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Document 62012CJ0399

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 7 de outubro de 2014.
República Federal da Alemanha contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação – Ação externa da União Europeia – Artigo 218.°, n.° 9, TFUE – Definição da posição a adotar em nome da União Europeia numa instância criada por um acordo internacional – Acordo internacional no qual a União Europeia não é parte – Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) – Conceito de ‘atos que produz[e]m efeitos jurídicos’ – Recomendações da OIV.
Processo C‑399/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2258

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

7 de outubro de 2014 ( *1 )

«Recurso de anulação — Ação externa da União Europeia — Artigo 218.o, n.o 9, TFUE — Definição da posição a adotar em nome da União Europeia numa instância criada por um acordo internacional — Acordo internacional no qual a União Europeia não é parte — Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) — Conceito de ‘atos que produz[e]m efeitos jurídicos’ — Recomendações da OIV»

No processo C‑399/12,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 28 de agosto de 2012,

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze, B. Beutler e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por P. Frantzen, na qualidade de agente,

Hungria, representada por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, B. Koopman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

República Eslovaca, representada por B. Ricziová, na qualidade de agente,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por J. Holmes, barrister,

intervenientes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por E. Sitbon e J.‑P. Hix, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por F. Erlbacher, B. Schima e B. Eggers, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta e T. von Danwitz, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, D. Šváby, M. Berger, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 26 de novembro de 2013,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a República Federal da Alemanha pede a anulação da decisão do Conselho da União Europeia de 18 de junho de 2012 que estabelece a posição a adotar em nome da União Europeia relativamente a determinadas resoluções a votar no âmbito da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) (a seguir «decisão impugnada»).

Quadro jurídico

Direito internacional

2

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, do Acordo que institui a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, celebrado em 3 de abril de 2001 (a seguir «acordo OIV»), «[a] OIV prossegue os objetivos e exerce as atribuições definidas no artigo 2.o, enquanto organismo intergovernamental de caráter científico e técnico de competência reconhecida no domínio da vinha, do vinho, das bebidas à base de vinho, das uvas de mesa, das uvas secas e de outros produtos provenientes da vinha».

3

O artigo 2.o do acordo OIV dispõe:

«1.   No domínio das suas atribuições, a OIV tem os seguintes objetivos:

a)

Indicar aos seus membros as medidas que permitam tomar em consideração as preocupações dos produtores, dos consumidores e dos outros agentes do setor vitivinícola;

b)

Apoiar as outras organizações internacionais intergovernamentais e não governamentais, nomeadamente as que prosseguem atividades normativas;

c)

Contribuir para a harmonização internacional das práticas e normas existentes e, sempre que necessário, para a elaboração de novas normas internacionais, a fim de melhorar as condições de produção e de comercialização dos produtos vitivinícolas, assegurando os interesses dos consumidores.

2.   Para a prossecução destes objetivos, a OIV exercerá as seguintes competências:

[…]

b)

Elaborar, formular recomendações e acompanhar a sua aplicação em colaboração com os seus membros, nomeadamente nos seguintes domínios:

(i)

Condições de produção vitícola;

(ii)

Práticas enológicas;

(iii)

Definição e ou descrição dos produtos, da rotulagem e das condições de comercialização;

(iv)

Métodos de análise e de apreciação dos produtos provenientes da vinha;

[…]»

4

O artigo 8.o do acordo OIV dispõe que uma organização internacional intergovernamental pode participar nos trabalhos da OIV ou ser membro desta e contribuir para o financiamento desta última nas condições que serão fixadas, caso a caso, pela assembleia‑geral, sob proposta do comité executivo.

5

Na União Europeia, 21 dos seus Estados‑Membros são membros da OIV. Em contrapartida, a União não é membro desta. Goza, contudo, de um estatuto de «convidada», na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento interno da OIV. Nesses termos, a Comissão Europeia está autorizada a assistir às reuniões dos grupos de peritos e das comissões da OIV e a intervir nessas reuniões, segundo as condições previstas nesse regulamento interno.

Direito da União

6

O Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM única») (JO L 299, p. 1), na sua versão que resulta do Regulamento (UE) n.o 1234/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010 (JO L 346, p. 11, a seguir «Regulamento n.o 1234/2007»), dispõe, no seu artigo 120.o‑F, com a epígrafe «Critérios de autorização»:

«Ao autorizar práticas enológicas nos termos do n.o 4 do artigo 195.o, a Comissão:

a)

baseia‑se nas práticas enológicas recomendadas e publicadas pel[a] [OIV], bem como nos resultados da utilização experimental de práticas enológicas ainda não autorizadas;

[…]»

7

O artigo 120.o‑G do Regulamento n.o 1234/2007, com a epígrafe «Métodos de análise», prevê:

«Os métodos de análise a utilizar para determinar a composição dos produtos do setor vitivinícola e as regras a seguir para averiguar se esses produtos foram objeto de tratamentos contrários às práticas enológicas autorizadas são os recomendados e publicados pela OIV.

Quando não existam métodos ou regras recomendados e publicados pela OIV, os métodos e regras a aplicar são aprovados pela Comissão nos termos do n.o 4 do artigo 195.o

Na pendência da aprovação de tais disposições, os métodos e regras a utilizar são os autorizados pelo Estado‑Membro em questão.»

8

O artigo 158.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007, relativo às «[e]xigências especiais relativas às importações de vinho», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Salvo disposição em contrário, nomeadamente em acordos celebrados nos termos do [artigo 218.o TFUE], as disposições relativas às denominações de origem, às indicações geográficas e à rotulagem previstas na subsecção I da secção I‑A do capítulo I do título II da parte II, bem como no n.o 1 do artigo 113.o‑D do presente regulamento aplicam‑se aos produtos dos códigos NC 2009 61, 2009 69 e 2204 importados para a Comunidade.

2.   Salvo disposição em contrário em acordos celebrados nos termos do [artigo 218.o TFUE], os produtos a que se refere o n.o 1 do presente artigo são produzidos em conformidade com práticas enológicas recomendadas e publicadas pela OIV ou autorizadas pela Comunidade nos termos do presente regulamento e das suas regras de execução.»

9

O Regulamento (CE) n.o 606/2009 da Comissão, de 10 de julho de 2009, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.o 479/2008 do Conselho no que respeita às categorias de produtos vitivinícolas, às práticas enológicas e às restrições que lhes são aplicáveis (JO L 193, p. 1), na sua versão resultante do Regulamento de Execução (UE) n.o 315/2012 da Comissão, de 12 de abril de 2012 (JO L 103, p. 38, a seguir «Regulamento n.o 606/2009»), dispõe, no seu artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo:

«Quando a Diretiva 2008/84/CE da Comissão não as estabeleça, as especificações de pureza e de identidade das substâncias utilizadas nas práticas enológicas, a que se refere a alínea e) do segundo parágrafo do artigo 32.o do Regulamento (CE) n.o 479/2008, são as estabelecidas e publicadas no Codex Enológico Internacional da OIV.»

10

Nos termos do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 606/2009:

«A Comissão publica na série C do Jornal Oficial da União Europeia a lista e a descrição dos métodos de análise referidos no [artigo 120.o‑G, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007] e descritos no Compêndio dos Métodos Internacionais de Análise dos Vinhos e Mostos da OIV que são aplicáveis no controlo dos limites e condições estabelecidos na regulamentação comunitária para a elaboração de produtos vitivinícolas.»

Antecedentes do litígio e decisão impugnada

11

Até junho de 2010, os Estados‑Membros coordenaram, por sua própria iniciativa, as suas posições no grupo de trabalho sobre os vinhos e o álcool da OIV.

12

Em 16 de maio de 2011, a Comissão apresentou, nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, uma proposta de decisão do Conselho que definia a posição a adotar em nome da União Europeia relativamente a determinadas resoluções a votar no âmbito da OIV. Todavia, a referida proposta não foi adotada.

13

No âmbito das reuniões de coordenação que tiveram lugar no Porto (Portugal) em 22 e 24 de junho de 2011, os Estados‑Membros que também são membros da OIV acordaram as suas posições quanto às recomendações que constavam da ordem do dia da assembleia‑geral dessa organização. A Comissão fez saber que esses Estados‑Membros não podiam adotar uma posição que afetasse o acervo da União e que, consequentemente, se deviam opor às recomendações dessa organização suscetíveis de alterar esse acervo. Comunicou ainda uma lista exemplificativa de catorze projetos de recomendações cuja adoção pela referida assembleia poderia, na sua opinião, prejudicar o acervo da União.

14

Na assembleia‑geral da OIV de 24 de junho de 2011, foram aprovadas várias recomendações segundo o processo de consenso previsto no artigo 5.o, n.o 3, alínea a), do acordo OIV, designadamente pelas delegações dos Estados‑Membros.

15

A Comissão apresentou uma proposta de decisão do Conselho nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, tendo em vista a assembleia‑geral extraordinária da OIV de 28 de outubro de 2011 em Montpellier (França). Todavia, essa proposta também não foi adotada.

16

Tendo em vista a assembleia‑geral da OIV de 22 de junho de 2012 em Izmir (Turquia), a Comissão transmitiu ao Conselho, em 27 de abril de 2012, uma proposta de decisão do Conselho que estabelecia a posição a adotar em nome da União Europeia relativamente a determinadas resoluções a votar no âmbito da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) [COM(2012) 192 final].

17

Não tendo a referida proposta de decisão obtido maioria favorável, a Presidência da União apresentou duas propostas de compromisso sucessivas. A segunda, com data de 6 de junho de 2012, foi adotada por maioria qualificada na reunião do Conselho «Agricultura e Pesca» de 18 de junho de 2012 e constitui a decisão impugnada.

18

Alguns Estados‑Membros, entre os quais a República Federal da Alemanha, votaram contra a referida proposta.

19

Nos termos dos considerandos 5 a 7 da decisão impugnada:

«(5)

Os projetos de resolução OENO‑TECHNO 08‑394A, 08‑394B, 10‑442, 10‑443, 10‑450A, 10‑450B, 11‑483 e 11‑484 estabelecem novas práticas enológicas. Tais resoluções afetarão o acervo nos termos dos artigos 120.°‑F e 158.°‑A do Regulamento (CE) n.o 1234/2007.

(6)

Os projetos de resolução OENO‑SCMA 08‑385, 09‑419B, 10‑436, 10‑437, 10‑461, 10‑465 e 10‑466 estabelecem métodos de análise. Tais resoluções afetarão o acervo nos termos do artigo 120.o‑G do Regulamento CE) n.o 1234/2007.

(7)

Os projetos de resolução OENO‑SPECIF 08‑363, 08‑364, 09‑412, 10‑451, 10‑452, 10‑459, 11‑485, 11‑486B, 11‑489, 11‑490, 11‑491 e 11‑494 estabelecem especificações de pureza e de identidade de substâncias utilizadas nas práticas enológicas. Tais resoluções afetarão o acervo nos termos do artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 606/2009.»

20

A decisão impugnada tem a seguinte redação:

«O Conselho da União Europeia,

Tendo em conta o Tratado [FUE], nomeadamente o artigo 43.o, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 9,

[…]

Artigo 1.o

A posição da União na Assembleia Geral da OIV a realizar em 22 de junho de 2012 deve estar de acordo com o estabelecido no anexo que acompanha a presente decisão e ser expressa pelos Estados‑Membros que são membros da OIV, agindo conjuntamente no interesse da União.

Artigo 2.o

1.   No caso de a posição referida no artigo 1.o poder ser influenciada por novas informações científicas ou técnicas apresentadas antes ou durante as reuniões da OIV, os Estados‑Membros que são membros da OIV devem pedir o adiamento da votação na Assembleia Geral da OIV até a posição da União ser definida com base nos novos elementos.

2.   Depois de se coordenarem entre si, nomeadamente no local, e na ausência de outra decisão do Conselho que defina a posição da União, os Estados‑Membros que são membros da OIV, agindo conjuntamente no interesse da União, poderão aceitar os projetos de resolução indicados no Anexo à presente decisão que não incidam sobre questões de fundo.

Artigo 3.o

Os Estados‑Membros são os destinatários da presente decisão.»

21

O anexo da referida decisão identifica os projetos de resoluções aos quais diz respeito a posição da União referida no artigo 1.o dessa decisão.

Pedidos das partes e processo no Tribunal de Justiça

22

A República Federal da Alemanha pede ao Tribunal de Justiça que se digne anular a decisão impugnada e condenar o Conselho nas despesas.

23

O Conselho pede que seja negado provimento ao recurso e que a República Federal da Alemanha seja condenada nas despesas. A título subsidiário, em caso de anulação da decisão impugnada, pede ao Tribunal de Justiça que mantenha os efeitos desta.

24

A República Checa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha, ao passo que a Comissão foi admitida a intervir em apoio dos pedidos do Conselho.

Quanto ao recurso

25

O recurso baseia‑se num fundamento único, relativo à inaplicabilidade do artigo 218.o, n.o 9, TFUE ao caso vertente.

26

Nos respetivos articulados de intervenção, a Hungria e o Reino dos Países Baixos invocam, por outro lado, fundamentos relativos à violação das disposições do Tratado FUE diferentes da invocada no âmbito do fundamento único referido no número anterior.

27

Todavia, uma parte que, nos termos do artigo 40.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, é admitida a intervir num litígio pendente neste último não pode alterar o objeto do litígio conforme circunscrito pelos pedidos das partes principais. Daí decorre que só são admissíveis os argumentos de um interveniente que se inscrevam no quadro definido por esses pedidos e fundamentos.

28

Como tal, os fundamentos da Hungria e do Reino dos Países Baixos referidos no n.o 26 do presente acórdão devem ser desde já rejeitados, por serem inadmissíveis.

Argumentos das partes

29

No âmbito do fundamento único do seu recurso, a República Federal da Alemanha, apoiada pela República Checa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pela Hungria, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Áustria, pela República Eslovaca e pelo Reino Unido, alega, em primeiro lugar, que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE não é aplicável no contexto de um acordo internacional que, como o acordo OIV, foi celebrado por Estados‑Membros e não pela União enquanto tal.

30

Com efeito, decorre da redação do artigo 218.o, n.o 9, TFUE que a mesma disposição diz unicamente respeito às posições a tomar «em nome da União», o que pressupõe que esta disponha, na instância internacional em causa, de um direito de representação ou de voto.

31

O espírito do artigo 218.o TFUE confirma que o seu n.o 9 é unicamente aplicável no contexto dos acordos celebrados pela União.

32

Esta interpretação é corroborada pela génese e pela finalidade do artigo 218.o, n.o 9, TFUE. Esta disposição, que reproduz quase literalmente o artigo 300.o, n.o 2, CE, prevê um processo específico que permite à União uma reação rápida em caso de violação, pelas outras partes contratantes, de um acordo internacional no qual a União também é parte.

33

O princípio da atribuição que regula a delimitação das competências da União, enunciado no artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, proíbe que se aplique, por analogia, o procedimento previsto no artigo 218.o, n.o 9, TFUE à execução de acordos internacionais celebrados pelos Estados‑Membros.

34

Por outro lado, as práticas e as regras a que se referem as recomendações da OIV não se inserem num domínio de competência exclusiva da União, mas no domínio da agricultura, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, alínea d), TFUE, que constitui um domínio de competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros.

35

Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha e os Estados‑Membros admitidos a intervir em seu apoio alegam que só constituem «atos que produz[e]m efeitos jurídicos», na aceção do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, os atos de direito internacional vinculativos em relação à União. Esta interpretação decorre da própria redação dessa disposição e é corroborada pela sistemática das disposições em que se insere o artigo 218.o, n.o 9, TFUE.

36

No caso vertente, as recomendações da OIV não se inserem na categoria dos atos referidos no artigo 218.o, n.o 9, TFUE. Com efeito, por um lado, as referidas recomendações não têm caráter vinculativo em direito internacional. Por outro lado, as referências às recomendações da OIV, contidas nos artigos 120.°‑F, alínea a), 120.°‑G e 158.°‑A, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1234/2007 e no artigo 9.o do Regulamento n.o 606/2009, procedem de um ato unilateral do legislador da União que não é suscetível de conferir a essas recomendações a qualificação de ato de direito internacional vinculativo, designadamente em relação a Estados terceiros.

37

Em terceiro lugar, o Reino dos Países Baixos alega que a inaplicabilidade do artigo 218.o, n.o 9, TFUE ao caso vertente é confirmada pelo facto de que, à data da adoção da decisão impugnada, não existiam certezas absolutas quanto às recomendações que iam efetivamente ser sujeitas a votação na assembleia‑geral da OIV de 22 de junho de 2012.

38

O Conselho, apoiado pela Comissão, alega, em primeiro lugar, que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE é aplicável à definição das posições a adotar em nome da União numa organização, como a OIV, criada por um acordo internacional celebrado por Estados‑Membros e chamada a adotar atos que produzem efeitos jurídicos, quando o domínio em causa é abrangido pela competência da União.

39

A interpretação literal do artigo 218.o, n.o 9, TFUE permite considerar que, na falta de previsão em sentido contrário, esta disposição também é aplicável no contexto de acordos nos quais a União não é parte, no caso de domínios que se inserem na sua competência.

40

Quanto ao contexto em que se inscreve o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, o Conselho alega que não se pode inferir nenhuma conclusão dos artigos 216.° TFUE e 218.°, n.o 1, TFUE, uma vez que essas disposições dizem respeito à celebração de acordos internacionais pela União, ao passo que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE tem em vista, por sua vez, não o processo de negociação ou de celebração desses acordos, mas a execução de um acordo suscetível de produzir efeitos jurídicos na União.

41

De um ponto de vista teleológico, o artigo 218.o, n.o 9, TFUE destina‑se a definir um quadro procedimental que permita definir a posição da União nas organizações internacionais, incluindo no contexto dos acordos internacionais nos quais não é parte, caso os atos a adotar se destinem a serem posteriormente incorporados no direito da União.

42

A União não se imiscui nas competências dos Estados‑Membros quando exerce, a nível internacional, competências que lhe foram atribuídas com base no artigo 43.o TFUE em domínios como as práticas enológicas e os métodos de análise de produtos do setor vitivinícola.

43

De resto, a União dispõe, por força do artigo 3.o, n.o 2, TFUE, de competência externa exclusiva nos domínios abrangidos pelos projetos de recomendação referidos no anexo da decisão impugnada, dado que tais projetos são suscetíveis de alterar as regras comuns da União. Com efeito, esses projetos dizem respeito a práticas enológicas e a métodos de análise que, nos termos dos artigos 120.°‑F, alínea a), 120.°‑G e 158.°‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 1234/2007, bem como do Regulamento n.o 606/2009, servirão de base à elaboração da regulamentação da União ou se tornarão por esta aplicáveis.

44

Em segundo lugar, o Conselho, apoiado pela Comissão, alega que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE exige unicamente que os atos que a organização internacional é chamada a adotar produzam efeitos na ordem jurídica da União, sem que seja necessário que esses atos produzam efeitos na ordem jurídica internacional.

45

A referida disposição abrange, por conseguinte, a situação em que recomendações internacionais, ainda que sem caráter vinculativo, produzem contudo efeitos jurídicos na União devido a disposições coercivas desta.

46

No presente caso, as recomendações adotadas numa assembleia‑geral da OIV sobre as práticas enológicas e os métodos de análise têm efeitos jurídicos na União devido à escolha do legislador da União de as incorporar na sua regulamentação.

47

Em terceiro lugar, o Conselho alega que o argumento do Reino dos Países Baixos reproduzido no n.o 37 do presente acórdão desrespeita o conteúdo e o objetivo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE.

Apreciação do Tribunal de Justiça

48

Nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, «[o] Conselho, sob proposta da Comissão [...], adota uma decisão [...] em que se definam as posições a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, quando essa instância for chamada a adotar atos que produzam efeitos jurídicos, com exceção dos atos que completem ou alterem o quadro institucional do acordo».

49

Em primeiro lugar, há que referir, por um lado, que essa disposição faz referência a uma instância criada por «um acordo», sem precisar que a União deve ser parte nesse acordo. De igual modo, a referência, na dita disposição, a posições a tomar «em nome da União» não pressupõe que esta última deva ser parte no acordo que criou a instância internacional em causa.

50

Daí decorre que a letra do artigo 218.o, n.o 9, TFUE não obsta a que a União adote uma decisão que defina uma posição a tomar em seu nome numa instância criada por um acordo internacional no qual não é parte.

51

Por outro lado, há que sublinhar que o presente processo diz respeito ao domínio da política agrícola comum e, mais particularmente, à organização comum dos mercados vitivinícolas, um domínio que é amplamente regulamentado pelo legislador da União nos termos da sua competência baseada no artigo 43.o TFUE.

52

Quando o domínio em questão é abrangido por uma competência da União como a que se descreveu no número anterior, o facto de a União não participar no acordo internacional em causa não a impede de exercer essa competência definindo, no quadro das suas instituições, uma posição a tomar em seu nome na instância criada por esse acordo, nomeadamente por intermédio dos Estados‑Membros partes no referido acordo que agem solidariamente no seu interesse (v. acórdão Comissão/Grécia, C‑45/07, EU:C:2009:81, n.os 30 e 31; v., também, neste sentido, parecer 2/91, EU:C:1993:106, n.o 5).

53

As considerações precedentes não são postas em causa pelos argumentos da República Federal da Alemanha que consistem em afirmar, em primeiro lugar, que as disposições que precedem o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, que constam sob o título V da parte V do Tratado FUE, se referem unicamente aos acordos entre a União e um ou vários Estados terceiros ou entre a União e organizações internacionais e, em segundo lugar, que a adoção por parte da União de uma decisão relativa à suspensão da aplicação de um acordo, também referida no artigo 218.o, n.o 9, TFUE, só é possível no contexto de um acordo internacional celebrado pela União.

54

Com efeito, há que referir, a este respeito, que, com exceção do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, as disposições referidas no número anterior têm como objeto a negociação e a celebração de acordos por parte da União. Em contrapartida, o artigo 218.o, n.o 9, TFUE refere‑se às posições a tomar em nome da União numa instância criada por um acordo, as quais, diferentemente de uma decisão da União relativa à suspensão da aplicação de um acordo, são suscetíveis de ser adotadas, na hipótese enunciada no n.o 52 do presente acórdão, também no contexto de um acordo em que a União não é parte.

55

Consequentemente, o facto de a União não ser parte no acordo OIV não a impede, enquanto tal, de aplicar o artigo 218.o, n.o 9, TFUE.

56

Seguidamente, importa verificar se as recomendações a adotar pela OIV, em causa no caso vertente, constituem «atos que produz[e]m efeitos jurídicos», na aceção dessa disposição.

57

A este respeito, decorre dos considerandos 5 a 7 da decisão impugnada e do anexo da mesma que as recomendações da OIV submetidas à votação da assembleia‑geral desta organização visada nesta decisão dizem respeito a novas práticas enológicas, a métodos de análise que permitem definir a composição de produtos do setor vitivinícola ou ainda a especificações de pureza e de identidade das substâncias utilizadas para essas práticas.

58

As referidas recomendações inserem‑se, por conseguinte, nos domínios científicos identificados no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do acordo OIV, o que, de resto, não é contestado por nenhuma das partes no presente litígio.

59

Ora, nos termos do artigo 2.o, n.os 1, alíneas b) e c), e 2, do acordo OIV, as recomendações adotadas pela OIV nos referidos domínios têm por objeto contribuir para a realização dos objetivos dessa organização que consistem, designadamente, em apoiar as outras organizações internacionais, em particular as que prosseguem atividades normativas, e em contribuir para a harmonização internacional das práticas e normas existentes, bem como, na medida do necessário, para a elaboração de novas normas internacionais.

60

Por outro lado, deve referir‑se que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do acordo OIV, a OIV está encarregada de acompanhar a aplicação dessas recomendações em colaboração com os seus membros.

61

Além disso, no quadro da organização comum dos mercados vitivinícolas, o legislador da União incorpora as referidas recomendações na regulamentação adotada a esse respeito. Com efeito, resulta dos artigos 120.°‑G e 158.°‑A, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1234/2007 e do artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 606/2009 que as recomendações da OIV são expressamente equiparadas a normas do direito da União no que se refere aos métodos de análise que permitem determinar a composição dos produtos do setor vitivinícola, às exigências especiais, em termos de práticas enológicas, relativas às importações de vinho proveniente de países terceiros, e às especificações de pureza e de identidade das substâncias utilizadas nessas práticas.

62

Quanto ao artigo 120.o‑F, alínea a), do Regulamento n.o 1234/2007, ao dispor que a Comissão «[se b]aseia» nas recomendações da OIV no que se refere à autorização de práticas enológicas, implica necessariamente que essas recomendações devem ser tomadas em consideração para efeitos da elaboração das normas do direito da União a esse respeito.

63

Daí decorre que as recomendações em causa no caso vertente, que, como se referiu no n.o 57 do presente acórdão, dizem respeito a novas práticas enológicas, a métodos de análise que permitem definir a composição de produtos do setor vitivinícola ou a especificações de pureza e de identidade das substâncias utilizadas para essas práticas, tendem a influenciar de forma determinante o conteúdo da regulamentação adotada pelo legislador da União no domínio da organização comum dos mercados vitivinícolas.

64

Resulta das considerações evocadas nos n.os 57 a 63 do presente acórdão que essas recomendações, designadamente devido à sua incorporação no direito da União nos termos dos artigos 120.°‑F, alínea a), 120.°‑G e 158.°‑A, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1234/2007 e do artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 606/2009, têm efeitos jurídicos, na aceção do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, no referido domínio e que a União, apesar de não ser parte no acordo OIV, está habilitada a definir uma posição a adotar em seu nome relativamente a essas recomendações, tendo em conta a sua incidência direta sobre o acervo da União nesse domínio.

65

Quanto ao argumento do Reino dos Países Baixos reproduzido no n.o 37 do presente acórdão, colide quer com a letra quer com o objetivo do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, que visa permitir que uma posição previamente definida em nome da União seja expressa numa instância internacional «chamada a» adotar atos que produzem efeitos jurídicos, independentemente da questão de saber se os atos afetados pela posição definida dessa forma serão, a título definitivo, efetivamente sujeitos a votação na instância competente.

66

Atendendo às considerações precedentes, o Conselho baseou‑se corretamente no artigo 218.o, n.o 9, TFUE para adotar a decisão impugnada.

67

Como tal, o fundamento único de recurso invocado pela República Federal da Alemanha não pode ser acolhido.

68

Daí decorre que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

69

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, cabe decidir que a República Checa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca, o Reino Unido e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

 

3)

A República Checa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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