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Document 62013CC0649

Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi apresentadas em 29 de janeiro de 2015.
Comité d'entreprise de Nortel Networks SA e o. contra Cosme Rogeau, liquidatário da Nortel Networks SA, e Cosme Rogeau, liquidatário da Nortel Networks SA, contra Alan Robert Bloom e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal de commerce de Versailles.
Reenvio prejudicial ― Regulamento (CE) n.° 1346/2000 ― Artigos 2.°, alínea g), 3.°, n.° 2, e 27.° ― Regulamento (CE) n.° 44/2001 ― Cooperação judiciária em matéria civil ― Processo de insolvência principal ― Processo de insolvência secundário ― Conflito de competências ― Competência exclusiva ou alternativa ― Determinação da lei aplicável ― Determinação dos bens do devedor que fazem parte do processo de insolvência secundário ― Localização desses bens ― Bens situados num Estado terceiro.
Processo C-649/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:44

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 29 de janeiro de 2015 ( 1 )

Processo C‑649/13

Comité d’entreprise de Nortel Networks SA e o.

contra

Me Rogeau, liquidatário judicial da Nortel Networks SA

e

Me Rogeau, liquidatário judicial da Nortel Networks SA

contra

Alan Robert Bloom,

Alan Michael Hudson,

Stephen John Harris,

Christopher John Wilkinson Hill

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal de commerce de Versalhes (França)]

«Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Processo de insolvência secundário — Competência para determinar o âmbito dos efeitos de um processo de insolvência secundário — Competência exclusiva ou alternativa — Determinação da lei aplicável — Produto da cessão dos bens do devedor depositado numa conta bloqueada num país terceiro»

1. 

O pedido de decisão prejudicial do presente processo tem por objeto os artigos 2.°, alínea g), 3.° e 27.° do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 relativo aos processos de insolvência ( 2 ) (a seguir «regulamento») e suscita uma questão delicada respeitante à repartição da competência jurisdicional entre os órgãos jurisdicionais do Estado no qual foi aberto o processo de insolvência principal nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento e os órgãos jurisdicionais do Estado no qual foi aberto um processo secundário nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, bem como à repartição dos ativos do devedor insolvente entre estes dois processos.

2. 

O litígio no processo principal insere‑se na parte respeitante à Europa da insolvência do grupo canadiano Nortel, que operou a nível mundial no sector das telecomunicações até 2008, que originou a abertura de um processo de insolvência principal no Reino Unido, relativamente a todas as filiais europeias do grupo, e de um processo secundário em França, no órgão jurisdicional de reenvio, relativamente à filial francesa.

I — Quadro jurídico

3.

O regulamento estabelece um quadro europeu para os processos de insolvência transfronteiriços. Nos termos do artigo 2.o, alínea g):

«Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as seguintes definições:

[…]

g)

‘Estado‑Membro onde se encontra um bem’:

no caso de bens corpóreos, o Estado‑Membro em cujo território está situado esse bem,

no caso de bens e direitos que devam ser inscritos num registo público pelo respetivo proprietário ou titular, o Estado‑Membro sob cuja autoridade é mantido esse registo,

no caso de créditos, o Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do terceiro devedor, tal como determinado no n.o 1 do artigo 3.o».

4.

O artigo 3.o do regulamento, intitulado «Competência internacional», dispõe, nos seus n.os 1 e 2, o seguinte:

«1.   Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.

2.   No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar no território de um Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado‑Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território.»

5.

No capítulo III, intitulado «Processos de insolvência secundários», o artigo 27.o do regulamento prevê:

«O processo referido no n.o 1 do artigo 3.o que for aberto por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e reconhecido noutro Estado‑Membro (processo principal) permite abrir, neste outro Estado‑Membro, em cujo território um órgão jurisdicional seja competente por força do n.o 2 do artigo 3.o, um processo de insolvência secundário sem que a insolvência do devedor seja examinada neste outro Estado. Este processo deve ser um dos processos referidos no anexo B, ficando os seus efeitos limitados aos bens do devedor situados no território desse outro Estado‑Membro.»

II — Factos na origem do litígio no processo principal, tramitação processual do processo principal e questão prejudicial

6.

Os factos na origem do litígio no processo principal, como resultam do despacho de reenvio e dos autos, podem resumir‑se da forma seguinte:

7.

O grupo Nortel, cuja sociedade‑mãe, a Nortel Networks Corporation, é canadiana, era um dos primeiros fornecedores mundiais de soluções destinadas às redes de telecomunicações. A Nortel Networks Limited (a seguir «NNL»), sociedade canadiana filial direta da Nortel Networks Corporation, detinha a maior parte das filiais do grupo Nortel no mundo, entre as quais a Nortel Networks SA (a seguir «NNSA»), sociedade de direito francês.

8.

O grupo Nortel tinha uma importante atividade de pesquisa e desenvolvimento (R&D), que exercia através de filiais especializadas (a seguir «centros R&D»). A NNSA era uma destas filiais. A quase totalidade da propriedade intelectual resultante da atividade de R&D do grupo estava registada (principalmente na América do Norte) em nome da NNL, na qualidade de «legal owner». Esta sociedade concedia aos centros R&D licenças exclusivas gratuitas para a exploração da propriedade intelectual do grupo. Os centros R&D conservavam também a propriedade económica («beneficial ownership») desta propriedade intelectual, na medida da respetiva contribuição para a atividade de R&D. Num acordo interno do grupo denominado Master R&D Agreement (a seguir «MRDA») eram reguladas as relações jurídicas entre a NNL e os centros R&D. ( 3 ) Este acordo previa, designadamente, que, em função dos lucros realizados ou das perdas sofridas ao nível do grupo num determinado exercício, cada centro R&D era considerado credor ou devedor da NNL de um montante denominado «RPS» («Revenue Profit Sharing»).

9.

Em 2008, estando o grupo Nortel confrontado com graves dificuldades financeiras, os seus dirigentes decidiram desencadear a abertura simultânea de processos de insolvência no Canadá, nos Estados Unidos e na União Europeia, a fim de otimizar as cessões de ativos à escala do grupo.

10.

Por decisão de 14 de janeiro de 2009, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), instaurou um processo de insolvência principal, nos termos do direito inglês, contra todas as sociedades do grupo Nortel situadas na União Europeia, entre as quais a NNSA, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento, e designou A. Bloom, A. Hudson, S. Harris e C. Hill como administradores judiciais conjuntos (a seguir designados em conjunto «coadministradores»).

11.

Na sequência de uma petição conjunta apresentada pela NNSA e pelos coadministradores, o órgão jurisdicional de reenvio, por decisão de 28 de maio de 2009, instaurou um processo de liquidação judicial secundário, nos termos do artigo 27.o do regulamento, contra a NNSA, autorizou a continuação da atividade por um período determinado e designou Me Rogeau como liquidatário judicial.

12.

Em 7 de julho de 2009 eclodiu um conflito social na NNSA, que terminou em 21 de julho de 2009 pela assinatura de um protocolo de acordo de fim de conflito (a seguir «protocolo de fim de conflito»), entre a NNSA, representada pelos órgãos do processo secundário, as organizações sindicais, o conselho de empresa (a seguir «CE») da NNSA e os representantes dos trabalhadores em greve. Este protocolo previa o pagamento de um subsídio de apoio à saída, do qual uma parte era pagável imediatamente e outra parte, denominada «subsídio diferido de apoio à saída» (a seguir «subsídio diferido»), devia ser paga, depois da cessação da exploração, com os fundos disponíveis provenientes de qualquer venda de partes da atividade, de bens, de qualquer repartição relativa a cessões de ativos ou de um modo geral de ativos ou de créditos cobrados, após pagamento integral de todas as dívidas de exploração contraídas para a continuação da atividade, das dívidas dos processos principal e secundário e das «administration expenses». Previa‑se que o montante desse subsídio diferido dependeria do montante dos fundos disponíveis. Em 18 de agosto de 2009 foi assinado um acordo adicional ao protocolo de fim de conflito, que reproduz os termos deste, pelos coadministradores (a seguir «acordo adicional»).

13.

Em 1 de julho de 2009, foi assinado um protocolo de coordenação dos processos principal e secundário pelos órgãos dos dois processos (a seguir «protocolo de coordenação»). O artigo 8.o, n.o 3, deste protocolo precisa que «em conformidade com o regulamento […] as administration expenses são pagas prioritariamente na totalidade na data em que normalmente se vencem, por conta dos ativos da sociedade, qualquer que seja a localização destes ativos (incluindo os que se situam em França), não obstante a abertura do processo secundário». Na sequência da assinatura do protocolo de fim de conflito, os administradores dos processos principal e secundário assinaram, em 18 de agosto de 2009, um aditamento ao protocolo de coordenação que, nos termos do seu artigo 7.o, prevalece sobre este protocolo.

14.

Por decisão de 24 de setembro de 2009, o órgão jurisdicional de reenvio homologou o protocolo de coordenação e o protocolo de fim de conflito, bem como o acordo adicional.

15.

A fim de garantir uma melhor valorização dos ativos do grupo Nortel, os administradores dos diferentes processos de insolvência abertos no mundo chegaram a um entendimento para que os referidos ativos fossem vendidos globalmente por ramo de atividade. Foi feito um acordo neste sentido, intitulado «Interim Funding and Settlement Agreement» (a seguir «acordo IFSA»), em 9 de junho de 2009, entre a NNL e várias filiais do grupo. Neste acordo foi designadamente estabelecido que o MRDA se manteria em vigor enquanto durassem os processos de insolvência, que as filiais da NNL renunciariam atempadamente aos seus direitos de propriedade industrial e intelectual relativos às atividades cedidas — entendendo‑se que os direitos de licença de que cada uma delas beneficiava seriam mantidos até ao termo das operações de liquidação/cessão e que estas renúncias não implicavam a renúncia aos seus direitos na qualidade de «beneficial owner» da propriedade intelectual do grupo —, que todo o produto das cessões de ativos do grupo a nível mundial seria colocado em contas bloqueadas nos Estados Unidos (a seguir «contas bloqueadas» ou «Lockbox») e que não poderia haver nenhuma distribuição dos montantes depositados nestas contas sem um acordo celebrado por todas as entidades do grupo interessadas. A NNSA aderiu ao acordo IFSA através de um acordo de adesão (Amendement and Accession Agreement) assinado em 11 de setembro de 2009 ( 4 ). A cessão das atividades da NNSA ocorreu no âmbito das cessões organizadas a nível mundial nos termos do acordo IFSA. O produto das cessões em que a NNSA participou [cerca de 7,2 mil milhões de dólares americanos (USD)] está depositado na Lockbox, não tendo ainda havido um acordo sobre a sua distribuição. Me Rogeau foi autorizado, por despacho do juiz comissário do processo secundário, a praticar todos os atos necessários à realização das operações de cessão (por exemplo, a revogação das licenças ligadas às atividades cedidas) e a participar nas negociações para a repartição dos preços das vendas.

16.

O relatório anual elaborado por Me Rogeau em 23 de novembro de 2010 declarava um saldo positivo de 38980313 euros nas contas bancárias da NNSA em 30 de setembro de 2010, o que permitia considerar um primeiro pagamento do subsídio diferido a partir do mês de maio de 2011. Não tendo sido feito esse pagamento, o CE da NNSA notificou Me Rogeau para o fazer. Por carta de 18 de maio de 2011, Me Rogeau informou o CE da NNSA de que não podia aplicar os termos do protocolo de fim de conflito, dado que a previsão de tesouraria feita pela firma Ernst & Young em 13 de maio de 2011 evidenciava um montante negativo de cerca de 6 milhões de euros, que resultava de dois pedidos de pagamento dos coadministradores no montante de 16,6 milhões de euros ( 5 ). Mencionava‑se também um crédito do Fundo de pensões inglês, qualificado como «administration expense» no direito inglês por decisão da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division de 10 de dezembro de 2010.

17.

Contestando esta situação de facto, o CE da NNSA e 147 antigos trabalhadores da NNSA intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio contra Me Rogeau em 7 de junho de 2011, pedindo que fosse declarado, designadamente, que o processo secundário da NNSA dispõe do direito exclusivo e direto sobre a quota‑parte do preço de cessão global dos ativos do grupo Nortel e que Me Rogeau fosse condenado a proceder imediatamente ao pagamento aos demandantes do seu crédito relativo ao subsídio diferido até ao montante dos fundos disponíveis da NNSA e ao pagamento do saldo desse mesmo crédito no momento da receção, pelo processo secundário, da quota‑parte do produto da cessão global que cabe à NNSA ( 6 ).

18.

Em 1 de agosto de 2011, Me Rogeau chamou os coadministradores a juízo no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que, ao reterem o produto das cessões de ativos da NNSA realizadas em França bloqueadas na Lockbox, impedem o pagamento do subsídio diferido. Tendo comparecido na audiência de 23 de fevereiro de 2012, e, mais tarde, na audiência de 24 de maio de 2012, os coadministradores pediram, designadamente, ao órgão jurisdicional de reenvio que se declarasse internacionalmente incompetente, declinando a competência a favor da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, para proferir contra eles qualquer decisão que tenha como consequência limitar, direta ou indiretamente, o âmbito do processo principal e/ou os seus poderes, incluindo o seu direito a reterem os montantes atualmente bloqueados na Lockbox, para declarar que no processo secundário da NNSA pode ser decidido qualquer direito sobre a totalidade ou parte do produto das cessões globais de ativos do grupo Nortel em que a NNSA participou e que atualmente está bloqueado na Lockbox. A título subsidiário, os coadministradores pediram ao órgão jurisdicional de reenvio que se declarasse incompetente para decidir relativamente aos bens e direitos que não estavam localizados em França, nos termos do artigo 2.o, alínea g), no momento da abertura do processo secundário e para decidir sobre qualquer pedido que, direta ou indiretamente, implique que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie sobre qualquer dívida da NNSA suscetível de ser qualificada como «administration expense» no direito inglês.

19.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a petição inicial do processo principal é expressamente abrangida pelo âmbito de aplicação dos processos coletivos e do regulamento e que, por isso, devem ser aplicadas as disposições deste regulamento. Explica que, para decidir sobre os pedidos que lhe foram apresentados, deve decidir antes de mais sobre a sua competência para determinar o âmbito dos efeitos do processo secundário e que esta decisão depende da interpretação que vier a fazer de diversos artigos do regulamento, em especial do seu artigo 2.o, alínea g), que prevê regras uniformes sobre a localização dos bens do devedor. Entende também que deverá determinar se os efeitos de um processo secundário podem estender‑se aos bens do devedor situados fora da União.

20.

Nestas circunstâncias, o tribunal de commerce de Versalhes decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O órgão jurisdicional do Estado da abertura de um processo secundário é competente, exclusiva ou alternativamente com o órgão jurisdicional do Estado da abertura do processo principal, para se pronunciar sobre a determinação dos bens do devedor que fazem parte da esfera dos efeitos do processo secundário em aplicação dos artigos 2.°, alínea g), 3.°, n.o 2, e 27.° do Regulamento […], e, no caso de competência exclusiva ou alternativa, deve ser aplicado o direito do processo principal ou o do processo secundário»?

III — Análise

21.

A questão prejudicial compõe‑se de duas partes, referindo‑se a primeira à repartição da competência jurisdicional entre os juízes do processo principal e os do processo secundário e a segunda ao direito aplicável à localização dos bens do devedor. Estas duas partes serão a seguir analisadas separadamente.

A — Quanto à primeira parte da questão prejudicial: a competência jurisdicional

1. Observações preliminares: a aplicação do regulamento ratione materiae

22.

Apesar de nem o órgão jurisdicional de reenvio nem os interessados que apresentaram observações escritas terem emitido dúvidas quanto ao facto de que, em circunstâncias como as do processo principal, a competência jurisdicional deve ser determinada com base nas disposições do regulamento e não com base nas disposições do Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 7 ), a questão de saber qual dos dois regulamentos é aplicável neste caso concreto foi, todavia, objeto de debate na audiência, na sequência de um pedido formulado pelo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, deve‑se abordar brevemente esta questão antes de iniciar a análise da questão prejudicial.

23.

Segundo jurisprudência constante, o regulamento e o Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretados de modo a evitar qualquer sobreposição entre as normas destes diplomas e qualquer lacuna jurídica. Assim, as ações excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001 nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, alínea b), na medida em que se refiram a «falências, concordatas e processos análogos», são abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento. Simetricamente, as ações não abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento incluem‑se no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001 ( 8 ). O Tribunal de Justiça também já decidiu que só as ações que derivam diretamente de um processo de insolvência e que estão estreitamente relacionadas com ele estão excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001. Por consequência, só estas ações se incluem no âmbito de aplicação do regulamento ( 9 ). No acórdão Nickel & Goeldner Spedition (EU:C:2014:2145, n.o 27), o Tribunal de Justiça precisou que o critério determinante […] para identificar o domínio onde se integra uma ação não é o contexto processual em que essa ação se inscreve, mas o fundamento jurídico desta última. Segundo esta abordagem, há que aferir se o direito ou a obrigação que está na base da ação tem a sua origem nas regras comuns do direito civil e comercial ou nas normas derrogatórias específicas dos processos de insolvência.

24.

Neste caso concreto, o CE da NNSA e os antigos trabalhadores da NNSA reclamam o pagamento de um crédito que, embora tenha a sua origem no protocolo de fim de conflito, depende, quanto à sua existência, à sua exigibilidade e ao seu montante, dos fundos disponíveis do processo secundário, após liquidação dos ativos da NNSA.

25.

A ação no processo principal visa, pois, por um lado, no que respeita aos fundos já adquiridos pelo processo secundário, fazer valer o caráter privilegiado do crédito relativo ao subsídio diferido, como crédito de salário, contra as pretensões dos órgãos do processo principal, e, por outro lado, no que respeita aos fundos ainda não adquiridos pelo processo secundário, reivindicar o direito deste processo sobre a quota‑parte que cabe à NNSA no produto das cessões das atividades/ativos do grupo Nortel depositado na Lockbox.

26.

A primeira parte da ação funda‑se nas disposições do direito francês que regem os direitos dos credores no processo de liquidação judicial, em particular no artigo L 641‑13 do Código do Comércio, que define a ordem de pagamento dos créditos. O facto de o órgão jurisdicional de reenvio poder eventualmente ter de se referir a um ou a vários acordos, tais como o RPS 2010, o acordo IFSA ou o protocolo de coordenação, para definir a natureza dos créditos invocados no processo principal, não põe em causa o fundamento jurídico da ação intentada pelo CE da NNSA e pelos antigos trabalhadores da NNSA, considerada na sua primeira parte, que se encontra nas disposições do direito francês relativas aos processos de liquidação judicial. Por outro lado, observo que, no protocolo de coordenação, o conceito de «administration expenses» é definido por remissão para o artigo 99.o do Anexo B1 do Insolvency Act 1986, aplicável ao processo principal, e a categoria privilegiada dos créditos resultantes dessas despesas é afirmada por remissão para o direito inglês, bem como para o regulamento e para as orientações para a comunicação e a cooperação europeia em matéria de insolvência transfronteiriça, publicadas pelo INSOL Europe no mês de julho de 2007, as quais, nos termos do n.o 2 deste protocolo, são parte integrante dele ( 10 ). Daqui resulta que, mesmo supondo que o órgão jurisdicional de reenvio deva decidir a questão que lhe foi submetida no quadro desta primeira parte da ação no processo principal com base no referido protocolo, seria levado, de qualquer modo, a aplicar normas específicas dos processos de insolvência.

27.

A segunda parte da ação no processo principal funda‑se, por sua vez, em primeiro lugar, nas disposições do regulamento. Com efeito, como sublinha o próprio órgão jurisdicional de reenvio, para determinar se o CE da NNSA e os antigos trabalhadores da NNSA têm fundamentos para reivindicar o direito do processo secundário sobre a quota‑parte que cabe à NNSA no produto das cessões de ativos do grupo Nortel depositado na Lockbox, incumbe‑lhe determinar o âmbito dos efeitos desse processo, os quais, nos termos dos artigos 3.°, n.o 2, e 27.° do regulamento, se limitam aos bens da NNSA localizados em território francês. É sobre esta segunda parte da ação que incide a exceção de incompetência suscitada pelos coadministradores, também ela fundada nas disposições do regulamento e na função atribuída no sistema deste regulamento ao processo principal e ao processo secundário, respetivamente. O facto de, neste caso concreto, a coordenação entre os dois processos ter sido formalizada num documento contratual assinado pelos órgãos dos dois processos em nada altera a natureza e o fundamento jurídico da ação no processo principal, considerada na sua segunda parte. As pretensões que o liquidatário do processo secundário, bem como o CE da NNSA e os antigos trabalhadores da NNSA — que, diga‑se de passagem, não são partes no protocolo de coordenação — formuladas sobre a quota‑parte dos fundos bloqueados na Lockbox que cabe à NNSA não têm nenhum fundamento contratual, como não o têm os argumentos expostos pelos órgãos do processo principal em apoio da exceção de incompetência que suscitaram.

28.

Importa, aliás, sublinhar que o protocolo de coordenação tem como objeto reger a conduta das «partes que têm um interesse na coordenação do processo principal e do processo secundário» (n.o 1). Os seus fins são, designadamente, assegurar a administração ordenada, efetiva e diligente dos processos, a maximização do valor dos bens da NNSA numa perspetiva mundial, a partilha das informações e a minimização dos contenciosos e dos custos [n.o 4, alíneas i) a iv)], e definir as condições em que a NNSA prosseguirá as suas atividades enquanto decorre o processo secundário [n.o 4, alínea v)]. É verdade que este protocolo fixa, no seu n.o 5.3, os princípios com base nos quais os coadministradores negociarão, em colaboração com o liquidatário do processo secundário, a repartição do preço das cessões de ativos do grupo Nortel entre as diversas entidades interessadas, entre as quais a NNSA ( 11 ); pelo contrário, nenhuma das suas disposições define os critérios de repartição da quota‑parte que cabe à NNSA entre os processos principal e secundário ( 12 ). Além disso, a questão da repartição do produto das cessões de ativos da NNSA entre os dois processos de insolvência distingue‑se e coloca‑se a montante da questão de saber quais as despesas do processo principal que se devem considerar «administration expenses» e em que medida essas despesas beneficiam de um privilégio oponível aos credores do processo secundário, entre os quais os trabalhadores da NNSA, com base no direito aplicável e/ou nas estipulações contratuais do protocolo de coordenação.

29.

Resulta de todas as considerações precedentes que o diferendo que opõe os órgãos do processo principal ao liquidatário do processo secundário e ao CE e aos trabalhadores da NNSA no litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio se insere no domínio do regulamento, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 23 supra. Esta conclusão não é invalidada pelo facto de as relações entre as diferentes partes no litígio no processo principal serem reguladas em certos aspetos por acordos celebrados entre elas (o protocolo de fim de conflito e o protocolo de coordenação) e a extensão dos direitos que cada uma destas partes reivindica poder variar em função de acordos que vinculam algumas delas a terceiros (o RPS 2010 e o acordo IFSA), uma vez que esse facto não é suscetível de pôr em causa o fundamento jurídico das suas pretensões recíprocas e todos estes acordos se situam no contexto da insolvência da NNSA ( 13 ) e das operações ligadas à sua liquidação.

2. Análise da primeira parte da questão prejudicial

a) As regras de competência jurisdicional previstas pelo regulamento e as regras deduzidas pela jurisprudência

30.

Antes de mais, deve sublinhar‑se que o regulamento só determina expressamente a competência jurisdicional para abrir o processo de insolvência. Assim, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, esta competência cabe aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor. Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, os órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro que não o do centro de interesses principais do devedor e em cujo território este devedor possui um estabelecimento estável são competentes para abrir um processo de insolvência territorial, ou seja, um processo limitado aos bens do devedor localizados neste último território.

31.

Pelo acórdão Seagon (C‑339/07, EU:C:2009:83) foi introduzida no sistema do regulamento uma regra de competência adicional. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento deve ser interpretado no sentido de que atribui também competência internacional a um Estado‑Membro em cujo território foi iniciado o processo de insolvência para conhecer das ações decorrentes diretamente desse processo e com ele estreitamente relacionadas ( 14 ).

32.

Na esteira de vários intervenientes que apresentaram observações no presente processo, incluindo a Comissão Europeia, entendo que se deve fazer uma interpretação semelhante no que respeita ao artigo 3.o, n.o 2, do regulamento e, por isso, que a regra de competência afirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Seagon (EU:C:2009:83), baseada na vis attractiva concursus, é suscetível de se aplicar também a favor dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que é aberto o processo secundário. Parece‑me que esta conclusão se impõe com base nos mesmos elementos em que o Tribunal de Justiça se apoiou para deduzir a referida regra do sistema do regulamento e dos seus objetivos. Com efeito, por um lado, o sexto considerando do regulamento, segundo o qual este «[se] deve limitar […] às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões diretamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionadas» ( 15 ), refere‑se indistintamente a qualquer processo aberto nos termos do regulamento, sem estabelecer diferenças entre os processos principal, territorial ou secundário. Por outro lado, a prossecução do objetivo de melhoria da eficácia e da celeridade dos processos de insolvência que têm efeitos transfronteiriços, visados no segundo e no oitavo considerandos do regulamento, e do objetivo de evitar que as partes sejam incitadas a transferir os bens ou os processos judiciais de um Estado‑Membro para outro para melhorar a sua situação jurídica («forum shopping»), mencionado no quarto considerando do regulamento, também ficaria enfraquecida se os órgãos jurisdicionais do Estado de abertura do processo secundário não tivessem competência para conhecer das ações que derivam daquele processo e que estão estreitamente relacionadas com ele, como as ações de reivindicação de montantes ou de ativos do processo secundário. Além disso, uma interpretação do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento análoga à que o Tribunal de Justiça fez no acórdão Seagon (EU:C:2009:83) é confirmada, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou nos n.os 25 e 26 desse acórdão, pelo primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 25.o do regulamento. Esta disposição institui uma obrigação de reconhecimento das decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.o do regulamento. Ora, este artigo refere‑se às decisões proferidas «por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente por força do artigo 3.o», ou seja, tanto por um órgão jurisdicional competente ao abrigo do n.o 1 desse artigo como por um órgão jurisdicional competente ao abrigo do seu n.o 2.

33.

É verdade que, como afirmam os coadministradores nas suas observações escritas, o acórdão Seagon (EU:C:2009:83) consagra «o princípio da concentração da competência nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro que instaurou o processo principal» ( 16 ). Todavia, na economia do raciocínio do Tribunal de Justiça, este princípio só se destina a ser aplicado em relação a ações «decorrentes diretamente desse processo e com ele estreitamente relacionadas» ( 17 ). Pelo contrário, nada nesse acórdão permite concluir que o referido princípio se estende até ao ponto de incluir também as ações diretamente decorrentes de um processo secundário e estreitamente relacionadas com ele. Tal como expus no ponto anterior, os fundamentos em que se baseia o referido acórdão são suscetíveis de conduzir à mesma interpretação do n.o 2 do artigo 3.o do regulamento que o tribunal fez do n.o 1 desse artigo. Estes fundamentos são, aliás, «neutros» do ponto de vista da repartição da competência jurisdicional entre o processo principal e o processo secundário; o Tribunal de Justiça, para sustentar a sua interpretação, não se apoia, em nenhuma passagem do referido acórdão, na natureza universal do processo principal nem na sua supremacia em relação ao processo secundário ( 18 ).

34.

Finalmente, para ser exaustivo, sublinho que tanto o relatório «External Evaluation of Regulation No. 1346/2000/EC on Insolvency Proceedings» (a seguir «Heidelberg‑Luxembourg‑Vienna Report») ( 19 ) como a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento n.o 1346/2000, apresentada pela Comissão em 12 de dezembro de 2012 ( 20 ) (a seguir «proposta de modificação do regulamento»), recomendam a codificação do princípio da vis attractiva concursus no que respeita às ações acessórias e a respetiva aplicação a favor dos órgãos jurisdicionais em que está pendente o processo com o qual essas ações estão relacionadas, quer se trate de um processo de insolvência principal, territorial ou secundário ( 21 ).

35.

No acórdão Schmid (C‑328/12, EU:C:2014:6), a regra da competência jurisdicional enunciada no acórdão Seagon (EU:C:2009:83) num contexto exclusivamente interno da União foi alargada aos litígios que têm um vínculo com um Estado terceiro. Sublinhando os objetivos prosseguidos pelo artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de incentivar a previsibilidade da competência jurisdicional em matéria de insolvência e depois de ter rejeitado os argumentos invocados pelo Governo alemão — baseados nomeadamente num alegado desvio da competência, em princípio, do domicílio do demandado e do risco de que a decisão não seja reconhecida — o Tribunal de Justiça concluiu nesse acórdão que a referida disposição «cria também uma competência para conhecer uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado com domicílio num Estado terceiro» ( 22 ). Contrariamente ao que sustentou o Governo do Reino Unido nas suas observações escritas, entendo que a mesma interpretação, que se limita a alargar o âmbito territorial do princípio da vis attractiva concursus tal como reconhecido no acórdão Seagon (EU:C:2009:83), também é suscetível de ser acolhida no contexto do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento. Com efeito, essa disposição prossegue os mesmos objetivos de previsibilidade da competência jurisdicional e de segurança jurídica evocados pelo Tribunal de Justiça a propósito do n.o 1 do referido artigo 3.o Estes objetivos, bem como os da simplificação e da eficácia dos processos e da redução dos incentivos ao «forum shopping», já sublinhados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Seagon (EU:C:2009:83), militam no sentido de reconhecer aos órgãos jurisdicionais do Estado em que foi aberto um processo secundário a competência para conhecer uma ação revogatória ou outra ação fundada na insolvência que decorra diretamente desse processo e que esteja estreitamente relacionada com ele (por exemplo, porque visa reintegrar no património do devedor um embora, antes da sua alienação, estivesse localizado no território desse Estado‑Membro), independentemente da questão de saber se o demandado tem o seu domicílio num Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

36.

Num plano mais geral, no acórdão Schmid (EU:C:2014:6), na sequência direta do acórdão Owusu (C‑281/02, EU:C:2005:120), proferido no contexto da Convenção de Bruxelas ( 23 ), o Tribunal de Justiça interpretou extensivamente o âmbito de aplicação geográfica do regulamento, estendendo‑o para além dos processos de insolvência transfronteiriços «europeus» e incluindo nele tanto os processos caraterizados por elementos de extraterritorialidade que se situam ao mesmo tempo no interior e no exterior do território da União como os puramente «internacionais», nos quais todos os elementos de extraterritorialidade se situam fora da União. A solução dada pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão implica que, sempre que o centro de interesses principais do devedor se encontre num Estado‑Membro, as disposições do regulamento aplicam‑se, nas relações entre os Estados‑Membros, a todos os processos de insolvência, incluindo os aspetos da mesma que têm uma conexão com um Estado terceiro ( 24 ), afastando as disposições do direito internacional privado dos Estados‑Membros.

37.

Esta conclusão permite dissipar as dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à aplicabilidade do regulamento em circunstâncias como as do processo principal, em que o produto da venda dos ativos do devedor está depositado numa conta bloqueada nos Estados Unidos e, logo, fora do território da União. Permite também recusar o argumento exposto pelo CE da NNSA de que, se se concluísse que os ativos da NNSA se devem considerar localizados fora da União ( 25 ) por força do regulamento, haveria que aplicar as regras do direito internacional privado francês, segundo as quais o processo aberto em França contra a NNSA teria efeitos universais e, por isso, abrangeria os referidos ativos. Com efeito, a aplicação dessas regras, que viria aliás a alargar os efeitos de um processo secundário, de natureza territorial, para além dos limites impostos pelo regulamento, está excluída à luz do acórdão Schmid (EU:C:2014:6).

b) Articulação entre o processo principal e o processo secundário no sistema do regulamento

38.

Convém agora examinar a função do processo principal e a do processo secundário e o modo como se articulam entre si no sistema do regulamento.

39.

Como decorre do seu preâmbulo, nomeadamente do 11.° considerando, o regulamento tem por base os princípios da universalidade e da unidade do processo de insolvência, cuja aplicação, no entanto, foi intencionalmente moderada pelo legislador comunitário, autorizando a abertura de processos nacionais de alcance territorial paralelamente ao processo principal de vocação universal. As razões desta opção radicam na exigência de proteger os interesses dos credores locais e de facilitar a gestão de patrimónios complexos (v. 19.° considerando do regulamento), para além das divergências consideráveis existentes entre os direitos materiais dos Estados‑Membros, que desaconselham a instituição de um único processo de insolvência e a aplicação sem exceção do direito do Estado onde o mesmo é aberto (v. oitavo considerando do regulamento). Daí resultou que o regulamento preveja dois critérios diferentes de competência, a saber, o do centro dos interesses principais, que designa os tribunais competentes para instaurar o processo principal, e o critério do estabelecimento, que permite instaurar um processo secundário.

40.

A opção do legislador comunitário de permitir a abertura de processos territoriais torna certamente o sistema mais flexível, ou seja, a abertura de um ou de vários processos deste tipo pode, por exemplo, revelar‑se particularmente útil em situações como a do processo principal, em que um processo é aberto no Estado‑Membro do centro dos interesses principais relativamente às diferentes filiais de um grupo de sociedades, mas a parte essencial dos ativos, dos trabalhadores ou dos credores de uma ou outra destas filiais se situa num Estado‑Membro diferente.

41.

Todavia, esta opção introduz também um fator de complexidade, na medida em que permite que o mesmo devedor seja submetido a vários processos paralelos. É verdade que, na economia do regulamento, os processos secundários estão limitados em diversos aspetos, tanto do ponto de vista processual como substantivo. Pressupõem, em princípio, a abertura de um processo principal em que vão inserir‑se ( 26 ), só podem ser processos de liquidação (artigo 3.o, n.o 3, do regulamento) e os seus efeitos estão circunscritos aos ativos do devedor localizados no território do Estado em que esses processos são abertos (artigos 3.°, n.o 2, e 27.° do regulamento). Mas não deixa de ser verdade que a existência de processos concomitantes pode causar ineficácia, se não houver regras que permitam gerir as dificuldades que uma situação desse tipo pode originar.

42.

Para esse efeito, o regulamento prevê regras mínimas de coordenação que visam promover a tramitação harmoniosa dos processos, propícia a uma gestão e realização eficazes da massa insolvente. Estas regras impõem, nomeadamente, o dever de informação e cooperação recíproca entre os administradores dos diferentes processos ( 27 ) e preveem mecanismos destinados a assegurar a igualdade de tratamento dos credores ( 28 ) e a determinar o destino de eventuais remanescentes apurados num processo secundário ( 29 ). A cooperação acrescida para uma gestão mais eficaz de processos de insolvência paralelos é, aliás, um dos principais objetivos da proposta de modificação do regulamento apresentada pela Comissão ( 30 ).

43.

As relações entre o processo principal e o processo secundário articulam‑se, assim, à volta de um imperativo de coordenação, que se destina a garantir a realização dos objetivos prioritários de eficácia e de efetividade, mesmo quando estejam pendentes vários processos. Neste contexto, o regulamento reconhece um papel predominante ao processo principal, a cujo administrador confere várias possibilidades de influir no ou nos processos secundários em curso, por exemplo, propondo um plano de recuperação ou uma concordata ou pedindo a suspensão da liquidação da massa insolvente no processo secundário ( 31 ).

44.

Sem prejuízo do respeito deste papel e da obrigação de coordenação, o regulamento reconhece ao processo secundário, se não uma verdadeira autonomia, pelo menos uma esfera própria. Este processo tem um alcance distinto do do processo principal, visa a proteção de interesses específicos e goza de um regime semelhante em diversos aspetos ao que se aplica ao processo principal. Assim, a exemplo de uma decisão de instaurar um processo nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento, a decisão de abertura de um processo secundário é reconhecida automaticamente em todos os Estados‑Membros por força do artigo 16.o do regulamento, e, nos termos do seu artigo 17.o, n.o 2, os seus efeitos não podem ser contestados nos outros Estados‑Membros. Também nos termos do artigo 25, n.o 1, do regulamento, as decisões proferidas pelo órgão jurisdicional que tenha aberto esse processo relativas à tramitação e encerramento do mesmo ou que derivem diretamente desse processo e estejam estreitamente relacionadas com ele ou ainda uma concordata aprovada pelo mesmo órgão jurisdicional são, do mesmo modo, reconhecidas sem nenhuma formalidade. Nos termos dos artigos 4.° e 28.° do regulamento, e do mesmo modo que um processo aberto nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, o processo secundário rege‑se pela lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto. Finalmente, nos termos do artigo 18, n.o 2, do regulamento, os administradores do processo secundário podem intentar de modo autónomo as ações que visam reivindicar os bens correspondentes a esse processo e que tenham sido transferidos para o território de outro Estado‑Membro, bem como qualquer outra ação revogatória útil aos interesses dos credores.

45.

Além disso, resulta da opção do legislador comunitário de permitir a abertura de processos paralelos ao processo principal e das razões que subjazem a essa opção, exemplificadas no preâmbulo do regulamento, que essa abertura limita os efeitos do processo principal. O mesmo acontece com os poderes dos administradores deste último processo, como aliás decorre claramente do artigo 18, n.o 1, do regulamento, segundo o qual «[o] administrador designado por um órgão jurisdicional competente por força do n.o 1 do artigo 3.o pode exercer no território de outro Estado‑Membro todos os poderes que lhe são conferidos pela lei do Estado de abertura do processo, enquanto nesse outro Estado‑Membro não tiver sido aberto qualquer processo de insolvência, nem tiver sido tomada qualquer medida cautelar em contrário na sequência de um requerimento de abertura de um processo de insolvência nesse Estado» ( 32 ).

c) Determinação do órgão jurisdicional competente para definir o âmbito dos efeitos do processo secundário

46.

É à luz das observações desenvolvidas nos títulos a) e b) anteriores que se deve responder à primeira parte da questão prejudicial submetida pelo tribunal de commerce de Versalhes, que visa, em substância, determinar se o referido tribunal, como órgão jurisdicional que instaurou um processo secundário ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento relativo à insolvência da NNSA, também tem competência, nos termos do referido regulamento, para definir o âmbito dos efeitos desse processo. Ora, na minha opinião, resulta quer da articulação entre o processo principal e o processo secundário prevista pelo regulamento, quer da finalidade que este confere a este último processo e, mais geralmente, dos objetivos que o mesmo prossegue que a resposta a esta questão deve ser afirmativa.

47.

Em primeiro lugar, como já sublinhei anteriormente, apesar do caráter universal e do papel determinante reconhecidos ao processo principal e do caráter subordinado atribuído ao processo secundário, este último processo mantém uma autonomia na economia do regulamento, necessária à prossecução dos objetivos que lhe são reconhecidos e à função de limitar a aplicação do princípio da unidade do processo de insolvência, que lhe é atribuída na economia do regulamento ( 33 ). Ora, no meu entender, não seria compatível com este contexto concluir que o órgão jurisdicional competente para instaurar esse processo não tem competência para determinar o âmbito dos respetivos efeitos com base nas disposições do regulamento.

48.

Em segundo lugar, há que lembrar que, nos termos dos artigos 3.°, n.o 2, e 27.° do regulamento, os efeitos do processo secundário são limitados aos bens do devedor situados no território do Estado‑Membro onde esse processo foi aberto. Ora, como sublinha Me Rogeau nas suas observações escritas, o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ao qual é submetido um pedido de abertura de um processo secundário para examinar a existência das condições da sua própria competência ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento, é obrigado a apreciar se os ativos do devedor situados no território desse Estado‑Membro permitem concluir que ele possui aí um «estabelecimento» na aceção do artigo 2.o, alínea h), do regulamento ( 34 ) . Daí resulta que este órgão jurisdicional, mesmo antes da abertura do processo secundário, tem de identificar no território do Estado‑Membro em causa pelo menos uma parte dos referidos ativos, aos quais se devam estender os efeitos do referido processo.

49.

Em terceiro lugar, este exercício de identificação dos elementos do património do devedor situados no território do Estado‑Membro em que é aberto o processo secundário é essencial não apenas para verificar a existência das condições de abertura desse processo, delimitar os seus efeitos e definir o âmbito de aplicação material das disposições da lei do referido Estado‑Membro, mas também para permitir a própria tramitação do processo secundário, que é um processo de liquidação. Daí decorre que, tal como sustenta Me Rogeau, a meu ver corretamente, uma ação como a do processo principal, que visa obter a declaração de que certos ativos do devedor e o produto da venda dos mesmos se incluem no âmbito dos efeitos do processo secundário, decorre diretamente desse processo e está estreitamente relacionada com ele, na aceção da jurisprudência Seagon (EU:C:2009:83), tal como interpretada no n.o 32 supra, e, por isso, é da competência do órgão jurisdicional que instaurou o referido processo.

50.

Em quarto lugar, os objetivos de eficácia, de efetividade e de rapidez dos processos de insolvência que justificaram a adoção do regulamento não poderiam ser assegurados de modo adequado por uma solução que impusesse ao órgão jurisdicional do Estado em que tivesse sido aberto o processo secundário, no qual foi proposta uma ação que visa determinar o âmbito dos efeitos desse processo, o dever de declinar a sua competência a favor do órgão jurisdicional do Estado em que tivesse sido aberto o processo principal e de suspender o processo até que fosse proferida uma decisão por este último órgão jurisdicional.

51.

Na minha opinião, os elementos anteriormente evocados militam no sentido do reconhecimento da competência aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que é aberto o processo secundário para decidir uma ação que visa definir o âmbito dos efeitos desse processo. Pelo contrário, não me convencem os argumentos opostos aduzidos pelos coadministradores e pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, que sustentam a competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que é aberto o processo principal. Estes argumentos apoiam‑se essencialmente na primazia do processo principal e no seu alcance universal.

52.

Ora, como recordei no n.o 43 supra, é verdade que o regulamento reconhece um «papel predominante» a esse processo. Todavia, essa primazia, que visa essencialmente assegurar a melhor coordenação dos processos principal e secundário através da sua hierarquização, não tem como consequência privar os órgãos jurisdicionais do processo secundário das suas prerrogativas, nomeadamente quando se trata da delimitação dos efeitos deste processo e não da adoção de decisões que respeitem ao curso das operações de liquidação ou à satisfação dos credores ou às condições de encerramento desse processo. Também não creio que a universalidade reconhecida ao processo principal possa constituir um argumento decisivo para reivindicar para os órgãos jurisdicionais desse processo a competência exclusiva para determinar a extensão dos efeitos de um processo diferente, embora subordinado e de natureza territorial, cuja abertura teve precisamente o efeito de subtrair uma parte dos ativos do devedor ao domínio exclusivo do processo principal e à lei que lhe é aplicável.

53.

Para concluir, há que sublinhar, por um lado, que o regulamento prevê expressamente não apenas o critério de repartição dos ativos do devedor entre o processo principal e o processo secundário, a saber, a localização destes ativos, mas também, como se verá mais pormenorizadamente em seguida, as disposições materiais destinadas a orientar os órgãos jurisdicionais competentes na aplicação deste critério. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão Bank Handlowy e Adamiak (C‑116/11, EU:C:2012:739), incumbe ao órgão jurisdicional competente ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento, em relação a todas as decisões que toma — e, por isso, mesmo quando decide sobre os efeitos do processo secundário — o dever de cooperação leal, que implica ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento, que assenta no princípio da confiança mútua, o imperativo da coordenação dos processos principal e secundário, o objetivo do funcionamento eficaz e efetivo dos processos de insolvência transfronteiriços e a primazia do processo principal ( 35 ). Nestas circunstâncias, o risco de que este órgão jurisdicional possa adotar uma decisão em detrimento dos interesses do processo principal é reduzido.

54.

Com base nos fundamentos que acabo de expor, entendo que um órgão jurisdicional competente para instaurar um processo secundário ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento também é competente para determinar quais os bens do devedor que se incluem no âmbito dos efeitos desse processo.

d) Competência exclusiva ou concorrente?

55.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta também ao Tribunal de Justiça, na hipótese de este vir a reconhecer a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado em que foi aberto o processo secundário, se essa competência é exclusiva ou «alternativa» à competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que foi aberto o processo principal.

56.

A este respeito, recordo que resulta das disposições do regulamento que a abertura de um processo secundário no Estado‑Membro em que o devedor possui um estabelecimento tem por efeito submeter os ativos do devedor situados no território desse Estado‑Membro a um regime jurídico diferente do que se aplica ao processo principal. Apesar da subordinação do processo secundário ao processo principal, as regras imperativas de coordenação entre os dois processos e as obrigações de cooperação que incumbem aos seus órgãos respetivos, os referidos ativos são, de facto, subtraídos do âmbito exclusivo do processo principal e da lei que lhe é aplicável.

57.

Daí resulta que a decisão tomada pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que é aberto o processo secundário sobre quais os bens que se incluem no âmbito dos efeitos desse processo se pronuncia indireta mas inevitavelmente sobre o âmbito dos efeitos do processo principal. Ora, por razões semelhantes às que expus, deve reconhecer‑se que o órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que foi aberto o processo principal também tem competência para determinar o âmbito dos efeitos desse processo, à semelhança da competência do Estado‑Membro em que foi aberto o processo secundário.

58.

Daí resulta que eventuais litígios relativos à pertença de um elemento do património do devedor a um ou outro dos processos podem ser submetidos alternativamente a um ou outro dos órgãos jurisdicionais. Por conseguinte, a competência destes para conhecer desses litígios é concorrente.

59.

Os coadministradores criticam esta solução, alegando que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o regulamento se opõe à multiplicação de foros concorrentes. Apoiam‑se especialmente no acórdão Rastelli Davide e C. (C‑191/10, EU:C:2011:838) ( 36 ). A este respeito, limito‑me a sublinhar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que admitir a extensão de um processo de insolvência principal a uma entidade juridicamente distinta daquela em relação à qual esse processo foi aberto pelo simples facto de existir confusão dos patrimónios, sem procurar saber onde se encontra o centro dos interesses principais dessa entidade, constituiria um desvio ao sistema estabelecido pelo regulamento, permitindo a um órgão jurisdicional que não seria competente para instaurar um processo principal ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento adotar uma decisão que produziria os mesmos efeitos que a decisão de abertura desse processo em relação a uma entidade jurídica. Ora, no caso vertente, não se trata de criar um terceiro critério de competência em relação aos critérios referidos no artigo 3.o do regulamento, mas apenas de admitir que os órgãos jurisdicionais designados com base nesses critérios têm uma competência concorrente para conhecerem de determinadas ações.

60.

Existindo foros concorrentes, há o risco de decisões inconciliáveis. Como propõe a Comissão, esse risco poderia ser resolvido aplicando uma regra análoga à prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, que, em caso de litispendência, atribui competência ao tribunal ao qual o litígio foi submetido em primeiro lugar. Todavia, na minha opinião, não compete ao Tribunal de Justiça integrar uma regra desta natureza no sistema do regulamento por via jurisprudencial ( 37 ). Com efeito, essa operação de integração, que seria seguramente desejável se a solução que proponho viesse a ser adotada, cabe exclusivamente ao legislador da União. Por conseguinte, no estado atual, só o mecanismo do reconhecimento quase automático previsto no artigo 25, n.o 1, do regulamento permitiria evitar o risco de decisões inconciliáveis em caso de competência concorrente.

e) Conclusões sobre a primeira parte da questão prejudicial

61.

Com base em todas as considerações precedentes, entendo que se deve responder ao tribunal de commerce de Versalhes que o órgão jurisdicional competente ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento para instaurar um processo secundário também é competente para determinar quais os bens do devedor que se incluem no âmbito dos efeitos desse processo. Uma ação que vise determinar se um ou vários elementos do património do devedor se incluem no processo principal ou no processo secundário pode ser intentada alternativamente no órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que seja aberto o processo principal ou no órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que seja aberto o processo secundário.

B — Quanto à segunda parte da questão prejudicial: a lei aplicável

62.

Com a segunda parte da sua questão prejudicial, o tribunal de commerce de Versalhes pergunta ao Tribunal de Justiça, no caso de este vir a reconhecer a competência do Estado‑Membro em que foi aberto o processo secundário para determinar o âmbito dos efeitos desse processo, qual é a lei aplicável a essa determinação.

63.

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a do Estado‑Membro em cujo território tenha sido aberto o processo e, por isso, depende da determinação do órgão jurisdicional internacionalmente competente para abrir o referido processo, nos termos do artigo 3.o do regulamento ( 38 ). Esta solução é expressamente confirmada pelo artigo 28.o do regulamento, segundo o qual «[s]alvo disposição em contrário [do[…] regulamento], a lei aplicável ao processo secundário é a do Estado‑Membro em cujo território tiver sido aberto o processo secundário».

64.

Apesar disto, o regulamento prevê algumas regras materiais uniformes destinadas a serem aplicadas em derrogação da lei nacional designada aplicável.

65.

Assim, tanto quanto nos interessa no caso vertente, há que recordar antes de mais que o regulamento, nos seus artigos 3.°, n.o 2, e 27.°, estabelece um critério específico de repartição dos ativos do devedor entre o processo principal e o processo secundário baseado na localização desses ativos, que não pode ser objeto de derrogação nem pelas disposições do direito nacional nem por acordo dos órgãos jurisdicionais dos dois processos. Por aplicação deste critério, os bens do devedor que estão situados no território do Estado‑Membro em que foi aberto o processo secundário estão sujeitos a este processo e, por consequência, o produto da venda destes bens também deve integrar o referido processo. Pelo contrário, também por aplicação do mesmo critério, os bens do devedor que estão situados num Estado terceiro não podem de modo nenhum integrar o processo secundário, pela simples razão de que não se encontram no território do Estado‑Membro em que esse processo foi aberto. Estes bens pertencem, assim, necessariamente ao processo principal, que tem alcance universal. Como já tive oportunidade de sublinhar no n.o 37 supra, qualquer interpretação baseada no direito nacional que alargasse os efeitos de um processo secundário a bens do devedor situados num Estado terceiro não seria compatível com o regulamento.

66.

Em seguida, é possível deduzir das disposições do regulamento uma regra com a qual concordam todos os intervenientes que apresentaram observações no presente processo, segundo a qual a data que se deve tomar como referência para apreciar se um bem está ou não situado no território do Estado‑Membro em que foi aberto o processo secundário é a data em que a decisão de abertura desse processo produz efeitos. Esta conclusão decorre nomeadamente da leitura conjugada dos artigos 2.°, alínea f). ( 39 ), e 18.°, n.o 2, do regulamento ( 40 ). Assim, qualquer transferência de ativos do devedor para fora do território do Estado‑Membro em que foi aberto o processo secundário após a data referida, não pode ter por consequência subtrair estes ativos ou o produto da sua venda, quando tal transferência diz respeito não ao bem em si mesmo mas ao produto da sua liquidação, ao processo secundário, mesmo quando tenha sido autorizada pelo juiz deste processo no quadro de um acordo de coordenação com o processo principal ( 41 ).

67.

Finalmente, como já antecipei no n.o 53 anterior, o regulamento contém certas disposições materiais destinadas a orientar os órgãos jurisdicionais competentes na aplicação do critério de repartição dos ativos do devedor entre o processo principal e o processo secundário. Com efeito, o artigo 2.o, alínea g), do regulamento define o que, para efeitos do regulamento, se deve entender por «Estado‑Membro onde se encontra um bem», em relação a três categorias diferentes de bens, a saber, os bens corpóreos, os bens e direitos que devam ser inscritos num registo público pelo respetivo proprietário ou titular e os créditos. Embora se possa revelar insuficiente para cobrir todos os tipos de ativos, nomeadamente face à complexidade de certos patrimónios ( 42 ), esta disposição denota, apesar disso, a vontade do legislador comunitário de submeter a determinação da situação dos bens do devedor a uma regulamentação uniforme. Esta opção, bem como o caráter incompleto da lista fornecida pelo referido artigo 2.o, alínea g), exige, sem dúvida, um esforço interpretativo importante ao juiz nacional, ao qual compete identificar uma regra aplicável em cada caso concreto com base nessa disposição.

68.

Tendo em conta as considerações precedentes, incumbe, no caso vertente, ao tribunal de commerce de Versalhes «localizar», com referência à data de abertura do processo secundário e com base nos critérios enunciados no artigo 2.o, alínea g), do regulamento, todos os ativos corpóreos e incorpóreos da NNSA que foram objeto de cessão, incluindo o direito de propriedade económica («equitable or beneficial ownership») que detém sobre a propriedade intelectual do grupo Nortel em virtude do MRDA, bem como os direitos de licença exclusiva, gratuita e perpétua de que era titular com base neste mesmo acordo ( 43 ). A este respeito, parece‑me que cabe antes de mais ao órgão jurisdicional de reenvio apurar se, tendo em conta o referido acordo, estes direitos podem ser cindidos e considerados como ativos separados.

69.

Em seguida, incumbe a esse órgão jurisdicional apurar se, nos termos do direito canadiano, ao qual está sujeito o MRDA, o direito da NNSA ao pagamento da «R & D allocation» deve ser qualificado como «direito real de gozo», como sustenta o CE da NNSA, ou como «direito de crédito» resultante da sua contribuição para a atividade de R & D do grupo Nortel. Neste último caso, poderia ter de se aplicar o critério do centro dos interesses principais do terceiro credor, enunciado no artigo 2.o, alínea g), terceiro travessão, do regulamento. A este propósito, recordo, a título incidental, que o facto de a quota‑parte do preço que cabe à NNSA na sequência da cessão dos seus ativos poder, por sua vez, ser qualificada como crédito de preço sobre o depósito bloqueado — e como tal localizado fora do território da União — não seria pertinente, se devesse concluir‑se que os ativos em questão estavam localizados no território francês à data em que a decisão de abertura do processo secundário produziu efeitos. Com efeito, como já observei no n.o 66 anterior, o modo de cessão de um ativo não pode ter como consequência atribuir esse ativo ao processo principal quando estava inicialmente adstrito ao processo secundário, e vice‑versa.

70.

Se, como creio, o direito ao «beneficial ownership» que decorre do sistema criado pelo MRDA não pode ser reduzido a um simples direito de crédito, há que averiguar se o mesmo pode ser enquadrado numa das duas categorias previstas no primeiro e no segundo travessões do artigo 2.o, alínea g), do regulamento. A este respeito, a tese dos coadministradores de que este direito é abrangido pelo segundo travessão referido, uma vez que se refere a direitos de propriedade intelectual que são objeto de registo, não me convence. Com efeito, nem o «beneficial ownership», que dá direito, no quadro do MRDA, à «R & D allocation» nem, aliás, os direitos de utilização da propriedade intelectual e industrial do grupo Nortel que decorrem das licenças exclusivas concedidas pela NNL no quadro do mesmo acordo podem ser qualificados como «direitos que devam ser inscritos num registo público pelo respetivo proprietário ou titular», na aceção do artigo 2.o, alínea g), segundo travessão, do regulamento. O simples facto de os referidos direitos estarem «ligados» a direitos de propriedade industrial ou intelectual, que, esses sim, foram objeto de registo (pela NNL e fora do território da União) não modifica esta conclusão. Por outro lado, na minha opinião, não se pode sustentar, como parece sugerir o CE da NNSA, que os direitos em causa estão abrangidos pelo primeiro travessão do artigo 2.o, alínea g), do regulamento pelo facto de estarem «materializados» em licenças, dado que estas não podem considerar‑se bens corpóreos.

71.

Há, portanto, que deduzir do artigo 2.o, alínea g), do regulamento uma regra que tenha em conta a especificidade dos ativos em questão. Ora, parece‑me poder deduzir dos dois primeiros travessões dessa disposição uma indicação de caráter geral, a saber, que os diferentes elementos do património de um devedor devem, em princípio, ser afetados ao processo de insolvência do qual estão naturalmente mais próximos. É o que ocorre no que respeita aos bens corpóreos, que são afetados ao processo aberto no território do Estado‑Membro onde se situam e no que respeita aos bens e direitos que devam ser registados, os quais são abrangidos pelo processo de insolvência aberto no Estado‑Membro sob cuja autoridade o registo é mantido. Encontra‑se a mesma regra, aplicada a contrario, no artigo 12.o do regulamento, segundo o qual «uma patente comunitária, uma marca comunitária ou qualquer outro direito análogo […] apenas pode ser abrangido por um processo referido no n.o 1 do artigo 3.o», por não poderem ser ligados ao território de um único Estado‑Membro, uma vez que os seus efeitos se estendem a todo o território da União. Na mesma lógica se inscreve também a proposta de modificação do artigo 2.o, alínea g), do regulamento apresentada pela Comissão, uma vez que os novos travessões (que se referem a ações nominativas de empresas, a instrumentos financeiros cuja propriedade é provada por uma inscrição num registo e ao numerário depositado em contas bancárias) enunciam de modo semelhante os critérios que privilegiam a ligação do bem ao território do Estado‑Membro com o qual mantém relações mais próximas.

72.

Ora, para voltar ao caso do processo principal, entendo que, pela aplicação da regra acima mencionada, os direitos que decorrem da participação do devedor na atividade de R & D de um grupo de sociedades e/ou que têm por objeto a exploração dos resultados dessa atividade com base num sistema de licenças exclusivas e gratuitas, na medida em que não estão referidos no segundo e no terceiro travessões do artigo 2.o, alínea g), do regulamento, deveriam localizar‑se no território do Estado‑Membro onde se encontra o polo da atividade do devedor que tenha contribuído para a referida atividade de R & D e que tenha utilizado os respetivos resultados para o seu desenvolvimento.

73.

Com base nas considerações expostas, entendo que se deve responder à segunda parte da questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que, para determinar se um bem do devedor é abrangido pelo âmbito dos efeitos do processo secundário, o juiz ao qual foi submetida a ação deve apurar se este bem estava situado no território do Estado‑Membro em que foi aberto o referido processo na data em que a decisão de abertura produziu os seus efeitos e que a situação do referido bem deve ser apreciada com base nos critérios estabelecidos no artigo 2.o, alínea g), do regulamento.

IV — Conclusão

74.

À luz de todas as considerações precedentes, sugiro ao tribunal de Justiça que responda do modo seguinte ao tribunal de commerce de Versalhes:

«O órgão jurisdicional competente ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, para instaurar um processo secundário também é competente para determinar quais os bens do devedor que se incluem no âmbito dos efeitos desse processo.

Uma ação que vise determinar se um ou vários elementos do património do devedor se incluem no processo principal ou no processo secundário pode ser intentada alternativamente no órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que seja aberto o processo principal ou no órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que seja aberto o processo secundário.

Para determinar se um bem do devedor é abrangido pelo âmbito dos efeitos do processo secundário, o juiz ao qual foi submetida a ação deve apurar se este bem estava situado no território do Estado‑Membro em que foi aberto o referido processo na data em que a decisão de abertura produziu os seus efeitos. A situação do referido bem deve ser apreciada com base nos critérios estabelecidos no artigo 2.o, alínea g), do Regulamento n.o 1346/2000.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento (CE) do Conselho, de 29 de maio de 2000 (JO L 160, p. 1).

( 3 ) A NNSA aderiu ao MRDA por assinatura de 22 de dezembro de 2004.

( 4 ) A assinatura deste acordo foi autorizada por despacho do juiz comissário de 7 de julho de 2009.

( 5 ) Discriminado do modo seguinte: cerca de 8 milhões de euros a título de «Residual Profit Sharing» 2010 (a seguir «RPS 2010») e 8,6 milhões de euros avançados pelos coadministradores a título de participação da NNSA nas despesas de cessão dos ativos do grupo na região EMEA («Europa Médio Oriente África») ou seja, cerca de 25%.

( 6 ) Resulta da petição que o CE da NNSA e os antigos trabalhadores da NNSA se opõem ao pagamento de 8 milhões de euros a título do RPS 2010 com fundamento numa transação constante do protocolo de fim de conflito, que fixa o saldo de qualquer pagamento a título do Revenue Profit Sharing num montante global de 4,9 milhões de USD. Contestam também a imputabilidade à NNSA das perdas relacionadas com a continuação do sistema MRDA, geradas pelo atraso do processo de cessão de ativos do grupo Nortel a nível mundial e alegam a natureza condicional e ainda não exigível do RPS 2010. Quanto ao crédito relativo ao reembolso das despesas de cessão, sustentam que o mesmo só se justifica se e no momento em que o processo secundário receba a quota‑parte do produto da cessão global que caiba à NNSA e, por isso, não obsta ao pagamento do subsídio diferido por conta dos montantes atualmente disponíveis neste processo. Finalmente, no que respeita ao crédito do Fundo de pensões inglês, entendem que o facto de esse crédito ter sido qualificado como «administration expense» no direito inglês não produz efeitos no processo secundário, uma vez que o pagamento dos créditos deste processo deve fazer‑se nos termos do direito francês.

( 7 ) Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1). Só as observações dos coadministradores abordam a questão, mas concluindo pela inaplicabilidade do Regulamento n.o 44/2001.

( 8 ) V. acórdãos F‑Tex (C‑213/10, EU:C:2012:215, n.os 21, 29 e 48) e Nickel & Goeldner Spedition (C‑157/13, EU:C:2014:2145, n.o 22).

( 9 ) V. acórdãos F‑Tex (EU:C:2012:215, n.os 23 e 29) e Nickel & Goeldner Spedition (EU:C:2014:2145, n.o 23).

( 10 ) V. n.o 8 do protocolo de coordenação.

( 11 ) Nos termos desta disposição do referido protocolo, as partes acordam em reivindicar, a favor da NNSA, o direito a uma percentagem de 9% do produto da cessão de todos os direitos de propriedade intelectual do grupo.

( 12 ) A este respeito, na rúbrica «Cobrança dos ativos/Repartição do produto da venda», o n.o 6.1 do referido protocolo limita‑se a precisar que «salvo acordo escrito em contrário, os ativos da [NNSA] devem ser realizados e cobrados pelos coadministradores, o administrador francês e o liquidatário francês, em conformidade com o regulamento». Ora, mesmo supondo que se possam derrogar as disposições do regulamento respeitantes aos efeitos respetivos do processo principal e do processo secundário, não resulta dos autos que tenha sido concluído um tal acordo.

( 13 ) A este propósito, deve recordar‑se que o próprio regulamento menciona a exigência de assegurar uma coordenação entre o processo principal e o ou os processos secundários e que, no caso vertente, a conclusão de um acordo para esse fim foi solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

( 14 ) N.os 21 e 28, e parte decisória. A ação em causa no processo Seagon (EU:C:2009:83) era uma ação revogatória. V., também acórdão F‑Tex (EU:C:2012:215, n.os 27 e 28), no qual o Tribunal de Justiça concluiu, no entanto, tendo em conta as caraterísticas da ação principal, que esta era abrangida pelo regulamento. O princípio estabelecido no acórdão Seagon (EU:C:2009:83) foi recentemente reafirmado pelo Tribunal de Justiça numa ação de indemnização contra o gerente da sociedade devedora visando o reembolso de pagamentos efetuados após a ocorrência da insolvência desta sociedade ou após a constatação do seu endividamento excessivo (V. acórdão H, C‑295/13, EU:C:2014:2410).

( 15 ) Sublinhado meu.

( 16 ) N.o 104 das observações dos coadministradores. Sublinhado meu.

( 17 ) N.os 21 e 28 e parte decisória do acórdão Seagon (EU:C:2009:83), sublinhado meu.

( 18 ) Como sublinham os coadministradores nas suas observações escritas, o facto de o Tribunal de Justiça não ter acolhido a sugestão feita nos n.os 64 a 69 das conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Seagon (C‑339/07, EU:C:2008:575) de que se reconhecesse a natureza «relativamente exclusiva» da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da abertura do processo principal para as ações revogatórias fundadas na insolvência, deixando assim ao administrador a faculdade de escolher o foro que lhe pareça mais apropriado para defesa da massa insolvente, não permite, contrariamente ao que os coadministradores parecem sustentar, tirar nenhuma conclusão respeitante ao reconhecimento da competência dos tribunais do Estado‑Membro do processo secundário para conhecer dessas ações quando as mesmas decorrem desse processo e estão estreitamente relacionadas com ele.

( 19 ) Publicado em Hess, B., Oberhammer, P., e Pfeiffer, T., European Insolvency Law, The Heidelberg‑Luxembourg‑Vienna Report on the Application of the Regulation No.1346/2000/EC on Insolvency Proceedings, Beck‑Hart‑Nomos, C. H., Munich/Oxford, 2014.

( 20 ) COM(2012) 744 final.

( 21 ) V. n.o 2.5.2 e p. 220 do Heidelberg‑Luxembourg‑Vienna Report e a proposta da Comissão de que fosse aditado no regulamento um novo artigo 3.oA, intitulado «Competência em ações conexas», cujo n.o 1 dispõe que «[o]s órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território for aberto o processo de insolvência em conformidade com o artigo 3.o são competentes para apreciar as ações que decorram diretamente do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas.».

( 22 ) N.o 33, sublinhado meu. V. também, acórdão H (EU:C:2014:2410).

( 23 ) Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186).

( 24 ) Essa conexão pode referir‑se ao domicílio do demandado numa ação acessória ao processo de insolvência, como no processo que deu origem ao acórdão Schmid (EU:C:2014:6), ou a outros elementos, como o domicílio dos credores ou ainda o lugar onde se localizam os ativos do devedor. Os efeitos dos processos abertos com base no regulamento nas relações com os Estados terceiros dependerão do direito aplicável no Estado terceiro e dos Tratados em vigor entre esse Estado e o Estado em que decorre o processo.

( 25 ) No momento da abertura do processo secundário, V. n.os 64 e segs. das presentes conclusões.

( 26 ) A abertura de um processo territorial antes da de um processo principal está estritamente limitada, V. 17.° considerando e artigo 3.o, n.o 4, do regulamento.

( 27 ) V. 20.° considerando e artigo 31.o, n.os 1 e 2 do regulamento.

( 28 ) V. artigo 20.o, n.o 2, do regulamento.

( 29 ) V. artigo 35.o do regulamento.

( 30 ) As novas regras deveriam permitir, nomeadamente, evitar a abertura de processos secundários que não se mostrem necessários para proteção dos interesses dos credores locais se, através de acordos contratuais, o administrador do processo principal desse aos credores locais a garantia do tratamento que teriam se fosse aberto um processo secundário (V. novo artigo 29.oA, n.o 2, a que se refere o n.o 34 da proposta de modificação do regulamento). Prevê‑se igualmente suprimir a condição que impõe que os processos secundários tenham apenas a finalidade da liquidação, a fim de permitir a sua coordenação com os processos principais que visam a recuperação da empresa (V. n.o 22 da proposta de modificação do regulamento, que altera o respetivo artigo 3.o, n.o 3), e estender as exigências de cooperação aos órgãos jurisdicionais competentes (V. novo artigo 31.o A, a que se refere o n.o 36 da proposta de modificação do regulamento).

( 31 ) V. o 20.° considerando e os artigos 31.°, n.o 3, 33.° e 34.°, n.os 1 e 3, do regulamento. Estes poderes são, além disso, reforçados mais tarde na proposta de modificação do regulamento relativa à insolvência apresentada pela Comissão, que prevê a faculdade do administrador de se opor mesmo à abertura de um processo secundário (V. novo artigo 29.oA, n.o 2, a que se refere o n.o 34 da proposta de modificação do regulamento).

( 32 ) Sublinhado meu.

( 33 ) V., neste sentido, acórdão MG Probud Gdynia (C‑444/07, EU:C:2010:24, n.o 24). V., também Heidelberg‑Luxembourg‑Vienna Report, p. 111.

( 34 ) O artigo 2, alínea h), do regulamento define o conceito de «estabelecimento» como o local de operações em que o devedor exerça de maneira estável uma atividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais. Segundo o Tribunal de Justiça, este conceito de «estabelecimento» deve ser interpretado no sentido de que «exige a presença de uma estrutura com um mínimo de organização e uma certa estabilidade, com vista ao exercício de uma atividade económica.» (V. acórdão Interedil, C‑396/09, EU:C:2011:671).

( 35 ) N.o 62. V. também as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Bank Handlowy e Adamiak (C‑116/11, EU:C:2012:308, n.o 66).

( 36 ) No n.o 28 deste acórdão, no qual se apoiam os coadministradores, o Tribunal de Justiça alertou contra uma solução que criaria «um risco de conflitos positivos de competência entre órgãos jurisdicionais de Estados‑Membros diferentes, conflitos que o regulamento pretendeu precisamente evitar a fim de assegurar uma unidade de tratamento do processo de insolvência na União».

( 37 ) Embora o Tribunal de Justiça tenha reconhecido no acórdão Staubitz‑Schreiber (C‑1/04, EU:C:2006:39), sendo o regulamento omisso, que, em caso de transferência do centro dos interesses principais do devedor para outro Estado‑Membro após a apresentação do pedido de abertura desse processo, a competência para instaurar o processo de insolvência é mantida na esfera de competência do primeiro órgão jurisdicional em que tenha sido apresentado o pedido, as circunstâncias desse caso eram muito diferentes, já que o Tribunal de Justiça tinha de se pronunciar sobre a legitimidade de uma eventual transferência de competência e não decidir sobre um conflito positivo de competência.

( 38 ) V., neste sentido, acórdãos Eurofood IFSC (C‑341/04, EU:C:2006:281, n.o 33); MG Probud Gdynia (EU:C:2010:24, n.o 25), e Rastelli Davide e C. (EU:C:2011:838, n.o 16).

( 39 ) O artigo 2.o, alínea f), do regulamento precisa que, para efeitos do regulamento, se entende por «momento de abertura do processo» o momento em que a decisão de abertura produz efeitos, independentemente de essa decisão ser ou não definitiva.

( 40 ) Nos termos do artigo 18.o, n.o 2, do regulamento, «o administrador designado por um órgão jurisdicional competente por força do n.o 2 do artigo 3.o pode arguir, em qualquer dos demais Estados‑Membros, em juízo ou fora dele, que um bem móvel foi transferido do território do Estado de abertura do processo para o território desse outro Estado‑Membro após a abertura do processo de insolvência».

( 41 ) Observo que, segundo a proposta de modificação do regulamento, deve ser proibida ao administrador do processo qualquer transferência de ativos situados no Estado‑Membro em que se situa um estabelecimento do devedor, mesmo antes da abertura dum processo secundário, a fim de garantir a proteção eficaz dos interesses locais (v. n.o 12 desta proposta que introduz no regulamento o considerando 19 B).

( 42 ) A proposta de modificação do regulamento introduz, no artigo 2.o, alínea g), [que se tornou no artigo 2.o, alínea f)] regras ulteriores de localização dos bens, que visam as ações nominativas de empresas, os instrumentos financeiros cuja titularidade seja comprovada pela inscrição num registo e o numerário depositado em contas bancárias (v. n.o 21 da referida proposta).

( 43 ) Nos termos da versão desse acordo apresentada pelos coadministradores, cada sociedade do grupo Nortel que era parte nesse acordo obrigava‑se a desenvolver, como no passado, a sua atividade de R & D a disponibilizar os resultados às outras partes no acordo. Como contrapartida, recebia um montante proporcionado à sua contribuição para a atividade R & D do grupo, denominada «R & D allocation», segundo um esquema anexo ao acordo. Este montante era considerado a «medida do benefício» a que cada parte tinha direito. O acordo previa também que, salvo exceção expressa (por exemplo, os direitos de marca), a NNL era titular jurídica de todos os direitos de propriedade intelectual atuais e futuros do grupo, pelo que a NNL se obrigava a conceder uma licença exclusiva e gratuita a cada uma das sociedades partes no acordo relativo à utilização de toda a propriedade intelectual do grupo.

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