Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62013CC0131

Conclusões do advogado-geral Szpunar apresentadas em 11 de Septembro de 2014.
Staatssecretaris van Financiën contra Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti vof (C-131/13) e Turbu.com BV (C-163/13) e Turbu.com Mobile Phone’s BV (C-164/13) contra Staatssecretaris van Financiën.
Pedidos de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos.
Reenvios prejudiciais - IVA - Sexta Diretiva - Regime transitório das trocas entre Estados-Membros - Bens expedidos ou transportados no interior da Comunidade - Fraude cometida no Estado-Membro de chegada - Tomada em consideração da fraude no Estado-Membro de expedição - Recusa dos direitos à dedução, à isenção ou ao reembolso - Inexistência de disposições de direito nacional.
Processos apensos C-131/13, C-163/13 e C-164/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2217

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 11 de setembro de 2014 ( 1 )

Processos apensos C‑131/13, C‑163/13 e C‑164/13

Staatssecretaris van Financiën (C‑131/13)

contra

Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti vof

e

Turbu.com BV (C‑163/13)

Turbu.com Mobile Phone’s BV (C‑164/13)

contra

Staatssecretaris van Financiën

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

«IVA — Regime transitório de tributação das trocas entre Estados‑Membros — Bens expedidos ou transportados no interior da União Europeia — Fraude cometida no Estado‑Membro de destino — Efeitos no Estado‑Membro de expedição — Isenção»

Introdução

1.

Segundo um estudo recente realizado por iniciativa da Comissão Europeia, a perda de receitas provenientes do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») nos Estados‑Membros elevou‑se, em 2011, a 193 mil milhões de euros, representando 18% das receitas devidas e 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ( 2 ). De entre as múltiplas razões que estão na origem desta perda, a fraude é uma das principais. Não surpreende, por isso, que a luta contra a fraude em matéria de IVA se tenha tornado uma preocupação particularmente importante das administrações e dos órgãos jurisdicionais nacionais. Desde há algum tempo, esta problemática tem vindo a ocupar um lugar cada vez mais central na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2.

O sistema de tributação das trocas intracomunitárias constitui um terreno particularmente propício à fraude, cujo modo de operação consiste em utilizar os mecanismos do IVA para obter benefícios indevidos sob a forma de deduções, isenções e reembolsos do imposto. Ainda recentemente, este problema foi abordado em diversos acórdãos do Tribunal de Justiça. Os processos apensos constituem uma oportunidade para desenvolver e completar essa jurisprudência. Com efeito, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) questiona o Tribunal de Justiça sobre o âmbito das competências e obrigações das autoridades e dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros relativamente a este tipo de fraude, nomeadamente na falta de disposições do direito nacional explicitamente referentes a tais competências e obrigações.

Quadro jurídico

Direito da União

3.

O direito à dedução do imposto pago a montante é um dos principais mecanismos de funcionamento do IVA. À época dos factos dos processos principais, esse direito estava consagrado no artigo 17.o da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme ( 3 ), com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995 ( 4 ) (a seguir «Sexta Diretiva»), na versão resultante do artigo 28.o‑F da mesma diretiva. O n.o 2, alíneas a) e d), e o n.o 3, alínea b), do referido artigo têm a seguinte redação:

«2.   Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)

O [IVA] devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

d)

O [IVA] devido nos termos do n.o 1, alínea a), do artigo 28.o‑A.

3.   Os Estados‑Membros concederão igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado referido no n.o 2, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:

[…]

b)

Das suas operações isentas nos termos do […] e nos pontos A [...] do artigo 28.o‑C».

4.

O regime aplicável às entregas de bens entre sujeitos passivos de diferentes Estados‑Membros baseia‑se no princípio da isenção no Estado‑Membro da entrega (denominada «entrega intracomunitária»), mantendo‑se o direito à dedução do imposto a montante, e da tributação no Estado‑Membro da aquisição (denominada «aquisição intracomunitária») à taxa em vigor nesse Estado. Este tipo de isenção, por vezes qualificada como «tributação à taxa zero», deve distinguir‑se da isenção «clássica», que não confere direito à dedução. Este último tipo de isenção tem por efeito retirar a operação do âmbito de aplicação do sistema do IVA. Isso não acontece no caso da isenção das entregas intracomunitárias, que apenas transfere a competência fiscal do Estado‑Membro de entrega para o Estado‑Membro de aquisição, mantendo a operação sujeita ao regime do IVA. É unicamente neste contexto que podemos falar de um «direito à isenção». Além disso, uma vez que a aquisição intracomunitária confere imediatamente direito à dedução, o montante do imposto devido a título dessa aquisição é nulo (autoliquidação do imposto). O comprador apenas se torna devedor do imposto sobre uma entrega tributada a jusante depois de essa entrega ter sido efetuada. Estas regras decorrem, nomeadamente, dos artigos 28. ‑A, 28. ‑C e 28. ‑D da Sexta Diretiva.

5.

Assim, o artigo 28 ‑A da Sexta Diretiva estabelece que:

«1.   Ficam igualmente sujeitas ao IVA:

a)

As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território do país por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, ou por uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, quando o vendedor for um sujeito passivo que aja nessa qualidade, que não beneficie da isenção de imposto prevista no artigo 24.o e que não esteja abrangido pelo disposto no n.o 1, segundo período, da alínea a), do artigo 8.o ou no n.o 1, ponto B, do artigo 28.o‑B.

[…]

3.   Por ‘aquisição intracomunitária’ de um bem entende‑se a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado‑Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte do bem.

[...]»

6.

De acordo com o artigo 28. ‑C, A, da mesma diretiva:

«1.   Considera‑se que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens é o local onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte destinado ao adquirente.

2.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, considera‑se, todavia, que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens referida no n.o 1, alínea a), do artigo 28.o‑A, se situa no território do Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação para efeitos do [IVA] sob o qual o adquirente efetuou essa aquisição, na medida em que o adquirente não prove que essa aquisição foi sujeita ao imposto nos termos do n.o 1.

Se, apesar disso, a aquisição tiver sido sujeita a imposto, em aplicação do n.o 1, no Estado‑Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens depois de ter sido sujeita a imposto em aplicação do parágrafo anterior, o valor tributável será reduzido do montante devido, no Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação para efeitos de [IVA] sob o qual o adquirente efetuou essa aquisição.

Para efeitos da aplicação do primeiro parágrafo, considera‑se que a aquisição intracomunitária de bens foi sujeita a imposto, nos termos do n.o 1, se se reunirem as condições seguintes:

o adquirente prove ter efetuado essa aquisição intracomunitária, com vista a uma posterior entrega, efetuada no território do Estado‑Membro referido no n.o 1, relativamente à qual o destinatário tenha sido designado como devedor do imposto, nos termos do ponto E, n.o 3, do artigo 28.o‑C,

o adquirente tenha cumprido as obrigações da declaração previstas no n.o 6, último parágrafo da alínea b), do artigo 22.o»

7.

O artigo 28.o‑C, ponto A, alínea a), primeiro parágrafo, da referida diretiva prevê que:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros para garantir uma aplicação correta e simples das isenções adiante previstas e a prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados‑Membros isentarão:

a)

As entregas de bens, na aceção do artigo 5.o, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.o, mas no interior da Comunidade, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens.»

Direito neerlandês

8.

As disposições acima referidas da Sexta Diretiva foram transpostas para a legislação neerlandesa através dos artigos 9.°, 15.°, 17.°b e 30.° da Lei do imposto sobre o volume de negócios (Wet op de omzetbelasting), de 28 de junho de 1968 ( 5 ).

9.

De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, não existe na legislação neerlandesa nenhuma disposição expressa que subordine o direito à dedução, à isenção ou ao reembolso do imposto à condição de a operação não fazer parte de uma fraude fiscal da qual o sujeito passivo tinha ou devia ter conhecimento.

Matéria de facto, questões prejudiciais e tramitação processual

Processo C‑131/13

10.

A sociedade de direito neerlandês Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti vof (a seguir «Italmoda») dedica‑se ao comércio de calçado. À época dos factos do processo principal, ou seja, entre 1999 e 2000, também realizou transações relacionadas com material informático. Esse material, que a Italmoda adquiriu nos Países Baixos e na Alemanha, foi vendido e entregue a clientes sujeitos a IVA em Itália. No que se refere aos bens provenientes da Alemanha, estes foram adquiridos pela Italmoda sob o seu número de identificação de IVA neerlandês (aquisição sujeita a IVA no Estado que atribuiu o número de identificação, na aceção do artigo 28. ‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva), mas transportados diretamente da Alemanha para Itália.

11.

No que se refere aos bens adquiridos nos Países Baixos, a Italmoda entregou todas as declarações necessárias e deduziu o imposto a montante nessas declarações de IVA. Pelo contrário, no que se refere aos bens provenientes da Alemanha, a Italmoda não declarou nem a entrega intracomunitária no referido Estado‑Membro, nem a aquisição intracomunitária nos Países Baixos, apesar de essa operação estar isenta na Alemanha. Os clientes em Itália não declararam nenhuma destas aquisições intracomunitárias nem pagaram o IVA. As autoridades fiscais italianas procederam à recuperação do imposto devido e recusaram o direito à dedução aos clientes em causa.

12.

As autoridades fiscais neerlandesas, assumindo que a Italmoda tinha participado conscientemente numa fraude com vista à evasão ao IVA em Itália, recusaram a esta empresa o direito à isenção das entregas intracomunitárias destinadas a esse Estado‑Membro, o direito à dedução do imposto a montante, bem como o direito ao reembolso do imposto pago sobre as mercadorias provenientes da Alemanha, tendo, para esse efeito, aplicado três liquidações adicionais à Italmoda. O recurso interposto pela Italmoda contra estas liquidações adicionais foi julgado procedente em primeira instância pelo Rechtbank te Haarlem, que ordenou às autoridades fiscais que adotassem uma nova decisão. No entanto, a Italmoda recorreu desta decisão para o Gerechtshof te Amsterdam, o qual, por acórdão de 12 de maio de 2011, anulou a decisão de primeira instância bem como os avisos de liquidação.

13.

O Staatssecretaris van Financiën interpôs um recurso de cassação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Foi neste contexto que o Hoge Raad der Nederlanden apresentou as questões prejudiciais seguintes:

«1)

Devem as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais, com base na legislação da União Europeia, recusar a aplicação da isenção relativa a uma entrega comunitária ou de um direito a dedução do IVA relativo a uma aquisição de bens que, após a aquisição, foram enviados para outro Estado‑Membro, ou o reembolso do IVA decorrente da aplicação do artigo 28.o‑B, A, n.o 2, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que houve uma fraude em matéria de IVA relativamente aos bens em causa e que o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava nessa fraude, no caso de a legislação nacional não prever, nessas circunstâncias, a recusa da isenção, da dedução ou do reembolso?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a isenção, a dedução ou o reembolso anteriormente referidos também devem ser recusados se a evasão ao IVA tiver ocorrido num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de origem do envio dos bens e se o sujeito passivo estivesse ou devesse estar consciente desse facto, ao passo que o sujeito passivo do Estado‑Membro de origem do envio cumpriu todas as condições (formais) de cuja observância as disposições legais nacionais fazem depender a isenção, a dedução ou o reembolso e tiver fornecido à Administração Fiscal desse Estado‑Membro todas as informações necessárias relativas aos bens, ao envio e aos adquirentes no Estado‑Membro de chegada dos bens?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, o que se deverá entender pelo termo «geheven» [sujeita ao imposto] contido no artigo 28.o‑B, A, n.o 2, primeiro parágrafo, in fine, da Sexta Diretiva: a inclusão na declaração, prevista na lei, do IVA devido no Estado‑Membro de chegada sobre a aquisição intracomunitária ou também — na falta de tal declaração — a adoção de medidas pelas autoridades fiscais do Estado‑Membro de chegada para a regularização da falta de tal declaração? É relevante para a resposta a esta questão saber se a operação em causa faz parte de uma cadeia de operações que tem como objetivo a realização de uma fraude em matéria de IVA no país de chegada e se o sujeito passivo conhecia ou devia conhecer esse facto?»

Processo C‑163/13

14.

A sociedade de direito neerlandês Turbu.com BV (a seguir «Turbu.com») dedica‑se ao comércio grossista de material informático, equipamentos de telecomunicações e software. No período compreendido entre os meses de agosto e dezembro de 2001, a Turbu.com realizou uma série de entregas intracomunitárias de telemóveis, aplicando a isenção prevista e deduzindo o imposto a montante. Após uma investigação dos serviços de informação fiscal, o diretor da Turbu.com foi condenado, em 2005, por falsificação de documentos e apresentação de uma declaração fiscal incompleta ou incorreta.

15.

No âmbito dessa investigação, as autoridades fiscais consideraram que a Turbu.com tinha aplicado indevidamente a isenção a essas entregas e enviaram‑lhe uma notificação de liquidação adicional. Na sequência dos recursos interpostos pela sociedade visada, essa liquidação adicional foi confirmada em primeira instância pelo Rechtbank te Breda e, em segunda instância, pelo Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch na decisão de 25 de fevereiro de 2011.

16.

A Turbu.com interpôs um recurso de cassação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Foi neste contexto que o Hoge Raad apresentou a questão prejudicial seguinte:

«Devem as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais, com base na legislação da União Europeia, recusar a aplicação da isenção de IVA de uma entrega comunitária, se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que ocorreu uma fraude ao IVA relativamente aos bens em causa e que o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava nessa fraude, no caso de a legislação nacional não prever, nessas circunstâncias, a recusa da isenção?»

Processo C‑164/13

17.

A sociedade de direito neerlandês Turbu.com Mobile Phone’s BV (a seguir «TMP») dedica‑se ao comércio de telemóveis. No mês de julho de 2003, realizou entregas intracomunitárias de telemóveis, aplicando a isenção prevista e requerendo o reembolso do imposto pago a montante sobre a aquisição desses telemóveis a empresas estabelecidas no território neerlandês. As autoridades fiscais neerlandesas, tendo constatado diversas irregularidades nas declarações apresentadas pela TMP, não só relativamente a essas operações a montante, como também às referidas entregas intracomunitárias, recusaram o reembolso. Esta decisão foi anulada pelo Rechtbank te Breda, cuja sentença foi, por sua vez, anulada pelo Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch na sua decisão de 25 de fevereiro de 2011.

18.

A TMP interpôs um recurso de cassação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Foi neste contexto que o Hoge Raad apresentou a questão prejudicial seguinte:

«Devem as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais, com base na legislação da União Europeia, recusar o direito à dedução do IVA, se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que ocorreu uma fraude ao IVA relativamente aos bens em causa e que o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava nessa fraude, no caso de a legislação nacional não prever, nessas circunstâncias, a recusa do direito à dedução?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.

Os pedidos de decisão prejudicial deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 18 de março (C‑131/13) e 2 de abril de 2013 (C‑163/13 e C‑164/13). Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça, de 25 de abril de 2013, os três processos foram apensados para efeitos da fase escrita, fase oral e acórdão. Apresentaram observações escritas a Italmoda, a Turbu.com e a TMP, os governos neerlandês e do Reino Unido, bem como a Comissão. A Italmoda, a Turbu.com, a TMP, os governos neerlandês, italiano e do Reino Unido, bem como a Comissão estiveram representados na audiência de 5 de junho de 2014.

Apreciação

Quanto à admissibilidade

Quanto à primeira questão no processo C‑131/13

20.

A Italmoda põe em causa a admissibilidade da primeira questão no processo C‑131/13, por considerar que se trata de uma questão de direito nacional.

21.

É ponto assente que a interpretação e a aplicação do direito nacional competem aos órgãos jurisdicionais nacionais. No entanto, a questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito ao âmbito das competências e obrigações que decorrem das disposições do direito da União em matéria de dedução, isenção e reembolso do IVA para as autoridades e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros. A alegação da Italmoda é, por conseguinte, infundada.

Quanto à segunda questão no processo C‑131/13

22.

A Comissão põe em causa a admissibilidade da segunda questão no processo C‑131/13. Segundo a Comissão, esta questão baseia‑se na hipótese de o sujeito passivo ter cumprido devidamente todas as obrigações que lhe competiam em matéria de prestação de informações às autoridades fiscais no Estado‑Membro da entrega, o que não terá acontecido no processo principal.

23.

No entanto, como irei demonstrar em seguida, no caso de uma fraude em matéria de IVA sobre entregas intracomunitárias, o facto de o sujeito passivo envolvido nessa fraude ter cumprido devidamente todas as obrigações no Estado‑Membro da entrega nem sempre é pertinente para a apreciação do seu direito à dedução, à isenção ou ao reembolso desse imposto. Assim, considero a segunda questão no processo C‑131/13 admissível.

Quanto aos reenvios prejudiciais nos processos C‑163/13 e C‑164/13

24.

A Comissão considera os reenvios prejudiciais nos processos C‑163/13 e C‑164/13 inadmissíveis, porque os elementos factuais e jurídicos dos processos principais ainda não foram apurados e porque as questões apresentadas têm caráter hipotético.

25.

É certo que, segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência ( 6 ). Compete ao órgão jurisdicional nacional decidir em que fase do processo deve este órgão colocar uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça ( 7 ). O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 8 ).

26.

A este respeito, verifico que, de acordo com as decisões de reenvio nos processos C‑163/13 e C‑164/13, o órgão jurisdicional de reenvio julgou procedentes todos os fundamentos do recurso quer porque os factos alegados não tinham sido provados, quer pela falta de fundamentação de que padecia a sentença recorrida. Designadamente no processo C‑163/13, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não ficou provado que a entrega intracomunitária para a qual foi requerida a isenção ocorreu de facto. O órgão jurisdicional de reenvio também julgou procedente o fundamento através do qual a Turbu.com contesta ter participado conscientemente numa fraude em matéria de IVA. No processo C‑164/13, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a existência de fraude não foi demonstrada suficientemente do ponto de vista do direito e a questão do envolvimento da TMP nessa fraude não foi levantada pela Administração Fiscal em segunda instância.

27.

O representante da Turbu.com e da TMP declarou na audiência que as questões prejudiciais nos dois processos eram pertinentes porque, em caso de resposta negativa do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio poderia anular as liquidações adicionais sem reenviar os processos ao órgão jurisdicional de segunda instância. Contudo, não parece ser essa a intenção do órgão jurisdicional de reenvio. Em ambos os processos, os fundamentos dos recursos interpostos pelos recorrentes no processo principal não têm qualquer relação com o problema suscitado nas questões prejudiciais, a saber a eventual competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para recusar aos sujeitos passivos, respetivamente, o direito à dedução ou à isenção. As questões prejudiciais apenas se tornam pertinentes na hipótese de «se verificar, após reenvio» ( 9 ) (ao juiz de segunda instância) que houve fraude e que os recorrentes no processo principal tinham conhecimento ou deviam ter conhecimento desse facto.

28.

Em primeiro lugar, considero que as questões nos processos C‑163/13 e C‑164/13 têm caráter hipotético. Em segundo lugar, verifico que, nos dois processos principais, os factos continuam por provar e permanecem controvertidos. Importa referir que os factos de que se trata, neste caso, não são uma mera ilustração da aplicação das normas de direito, mas sim factos como a existência da fraude, o caráter real ou fictício de uma entrega ou ainda a participação com conhecimento de causa do interessado nessa fraude. Ora, tais circunstâncias factuais são fundamentais para a apreciação do poder dos órgãos nacionais para recusar aos sujeitos passivos os diversos direitos decorrentes do sistema comum do IVA. Assim sendo, parece‑me que, em ambos os processos, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas.

29.

A este respeito, importa acrescentar que, no mecanismo complexo do IVA, o pagamento, a dedução e a isenção do imposto não correspondem, em muitos casos, a verdadeiras operações financeiras, mas a simples registos contabilísticos. Ora, as empresas não dispõem de fundos de maneio que lhes permitam fazer face a pagamentos imprevistos do imposto. Uma recusa do direito à dedução pode, por isso, constituir um grave problema financeiro para a empresa, podendo mesmo implicar a cessação dos pagamentos. Por conseguinte, é fundamental que as autoridades fiscais e os órgãos jurisdicionais tomem tais decisões de recusa com base em elementos e indícios que provem a participação consciente do sujeito passivo na fraude. Os direitos decorrentes do sistema do IVA não devem ser recusados simplesmente com base em meras suspeitas ou presunções, impondo ao sujeito passivo o ónus de provar a sua boa‑fé.

30.

Por estes motivos, considero que o Tribunal de Justiça deveria declarar inadmissíveis os pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑163/13 e C‑164/13. Em termos práticos, uma vez que a primeira questão no processo C‑131/13 abrange as questões colocadas nestes dois processos, caso a resposta a estas questões venha a revelar‑se útil ao órgão jurisdicional de reenvio ou — o que é bem mais provável — ao órgão jurisdicional de segunda instância, ela poderá ser facilmente deduzida da resposta dada, no mesmo acórdão, no processo C‑131/13.

Apreciação das questões prejudiciais no processo C‑131/13

A denominada «fraude do operador fictício»

31.

O sistema do IVA é, sem dúvida alguma, extremamente complexo. Essa complexidade tem vantagens, como sejam a tributação de todos os bens e serviços, a plena neutralidade do imposto para as empresas e a facilidade relativa de recuperação para as autoridades fiscais, uma vez que são os próprios sujeitos passivos que realizam a maior parte do trabalho. No entanto, para o bom funcionamento do sistema é indispensável a boa‑fé dos operadores. De facto, o reverso da medalha é que a complexidade do sistema facilita a fraude baseada na utilização dos seus próprios mecanismos.

32.

De entre os tipos de fraude baseados nos mecanismos do IVA, um dos mais comuns é a denominada «fraude do operador fictício» (em inglês «missing trader fraud»). Embora o modus operandi já tenha sido descrito inúmeras vezes ( 10 ), para a boa compreensão das presentes conclusões, parece‑me pertinente recordar as suas principais características.

33.

Esta fraude tem frequentemente origem numa entrega intracomunitária. O regime de tributação das trocas entre os Estados‑Membros descrito no capítulo XVI A da Sexta Diretiva é particularmente propício à fraude, na medida em que permite efetuar uma entrega isenta, mas confere o direito à dedução, sem que seja necessário cumprir as formalidades complexas que se aplicam, por exemplo, à exportação. O operador 1 efetua, portanto, uma entrega proveniente do Estado‑Membro A com destino ao Estado‑Membro B. Não deve qualquer imposto à Administração Fiscal do Estado A, porque a entrega intracomunitária é isenta. Em contrapartida, tem direito à dedução do imposto pago a montante sobre as mesmas mercadorias. Pode deduzir esse imposto do valor do imposto que terá de pagar sobre outras operações ou, em alternativa, pode solicitar o respetivo reembolso.

34.

No Estado‑Membro B, o operador 2 efetua uma aquisição intracomunitária. Esta é tributada à taxa em vigor no Estado B, mas o mesmo imposto é imediatamente dedutível. Na prática, em caso de fraude, essa aquisição não será sequer declarada. O operador 2 revende a mesma mercadoria ao operador 3 no mesmo Estado‑Membro. Sendo essa operação sujeita a imposto, o operador 2 fatura ao operador 3 o preço acrescido de IVA, e, em vez de pagar esse imposto à Administração Fiscal, fica com ele e desaparece. Portanto, ele é o operador fictício. Normalmente, a mercadoria ainda circula entre diversos outros operadores para melhor dissimular a fraude às autoridades fiscais, sendo depois vendida no mercado negro sem IVA ou no circuito legal, mas a um preço extremamente baixo. Também pode ser objeto de outra entrega intracomunitária ou ser exportada para um país terceiro. Através desta última revenda, os autores da fraude acabam por não pagar nenhum IVA ou apenas um montante irrisório. A mesma mercadoria também poderá voltar ao operador 1 que a introduzirá de novo no circuito. Nesse caso, fala‑se de «fraude carrossel».

35.

Este tipo de fraude pode incidir sobre diversas categorias de bens. No entanto, as mercadorias preferidas dos infratores são peças de computadores ou telemóveis, porque possuem um elevado valor unitário e são fáceis de transportar.

36.

A dificuldade de prevenir e combater este tipo de fraude reside na legalidade de todas as operações no circuito e no facto de estas serem realizadas no respeito das obrigações fiscais. Além disso, certos operadores na cadeia de fornecimento podem nem sequer estar conscientes de que estão envolvidos numa fraude, agindo de boa‑fé. O operador fictício é o único a cometer uma fraude propriamente dita, ao não pagar o imposto devido à Administração Fiscal. No entanto, na maioria dos casos, esse operador atua sob o número de identificação para efeitos de IVA de outra empresa, que desconhece essa situação, ou apresenta‑se como sociedade constituída em nome de um «testa de ferro», geralmente um indivíduo pertencente a um meio desfavorecido que autorizou a utilização da sua identidade sem ponderar as consequências desse ato. Após a fraude, os seus autores desaparecem e as autoridades fiscais deparam‑se com um indivíduo sem qualquer património e incapaz de assumir qualquer responsabilidade financeira.

37.

Este tipo de fraude não pode ser encarado como uma cadeia de fornecimento «normal», na qual existe um infrator intruso que se limitou a não pagar o imposto que era devido à Administração Fiscal. Mesmo no caso de empresas normais serem usadas, voluntaria ou involuntariamente, como elos da cadeia de fornecimento, todo o esquema é uma atividade organizada exclusivamente com objetivo de cometer uma fraude fiscal. A Administração Fiscal não é a única lesada em todo este processo. Tratando‑se de transações comerciais realizadas com o único e exclusivo objetivo da fraude e evasão do IVA, o proveito dos infratores não resulta da margem de lucro, mas sim da própria fraude. Podem, por isso, dar‑se ao luxo de praticar preços bastante inferiores aos do mercado, o que prejudica os operadores económicos honestos. Em casos extremos, a atividade económica legal pode mesmo tornar‑se insustentável em determinados mercados por causa da falta de rentabilidade resultante da queda dos preços em consequência da fraude. Além disso, a fraude fiscal está frequentemente associada a outras práticas ilegais, como a contrafação.

38.

De acordo com as autoridades neerlandesas, as operações em causa no processo principal fazem parte de uma fraude do operador fictício. Assim sendo, as questões prejudiciais devem ser apreciadas à luz das características deste tipo de fraude acima recordadas.

Quanto à primeira questão prejudicial

39.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um sujeito passivo que sabia ou devia saber que participava numa fraude pode ser alvo de recusa do direito à dedução, à isenção e ao reembolso do IVA relativo a uma entrega intracomunitária, apesar de a legislação nacional não prever disposições específicas nesse sentido. Embora existam diferenças nas disposições legislativas e na jurisprudência sobre cada um dos direitos em causa (dedução, isenção, reembolso), considero possível, e mesmo desejável, dar uma resposta única a esta questão. Começarei com uma breve panorâmica da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça.

– A jurisprudência relativa aos direitos dos sujeitos passivos em caso de fraude

40.

O bom funcionamento do sistema do IVA requer uma delimitação justa e equitativa entre, por um lado, os princípios da neutralidade e da territorialidade do imposto, cuja observância deve ser assegurada pelos direitos à dedução, à isenção e, se for caso disso, ao reembolso e, por outro lado, a luta contra a fraude fiscal. Assim, no que diz respeito ao direito à dedução, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado ( 11 ). No que se refere ao direito à isenção das entregas intracomunitárias, o Tribunal de Justiça declarou que este permite evitar uma dupla tributação e, portanto, a violação do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA ( 12 ). A jurisprudência em matéria de reembolso é menos abundante, mas o Tribunal de Justiça decidiu, por exemplo, a propósito do reembolso do imposto pago a montante em excesso do imposto devido, que, embora os Estados‑Membros disponham de uma certa margem de discricionariedade para fixar as regras de reembolso do IVA pago em excesso, essas regras não podem violar o princípio da neutralidade do sistema fiscal do IVA, fazendo recair sobre o contribuinte, no todo ou em parte, o encargo desse imposto ( 13 ). Uma vez que qualquer reembolso do imposto não devido contribui para o respeito do princípio da neutralidade, esta regra pode ter aplicação geral.

41.

Além disso, o Tribunal de Justiça tem salientado reiteradamente que a luta contra possíveis fraudes, evasões fiscais e abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Sexta Diretiva ( 14 ). O Tribunal de Justiça deduziu daí que o princípio jurisprudencial, segundo o qual os particulares não podem abusiva ou fraudulentamente prevalecer‑se das normas comunitárias, se aplica igualmente no domínio do IVA ( 15 ).

42.

Resulta daí que, em caso de abuso ou fraude, o sujeito passivo não pode invocar o seu direito à dedução do imposto a montante ( 16 ). No caso específico de uma fraude carrossel ligada a uma fraude do operador fictício, este princípio foi alargado a todos os sujeitos passivos que, mesmo não sendo eles próprios os autores da fraude, sabiam ou deviam saber que participavam numa fraude em matéria de IVA. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que esses sujeitos passivos devem, para efeitos da Sexta Diretiva, ser considerados participantes nessa fraude, independentemente da questão de saber se dela retiram ou não benefícios ( 17 ). Assim, incumbe ao órgão jurisdicional nacional recusar o benefício do direito à dedução ( 18 ). Com efeito, ao tornar a sua realização mais difícil, tal interpretação é suscetível de entravar as operações fraudulentas ( 19 ). Esta jurisprudência foi confirmada recentemente ( 20 ).

43.

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que a jurisprudência relativa ao direito à dedução é aplicável por analogia aos processos respeitantes ao direito à isenção das entregas intracomunitárias. Por conseguinte, para conceder esse direito, pode exigir‑se que o fornecedor tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal ( 21 ).

44.

O passo decisivo no desenvolvimento desta linha da jurisprudência foi dado num acórdão da Grande Secção de 2010 ( 22 ). Embora a fraude em causa no processo que deu origem a esse acórdão não seja uma típica fraude do operador fictício, as conclusões do Tribunal de Justiça têm caráter universal no que se refere ao direito à isenção da entrega intracomunitária em caso de fraude. A questão fundamental de direito neste processo foi, a meu ver, muito bem formulada pelo advogado‑geral Cruz Villalón nos seguintes termos: «o que está em causa é apurar se a boa‑fé é uma condição indispensável para uma entrega intracomunitária estar isenta» ( 23 ). Após uma análise circunstanciada da jurisprudência pertinente, o advogado‑geral Cruz Villalón deu uma resposta negativa a esta questão nas suas conclusões, invocando os princípios da territorialidade, da neutralidade e da proporcionalidade ( 24 ). Contudo, não foi essa a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União não impede os Estados‑Membros de recusar, em caso de fraude, a aplicação da isenção, comportando essa recusa um efeito dissuasivo que tem por objetivo prevenir as fraudes e as evasões fiscais ( 25 ). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que, quando existem razões sérias para supor que a aquisição intracomunitária correspondente à entrega em causa pode escapar ao pagamento do IVA, o Estado‑Membro de partida é obrigado a recusar a isenção ao fornecedor ( 26 ). Esta constatação não é posta em causa pelo princípio da proporcionalidade, nem pelos princípios da neutralidade, da segurança jurídica ou da proteção da confiança legítima. Com efeito, esses princípios não podem ser validamente invocados por um sujeito passivo que intencionalmente participou numa fraude fiscal e pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA ( 27 ).

45.

Embora não tendo sido expressamente formulada no acórdão mencionado no número anterior, a exigência de boa‑fé por parte do sujeito passivo encontrava‑se, ainda assim, subjacente e foi, aliás, confirmada num acórdão recente, no qual o Tribunal de Justiça decidiu que, em caso de fraude cometida pelo adquirente, justifica‑se sujeitar o direito do vendedor à isenção a uma exigência de boa‑fé. Por conseguinte, se um órgão jurisdicional chegar à conclusão de que o sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar esta fraude, deve recusar‑lhe o direito à isenção do IVA ( 28 ).

– A boa‑fé do sujeito passivo, princípio geral em matéria de IVA

46.

Assim, existe na jurisprudência um princípio segundo o qual, na hipótese de uma operação fazer parte de uma fraude, é necessário que a pessoa em causa tenha agido de boa‑fé para que possa beneficiar da isenção da entrega intracomunitária. Neste caso, a boa‑fé deve ser entendida num sentido mais amplo, que vai para além do significado clássico do conceito. Com efeito, cumpre a exigência de boa‑fé o sujeito passivo que não apenas não participou ativamente na fraude, como também não sabia e não podia saber que estava envolvido nessa fraude. Assim sendo, o sujeito passivo tem de ser honesto, mas também deve, se necessário, tomar algumas precauções para garantir a regularidade das operações efetuadas. Esta segunda exigência, que designarei de dever de diligência, deve‑se ao papel específico que cabe ao sujeito passivo no sistema do IVA, não só como devedor do imposto, mas também como cobrador do mesmo. O bom funcionamento do sistema depende, por isso, em larga medida do comportamento dos próprios sujeitos passivos.

47.

Além disso, mesmo que o termo «boa‑fé» não seja usado no contexto do direito à dedução do imposto a montante, este princípio da boa‑fé pode ser deduzido da jurisprudência referida no n.o 42 das presentes conclusões. Com efeito, segundo essa jurisprudência, no caso de uma operação fazer parte de uma fraude, o benefício do direito à dedução dependerá da boa‑fé e diligência do sujeito passivo, ou seja, da condição de não ter participado conscientemente na fraude e de ter tomado as medidas necessárias para se certificar da regularidade da operação efetuada.

48.

Relativamente ao direito ao reembolso, igualmente mencionado na questão prejudicial, importa referir, a título preliminar, que o reembolso não constitui um direito autónomo no sistema do IVA como é o caso do direito à dedução ou à isenção. O reembolso é um mecanismo de correção, que se utiliza quando não é possível assegurar a neutralidade do imposto através da aplicação de mecanismos padrão do sistema do IVA, designadamente a dedução ( 29 ). O mesmo acontece com o mecanismo previsto no artigo 28. ‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva, que prevê a redução do valor tributável no Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação para efeitos de IVA, se a aquisição tiver sido sujeita a imposto no Estado‑Membro de destino (no caso de se tratar de dois Estados diferentes). Apenas se o imposto tiver sido pago no primeiro Estado‑Membro é que poder haver lugar ao respetivo reembolso, se for caso disso.

49.

O direito ao reembolso está, por isso, intrinsecamente ligado ao mecanismo cuja correção visa assegurar. Por conseguinte, deve ser naturalmente submetido ao mesmo tratamento que esse mecanismo em termos de aplicação do princípio da boa‑fé. Ou seja, no caso de operações que fazem parte de uma fraude, se se recusar o direito à dedução ou o direito à isenção ao sujeito passivo que não agiu de boa‑fé e com diligência, qualquer eventual reembolso relacionado com esse direito dever‑lhe‑á ser igualmente recusado.

50.

Em meu entender, o mesmo deveria aplicar‑se aos demais direitos decorrentes do sistema do IVA, como, por exemplo, o direito à redução do valor tributável nos termos do artigo 28.o‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva. Com efeito, a exigência da boa‑fé do sujeito passivo que efetuou uma operação envolvida numa fraude reflete o princípio geral segundo o qual ninguém deve beneficiar abusiva ou fraudulentamente dos direitos decorrentes do sistema jurídico da União. Assim sendo, não há que estabelecer uma distinção entre o direito à dedução e o direito à isenção, por um lado, e os demais direitos, por outro.

51.

Não me convence, neste aspeto, a argumentação da Comissão, segundo a qual os direitos do sujeito passivo decorrentes do artigo 28.o‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva devem ser tratados de modo diferente pelo facto de esta disposição prever unicamente um mecanismo de correção destinado a assegurar a neutralidade fiscal em entregas intracomunitárias específicas. Regra geral, os mecanismos do sistema do IVA, como a dedução do imposto a montante ou a isenção das entregas intracomunitárias, têm por objetivo assegurar que o encargo fiscal seja suportado pelo consumidor e que seja neutro para os operadores económicos. Resulta, porém, da jurisprudência referida nos n.os 40 a 45 das presentes conclusões, na qual me baseio para concluir da existência de um princípio geral de boa‑fé, que essa neutralidade fiscal não pode ser utilmente invocada por sujeitos passivos que participaram voluntariamente ou por negligência numa fraude. Por conseguinte, não vejo nesse aspeto nenhuma diferença objetiva entre os vários direitos decorrentes dos mecanismos do sistema do IVA, como sejam o direito à dedução, à isenção ou ao reembolso.

52.

Em meu entender, o referido princípio de boa‑fé é aplicável não só ao direito à dedução e ao direito à isenção, como também aos demais direitos existentes no sistema do IVA, assim como ao direito ao reembolso do imposto pago, eventualmente relacionado com esses direitos.

53.

No entanto, a exigência assim imposta aos sujeitos passivos não é uma exigência de resultados, mas uma mera exigência de meios. Segundo a expressão empregue pelo Tribunal de Justiça, os operadores que tomam todas as medidas que lhes podem ser razoavelmente exigidas para garantir que as suas operações não fazem parte de uma fraude devem poder confiar na legalidade dessas operações ( 30 ). A determinação das medidas que podem ser razoavelmente exigidas a um sujeito passivo depende essencialmente das circunstâncias do caso em apreço. Contudo, não se pode exigir aos sujeitos passivos que efetuem as inspeções que incumbem normalmente às autoridades fiscais ( 31 ). Portanto, o princípio da boa‑fé nem sempre é desfavorável aos sujeitos passivos. Pelo contrário, na maioria dos processos submetidos ao Tribunal de Justiça, o facto de não saber ou não poder saber que a sua operação fazia parte de uma fraude tem permitido ao sujeito passivo conservar o direito à dedução ou à isenção ( 32 ). Em certos casos, esse direito pode mesmo ser‑lhe reconhecido sem que estejam preenchidos os requisitos materiais para o seu surgimento ( 33 ). Assim, o princípio da boa‑fé permite assegurar uma repartição justa do risco de fraude entre a Administração Fiscal e os sujeitos passivos, bem como entre as diferentes partes envolvidas na operação ( 34 ).

54.

Resta esclarecer o que se entende por «operação que faz parte de uma fraude» no contexto da fraude do operador fictício. Recordo que este tipo de fraude consiste numa série de entregas, das quais pelo menos uma é de natureza intracomunitária, na sequência da qual o IVA é devidamente cobrado (incluído no preço) aquando da entrega a jusante, mas depois não é declarado à Administração Fiscal. Assim, à primeira vista, poderia parecer que apenas a entrega intracomunitária em causa (e, evidentemente, a correspondente aquisição intracomunitária do mesmo bem) faz parte da fraude. No entanto, estaríamos a ignorar a natureza complexa da fraude em questão. Com efeito, o modo de operação dessa fraude implica a realização de diversas entregas, tanto a montante como a jusante. Isso é mais flagrante no caso da fraude carrossel em que a mesma mercadoria é transacionada várias vezes entre os mesmos operadores. As entregas sucessivas não servem senão para criar ocasiões para desviar o imposto devido e, em seguida, dissimular a fraude. É evidente que as circunstâncias de cada processo têm de ser apreciadas caso‑a‑caso, mas não podemos, à partida, excluir a hipótese de todas as operações numa cadeia envolvida numa fraude do operador fictício fazerem parte dessa mesma fraude.

55.

Pode, naturalmente, acontecer que numa tal cadeia fraudulenta esteja involuntariamente envolvido um operador para o qual a entrega efetuada constitua uma atividade económica normal. Desde que tenha agido de boa‑fé e cumprido as diligências necessárias, ele estará portanto protegido.

– A necessidade de disposições explícitas na legislação nacional

56.

O órgão jurisdicional de reenvio procura igualmente saber se os diferentes direitos decorrentes do sistema do IVA podem ser recusados, mesmo não existindo na ordem jurídica nacional disposições específicas nesse sentido. Em meu entender, o reconhecimento de que no referido sistema existe um princípio geral de boa‑fé do sujeito passivo como condição para o exercício desses direitos permite dar uma resposta afirmativa a esta questão.

57.

Com efeito, essa exigência de boa‑fé reflete a proibição geral de abuso e de fraude, bem como o princípio segundo o qual ninguém pode beneficiar abusiva ou fraudulentamente dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União. Aplicado ao sistema do IVA, este princípio decorre da economia do próprio sistema, pelo que não necessita de ser expressamente consagrado na legislação. Tal como o Tribunal de Justiça não precisou de disposições específicas na Sexta Diretiva para consagrar a existência do princípio da boa‑fé, os órgãos jurisdicionais nacionais também não precisam de disposições nacionais para aplicar esse princípio em casos concretos.

58.

Não me convence o argumento, invocado sobretudo nas observações escritas da Comissão, de que a situação do direito à dedução, neste aspeto, é diferente da do direito à isenção das entregas intracomunitárias. Segundo a Comissão, a referência feita no artigo 28.o‑C, A, proémio e alínea a), da Sexta Diretiva às «condições fixadas pelos Estados‑Membros para garantir uma aplicação correta e simples das isenções adiante previstas e a prevenir eventuais fraudes, evasões e abuso» significa que a recusa do direito à isenção carece de uma disposição específica na legislação nacional, contrariamente à recusa do direito à dedução, já que, no que diz respeito à dedução, a Sexta Diretiva não faz qualquer referência às disposições nacionais.

59.

Não me parece, porém, que esse tipo de interpretação esteja conforme com a economia, nem com a finalidade da disposição citada. Com efeito, uma vez que o regime de tributação das trocas entre os Estados‑Membros se baseia nas informações prestadas pelos sujeitos passivos, era necessário definir as diversas formalidades que permitissem aos sujeitos passivos provar que cumprem os requisitos materiais para beneficiar da isenção. A Sexta Diretiva delega nos Estados‑Membros a fixação dessas formalidades e estes devem, no exercício dessa competência, agir em conformidade com os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica ( 35 ). É certo que as regras assim definidas pelos Estados‑Membros visam, nomeadamente, prevenir o abuso, a fraude e a evasão fiscal. No entanto, não foram concebidas para serem única e exclusivamente aplicáveis às operações que fazem parte de uma fraude, destinando‑se, antes pelo contrário, a regular todas as operações e, acima de tudo, as operações lícitas. Por outro lado, a questão das consequências da violação ou do abuso das disposições legais relativas ao funcionamento do sistema é abrangida pelo direito da União. Assim, o direito à isenção em caso de fraude é abrangido pelo próprio mecanismo do IVA e pelos princípios gerais decorrentes da jurisprudência referida nas presentes conclusões.

60.

A recusa dos direitos decorrentes do sistema do IVA ao sujeito passivo que participou na fraude também não constitui, como alegou a Italmoda nas suas observações, uma «pena no sentido material», a qual, nos termos do artigo 7.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e do artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deveria estar prevista numa disposição legal anterior. Sendo a boa‑fé do sujeito passivo um requisito para a aquisição dos referidos direitos, a sua recusa deve ser considerada não como uma sanção, mas como um elemento inerente ao sistema do IVA.

61.

Da mesma maneira, não posso concordar com a opinião expressa pela Italmoda, segundo a qual a aplicação ao presente processo da jurisprudência decorrente dos acórdãos Kittel e Recolta Recycling ( 36 ) e R. ( 37 ) — sendo os factos do processo principal anteriores a estes acórdãos — equivale a uma aplicação retroativa da lei. Com efeito, a obrigação de honestidade e diligência nas relações comerciais, incluindo para com as autoridades públicas, está inerente a qualquer atividade económica, pelo que os sujeitos passivos não podem legitimamente invocar a ignorância desse dever.

62.

A este respeito, cumpre referir que, de acordo com jurisprudência assente, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito comunitário, no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 267.o TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas nascidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que se pronuncie sobre o pedido de interpretação ( 38 ). A limitação dos efeitos no tempo de um acórdão prejudicial é possível a título excecional, se estiverem reunidas as condições necessárias para esse efeito ( 39 ). Não foi esse o caso nos acórdãos referidos no n.o 61 das presentes conclusões.

63.

À luz destas considerações, deve responder‑se à primeira questão prejudicial no processo C‑131/13 que as disposições da Sexta Diretiva devem ser interpretadas no sentido de que as autoridades nacionais devem recusar ao sujeito passivo que sabia ou devia saber que participava numa fraude o direito à dedução do imposto a montante, o direito à isenção da entrega intracomunitária e o direito à redução do valor tributável ao abrigo do mecanismo previsto no artigo 28.o‑B, A, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva, bem como todo o direito a um eventual reembolso relacionado, mesmo que a legislação nacional não contenha disposições expressas nesse sentido.

Quanto à segunda questão prejudicial no processo C‑131/13

64.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o facto de a fraude ter ocorrido num Estado‑Membro diferente daquele que seria competente para recusar os diversos direitos ao sujeito passivo tem alguma influência na possibilidade ou obrigação de pronunciar essa recusa.

65.

Em meu entender, a resposta deve ser negativa por três razões.

66.

Em primeiro lugar, uma vez que o critério determinante para avaliar o direito do sujeito passivo é o seu estado de espírito, o território onde ocorreu a fraude é irrelevante. Quer a fraude tenha sido cometida no Estado‑Membro competente para recusar os diversos direitos ao sujeito passivo ou noutro Estado‑Membro, se o sujeito passivo sabia ou devia saber que estava envolvido nessa fraude, de forma alguma terá agido de boa‑fé e com a devida diligência.

67.

Em segundo lugar, embora a fiscalidade continue a ser uma competência própria dos Estados‑Membros, o sistema do IVA não deixa de ser um sistema comum, cujas receitas revertem em parte a favor do orçamento da União. Os Estados‑Membros têm, por isso, um dever de cooperação a fim de salvaguardar o bom funcionamento do sistema na sua globalidade. Não estariam a cumprir esse dever se pudessem ou devessem limitar‑se a prevenir unicamente a fraude cometida no seu próprio território.

68.

Em terceiro lugar, certos tipos de fraude, como a fraude do operador fictício, baseiam‑se justamente nos mecanismos do regime de tributação das trocas intracomunitárias. Com efeito, é sobretudo a diferença entre o preço da aquisição intracomunitária, não sujeita a IVA (uma vez que a correspondente entrega é isenta), e o preço da entrega do mesmo bem efetuada a jusante, acrescida de IVA (que não será declarado à Administração Fiscal), que garante a rentabilidade deste tipo de fraude. Além disso, o facto de a operação fraudulenta ser submetida à competência das autoridades fiscais de dois Estados diferentes dificulta a deteção da fraude. A mesma fraude cometida no território de um único Estado‑Membro renderia aos infratores apenas a diferença entre o imposto pago a montante e o imposto devido, além de ser rapidamente descoberta pelas autoridades fiscais através da simples comparação das declarações e respetivas faturas. Por conseguinte, a prevenção da fraude do operador fictício pelo único Estado‑Membro diretamente prejudicado não seria eficaz. Além disso, no caso das cadeias de entregas fraudulentas que envolvem vários Estados‑Membros, poderá ser difícil de determinar com precisão o montante exato das perdas fiscais de cada Estado‑Membro lesado.

Quanto à terceira questão prejudicial no processo C‑131/13

69.

Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio solicita uma interpretação dos termos «sujeita ao imposto» contido no artigo 28.o‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva, em caso de resposta negativa à primeira questão. Pretende saber, mais precisamente, se a sujeição ao imposto deve resultar da declaração do adquirente ou se pode ocorrer em consequência de outras circunstâncias, nomeadamente de uma ação de recuperação por parte das autoridades fiscais. Uma vez que proponho que o Tribunal de Justiça responda pela afirmativa à primeira questão prejudicial, a resposta à terceira questão é desnecessária. Com efeito, tendo em conta que a boa‑fé do sujeito passivo é o elemento determinante para efeitos de reconhecimento ou recusa do direito decorrente da disposição em causa, a definição do referido conceito deixa de ser pertinente, uma vez que, não havendo boa‑fé no caso em apreço, o mecanismo previsto na referida disposição não será aplicável.

70.

Se o Tribunal de Justiça respondesse pela negativa à primeira questão, julgo que, pelo menos no que ao direito decorrente do artigo 28.o‑B, A, n.o 2, da Sexta Diretiva diz respeito, a resposta à terceira questão resulta da interpretação já dada pelo Tribunal de Justiça ao artigo 28.o‑B, A, n.o 2, segundo e terceiro parágrafos, da Sexta Diretiva, em virtude da qual a aplicação do mecanismo previsto no segundo parágrafo está subordinada à existência das condições cumulativas enunciadas no terceiro parágrafo, entre as quais figura a condição de «o adquirente [ter] cumprido as obrigações da declaração» ( 40 ).

71.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente na sua terceira questão se é relevante para a interpretação da expressão «sujeita ao imposto» o facto de a operação em causa fazer parte de uma fraude da qual o sujeito passivo tinha ou devia ter conhecimento. Contudo, a questão que aqui se coloca não é a da interpretação da referida expressão, mas sim a de saber se o mecanismo previsto na disposição analisada se aplica ou não. Ora, essa aplicação depende da resposta à primeira questão prejudicial.

Conclusão

72.

À luz das considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça declare inadmissíveis os pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑163/13 e C‑164/13 e responda do seguinte modo às questões prejudiciais apresentadas no processo C‑131/13:

«1)

As disposições da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995, devem ser interpretadas no sentido de que as autoridades nacionais devem recusar ao sujeito passivo que sabia ou devia saber que participava numa fraude o direito à dedução do imposto a montante, o direito à isenção da entrega intracomunitária e o direito à redução do valor tributável ao abrigo do mecanismo previsto no artigo 28.o‑B, A, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva, bem como todo o direito a um eventual reembolso relacionado, mesmo que a legislação nacional não contenha disposições expressas nesse sentido.

2)

O facto de a fraude ter ocorrido num Estado‑Membro diferente daquele que é competente para recusar ao sujeito passivo os direitos enumerados no n.o 1 não tem influência na obrigação que cabe às autoridades nacionais de pronunciar essa recusa.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) V. comunicado de imprensa da Comissão, de 19 de setembro de 2013, IP/13/844.

( 3 ) JO L 145, p. 1.

( 4 ) JO L 102, p. 18.

( 5 ) Staatsblad 1968, n.o 329.

( 6 ) Acórdão Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27).

( 7 ) Acórdão Schmidberger (C‑112/00, EU:C:2003:333, n.o 39 e jurisprudência aí referida).

( 8 ) Acórdão Melki e Abdeli (EU:C:2010:363, n.o 27 e jurisprudência aí referida).

( 9 ) Segundo a formulação exata das decisões de reenvio nos processos C‑163/13 e C‑164/13.

( 10 ) Baseio‑me principalmente numa análise muito detalhada deste fenómeno em: Limbourg, N., «Les différentes typologies répertoriées en matière de carrousel TVA», La fraude à la TVA en matière pénale, Larcier, Bruxelas, 2013, p. 63 a 93. V. também, nomeadamente, Griffioen, M., e van der Hel, L., «New European Approach to Combat VAT Fraud?», Intertax, vol. 42, 2014, n.o 5, p. 298 a 305; Wolf, R. A., «VAT Carousel Fraud: A European Problem from a Dutch Perspective», Intertax, vol. 39, 2011, n.o 1, p. 26 a 37; Pabiański, T., e Śliż, W., «Zorganizowane działania przestępcze wykorzystujące mechanizmy podatku VAT», Przegląd podatkowy, n.o 1, 2007, p. 18 a 27, e n.o 3, 2007, p. 13 a 23. V. igualmente as conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nos processos apensos que deram origem ao acórdão Kittel e Recolta Recycling (C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:174, n.os 27 a 35).

( 11 ) V., nomeadamente, acórdãos BP Soupergaz (C‑62/93, EU:C:1995:223, n.o 18); Sosnowska (C‑25/07, EU:C:2008:395, n.o 15) e Maks Pen (C‑18/13, EU:C:2014:69, n.o 24).

( 12 ) V., nomeadamente, acórdão Colei (C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 23).

( 13 ) Acórdão Sosnowska (EU:C:2008:395, n.o 17).

( 14 ) V., nomeadamente, acórdãos Gemeente Leusden e Holin Groep (C‑487/01 e C‑7/02, EU:C:2004:263, n.o 76); Galifão e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 71), e Sosnowska (EU:C:2008:395, n.o 22).

( 15 ) V., nomeadamente, acórdãos Halifax e o. (EU:C:2006:121, n.os 68 a 70 e jurisprudência aí referida) e Maks Pen (EU:C:2014:69, n.o 26).

( 16 ) V., nomeadamente, acórdãos Fini H (C‑32/03, EU:C:2005:128, n.o 32), e Galifão e o. (EU:C:2006:121, n.o 85).

( 17 ) Acórdão Kittel e Recolta Recycling (C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.o 56).

( 18 ) Ibidem (n.o 59).

( 19 ) Ibidem (n.o 58).

( 20 ) Acórdão Maks Pen (EU:C:2014:69, n.os 26 e 27).

( 21 ) Acórdão Teleos e o. (C‑409/04, EU:C:2007:548, n.o 65).

( 22 ) Acórdão R. (C‑285/09, EU:C:2010:742).

( 23 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo que deu origem ao acórdão R. (C‑285/09, EU:C:2010:381, n.o 43).

( 24 ) Ibidem (n.os 57 a 109).

( 25 ) Acórdão R. (EU:C:2010:742, n.os 49 e 50).

( 26 ) Ibidem (n.o 52).

( 27 ) Ibidem (n.os 53 e 54).

( 28 ) Acórdão Mecsek‑Gabona (C‑273/11, EU:C:2012:547, n.os 50 e 54).

( 29 ) Por exemplo, no caso de o valor do imposto pago a montante exceder o valor do imposto devido durante o período fiscal em causa.

( 30 ) Acórdão Kittel e Recolta Recycling (EU:C:2006:446, n.o 51).

( 31 ) Acórdão Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 59 a 65).

( 32 ) V., nomeadamente, acórdãos Optigen e o. (C‑354/03, C‑355/03 e C‑484/03, EU:C:2006:16); Mahagében e Dávid (EU:C:2012:373) e VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592).

( 33 ) Acórdão Teleos e o. (EU:C:2007:548, n.o 2 do dispositivo). V. igualmente o processo que deu origem ao acórdão Mecsek‑Gabona (EU:C:2012:547), no qual não era certo que as mercadorias objeto da entrega intracomunitária em questão tinham efetivamente saído do território nacional. Ainda assim, o Tribunal de Justiça subordinou a possibilidade de recusa do direito à isenção à condição de o vendedor saber ou dever saber que a operação fazia parte de uma fraude.

( 34 ) V., neste sentido, acórdão Teleos e o. (EU:C:2007:548, n.o 58).

( 35 ) V., neste sentido, acórdão Teleos e o. (EU:C:2007:548, n.os 44 e 45).

( 36 ) EU:C:2006:446

( 37 ) EU:C:2010:742

( 38 ) V., nomeadamente, acórdãos Denkavit italiana (61/79, EU:C:1980:100, n.o 16) e Brzeziński (C‑313/05, EU:C:2007:33, n.o 55).

( 39 ) V., nomeadamente, acórdão Brzeziński (EU:C:2007:33, n.o 56).

( 40 ) Acórdão X e fiscale eenheid Facet‑Facet Trading (C‑536/08 e C‑539/08, EU:C:2010:217, n.o 36).

Top