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Document 62012CJ0049

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de setembro de 2013.
The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs contra Sunico ApS e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Østre Landsret.
Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Artigo 1.°, n.° 1 — Âmbito de aplicação — Conceito de ‘matéria civil e comercial’ — Ação intentada por uma autoridade pública — Indemnização pelos danos sofridos devido à participação de um terceiro que não é sujeito passivo de IVA numa fraude fiscal.
Processo C‑49/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:545

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de setembro de 2013 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 1.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Conceito de ‘matéria civil e comercial’ — Ação intentada por uma autoridade pública — Indemnização pelos danos sofridos devido à participação de um terceiro que não é sujeito passivo de IVA numa fraude fiscal»

No processo C‑49/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Østre Landsret (Dinamarca), por decisão de 25 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de janeiro de 2012, no processo

The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs

contra

Sunico ApS,

M & B Holding ApS,

Sunil Kumar Harwani,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Sunico ApS, da M & B Holding ApS e de Sunil Kumar Harwani, por O. Spiermann, advokat,

em representação do Governo do Reino Unido, por L. Christie, S. Ossowski e S. Lee, na qualidade de agentes, assistidos por A. Henshaw, barrister,

em representação do Governo suíço, por D. Klingele, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e C. Barslev, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe os Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Fiscal e Aduaneira do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a seguir «Commissioners») à Sunico ApS, à M & B Holding ApS e a S. K. Harwani (a seguir, em conjunto, «Sunico»), a respeito de uma ação de confirmação de um arresto, realizado a pedido dos Commissioners, de ativos da Sunico, situados em território dinamarquês.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 44/2001

3

Os considerandos 6 e 7 do Regulamento n.o 44/2001 enunciam:

«(6)

Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável.

(7)

O âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial com exceção de certas matérias bem definidas.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento define o seu âmbito de aplicação ratione materiae da seguinte forma:

«O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.»

Acordo CE‑Dinamarca

5

O Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinado em Bruxelas, em 19 de outubro de 2005 (JO L 299, p. 62, a seguir «acordo CE‑Dinamarca»), aprovado, em nome da União Europeia, pela Decisão 2006/325/CE do Conselho, de 27 de abril de 2006 (JO L 120, p. 22), tem por objetivo aplicar as disposições do Regulamento n.o 44/2001 e suas medidas de execução nas relações entre a União Europeia e o Reino da Dinamarca. Este acordo entrou em vigor em 1 de julho de 2007, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do acordo CE‑Dinamarca (JO 2007, L 94, p. 70).

6

No preâmbulo deste acordo lê‑se o seguinte:

«[...]

Considerando que o Tribunal de Justiça [da União Europeia] deve ser competente nas mesmas condições para se pronunciar a título prejudicial sobre a validade e interpretação do presente Acordo na sequência de um pedido de um órgão jurisdicional dinamarquês, e que os órgãos jurisdicionais dinamarqueses devem, por conseguinte, solicitar uma decisão a título prejudicial nas mesmas condições que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros, em matéria de interpretação do Regulamento [n.o 44/2001] e suas medidas de execução,

[...]»

7

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do referido acordo, intitulado «Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial»:

«As disposições do Regulamento [n.o 44/2001], anexo ao presente acordo e que dele faz parte integrante, juntamente com as suas medidas de execução adotadas nos termos do n.o 2 do artigo 74.o do regulamento e — relativamente às medidas de execução adotadas após a entrada em vigor do presente acordo — executadas [pelo Reino da Dinamarca] de acordo com o artigo 4.o do presente acordo, bem como as medidas adotadas nos termos do n.o 1 do artigo 74.o do regulamento, são aplicáveis nas relações entre a [União] e [o Reino da Dinamarca] em conformidade com o direito internacional.»

8

Sob o título «Competência do Tribunal de Justiça [da União Europeia] em matéria de interpretação do acordo», o artigo 6.o, n.os 1 e 6, do mesmo acordo prevê:

«1.   Quando uma questão sobre a validade ou interpretação do presente acordo for suscitada num processo pendente num órgão jurisdicional dinamarquês, esse órgão jurisdicional deve solicitar ao Tribunal de Justiça [da União Europeia] que se pronuncie sobre a questão, sempre que nas mesmas circunstâncias um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro da União Europeia deva fazer o mesmo por força do Regulamento [n.o 44/2001] e das suas medidas de execução referidas no n.o 1 do artigo 2.o do presente acordo.

[...]

6.   Se as disposições do Tratado [CE] relativas às decisões do Tribunal de Justiça forem alteradas com efeitos sobre as decisões respeitantes ao Regulamento [n.o 44/2001], [o Reino da Dinamarca] pode notificar à Comissão a sua decisão de não aplicar as alterações em relação ao presente acordo. A notificação deve ser efetuada na data da entrada em vigor das alterações ou no prazo de 60 dias dessa data.

Nesse caso, deve considerar‑se que cessou a vigência do presente acordo. A cessação de vigência produz efeitos três meses após a data da notificação.»

Direito dinamarquês

9

O artigo 634.o, n.o 1, do Código de Processo Civil (retsplejeloven) dispõe:

«No prazo de uma semana a contar do arresto, o credor deve intentar uma ação relativa ao crédito para a garantia do qual o arresto foi ordenado, exceto se o devedor não deduzir oposição durante ou após o procedimento de arresto. No decurso dessa ação, o credor deve também deduzir um pedido específico de confirmação do arresto.»

10

O artigo 634.o, n.o 5, do mesmo código prevê:

«Quando uma ação relativa ao crédito em questão estiver pendente num órgão jurisdicional estrangeiro cuja decisão possa produzir efeitos vinculativos na Dinamarca, deverá ser suspensa a instância nas ações instauradas ao abrigo do n.o 1 até ser proferida decisão definitiva no processo estrangeiro. Todavia, o tribunal pode decidir imediatamente qualquer questão relativa à confirmação de um despacho de arresto.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

Na sequência de uma alegada fraude ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de tipo «carrossel» que permitiu a evasão ao imposto devido a jusante, em detrimento do erário público inglês, os Commissioners intentaram ações judiciais no Reino Unido e na Dinamarca.

12

Por um lado, no que diz respeito ao processo instaurado no Reino Unido, os Commissioners intentaram, em 17 de maio de 2010, uma ação na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), contra várias pessoas singulares e coletivas estabelecidas na Dinamarca, entre as quais a Sunico.

13

A questão debatida naquele órgão jurisdicional é a de saber se, no âmbito de uma ação de indemnização («claim for damages»), os Commissioners podem exigir a não residentes, como a Sunico, uma indemnização correspondente ao montante do IVA não pago por um sujeito passivo deste imposto no Reino Unido, com o fundamento de que esses não residentes participaram numa «associação criminosa com o objetivo de fraude» («tortious conspiracy to defraud»), na aceção do direito inglês. Mais precisamente, os Commissioners alegam que os referidos não residentes foram declarados culpados, no território do Reino Unido, de uma fraude ao IVA de tipo «carrossel». Os Commissioners alegam também que esses não residentes, não sendo sujeitos passivos de IVA no Reino Unido, foram os beneficiários reais das quantias obtidas através deste mecanismo de evasão fiscal.

14

O sujeito passivo de IVA no Reino Unido implicado neste carrossel de IVA não é parte no processo na High Court of Justice nem no litígio no processo principal.

15

Uma vez que esses não residentes não tinham incorrido em responsabilidade nos termos da legislação relativa ao IVA do Reino Unido, os Commissionners basearam a sua ação na High Court of Justice nas normas legais desse Estado‑Membro relativas à responsabilidade civil extracontratual («tort»), aplicável à associação criminosa («unlawful means conspiracy»).

16

À data da decisão de reenvio, a ação na High Court of Justice continuava pendente.

17

Antes de essa ação ter sido intentada, a pedido dos Commissioners, as autoridades fiscais dinamarquesas prestaram‑lhes informações relativamente aos não residentes demandados na High Court of Justice, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1798/2003 do Conselho, de 7 de outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 218/92 (JO L 264, p 1).

18

Por outro lado, os Commissioners também instauraram processos judiciais na Dinamarca.

19

Em 18 de maio de 2010, a pedido dos Commissioners, o fogedret i København (Tribunal de execução de Copenhaga, Dinamarca) decretou o arresto de ativos da Sunico que se encontravam no território dinamarquês, de forma a garantir o crédito da ação de indemnização dos Commissioners.

20

A Sunico interpôs recurso dos despachos de arresto, ao qual o Østre Landsret (Dinamarca) negou provimento em 2 de julho de 2010.

21

Num pedido separado, apresentado em 25 de maio de 2010 no Københavns byret (Tribunal de Comarca de Copenhaga, Dinamarca), os Commissioners pediram, em conformidade com o artigo 634.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, que esse órgão jurisdicional declarasse a validade dos arrestos autorizados pelo fogedret i København, bem como o pagamento da quantia de 40391100,01 libras esterlinas (GBP), correspondente ao montante de IVA retido.

22

A Sunico pediu, por um lado, que o pedido de pagamento dos Commissioners fosse julgado inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente e, por outro, no que respeita à parte do pedido relativa aos arrestos, o levantamento destas medidas cautelares.

23

Por despacho de 8 de setembro de 2010, o Københavns byret remeteu o processo para o órgão jurisdicional de reenvio.

24

Este último decidiu examinar separadamente a questão de saber se, nos termos do artigo 634.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, devia suspender a instância nos processos aí pendentes, até à conclusão do processo pendente na High Court of Justice.

25

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, designadamente, se uma ação como a que foi intentada em 17 de maio de 2010 nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001, pelo que uma sentença proferida por esses órgãos jurisdicionais seria suscetível de ser reconhecida e executada na Dinamarca, por aplicação deste regulamento e do acordo CE‑Dinamarca.

26

Nestas condições, o Østre Landsret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 1.o do Regulamento n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que o seu âmbito de aplicação abrange uma ação na qual as autoridades de um Estado‑Membro reclamam uma indemnização a sociedades e pessoas singulares residentes noutro Estado‑Membro, alegando a prática de atos de associação criminosa com objetivo de fraude, na aceção do direito nacional do primeiro Estado‑Membro, que consiste na participação na retenção do IVA devido ao primeiro Estado‑Membro?»

Quanto à questão prejudicial

27

A título preliminar, verifica‑se que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

28

Com efeito, como a Comissão confirmou na audiência no Tribunal de Justiça, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa que revogou o artigo 68.o CE, o Reino da Dinamarca não fez uso da faculdade, prevista no artigo 6.o, n.o 6, do acordo CE‑Dinamarca, de notificar a Comissão da sua decisão de não aplicar esta alteração ao Tratado CE nos sessenta dias seguintes à data da sua entrada em vigor. Daqui resulta que, após a revogação do artigo 68.o CE, a extensão da faculdade de submeter questões prejudiciais relativas à cooperação judiciária em matéria civil aos órgãos jurisdicionais cujas decisões são suscetíveis de recurso jurisdicional também são aplicáveis ao órgão jurisdicional de reenvio.

29

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se o conceito de «matéria civil e comercial», nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma ação na qual uma autoridade pública de um Estado‑Membro reclama, a pessoas singulares e coletivas estabelecidas noutro Estado‑Membro, uma indemnização pelos danos causados por uma associação criminosa com o objetivo de fraude ao IVA devido no primeiro Estado‑Membro.

30

A Sunico, que pretende a continuidade dos processos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio, alega que uma sentença proferida pelos órgãos jurisdicionais do Reino Unido no âmbito da ação de indemnização intentada contra si não é suscetível de produzir efeitos vinculativos na Dinamarca. Essa sentença não seria exequível na Dinamarca por aplicação do Regulamento n.o 44/2001, na medida em que o pedido de indemnização dos Commissioners se baseia no facto de um terceiro sujeito passivo de IVA no Reino Unido não ter pagado este imposto, pelo que este pedido se rege pelo direito inglês em matéria de IVA. Como tal, segundo a Sunico, essa ação não é abrangida pelo âmbito de aplicação daquele regulamento, visto que as ações em matéria fiscal estão expressamente excluídas.

31

Os Commissioners, que pedem a suspensão da instância nos processos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio, alegam que a sentença proferida por um órgão jurisdicional do Reino Unido na ação de indemnização intentada contra a Sunico deve ser exequível na Dinamarca, por aplicação do Regulamento n.o 44/2001 e do acordo CE‑Dinamarca.

32

A título preliminar, importa recordar que, visto que o Regulamento n.o 44/2001 substituiu a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32, a seguir «Convenção de Bruxelas») nas relações entre os Estados‑Membros, a interpretação que o Tribunal de Justiça fez desta Convenção vale também para o referido regulamento, quando as disposições deste e as da Convenção de Bruxelas se possam considerar equivalentes (v., designadamente, acórdão de 11 de abril de 2013, Sapir e o., C‑645/11, n.o 31). Além disso, decorre do considerando 19 do Regulamento n.o 44/2001 que a continuidade na interpretação entre a Convenção de Bruxelas e o dito regulamento deve ser assegurada.

33

A este respeito, há que constatar que o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001 é, como o da Convenção de Bruxelas, limitado ao conceito de «matéria civil e comercial». Decorre de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que este âmbito de aplicação é delimitado essencialmente devido aos elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objeto deste (v., designadamente, acórdãos de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland, C-406/09, Colet., p. I-9773, n.o 39, e Sapir e o., já referido, n.o 32).

34

O Tribunal de Justiça considerou, assim, que, embora determinados litígios que opõem uma entidade pública a uma entidade privada possam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001, o mesmo já não acontece se essa entidade pública atuar no exercício da sua autoridade pública (v., designadamente, acórdão Sapir e o., já referido, n.o 33 e jurisprudência referida).

35

Para determinar se é esse o caso no âmbito de um litígio como o que está em causa no processo principal, há que examinar o fundamento e as modalidades de exercício da ação intentada pelos Commissioners, no Reino Unido, na High Court of Justice (v., por analogia, acórdãos de 14 de novembro de 2002, Baten, C-271/00, Colet., p. I-10489, n.o 31, e de 15 de maio de 2003, Préservatrice foncière TIARD, C-266/01, Colet., p. I-4867, n.o 23).

36

A este respeito, há que constatar que o pedido apresentado a este órgão jurisdicional tem como fundamento factual o alegado comportamento fraudulento da Sunico e dos outros não residentes, acusados de terem participado, no território do Reino Unido, numa cadeia de operações de venda de mercadorias destinada a organizar um mecanismo de evasão fiscal do tipo «carrossel de IVA», que permitiu a evasão ao imposto devido a jusante por um sujeito passivo desse Estado‑Membro, e de terem sido, como tal, os beneficiários reais das quantias obtidas através desta evasão fiscal.

37

Quanto ao fundamento jurídico do pedido dos Commissioners, a ação dos Commissioners contra a Sunico não se baseia na legislação do IVA do Reino Unido, mas na alegada participação da Sunico numa associação criminosa com o objetivo de fraude, à qual é aplicável o direito em matéria de responsabilidade civil extracontratual desse Estado‑Membro.

38

Do mesmo modo, decorre da decisão de reenvio que a Sunico e os outros não residentes implicados no processo na High Court of Justice não são sujeitos passivos de IVA no Reino Unido, pelo que não estão sujeitos a este imposto a título da legislação desse Estado‑Membro.

39

Conforme foi exposto pela Comissão e pelo Governo do Reino Unido, no âmbito desta questão jurídica, os Commissioners não exerceram poderes que exorbitam das regras aplicáveis nas relações entre particulares. Em especial, conforme salientou a advogada‑geral no n.o 44 das suas conclusões, os Commissioners, contrariamente ao que é habitual quando exercem as prerrogativas de poder público, não podem emitir o título executivo que lhes permite recuperar o crédito, devendo, para tal, em situações como o caso vertente, utilizar as vias jurisdicionais ordinárias.

40

Daqui resulta que o vínculo jurídico que existe entre os Commissioners e a Sunico não é um vínculo jurídico baseado no direito público, neste caso, o direito fiscal, que implique o recurso a prerrogativas de poder público.

41

Na verdade, decorre da decisão de reenvio que a quantia da indemnização pedida pelos Commissioners corresponde à quantia do IVA devido a jusante por um sujeito passivo do referido imposto no Reino Unido. Contudo, o facto de a responsabilidade civil da Sunico para com os Commissioners e o montante do crédito fiscal que esta possui em relação a um sujeito passivo coincidirem não pode ser considerado uma prova de que a ação dos Commissioners na High Court of Justice decorre do exercício dos seus poderes públicos relativamente à Sunico, uma vez que não se contesta que a relação jurídica entre os Commissioners e a Sunico não se rege pela legislação do IVA do Reino Unido, mas pela legislação em matéria de responsabilidade extracontratual desse Estado‑Membro.

42

Por último, quanto à questão de saber se o pedido de esclarecimento que os Commissioners fazem às autoridades dinamarquesas ao abrigo do Regulamento n.o 1798/2003 antes de recorrer para a High Court of Justice tem incidência na natureza das relações jurídicas entre os Commissioners e a Sunico, há que salientar que não consta dos autos no Tribunal de Justiça que, no âmbito do processo na High Court of Justice, os Commissioners tenham usado elementos de prova obtidos através das suas prerrogativas de poder público.

43

Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, como sublinha a advogada‑geral no n.o 45 das suas conclusões, verificar se tal não sucedeu e se, sendo caso disso, os Commissioners se encontram na mesma situação que uma pessoa de direito privado no âmbito da sua ação na High Court of Justice contra a Sunico e os outros não residentes.

44

Tendo em conta o exposto, há que responder à questão prejudicial que o conceito de «matéria civil e comercial», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma ação na qual uma autoridade pública de um Estado‑Membro reclama, a pessoas singulares e coletivas estabelecidas noutro Estado‑Membro, uma indemnização pelos danos causados por uma associação criminosa com o objetivo de fraude ao IVA devido no primeiro Estado‑Membro.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O conceito de «matéria civil e comercial», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma ação na qual uma autoridade pública de um Estado‑Membro reclama, a pessoas singulares e coletivas estabelecidas noutro Estado‑Membro, uma indemnização pelos danos causados por uma associação criminosa com o objetivo de fraude ao imposto sobre o valor acrescentado devido no primeiro Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.

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