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Document 62012CJ0151

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 24 de outubro de 2013.
Comissão Europeia contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 2000/60/CE — Quadro de ação comunitária no domínio da política da água — Transposição dos artigos 4.°, n.° 8, 7.°, n.° 2, 10.°, n.os 1 e 2, e do anexo V, secções 1.3 e 1.4 da Diretiva 2000/60 — Bacias hidrográficas intracomunitárias e intercomunitárias — Artigo 149.°, n.° 3, in fine, da Constituição espanhola — Cláusula supletiva.
Processo C‑151/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:690

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

24 de outubro de 2013 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 2000/60/CE — Quadro de ação comunitária no domínio da política da água — Transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e do anexo V, secções 1.3 e 1.4 da Diretiva 2000/60 — Bacias hidrográficas intracomunitárias e intercomunitárias — Artigo 149.o, n.o 3, in fine, da Constituição espanhola — Cláusula supletiva»

No processo C‑151/12,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, apresentada em 26 de março de 2012,

Comissão Europeia, representada por G. Valero Jordana, E. Manhaeve e B. Simon, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por A. Rubio González, na qualidade de agente,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, A. Rosas, D. Šváby e C. Vajda (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 25 de abril de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de maio de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua ação, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo tomado todas as medidas necessárias para a transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, e 10.°, n.os 1 e 2, e das secções 1.3 e 1.4 do anexo V da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1), relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida diretiva.

Quadro jurídico

Direito da União

2

De acordo com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/60 visa estabelecer um enquadramento para a proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas.

3

Nos termos do artigo 2.o, n.o 13, desta diretiva, entende‑se por «bacia hidrográfica»«a área terrestre a partir da qual todas as águas fluem, através de uma sequência de ribeiros, rios e eventualmente lagos para o mar, desembocando numa única foz [ou num único] estuário ou delta.»

4

O artigo 4.o da mencionada diretiva, intitulado «Objetivos ambientais», dispõe no seu n.o 8:

«Ao aplicarem os n.os [3,] 4, 5, 6 e 7, os Estados‑Membros assegurar‑se‑ão de que essa aplicação não compromete o cumprimento dos objetivos da presente diretiva noutras massas de água pertencentes à mesma região hidrográfica e não colide com a execução da restante legislação comunitária no domínio do ambiente.»

5

O artigo 7.o da mesma diretiva, intitulado «Águas utilizadas para captação de água potável», prevê no seu n.o 2:

«Em relação a cada massa de água identificada nos termos do n.o 1, para além do cumprimento dos objetivos do artigo 4.o, segundo os requisitos da presente diretiva aplicáveis às massas de águas de superfície, incluindo os padrões de qualidade estabelecidos a nível comunitário nos termos do artigo 16.o, os Estados‑Membros devem garantir que, de acordo com o regime de tratamento de águas aplicado e nos termos da legislação comunitária, as águas resultantes preencham os requisitos da Diretiva 80/778/CEE, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 98/83/CE.»

6

O artigo 8.o da Diretiva 2000/60, intitulado «Monitorização do estado das águas de superfície e subterrâneas e das zonas protegidas», enuncia no seu n.o 2:

«[Os programas de monitorização do estado das águas] deverão estar operacionais o mais tardar seis anos a contar da data de entrada em vigor da presente diretiva, salvo disposição em contrário da legislação pertinente. A monitorização deve preencher os requisitos do anexo V.»

7

O artigo 10.o desta diretiva, intitulado «Abordagem combinada das fontes tópicas e difusas», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros assegurarão que todas as descargas referidas no n.o 2 para águas de superfície serão controladas de acordo com a abordagem combinada estabelecida no presente artigo.

2.   Os Estados‑Membros assegurarão o estabelecimento e/ou a execução de:

a)

Controlos de emissões com base nas melhores técnicas disponíveis; ou

b)

Valores‑limite de emissão pertinentes; ou

c)

No caso de impactos difusos, controlos que incluam, sempre que necessário, as melhores práticas ambientais,

previstos:

na Diretiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição [JO L 257, p. 26],

na Diretiva 91/271/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas [JO L 135, p. 40],

na Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola [JO L 375, p. 1],

nas diretivas adotadas nos termos do artigo 16.o da presente diretiva,

nas diretivas enumeradas no anexo IX,

em qualquer outra legislação comunitária relevante,

o mais tardar 12 anos a contar da data de entrada em vigor da presente diretiva, salvo indicação em contrário na legislação em causa.»

8

O anexo V da Diretiva 2000/60 contém uma secção 1.3, intitulada «Monitorização do estado ecológico e químico das águas de superfície». Esta secção estipula:

«A rede de monitorização das águas de superfície será estabelecida segundo os requisitos do artigo 8.o Esta rede será concebida de modo a proporcionar uma panorâmica coerente e completa do estado ecológico e químico em cada bacia hidrográfica, e permitirá classificar as massas de água em cinco classes, de acordo com as definições normativas enunciadas no ponto 1.2. Os Estados‑Membros fornecerão um ou mais mapas que mostrem a rede de monitorização das águas de superfície no plano de gestão de bacia hidrográfica.

Para cada período de vigência de um plano de gestão de bacia hidrográfica, os Estados‑Membros estabelecerão, com base na caracterização e no estudo de impacto efetuados nos termos do disposto no artigo 5.o e no anexo II, um programa de monitorização de vigilância e um programa de monitorização operacional. Em determinados casos, os Estados‑Membros poderão igualmente ter necessidade de estabelecer programas de monitorização de investigação.

Os Estados‑Membros monitorizarão os parâmetros indicativos do estado de cada elemento de qualidade pertinente. Para a seleção dos parâmetros relativos aos elementos de qualidade biológica, os Estados‑Membros determinarão o nível taxonómico apropriado para que os elementos de qualidade possam ser classificados com fiabilidade e precisão adequadas. Do plano de gestão de bacia hidrográfica constarão estimativas dos níveis de fiabilidade e precisão dos resultados fornecidos pelos programas de monitorização.»

9

As subsecções 1.3.1 a 1.3.6 do anexo V desta diretiva preveem as regras em matéria de conceção da monitorização de vigilância, de conceção da monitorização operacional, de conceção da monitorização de investigação, de frequência da monitorização, de requisitos de monitorização suplementares para as zonas protegidas e de normas para a monitorização dos elementos de qualidade.

10

A secção 1.4 do anexo V da Diretiva 2000/60, intitulada «Classificação e apresentação do estado ecológico», contém uma subsecção 1.4.1, intitulada «Comparabilidade dos resultados da monitorização biológica», que prevê o seguinte:

«i)

Os Estados‑Membros estabelecerão sistemas de monitorização para estimar os valores dos elementos de qualidade biológica especificados para cada categoria de águas de superfície ou para as massas de águas de superfície artificiais ou fortemente modificadas. Ao aplicar o procedimento adiante indicado às massas de águas artificiais ou fortemente modificadas, as referências ao estado ecológico deverão ser entendidas como referências ao potencial ecológico. Os referidos sistemas poderão utilizar espécies ou grupos de espécies determinadas que sejam representativas do elemento de qualidade no seu conjunto;

ii)

Para assegurar a comparabilidade dos sistemas de monitorização, os resultados dos sistemas utilizados por cada Estado‑Membro serão expressos, para efeitos de classificação do estado ecológico, como rácios de qualidade ecológica. Esses rácios representarão a relação entre os valores dos parâmetros biológicos observados para uma dada massa de águas de superfície e os valores desses parâmetros nas condições de referência aplicáveis a essa mesma massa de água. O rácio será expresso através de um valor numérico entre zero e um, sendo um estado ecológico excelente representado por valores próximos de um e um mau estado ecológico representado por valores próximos de zero;

iii)

Cada Estado‑Membro dividirá a escala de rácios de qualidade ecológica do seu sistema de monitorização para cada categoria de águas de superfície em cinco classes, que irão de excelente a mau estado ecológico, tal como definido no ponto 1.2 supra, atribuindo um valor numérico a cada uma das fronteiras entre as classes. O valor das fronteiras entre o estado ‘excelente’ e o estado ‘bom’ e entre este e o estado razoável será estabelecido por meio do exercício de intercalibração adiante descrito.

[...]»

Direito espanhol

11

Para efeitos da gestão das águas, a legislação espanhola distingue entre duas categorias de bacias hidrográficas, designadamente, as bacias hidrográficas «intercomunitárias», cujas águas atravessam o território de mais do que uma comunidade autónoma e em relação às quais apenas o Estado tem competência legislativa, e as bacias «intracomunitárias», que se estendem pelo território de uma única comunidade autónoma e em relação às quais as Comunidades Autónomas podem assumir competências legislativas.

12

Nos termos do artigo 149.o, n.o 3, da Constituição:

«As matérias não atribuídas expressamente ao Estado por esta Constituição podem, com base nos respetivos estatutos, ser reguladas pelas Comunidades Autónomas. A competência sobre matérias que não tenham sido reguladas pelas Comunidades Autónomas pertence ao Estado, cujas normas prevalecerão, em caso de conflito, sobre as das Comunidades Autónomas relativamente a todas as matérias que não sejam da competência exclusiva destas comunidades. O direito estatal tem, de qualquer modo, caráter supletivo relativamente ao direito das Comunidades Autónomas.»

13

No que diz respeito às bacias hidrográficas intercomunitárias, as disposições pertinentes da Diretiva 2000/60 foram transpostas através do Regulamento ARM/2656/2008, de 10 de setembro de 2008, relativo à aprovação das instruções referentes à planificação hidrológica (BOE n.o 229, de 22 de setembro de 2008, p. 38472, a seguir «Regulamento de 2008»).

14

O artigo único, n.o 2, do Regulamento de 2008, dispõe que «as instruções aprovadas se aplicam às bacias hidrográficas intercomunitárias».

15

O Regulamento de 2008 foi alterado quanto a determinados aspetos pelo Regulamento ARM/1195/2011, de 11 de maio de 2011 (BOE n.o 114, de 13 de maio de 2011, p. 48584, a seguir «Regulamento de 2011»).

16

No que diz respeito às bacias hidrográficas intracomunitárias, somente a Comunidade Autónoma da Catalunha exerceu o seu poder legislativo para aplicar as disposições em causa da Diretiva 2000/60. Para o efeito, esta comunidade adotou duas medidas, a saber, respetivamente, o Decreto 380/2006, de 10 de outubro de 2006, relativo à aprovação das regras de planificação hidrológica na Catalunha (Diario Oficial de la Generalidad de Cataluña n.o 4740, de 16 de outubro de 2006, p. 42776, a seguir «Decreto 380/2006») e o Acordo Governamental GOV/128/2008, de 3 de junho de 2008, sobre o programa de vigilância e monotorização da bacia fluvial da Catalunha (a seguir «acordo governamental de 2008»).

Procedimento pré‑contencioso

17

Por meio de uma notificação para cumprir datada de 24 de fevereiro de 2009, a Comissão informou o Reino de Espanha de que considerava que este não havia cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força de certas disposições da Diretiva 2000/60, designadamente dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e das secções 1.3 e 1.4 do anexo V da mesma, ao ter feito uma transposição incorreta e uma aplicação errada das referidas disposições para o ordenamento jurídico espanhol.

18

O Reino de Espanha respondeu por carta de 23 de junho de 2009.

19

Por considerar que esta resposta não permitia concluir que a Diretiva 2000/60 havia sido transposta na íntegra, a Comissão enviou um parecer fundamentado ao Reino de Espanha, em 22 de março de 2010, no qual o instava a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento ao mesmo, no prazo de dois meses a contar da sua receção. Este prazo terminou em 22 de maio de 2010.

20

Depois de o prazo fixado no parecer fundamentado ter expirado, o Reino de Espanha respondeu através de quatro cartas, nas quais anunciava as medidas que brevemente iriam ser tomadas para cumprir o disposto no parecer. Ao mesmo tempo, este Estado‑Membro transmitiu à Comissão os relatórios de progresso sobre a preparação das referidas medidas e um determinado número de atos adotados para o efeito. Entre os atos transmitidos à Comissão figurava, designadamente, o Regulamento de 2011.

21

À luz das respostas, a Comissão considerou que a situação continuava a ser insatisfatória quanto à transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e das secções 1.3 e 1.4 do anexo V da Diretiva 2000/60, no que dizia respeito às bacias hidrográficas intracomunitárias. Por este motivo, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

Quanto à ação

Quanto aos fundamentos relativos à falta de transposição das disposições da Diretiva 2000/60 no que respeita às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas fora da Catalunha

Argumentos das partes

22

A Comissão reconhece que o anexo V, secção 1.4, da Diretiva 2000/60, por um lado, e os artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e o anexo V, secção 1.3, desta diretiva, por outro, foram transpostos para o ordenamento jurídico espanhol, respetivamente, pela secção 5.1 do Regulamento de 2008 e pelo artigo único, n.os 2 a 6, do Regulamento de 2011. Todavia, dado que estes regulamentos apenas se aplicam às bacias hidrográficas intercomunitárias, a Comissão conclui que as disposições supramencionadas da Diretiva 2000/60 não foram transpostas relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias.

23

O Reino de Espanha alega que a transposição para o direito interno das obrigações decorrentes das disposições em causa da Diretiva 2000/60 no que se refere às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas fora da Catalunha está assegurada pela cláusula supletiva constante do artigo 149.o, n.o 3, in fine, da Constituição. Resulta desta cláusula supletiva, designadamente, que, quando a Comunidade Autónoma, dotada do poder legislativo num determinado domínio, não exerce este poder ou apenas o exerce em parte, as normas estatais mantêm‑se em vigor, total ou parcialmente, quanto aos aspetos não regulados pela Comunidade Autónoma. Invocando o Regulamento de 2008, o Reino de Espanha também sustenta que, no presente caso, a aplicação plena das normas estatais é assegurada quanto às bacias hidrográficas intracomunitárias. Por outro lado, o Reino de Espanha acusa a Comissão de ter querido impor, em violação dos artigos 4.°, n.o 2, TUE e 288.°, n.o 3, TFUE, o modo como a transposição devia ter sido efetuada neste Estado‑Membro.

24

A Comissão contesta esta última alegação. No que diz respeito à aplicação a título supletivo das normas estatais quanto às bacias hidrográficas intracomunitárias, alega que a interpretação da cláusula supletiva proposta pelo Reino de Espanha não constitui uma interpretação admitida pela jurisprudência constitucional espanhola. De qualquer modo, segundo a Comissão, no presente caso não houve uma aplicação efetiva dos regulamentos supramencionados, no que se refere às bacias hidrográficas intracomunitárias.

Apreciação do Tribunal de Justiça

— Quanto ao fundamento relativo à não transposição do anexo V, secção 1.4, da Diretiva 2000/60, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva

25

Antes de mais, importa referir, no que diz respeito ao fundamento da Comissão relativo à não transposição do anexo V, secção 1.4, da Diretiva 2000/60, que, durante a audiência, a Comissão o restringiu à não transposição dos pontos i) a iii) da subsecção 1.4.1, do anexo V, desta diretiva.

26

A este respeito, convém recordar que, de acordo com jurisprudência constante, as disposições de uma diretiva devem ser aplicadas com força obrigatória incontestável, com a especificidade, a precisão e a clareza requeridas, a fim de que se cumpra a exigência de segurança jurídica (v., designadamente, acórdãos de 20 de novembro de 2003, Comissão/França, C-296/01, Colet., p. I-13909, n.o 54, e de 16 de julho de 2009, Comissão/Irlanda, C-427/07, Colet., p. I-6277, n.o 55).

27

De facto, nos próprios termos do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, os Estados‑Membros beneficiam da escolha da forma e dos meios de transposição das diretivas que permitam garantir da melhor maneira o resultado por elas prosseguido. Resulta desta disposição que a transposição de uma diretiva não exige necessariamente uma ação legislativa em cada Estado‑Membro.

28

Além disso, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que nem sempre é exigida a reprodução formal das disposições de uma diretiva numa norma legal expressa e específica, podendo um contexto jurídico geral ser suficiente para a execução de uma diretiva, em função do conteúdo desta. Em especial, a existência de princípios gerais de direito constitucional ou administrativo pode tornar supérflua a transposição através de medidas legislativas ou regulamentares específicas, na condição, porém, de que esses princípios garantam efetivamente a plena aplicação da diretiva pela Administração nacional e de que, caso a disposição em causa da diretiva vise criar direitos para os particulares, a situação jurídica decorrente desses princípios seja suficientemente precisa e clara e que os seus beneficiários possam tomar conhecimento da plenitude dos seus direitos e, sendo caso disso, invocá‑los nos órgãos jurisdicionais nacionais (v. acórdão de 30 de novembro de 2006, Comissão/Luxemburgo, C-32/05, Colet., p. I-11323, n.o 34 e jurisprudência referida).

29

É à luz desta jurisprudência que se deve examinar o fundamento da Comissão.

30

É ponto assente que o Reino de Espanha não tomou medidas legislativas para efeitos de transposição do anexo V, secção 1.4, da Diretiva 2000/60, no que se refere às bacias intracomunitárias situadas fora da Catalunha, já que o Regulamento de 2008 não se aplica às bacias hidrográficas intercomunitárias.

31

Segundo o Reino de Espanha, esta transposição é assegurada pela cláusula supletiva constante do artigo 149.o, n.o 3, in fine, da Constituição, nos termos do qual, uma vez que as Comunidades Autónomas não exercerem o seu poder legislativo para transpor a Diretiva 2000/60, o Regulamento de 2008 também é aplicável em relação às referidas bacias intracomunitárias.

32

Desde logo, assumindo que a cláusula supletiva se possa aplicar ao presente caso, o Reino de Espanha não explicou, porém, de que modo é que este princípio poderá remediar a falta de legislação relativa às bacias hidrográficas intracomunitárias, atendendo à restrição expressa do âmbito de aplicação do Regulamento de 2008 às bacias hidrográficas intercomunitárias.

33

Em seguida, importa referir que, caso a aplicação a título supletivo do Regulamento de 2008 deva ser interpretada no sentido de que as normas de transposição previstas na sua secção 5.1 se aplicam, como sublinhou a advogada‑geral nos n.os 23 a 25 das suas conclusões, para além do teor do artigo único, n.o 2, deste regulamento, às bacias hidrográficas intracomunitárias, a situação jurídica que daí resulta não satisfaz as exigências de clareza e de precisão que devem caraterizar as medidas nacionais de transposição (v., neste sentido, acórdão de 24 de janeiro de 2002, Comissão/Itália, C-372/99, Colet., p. I-819, n.o 18).

34

Ademais, importa acrescentar que a Comissão, sem neste ponto ter sido contestada pelo Reino de Espanha, expõe, com base num relatório do Consejo de Estado de 15 de dezembro de 2010, que existe uma incerteza, no direito constitucional espanhol atual, quanto ao alcance da cláusula supletiva enquanto instrumento de garantia do cumprimento do direito da União.

35

Por fim, importa referir que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, que o Reino de Espanha cita nas suas observações, o artigo 149.o, n.o 3, in fine, da Constituição não parece autorizar a aplicação de normas estatais a título supletivo na falta de legislação das Comunidades Autónomas, mas apenas o preenchimento de lacunas. Acrescenta‑se que, na audiência, o Reino de Espanha confirmou que, no presente caso, as Comunidades Autónomas, com exceção da Comunidade Autónoma da Catalunha, não exerceram o seu poder legislativo. Nestas circunstâncias, a aplicação da cláusula supletiva no presente caso não seria pertinente relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias fora da Catalunha.

36

Quanto à remissão feita nos planos de gestão das bacias hidrográficas intracomunitárias para o Regulamento de 2008, invocado para demonstrar a aplicação plena do referido regulamento a estas bacias, atendendo ao exposto, o Reino de Espanha não demonstrou que as Comunidades Autónomas agiram por força de uma obrigação jurídica quando remeteram para o Regulamento de 2008 nos planos de gestão das referidas bacias. Ora, se a remissão apenas reflete uma prática administrativa que, por natureza, pode ser alterada a todo o momento e que não tem a publicidade adequada, não pode ser considerada uma execução válida das obrigações decorrentes do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 27 de janeiro de 2011, Comissão/Luxemburgo, C-490/09, Colet., p. I-247, n.o 47 e jurisprudência referida).

37

No que diz respeito ao argumento do Reino de Espanha, segundo o qual a Comissão terá querido impor, em violação dos artigos 4.°, n.o 2, TUE e 288.°, n.o 3, TFUE, o modo como a transposição das disposições em causa devia ter sido efetuada, constata‑se que este argumento se baseia numa leitura errada do pedido da Comissão. Com efeito, no seu pedido, a Comissão não indicou ou propôs ao Tribunal de Justiça o modo como a transposição das disposições em causa da Diretiva 2000/60 para o ordenamento jurídico espanhol devia ter sido efetuada.

38

Face ao exposto, há que considerar o fundamento relativo à não transposição do anexo V, subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da Diretiva 2000/60, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, procedente.

— Quanto ao fundamento relativo à não transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2 e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, e da secção 1.3 do anexo V da mesma, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva

39

É certo que, na versão em vigor à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o Regulamento de 2008 não previa nenhum norma de execução dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, nem da secção 1.3 do anexo V da mesma, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva.

40

O Reino de Espanha, na sua contestação, invoca uma transposição destas disposições pelo Regulamento de 2011, relacionada com uma cláusula supletiva. Importa recordar, a este respeito, que o Regulamento de 2011, em todo o caso, apenas entrou em vigor após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Ora, segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro em causa tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 6 de novembro de 2012, Comissão/Hungria, C‑286/12, n.o 41 e jurisprudência referida).

41

Por outro lado, no que diz respeito ao prazo de doze anos previsto pelo artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2000/60 para o estabelecimento e/ou a execução de determinados controlos de emissões enumerados nesta disposição, importa sublinhar que o artigo 24.o, n.o 1, da referida diretiva estipula o prazo de transposição da mesma, incluindo o seu artigo 10.o Consequentemente, é forçoso concluir, tal como a advogada‑geral sublinhou no n.o 7 das suas conclusões, que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2000/60 não prevê um prazo de transposição desta disposição, mas um prazo dentro do qual se devem efetuar os controlos.

42

Por conseguinte, é procedente o fundamento relativo à não transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2 e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, e da secção 1.3 do anexo V, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva.

Quanto aos fundamentos relativos à não transposição das disposições da Diretiva 2000/60 no que respeita às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha

Argumentos das partes

43

O Reino de Espanha apoia a sua defesa em duas medidas adotadas por esta Comunidade Autónoma dentro do prazo fixado no parecer fundamentado, designadamente, o Decreto 380/2006 e o acordo governamental de 2008, de modo a demonstrar o cumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2000/60 relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha. Além disso, invoca três outras medidas adotadas por esta Comunidade Autónoma após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, designadamente, o Plano de Gestão do Distrito Hidrográfico da Catalunha, de 23 de novembro de 2010, o Programa de Medidas aprovado pelo Acordo Governamental da Generalidad de Catalunha, de 23 de novembro de 2010 (a seguir «programa de medidas de 23 de novembro de 2010»), e o Decreto Real 1219/2011, relativo à aprovação do Plano de gestão do distrito da bacia fluvial da Catalunha (BOE de 22 de setembro de 2011, a seguir «Decreto Real 1219/2011»), sem todavia indicar, relativamente a esta última medida, que disposições da Diretiva 2000/60 a mesma pretende executar.

44

A Comissão sublinha que, não cumprindo a sua obrigação de cooperação leal, o Reino de Espanha não comunicou à Comissão, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha, as medidas de transposição da Diretiva 2000/60, nem as juntou à sua contestação. A título subsidiário, sublinha que o Decreto Real 1219/2011 não deverá ser tido em conta porque apenas foi adotado após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

45

A título preliminar, importa sublinhar que não se atenderá ao programa de medidas de 23 de novembro de 2010 nem ao Decreto Real 1219/2011 que o Reino de Espanha invoca como medidas de transposição das disposições da Diretiva 2000/60, já que estas medidas foram adotadas após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

46

No que respeita à transposição dos artigos 7.°, n.o 2, e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, o Reino de Espanha invoca, a este título, além do Decreto 380/2006 e do acordo governamental de 2008, o programa de medidas de 23 de novembro de 2010. Daqui resulta que estas disposições da Diretiva 2000/60 apenas foram parcialmente transpostas dentro do prazo fixado no parecer fundamentado.

47

Portanto, é forçoso concluir que os fundamentos da Comissão, relativos à falta de transposição pelo Reino de Espanha destas disposições da Diretiva 2000/60, são procedentes.

48

No que diz respeito à transposição do artigo 4.o, n.o 8, desta diretiva, o Reino de Espanha alega que estas disposições foram transpostas pelo Decreto 380/2006. Relativamente à transposição do anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da referida diretiva, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, da mesma, este Estado‑Membro apoia a sua defesa, quanto a este ponto, no acordo governamental de 2008.

49

A este respeito, importa sublinhar que o Reino de Espanha invocou estas medidas de transposição pela primeira vez aquando da contestação, o que é inconciliável com a obrigação de cooperação leal que incumbe aos Estados‑Membros por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE. Contudo, a presente ação não tem por objeto o incumprimento do dever de informação, mas o incumprimento da obrigação de transpor certas disposições da Diretiva 2000/60. O simples facto de o Reino de Espanha não ter informado a Comissão, no procedimento pré‑contencioso, de que a transposição já se encontrava efetuada não é suficiente para demonstrar o incumprimento alegado (v., neste sentido, acórdão de 16 de junho de 2005, Comissão/Itália, C-456/03Colet., p. I-5335, n.os 46 e 47).

50

Com efeito, na medida em que as disposições de direito interno invocadas pelo Reino de Espanha estavam em vigor à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, elas devem ser levadas em conta pelo Tribunal de Justiça para apreciar a existência do incumprimento (v. acórdão de 16 de junho de 2005, Comissão/Itália, já referido, n.o 48).

51

No que diz respeito ao artigo 4.o, n.o 8, da Diretiva 2000/60 e ao anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), desta diretiva, conclui‑se que a Comissão não levanta nenhuma objeção material quanto ao Decreto 380/2006 e ao acordo governamental de 2008, que o Reino de Espanha invoca como transposição das disposições da Diretiva 2000/60.

52

Deste modo, deve ser rejeitado o fundamento baseado na falta de transposição do artigo 4.o, n.o 8, e do anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da referida diretiva, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, da mesma.

53

Nestas circunstâncias, a ação deve ser julgada improcedente na parte em que pretende que seja declarada a falta de transposição, pelo Reino de Espanha, do artigo 4.o, n.o 8, e do anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da Diretiva 2000/60, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, da mesma, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha.

54

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que concluir que, não tendo tomado todas as medidas necessárias para a transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e do anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da Diretiva 2000/60/CE, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, da mesma, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas fora da Catalunha, e dos artigos 7.°, n.o 2, e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva.

55

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

56

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do n.o 3 do referido artigo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

57

No presente caso, tendo a Comissão requerido a condenação do Reino de Espanha nas despesas, que é parte vencida no essencial, e na medida em que este Estado se absteve de fornecer, ao longo do procedimento pré‑contencioso, todas as informações úteis relativas às disposições de direito interno através das quais entendia ter cumprido as diversas obrigações que lhe incumbiam por força da Diretiva 2000/60, o Reino de Espanha deve ser condenado na totalidade das despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

Não tendo tomado todas as medidas necessárias para a transposição dos artigos 4.°, n.o 8, 7.°, n.o 2, 10.°, n.os 1 e 2, e do anexo V, secção 1.3 e subsecção 1.4.1, pontos i) a iii), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, da mesma, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas fora da Catalunha, e dos artigos 7.°, n.o 2, e 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/60, relativamente às bacias hidrográficas intracomunitárias situadas na Catalunha, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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