:C:2009:618, n.o 39).

57

Ora, por um lado, as alegações da República Checa relativamente à existência de numerosas fraudes e evasões fiscais quando do destacamento internacional de mão de obra foram muito vagas, nomeadamente no que se refere à situação específica das agências de trabalho temporário estabelecidas noutros Estados‑Membros que tenham uma sucursal registada na República Checa.

58

Por outro lado, a circunstância de a sucursal em causa no processo C‑80/13 se ter encarregado das operações administrativas que permitem operar e pagar o montante da retenção em causa no processo principal permite duvidar da justeza de tal presunção geral.

59

Nessas condições, a aplicação da retenção em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de impedir as fraudes e evasões fiscais.

60

Tendo em conta o que antecede, há que responder à questão no processo C‑53/13 e às primeira e terceira questões no processo C‑80/13, que o artigo 56.o TFUE se opõe a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as sociedades estabelecidas num primeiro Estado‑Membro que recorrem a trabalhadores empregados e destacados por agências de trabalho temporário estabelecidas num segundo Estado‑Membro, mas que operam no primeiro Estado através de uma sucursal, são obrigadas à retenção na fonte e ao pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento devido pelos referidos trabalhadores ao primeiro Estado, quando a mesma obrigação não está prevista para as sociedades estabelecidas no primeiro Estado que utilizam os serviços de agências de trabalho temporário estabelecidas nesse mesmo Estado.

Quanto à segunda questão no processo C‑80/13

61

Com a sua segunda questão no processo C‑80/13, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 56.o TFUE se opõe a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, quando o montante faturado pela agência de trabalho temporário residente noutro Estado‑Membro compreende tanto o salário dos trabalhadores destacados como a remuneração do serviço de mediação, a matéria coletável para o cálculo do referido pagamento antecipado é fixada em pelo menos 60% desse montante, sem que o devedor tenha a possibilidade de provar que o salário efetivamente recebido pelos trabalhadores é inferior a 60% do referido montante.

62

Há que observar que, na medida em que as modalidade de cálculo da retenção em causa estão estreitamente ligadas à obrigação de proceder a essa retenção e, tal como resulta da decisão de reenvio no processo C‑80/13, só se aplicam se o destinatário dos serviços em questão é chamado a proceder à referida retenção, tendo em conta a resposta dada à questão no processo C‑53/13 e às primeira e terceira questões no processo C‑80/13, não há que responder a esta questão.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 56.o TFUE opõe‑se a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as sociedades estabelecidas num primeiro Estado‑Membro que recorrem a trabalhadores empregados e destacados por agências de trabalho temporário estabelecidas num segundo Estado‑Membro, mas que operam no primeiro Estado através de uma sucursal, são obrigadas à retenção na fonte e ao pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento devido pelos referidos trabalhadores ao primeiro Estado, quando a mesma obrigação não está prevista para as sociedades estabelecidas no primeiro Estado que utilizam os serviços de agências de trabalho temporário estabelecidas nesse mesmo Estado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.

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