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Document 62012CJ0209

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de dezembro de 2013.
Walter Endress contra Allianz Lebensversicherungs AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE — Seguro direto de vida — Direito de renúncia — Falta de informação sobre as condições de exercício deste direito — Termo do prazo do direito de renúncia um ano após o pagamento do primeiro prémio — Conformidade com as Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE.
Processo C‑209/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:864

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de dezembro de 2013 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE — Seguro direto de vida — Direito de renúncia — Falta de informação sobre as condições de exercício deste direito — Termo do prazo do direito de renúncia um ano após o pagamento do primeiro prémio — Conformidade com as Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE»

No processo C‑209/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 28 de março de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de maio de 2012, no processo

Walter Endress

contra

Allianz Lebensversicherungs AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação de W. Endress, por J. Kummer, Rechtsanwalt,

em representação da Allianz Lebensversicherungs AG, por J. Grote e M. Schaaf, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Segunda Diretiva 90/619/CEE do Conselho, de 8 de novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços e altera a Diretiva 79/267/CEE (JO L 330, p. 50), conforme alterada pela Diretiva 92/96/CEE do Conselho, de 10 de novembro de 1992, que estabelece a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao seguro direto vida e que altera as Diretivas 79/267/CEE e 90/619/CEE (Terceira Diretiva sobre o seguro de vida) (JO L 360, p. 1, a seguir «Segunda Diretiva sobre o seguro de vida»), conjugado com o artigo 31.o, n.o 1, da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe W. Endress à Allianz Lebensversicherungs AG (a seguir «Allianz»), a respeito da renúncia, por W. Endress, a um contrato de seguro de vida celebrado com esta sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida foram revogadas e substituídas pela Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida (JO L 345, p. 1), a qual, por sua vez, foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 1 de novembro de 2012, pela Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (JO L 335, p. 1). Todavia, tendo em conta a data de celebração do contrato de seguro de vida que é objeto do litígio no processo principal, as disposições da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida mantêm‑se pertinentes para a solução deste litígio.

Segunda Diretiva sobre o seguro de vida

4

Nos termos do décimo primeiro considerando da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, «quanto aos contratos de seguro de vida […], é conveniente conceder ao segurando a possibilidade de denunciar o contrato no prazo de 14 a 30 dias».

5

O artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida previa:

«Cada um dos Estados‑Membros deverá determinar que o segurando de um contrato individual de seguro de vida disponha de um prazo de 14 a 30 dias, a contar da data em que lhe tenha sido confirmada a celebração do mesmo, para renunciar aos efeitos de tal contrato.

[...]

Os restantes efeitos jurídicos e as condições da renúncia são regidos pela legislação aplicável ao contrato, […] nomeadamente no que diz respeito às modalidades segundo as quais o segurando é informado da celebração do contrato.

[...]»

Terceira Diretiva sobre o seguro de vida

6

O considerando 23 da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida tinha a seguinte redação:

«[N]o âmbito de um mercado único dos seguros, o consumidor terá uma possibilidade de escolha dos contratos maior e mais diversificada; […] para beneficiar completamente dessa diversidade e de uma concorrência acrescida, deve ter ao seu dispor as informações necessárias para escolher o contrato que melhor se adapte às suas necessidades; […] esta necessidade de informações é tanto mais importante quanto maior for a duração dos compromissos, que poderá ser muito longa; […] por conseguinte, convém coordenar as disposições mínimas para que o consumidor receba uma informação clara e precisa sobre as características essenciais dos produtos que lhe são propostos, bem como as indicações relevantes relativas aos organismos competentes em matéria de reclamações dos tomadores, segurados ou beneficiários do contrato [...]»

7

O artigo 31.o, n.os 1 e 4, desta diretiva dispunha:

«1.   Antes da celebração do contrato de seguro, devem ser comunicadas ao tomador pelo menos as informações enunciadas no ponto A do anexo II.

[...]

4.   As regras de execução do presente artigo e do anexo II serão adotadas pelo Estado‑Membro [em questão].»

8

O anexo II da referida diretiva, com a epígrafe «Informação aos tomadores», previa:

«As seguintes informações, que devem ser comunicadas ao tomador, quer (A) antes da celebração do contrato quer (B) durante a sua vigência, devem ser formuladas, por escrito, de modo claro e preciso e prestadas na ou numa das línguas oficiais do Estado‑Membro [em questão].

[...]

A.

Antes da celebração do contrato

[...]

a.13

Modalidades do exercício do direito de renúncia

[...]»

Diretiva 85/577/CEE

9

Nos termos do quarto considerando da Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), «os contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais do comerciante [caracterizam‑se] pelo facto de […] que o consumidor não está, de forma nenhuma, preparado para tais negociações e que foi apanhado desprevenido [e] que, muitas vezes, o consumidor nem mesmo pode comparar a qualidade e o preço da oferta com outras ofertas [...]».

10

O quinto considerando desta diretiva enuncia «que é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução […], a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato».

11

O artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«O consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu desde que envie uma notificação, no prazo de pelo menos sete dias a contar da data em que recebeu a informação referida no artigo 4.o, em conformidade com as modalidades e condições prescritas pela legislação nacional. Relativamente ao cumprimento do prazo, é suficiente que a notificação seja enviada antes do seu termo.»

Direito alemão

12

O § 5a da Lei sobre os contratos de seguro (Versicherungsvertragsgesetz, a seguir «VVG») foi revogado com efeitos a 1 de janeiro de 2008. Na sua versão aplicável aos factos do processo principal, este artigo previa:

«1.   O contrato de seguro considera‑se válido, nos termos expressos na apólice, nas condições do seguro e nas restantes informações ao consumidor relevantes para o contrato, no caso de o segurador, no momento da apresentação da proposta do contrato, não ter dado conhecimento ao tomador das condições do seguro ou prestado uma informação ao consumidor, de acordo com [as disposições aplicáveis], se o tomador não se opuser, por escrito, no prazo de catorze dias após a entrega dos documentos. [...]

2.   O prazo apenas começa a correr após o tomador do seguro ter recebido, na totalidade, a apólice de seguro e os documentos referidos no n.o 1 e, com a receção da apólice, ter sido elucidado, por escrito, em letra de imprensa, e de forma clara, sobre o seu direito de oposição e sobre o início e a duração do prazo. […] Sem prejuízo do disposto na primeira frase, o direito de oposição apenas caduca, contudo, um ano após o pagamento do primeiro prémio.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

Segundo a decisão de reenvio, W. Endress celebrou com a Allianz um contrato de seguro de vida com efeitos a partir de 1 de dezembro de 1998. Só recebeu as condições gerais do seguro e uma nota informativa quando a Allianz lhe enviou a apólice de seguro. Assim, quando a Allianz aceitou celebrar este contrato com W. Endress, não o informou suficientemente sobre os direitos que lhe eram garantidos nos termos do § 5a da VVG.

14

Por força do referido contrato de seguro de vida, W. Endress devia pagar um prémio anual durante um período de cinco anos a partir do mês de dezembro de 1998 e, em contrapartida, a Allianz devia pagar‑lhe uma renda a partir de 1 de dezembro de 2011. Todavia, em 1 de junho de 2007, W. Endress notificou à Allianz a rescisão do referido contrato, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2007. Em setembro de 2007, a Allianz pagou ao interessado o valor de resgate do mesmo contrato de seguro de vida, o qual era inferior ao montante total dos prémios de seguro acrescido de juros.

15

Por carta de 31 de março de 2008, W. Endress exerceu o seu direito de «oposição» nos termos do § 5a da VVG. Pediu à Allianz o reembolso da totalidade dos prémios acrescida de juros, uma vez deduzido o valor de resgate já pago.

16

A ação intentada por W. Endress, destinada a obter o pagamento, por parte da Allianz, desse montante suplementar foi julgada improcedente pelo órgão jurisdicional de primeira instância. Foi também negado provimento ao recurso interposto da decisão proferida em primeira instância.

17

W. Endress interpôs então um recurso de «Revision» no Bundesgerichtshof. Este órgão jurisdicional considera que só podia ser dado provimento a esse recurso se, não obstante o disposto no § 5a, n.o 2, quarto período, da VVG, o interessado mantivesse um direito de oposição mesmo depois de ter decorrido mais de um ano desde o pagamento do primeiro prémio de seguro. Nesta medida, é determinante saber se o artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma limitação do prazo de exercício do direito de oposição.

18

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 15.o, n.o 1, primeiro [parágrafo], da [Segunda Diretiva sobre o seguro de vida], atendendo ao artigo 31.o, n.o 1, da [Terceira Diretiva sobre o seguro de vida,] ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime como o previsto no § 5a, n.o 2, quarto período, da [VVG, na versão aplicável aos factos do processo principal], nos termos do qual o direito de renúncia ou de oposição caduca o mais tardar um ano após o pagamento do primeiro prémio de seguro, mesmo quando o tomador do seguro não tenha sido informado do direito de renúncia ou de oposição?»

Quanto à questão prejudicial

19

A título preliminar, há que recordar que, nos termos do artigo 267.o TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade de um diploma da União, a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 14 de janeiro de 2010, Stadt Papenburg, C-226/08, Colet., p. I-131, n.o 23 e jurisprudência referida). De igual modo, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a legislação nacional (v., designadamente, acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, n.o 58 e jurisprudência referida).

20

Daí decorre que, no que se refere ao presente processo, não obstante as dúvidas que a Allianz exprimiu a este respeito nas suas observações escritas e na audiência, o Tribunal de Justiça está obrigado a partir da hipótese de que, conforme resulta da decisão de reenvio, W. Endress não foi informado do seu direito de renúncia ou, pelo menos, não o foi suficientemente. Além disso, o Tribunal de Justiça não é chamado a decidir, no âmbito do presente processo, sobre a questão de saber se a regulamentação nacional contida no § 5a da VVG, relativa às modalidades de celebração de um contrato de seguro segundo o modelo dito «de apólice», era, no seu todo, conforme com as exigências que decorriam da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida.

21

Por conseguinte, o objeto do presente processo circunscreve‑se à questão de saber se o exercício do direito de renúncia previsto no artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida podia ser limitado por uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal ao período de um ano a partir da data do pagamento, pelo tomador de seguro, do primeiro prémio nos termos do contrato de seguro em questão, mesmo quando o referido tomador não tenha sido informado desse direito de renúncia.

22

A este respeito, há que recordar que, embora a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida não evocassem a hipótese de um tomador de seguro não ter sido informado do seu direito de renúncia nem, portanto, a incidência que essa falta de informação podia ter nesse direito, o artigo 15.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida previa que «as condições da renúncia [eram] regid[a]s pela legislação [nacional] aplicável ao contrato».

23

É certo que os Estados‑Membros tinham, por conseguinte, o direito de adotar regras relativas às modalidades concretas de exercício do direito de renúncia e que essas modalidades podiam conter, por natureza, certas limitações a este direito. Todavia, na adoção dessas regras, os Estados‑Membros eram, segundo jurisprudência constante, obrigados a assegurar o efeito útil da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida, tendo em conta o respetivo objeto (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 8 de abril de 1976, Royer, 48/75, Colet., p. 221, n.o 73).

24

Ora, no que diz respeito ao objeto das referidas diretivas, há que recordar que o considerando 23 da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida referia que, «no âmbito de um mercado único dos seguros, o consumidor [teria] uma possibilidade de escolha dos contratos maior e mais diversificada». Também segundo este considerando, «para beneficiar completamente dessa diversidade e de uma concorrência acrescida, [o referido consumidor devia] ter ao seu dispor as informações necessárias para escolher o contrato que melhor se [adaptasse] às suas necessidades» (acórdão de 5 de março de 2002, Axa Royale Belge, C-386/00, Colet., p. I-2209, n.o 28). Por fim, o referido considerando precisava que «esta necessidade de informações [era] tanto mais importante quanto maior [fosse] a duração dos compromissos».

25

Atendendo à prossecução deste objetivo de informação enunciado no considerando 23 da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, o artigo 31.o, n.o 1, desta diretiva, conjugado com o seu anexo II, ponto a.13, previa que, «pelo menos», as «[m]odalidades do exercício do direito de renúncia» deviam ser comunicadas ao tomador de seguro, e isso «[a]ntes da celebração do contrato». Por conseguinte, resultava claramente tanto da sistemática como da redação das disposições pertinentes da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida que esta visava garantir que o tomador de seguro recebesse uma informação exata sobre, designadamente, ao seu direito de renúncia.

26

Há, pois, que constatar que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, ao prever o termo do direito de o tomador de seguro renunciar ao contrato num momento em que não foi informado desse direito, é contrária à realização do objetivo essencial prosseguido pela Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida e, como tal, ao seu efeito útil.

27

Tal conclusão não pode ser invalidada pelo argumento, invocado designadamente pela Allianz, segundo o qual o princípio da segurança jurídica pode impor uma disposição como a que está em causa no processo principal. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou, a este respeito, que se um consumidor não tinha conhecimento da existência de um direito de rescisão, se encontrava na impossibilidade de o exercer e que, portanto, razões de segurança jurídica não podiam justificar uma restrição do período no qual o direito de renúncia podia, nos termos da Diretiva 85/577, ser exercido, na medida em que isso implicava uma limitação dos direitos expressamente concedidos ao consumidor com o objetivo de o proteger dos riscos inerentes ao facto de as instituições de crédito terem optado por celebrar contratos fora dos seus estabelecimentos comerciais (acórdão de 13 de dezembro de 2001, Heininger, C-481/99, Colet., p. I-9945, n.os 45 e 47).

28

Embora o acórdão Heininger, já referido, tenha por objeto, designadamente, as disposições da Diretiva 85/577, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, e embora, como salientou a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, haja diferenças significativas entre esta diretiva e a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida, as considerações formuladas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Heininger, já referido, mencionadas no número anterior do presente acórdão, aplicam‑se à disposição em causa no processo principal. Com efeito, os riscos para o consumidor, ligados à celebração de um contrato fora do estabelecimento comercial do seu cocontratante, por um lado, e os riscos para o tomador de seguro, ligados à celebração de um contrato de seguro na falta de uma informação conforme com as exigências do artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, conjugado com o anexo II desta diretiva, por outro, são comparáveis.

29

Deste modo, no que respeita, por um lado, à Diretiva 85/577, esta refere designadamente, no seu quarto considerando, «que, muitas vezes, o consumidor nem mesmo pode comparar a qualidade e o preço da oferta com outras ofertas» e, no seu quinto considerando, «que é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução […], a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato». Por outro lado, dado que os contratos de seguro são produtos financeiros juridicamente complexos, suscetíveis de diferir consideravelmente consoante o segurador que os oferece e de implicar compromissos financeiros importantes e potencialmente de duração muito longa, o tomador de seguro encontra‑se numa situação de vulnerabilidade face ao segurador, situação que é análoga àquela em que se encontra um consumidor no âmbito da celebração de um contrato fora de um estabelecimento comercial.

30

Por conseguinte, conforme salientou a advogada‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, o segurador não pode invocar validamente motivos de segurança jurídica para sanar uma situação causada pelo seu próprio incumprimento da exigência, decorrente do direito da União, de comunicar uma lista definida de informações, entre as quais constam, designadamente, as relativas ao direito de o tomador de seguro renunciar ao contrato (v., por analogia, acórdão Heininger, já referido, n.o 47).

31

As considerações precedentes também não podem ser postas em causa pelo facto, invocado designadamente pela Allianz, de que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito de rescisão instituído no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 85/577 pode expirar mesmo quando o consumidor tenha recebido uma informação errada sobre as modalidades de exercício do referido direito (v. acórdão de 10 de abril de 2008, Hamilton, C-412/06, Colet., p. I-2383, n.o 49). Com efeito, esse acórdão tem por objeto a conformidade, com a referida diretiva, de uma disposição nacional que previa tal vencimento um mês após a execução completa, pelas partes contratantes, das obrigações decorrentes de um contrato. Ora, no caso vertente, não está em causa uma disposição como essa, uma vez que o legislador nacional em causa não adotou uma disposição desse tipo em matéria de contratos de seguro de vida.

32

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, conjugado com o artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o direito de renúncia do tomador do seguro caduca, o mais tardar, um ano após o pagamento do primeiro prémio de seguro, quando ele não tenha sido informado do seu direito de renúncia.

Quanto aos efeitos do presente acórdão no tempo

33

Nas suas observações, a Allianz pediu ao Tribunal de Justiça que, caso entendesse que a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida se opõem a uma legislação como a que está em causa no processo principal, limitasse os efeitos do seu acórdão no tempo.

34

Em apoio deste pedido, a Allianz salienta que este acórdão poderá vir a afetar mais de 108 milhões de contratos de seguro celebrados entre 1995 e 2007 e que, por força desses contratos, foram pagos prémios que representam uma quantia de cerca de 400 mil milhões de euros. A própria Allianz celebrou cerca de 9 milhões de contratos deste tipo, durante esse período, e recebeu prémios num montante de cerca de 62 mil milhões de euros.

35

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que a interpretação que o Tribunal de Justiça dá de uma disposição do direito comunitário se limita a esclarecer e precisar o significado e o alcance da mesma, tal como deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor (v. acórdão Heininger, já referido, n.o 51 e jurisprudência referida).

36

Em segundo lugar, de acordo com jurisprudência constante, uma limitação dos efeitos de um acórdão no tempo constitui uma medida excecional que pressupõe a existência de um risco de repercussões económicas graves, devidas, em particular, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor, e que se verifique que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão Europeia (v., designadamente, acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact, C‑465/11, n.o 45 e jurisprudência referida).

37

Ora, no caso vertente, quanto aos elementos suscetíveis de justificar uma limitação dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça no tempo, há que constatar que a Allianz, que não apresentou provas a este respeito, se limitou a referir um número muito elevado de contratos de seguro que foram celebrados ao abrigo do regime dito «de apólice» e por força dos quais foram pagos prémios que representam, no total, uma quantia muito elevada. Todavia, a Allianz não forneceu dados relativamente ao número, o único que é pertinente no caso vertente, de contratos de seguro em que o tomador não foi informado do seu direito de renúncia e também não quantificou o risco económico ligado, para a Allianz, à possibilidade de os tomadores em questão renunciarem a esses contratos. Nestas circunstâncias, não foi provada a existência de um risco de repercussões económicas graves.

38

Por outro lado, no que diz respeito ao requisito da existência de uma «incerteza objetiva e importante» quanto ao alcance das disposições do direito da União, há que constatar que as disposições da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, conforme decorre dos n.os 22 a 31 do presente acórdão, não suscitam dúvidas quanto ao objetivo essencial desta diretiva, que consiste em permitir ao tomador de seguro renunciar a um contrato de seguro de vida, se entender, com pleno conhecimento de causa, que o mesmo não é o que melhor corresponde às suas necessidades.

39

Uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que limitava o exercício do direito de renúncia atribuído ao tomador de seguro a um período de um ano após o pagamento do primeiro prémio, se esse tomador não tivesse beneficiado de uma informação conforme com o artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, era claramente contrária a esse objetivo. A existência de uma «incerteza objetiva e importante» quanto ao alcance das disposições do direito da União em causa também não pode, portanto, ser aceite.

40

Por conseguinte, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva 90/619/CEE do Conselho, de 8 de novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços e altera a Diretiva 79/267/CEE, conforme alterada pela Diretiva 92/96/CEE do Conselho, de 10 de novembro de 1992, conjugado com o artigo 31.o desta última diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o direito de renúncia do tomador do seguro caduca, o mais tardar, um ano após o pagamento do primeiro prémio de seguro, quando ele não tenha sido informado do seu direito de renúncia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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