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Document 62012CC0484

Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen apresentadas em 14 de novembro de 2013.
Georgetown University contra Octrooicentrum Nederland.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage.
Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção — Regulamento (CE) n.° 469/2009 — Artigo 3.° — Condições de obtenção desse certificado — Possibilidade de obter vários certificados complementares de proteção a partir de uma mesma patente.
Processo C‑484/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:745

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 14 de novembro de 2013 ( 1 )

Processo C‑484/12

Georgetown University

contra

Octrooicentrum Nederland, que usa a denominação NL Octrooicentrum

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos)]

«Medicamentos para uso humano — Regulamento (CE) n.o 469/2009 — Artigos 3.° e 14.° — Certificado complementar de proteção (CCP) — Renúncia a um certificado — Direito aplicável e efeitos no tempo — Escolha entre vários pedidos de concessão em curso»

I — Introdução

1.

As presentes conclusões versam, no essencial, sobre a incidência, para efeitos da interpretação do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos ( 2 ) (a seguir «Regulamento CCP»), da jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, quando uma patente de base em vigor protege vários produtos, seja concedido ao titular da referida patente um certificado complementar de proteção para os medicamentos (a seguir «CCP») para cada um dos produtos protegidos.

2.

Um CCP permite prolongar a proteção de um produto que é protegido por uma patente de base. Segundo o Regulamento CCP e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um produto é um princípio ativo, ou uma associação de princípios ativos contidos num medicamento. O objetivo do sistema é corrigir as deficiências relacionadas com a duração do processo de autorização de introdução no mercado, a qual encurtou o período de proteção efetiva que decorre da patente. Todavia, o sistema estabelecido pelo Regulamento CCP visa não o prolongamento da duração da vida da patente de base em si, mas somente a proteção de um produto ( 3 ).

3.

Importa recordar que o direito de patente não foi objeto de harmonização na União Europeia. Por esta razão, os CCP são concedidos num contexto em que a regulamentação referente aos CCP foi uniformizada pelo Regulamento CCP, mas o seu fundamento (as patentes) não foi harmonizado, o que cria problemas. A articulação entre o regime aplicável aos CCP e o direito nacional é objeto do artigo 19.o do Regulamento CCP.

4.

O Regulamento CCP foi já interpretado pelo Tribunal de Justiça designadamente nos acórdãos de 24 de novembro de 2011, Medeva ( 4 ) e Georgetown University e o. ( 5 ), que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial submetidos por dois órgãos jurisdicionais britânicos ( 6 ).

5.

No presente processo, o Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos) coloca cinco questões a título prejudicial, a primeira das quais se confunde com as questões prejudiciais tratadas no acórdão Medeva já referido. Com efeito, o presente reenvio é a consequência direta da interpretação do Regulamento CCP dada pelo Tribunal de Justiça nessa ocasião e segundo a qual, quando uma patente protege um produto, nos termos do artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento, não pode ser concedido mais de um CCP para essa patente de base ( 7 ).

6.

No que diz respeito ao presente processo, a Georgetown University pretende, através da interpretação que propõe ao órgão jurisdicional de reenvio, corrigir a situação em que o titular de uma patente obteve um CCP para um produto que não era aquele que, afinal, pretendia proteger, enquanto só pode ser concedido um CCP por patente de base.

7.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça e das conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak nos processos que conduziram aos acórdãos já referidos Medeva e Georgetown University e o., o Tribunal de Justiça já se encontra suficientemente esclarecido para responder à referida primeira questão. Assim, no presente processo, há que concluir unicamente sobre as questões 2 a 5, que são novas. Além disso, importa salientar que estas quatro últimas questões foram submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio apenas no caso de a resposta à primeira questão ser afirmativa, o que explica a premissa apresentada no n.o 1 das presentes conclusões.

8.

As questões prejudiciais a tratar aqui podem ser reagrupadas. Estas versam, por um lado, sobre a questão de saber se o titular de um CCP que já lhe foi concedido pode renunciar ao mesmo com efeitos retroativos (v. quarta e quinta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio), e, por outro, sobre certos aspetos processuais específicos de uma situação em que vários pedidos de concessão de CCP se encontram pendentes simultaneamente (v. segunda e terceira questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio).

9.

Além disso, recordo que dois outros processos atualmente pendentes no Tribunal de Justiça versam igualmente sobre a interpretação do Regulamento CCP. Tendo em conta que as questões prejudiciais submetidas pela High Court of Justice (England & Wales) (Chancery Division) (Reino Unido) nos processos Actavis Group e Actavis UK (C‑443/12) e Eli Lilly and Company (C‑493/12) coincidem parcialmente com as do presente processo, o Tribunal de Justiça organizou uma audiência comum para os três processos, em 12 de setembro de 2013, precisando que optou por decidir sobre os dois últimos processos sem as conclusões.

II — Quadro jurídico

A — Regulamento CCP

10.

Nos termos do artigo 3.o do Regulamento CCP, o CCP é concedido se, no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido e à data de tal pedido, o produto estiver protegido por uma patente de base em vigor [alínea a)] e o produto não tiver sido já objeto de um CCP [alínea c)].

11.

Nos termos do artigo 14.o do Regulamento CCP, o CCP caduca, designadamente, no termo do prazo [alínea a)], em caso de renúncia por parte do titular do CCP [alínea b)] ou se a taxa anual prevista não for paga atempadamente [alínea c)].

12.

O CCP é anulado, por força do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento CCP, se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.o [alínea a)], se a patente de base tiver caducado antes do termo do seu período de validade legal [alínea b)], se «a patente de base tiver sido anulada ou de tal modo limitada que o produto para que foi concedido o certificado deixe de estar abrangido pelas reivindicações da patente de base ou se se verificar que, após o termo da validade da patente de base, existiam causas de nulidade que teriam justificado a anulação ou limitação.» [alínea c)].

13.

O artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento CCP prevê que, na falta de disposições processuais neste regulamento, aplicam‑se ao CCP as disposições processuais aplicáveis à patente de base, por força da legislação nacional, exceto se a legislação nacional estabelecer disposições processuais especiais em relação aos mesmos CCP.

B — A lei neerlandesa de 1995 sobre as patentes

14.

Para responder à quinta questão prejudicial, é útil reproduzir o artigo 63.o da lei neerlandesa de 1995 sobre as patentes (Nederlandse Rijksoctrooiwet 1995), que dispõe o seguinte:

«1.   Um titular de patente pode renunciar total ou parcialmente à sua patente. A renúncia tem efeitos retroativos nos termos do artigo 75.o, n.os 5 a 7.

[…]»

15.

O artigo 75.o da referida lei refere, por seu lado:

«[…]

5.   Considera‑se que uma patente não teve, desde o início, a totalidade ou parte das consequências jurídicas referidas nos artigos 53.°, 53.°‑A, 71.°, 72.° e 73.°, consoante esta tenha sido total ou parcialmente anulada.

6.   Os efeitos retroativos da anulação não afetam:

a.

as decisões que não sejam providências cautelares e que tenham por objeto atos que violem o direito exclusivo do titular da patente referido nos artigos 53.° e 53.°‑A ou os atos referidos nos artigos 71.°, 72.° e 73.°, que tenham adquirido força de caso julgado e que tenham sido executadas antes da anulação;

b.

os contratos celebrados e executados antes da anulação; contudo, por motivos de equidade, pode ser exigido o reembolso dos montantes pagos com base neste contrato na medida em que as circunstâncias assim o justifiquem.

7.   Para efeitos de aplicação do n.o 6, alínea b), também se entende por celebração de um contrato a constituição de uma licença por qualquer outra forma indicada nos artigos 56.°, n.o 2, 59.° ou 60.°»

16.

Importa observar que não resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação neerlandesa contém regras de processo especiais em matéria de CCP.

III — Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

Em 24 de junho de 1993, a Georgetown University apresentou um pedido de patente europeia intitulado «Vacina contra o vírus do papiloma», registado pelo Instituto Europeu de Patentes, sob o número EP 0647140, para uma proteína do vírus do papiloma humano, capaz de induzir anticorpos neutralizantes contra os viriões do vírus do papiloma. Esta patente foi concedida em 12 de dezembro de 2007.

18.

Baseando‑se nas autorizações de introdução no mercado concedidas respetivamente para os medicamentos Gardasil e Cervarix, a Georgetown University apresentou, em 14 de dezembro de 2007, no NL Octrooicentrum sete pedidos de CCP fazendo referência à patente EP 0647140. Dois CCP foram concedidos em 15 de janeiro de 2008, um pedido com a referência 300321 foi indeferido em 19 de maio de 2010 e outros quatro ficaram pendentes.

19.

A Georgetown University impugnou no órgão jurisdicional de reenvio a decisão que recusou a concessão de um CCP.

20.

Na sequência dos acórdãos, já referidos, Medeva e Georgetown University e o., a Georgetown University comunicou ao órgão jurisdicional de reenvio que estaria disposta a renunciar aos CCP já concedidos e a desistir de todos os pedidos pendentes, desde que o NL Octrooicentrum decida positivamente em relação ao pedido do CCP com a referência 300321.

21.

Por entender que a decisão do litígio que lhe foi submetido depende nomeadamente da interpretação dos artigos 3.° e 14.° do Regulamento CCP, o Rechtbank ’s‑Gravenhage, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, por despacho de 12 outubro de 2012 e entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 outubro de 2012, as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[O Regulamento CCP] e, mais especificamente, o seu artigo 3.o, proémio e alínea c), opõem‑se a que, numa situação em que uma patente de base em vigor protege vários produtos, seja concedido ao titular da patente de base um [CCP] para cada um dos produtos protegidos?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, como deve ser interpretado o artigo 3.o, proémio e alínea c), do [regulamento CCP], numa situação em que uma patente de base em vigor protege vários produtos e em que, na data do pedido de [CCP] para um dos produtos protegidos pela patente de base (A), ainda não tenha sido concedido um [CCP] para os outros produtos (B, C) protegidos pela mesma patente de base, mas em que tenham sido concedidos [CCP] na sequência dos pedidos relativos aos produtos (B, C) antes de ser decidido o pedido de [CCP] para o primeiro produto (A)?

3)

É relevante para a resposta à questão anterior o facto de o pedido [CCP] relativo a um dos produtos protegidos pela patente de base (A) ter sido apresentado na mesma data que os pedidos relativos ao outros produtos (B, C) protegidos pela mesma patente de base?

4)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode ser concedido um [CCP] relativo a um produto protegido por uma patente de base em vigor, se já tiver sido anteriormente concedido um CCP relativo a outro produto protegido pela mesma patente de base, mas o requerente renunciar a este último [CCP] com o intuito de poder obter um novo [CCP] com base na mesma patente de base?

5)

Se for relevante para a resposta à questão anterior saber se a renúncia tem efeitos retroativos, esta última questão é regulada pelo artigo 14.o, proémio e alínea b), do [regulamento CCP] ou pelo direito nacional? Se a questão de saber se a renúncia tem efeitos retroativos for regulada pelo artigo 14.o, proémio e alínea b), do regulamento, deve esta disposição ser interpretada no sentido de que a renúncia tem efeitos retroativos?»

22.

Foram apresentadas observações escritas pela Georgetown University, pelos Governos neerlandês e francês bem como pela Comissão Europeia, sendo que o Governo francês apresentou observações apenas sobre a primeira, sobre a quarta e sobre a quinta questões e a Comissão unicamente sobre a primeira questão.

IV — Análise

A — Observações preliminares

23.

Como já salientei, vou abordar nas presentes conclusões as questões segunda a quinta, que foram colocadas pelo tribunal a quo no caso de se responder afirmativamente à primeira questão. Portanto, embora a maioria das partes no presente processo bem como no processo pendente Actavis Group e Actavis UK tenham proposto uma resposta negativa à referida questão, que consiste em saber se o direito da União se opõe a que, com base na mesma patente que protege vários produtos, podia ser concedido um CCP para cada um dos produtos protegidos, a minha análise partirá do pressuposto de que deve ser dada resposta afirmativa à primeira questão prejudicial.

24.

Procederei à referida análise agrupando as questões como acima exposto no n.o 8.

B — Quanto à quarta e quinta questões

25.

Com a quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, qual é o regime aplicável a uma renúncia por parte do titular do CCP e determinar os efeitos dessa renúncia. Mais exatamente, pretende saber se a renúncia ao CCP concedido para um produto protegido por uma patente de base é regulada pelo direito nacional ou pelo artigo 14.o, alínea b), do Regulamento CCP, e nesta última hipótese, se a referida renúncia apenas produz os seus efeitos para o futuro ou se tem efeitos retroativos, de tal modo que o requerente pudesse apresentar um novo pedido de CCP para um outro produto.

26.

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Georgetown University indicou estar disposta a renunciar aos dois CCP que lhe tinham sido concedidos a título de patente de base europeia EP 0647140, bem como a desistir de todos os outros pedidos pendentes de CCP baseados na referida patente, para que lhe fosse concedido um CCP com base na referência 300321. Com efeito, considera que, à luz do direito de patentes neerlandês, a renúncia a um CCP tem efeitos retroativos.

27.

Todas as partes que submeteram observações escritas ao Tribunal de Justiça estão de acordo quanto ao facto de o conceito de «renúncia» ser um conceito do direito da União que deve ser interpretado uniformemente. Contudo, embora a Georgetown University considere que essa renúncia devia ter efeitos retroativos, os Governos neerlandês e francês entendem, por seu lado, que essa renúncia apenas pode produzir efeitos para o futuro.

28.

Em primeiro lugar, considero que os efeitos da renúncia ao CCP são exclusivamente regulados pelo artigo 14.o do Regulamento CCP, e não pelo direito nacional.

29.

Considero que a redação do artigo 14.o do Regulamento CCP não contém nenhuma referência ao direito nacional nem prevê qualquer possibilidade de cada Estado‑Membro definir os efeitos da caducidade que nele está prevista ( 8 ). Importa acrescentar que os efeitos da caducidade do CCP não podem ser considerados como questões processuais referidas no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento CCP, segundo o qual, na falta de disposições no Regulamento CCP, são as disposições processuais as aplicáveis à patente de base, por força da legislação nacional. De facto, não se trata de uma questão processual mas sim de uma questão material.

30.

No que diz respeito ao objetivo desta disposição, recordo que o Regulamento CCP visa instituir precisamente uma solução uniforme ao nível da União, criando um CCP concedido segundo as mesmas condições em todos os Estados‑Membros, destinando‑se a «evitar uma evolução heterogénea das legislações nacionais que origine novas disparidades suscetíveis de entravar a livre circulação dos medicamentos na União e, por isso, de afetar diretamente o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno» ( 9 ).

31.

Assim, segundo uma interpretação tanto literal como teleológica, o artigo 14.o do Regulamento CCP opõe‑se a que os efeitos da renúncia ao CCP sejam definidos pelo direito nacional.

32.

Em segundo lugar, decorre claramente do teor dos artigos 14.° e 15.° do Regulamento CCP que a renúncia ao CCP não pode ter efeitos retroativos. A mesma conclusão resulta da interpretação dos objetivos do referido regulamento.

33.

A este respeito, saliente‑se que o artigo 14.o do Regulamento CCP enumera as causas de caducidade do CCP, entre as quais figura a renúncia, sendo as outras o termo do prazo previsto do CCP, o facto de a taxa anual não ter sido paga e o facto de não ser autorizada a introdução no mercado do produto. Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, estas causas de caducidade referem‑se a situações ou factos que acarretam uma cessação dos efeitos do CCP para o futuro, quer dizer, sem anulação retroativa deste último.

34.

Além disso, o Governo francês salienta, com razão, que na terminologia jurídica corrente, o termo «caducidade» designa o facto, nomeadamente em relação a um direito, uma obrigação ou uma situação jurídica, que deixa de produzir efeitos em razão de um acontecimento preciso que lhe põe termo. Em contrapartida, este termo não implica a supressão retroativa desse direito, dessa obrigação ou dessa situação jurídica. Esta interpretação do artigo 14.o do Regulamento CCP é corroborada pelas disposições do artigo 15.o do Regulamento CCP que preveem os casos de nulidade de um CCP.

35.

Assim, ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento:

«1.   O [CCP] é anulado:

a)

se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.o;

b)

se a patente de base tiver caducado antes do termo do seu período de validade legal;

c)

se a patente de base tiver sido anulada ou de tal modo limitada que o produto para que foi concedido o [CCP] deixe de estar abrangido pelas reivindicações da patente de base ou se se verificar que, após o termo da validade da patente de base, existiam causas de nulidade que teriam justificado a anulação ou a limitação.»

36.

Há que observar que a renúncia ao CCP não figura entre estas causas de nulidade enumeradas no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento CCP.

37.

Com a interpretação que propõe, a Georgetown University procura portanto corrigir a situação em que ao titular de uma patente tenha sido concedido um CCP para um produto diferente daquele para o qual pretendia obter a proteção, quando só pode ser concedido um CCP por cada patente de base.

38.

A preocupação expressa deste modo é compreensível. Porém, há que realçar que, embora o titular da patente possa renunciar, com efeitos retroativos ( 10 ), à sua patente anulando assim os efeitos jurídicos da mesma nos limites definidos pela ordem jurídica aplicável, também é certo que perde, em consequência, a possibilidade de voltar a pedir uma patente para a mesma invenção. Com efeito, a existência da patente anterior tornou‑a pública, sendo, por conseguinte, impossível a invenção satisfazer o requisito da novidade universalmente aplicável ao direito das patentes. De igual modo, uma vez que o titular de uma patente não goza de um tal «direito de arrependimento» que lhe permita redefinir com efeitos retroativos o âmbito da proteção, essa possibilidade também não pode ser reconhecida ao titular de um CCP, ao remeter‑se para uma disposição como o artigo 63.o da lei neerlandesa de 1995 sobre as patentes.

39.

Por conseguinte, sou de opinião de que a renúncia a um CCP referido no artigo 14.o, alínea b), do Regulamento CCP, não é suscetível de ter efeitos retroativos e que a referida renúncia não permite preencher o requisito segundo o qual o produto não foi já objeto de um CCP.

40.

Em meu entender, só esta interpretação está em condições de preservar a segurança jurídica de terceiros, que tivessem podido, com razão, basear‑se no CCP concedido para tomarem conhecimento do produto protegido por este, bem como da data em que essa proteção terminaria. Se fosse permitido que, ao renunciar ao referido CCP após a sua entrada em vigor, o titular deste pudesse anular retroativamente o CCP, substituindo‑o por um CCP diferente, no seu objeto ou na sua duração, o objetivo de segurança jurídica do sistema instaurado pelo Regulamento CCP ficaria comprometido.

41.

Com efeito, o Regulamento CCP institui um processo que garante a transparência do sistema, graças à publicação da decisão de concessão do CCP e do pedido, apresentado suficientemente cedo, após a autorização de introdução no mercado, para que os terceiros sejam rapidamente informados ( 11 ). Tal objetivo opõe‑se a que as informações publicadas possam ser retroativamente postas em causa pelo titular, em qualquer altura e de acordo com os seus interesses.

42.

Concluindo, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quarta e quinta questões no sentido de que a renúncia ao CCP é exclusivamente regulada pelo artigo 14.o, alínea b), do Regulamento CCP, e que, uma vez que esta renúncia apenas produz efeitos para o futuro, não pode posteriormente admitir‑se que o produto em causa nunca tenha sido objeto de um CCP, na aceção do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento CCP.

C — Quanto à segunda e terceira questões

43.

Com a segunda e terceira questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se, nos termos do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento CCP, o requerente que tenha apresentado simultaneamente vários pedidos de CCP pode escolher, antes de lhe ser concedido um CCP, qual é o pedido prioritário ou se essa escolha cabe à autoridade nacional competente em matéria de concessão de CCP.

44.

As partes que apresentaram observações escritas sobre esta questão concordam que compete ao titular da patente escolher qual é o pedido de CCP prioritário neste contexto. No entanto, o Governo neerlandês considera que essa escolha deve ser feita no momento da apresentação dos pedidos.

45.

Recordo que estas questões são colocadas caso se responda à primeira questão prejudicial no sentido de que só pode ser concedido um CCP por cada patente de base. Esta hipótese contém em si mesma a resposta ao caso visado pelo órgão jurisdicional nacional na segunda questão, ou seja, o caso em que uma patente de base em vigor protege vários produtos e que, na data da apresentação do pedido de CCP para um dos produtos protegidos (produto A), ainda não tenha sido concedido um CCP para os outros produtos protegidos pela mesma patente de base (produtos B e C), mas em que tenham sido posteriormente concedidos CCP para os produtos B e C mas antes de ser decidido o pedido de CCP para o primeiro produto (produto A).

46.

Considero que cabe ao titular da patente determinar qual o pedido que tem prioridade sobre os outros. É necessário permitir a este ou à pessoa por ele autorizada a apresentar, simultânea ou sucessivamente, no prazo previsto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento CCP, vários pedidos de CCP para os diferentes produtos protegidos pela patente de base, visto que a patente de base ou a autorização de introdução no mercado podem ser limitadas após a apresentação dos pedidos.

47.

A este respeito, há que precisar que importa pouco que os pedidos de CCP tenham sido apresentados simultânea ou sucessivamente desde que o prazo previsto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento CCP tenha sido respeitado, uma vez que a ordem de prioridade não depende da data da apresentação do pedido de CCP, mas da data da patente de base.

48.

Contudo, nenhuma disposição específica do Regulamento CCP determina o pedido que deve ter prioridade, no caso de vários pedidos de CCP estarem simultaneamente pendentes.

49.

O papel fundamental do titular de patente na determinação do que será protegido nos termos de um CCP foi perfeitamente resumido pela Comissão em 1990 na exposição de motivos ( 12 ). Do mesmo modo, a advogada‑geral V. Trstenjak refere nas suas conclusões apresentadas no processo que conduziu ao acórdão Medeva já referido, que é o titular de patente que indica para que medicamento protegido por uma mesma patente de base deposita um pedido de CCP ( 13 ).

50.

Na hipótese de o titular de patente não ter escolhido no momento da apresentação dos pedidos de CCP e tendo em conta a possibilidade de a patente de base e/ou a autorização de introdução no mercado serem limitadas após a apresentação dos referidos pedidos, o titular da patente também está juridicamente obrigado a fazer essa opção. Nessa situação, vários pedidos podem estar simultaneamente pendentes.

51.

Considero que, nesse caso, as autoridades competentes para efeitos da concessão do CCP deveriam pedir ao titular da patente em causa que fizesse uma escolha antes da referida concessão e que declarasse para que princípio ativo ou associação de princípios ativos pretendia obter um CCP com base na patente de base.

52.

O Regulamento CCP permite às autoridades apresentarem esse pedido. Em meu entender, tal diligência poderá mesmo ser exigida às autoridades nacionais incumbidas da execução do Regulamento CCP, uma vez que o direito a uma boa administração constitui um princípio geral do direito da União. ( 14 )

53.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça parece confirmar a possibilidade de apresentar esse pedido à pessoa que tenha pedido um CCP. Resulta do acórdão AHP Manufacturing já referido ( 15 ), que o Regulamento CCP não indica a ordem dos pedidos quando vários pedidos de CCP estiverem pendentes simultaneamente. Trata‑se certamente, neste processo, de dois ou vários titulares de patente para o mesmo produto, mas, em minha opinião, esta interpretação aplica‑se, por analogia, igualmente ao caso em que um único e mesmo titular de patente tenha apresentado vários pedidos para diferentes produtos.

54.

Na hipótese de um titular de patente não escolher, não obstante um pedido nesse sentido das autoridades competentes, cabe às autoridades nacionais, nos termos do artigo 19.o do Regulamento CCP, retirar daí as eventuais consequências por força do direito nacional.

55.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda e terceira questões no sentido de que na hipótese de um requerente ter apresentado vários pedidos de CCP para produtos distintos mas protegidos por uma mesma patente, cabe‑lhe decidir qual desses pedidos é prioritário, e que, na falta de escolha, incumbe às autoridades nacionais retirar daí eventuais consequências por força do direito nacional.

V — Conclusão

56.

Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda, terceira, quarta e quinta questões prejudiciais, submetidas pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos):

«1)

A renúncia ao certificado complementar de proteção é regulada pelo artigo 14.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, e não pelo direito nacional. Além disso, uma vez que esta renúncia apenas produz efeitos para o futuro, não se pode posteriormente admitir que, na sequência dessa renúncia, o produto em questão nunca tenha sido objeto de um certificado na aceção do artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento.

2)

Na hipótese de um requerente ter apresentado vários pedidos de certificado complementar de proteção para produtos distintos mas protegidos por uma mesma patente, cabe‑lhe decidir qual desses pedidos é prioritário. Na falta de escolha, incumbe às autoridades nacionais retirar daí eventuais consequências por força do direito nacional.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 152, p. 1.

( 3 ) Existe um sistema semelhante para os produtos fitofarmacêuticos, v. Regulamento (CE) n.o 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os produtos fitofarmacêuticos (JO L 198, p. 30), e acórdãos de 10 de maio de 2001, BASF (C-258/99, Colet., p. I-3643), de 3 de setembro de 2009, AHP Manufacturing (C-482/07, Colet., p. I-7295), e de 11 de novembro de 2010, Hogan Lovells International (C-229/09, Colet., p. I-11335).

( 4 ) C-322/10, Colet., p. I-12051.

( 5 ) C-422/10, Colet., p. I-12157.

( 6 ) No tocante aos outros processos, v. designadamente acórdãos de 23 de janeiro de 1997, Biogen (C-181/95, Colet., p. I-357); AHP Manufacturing, já referido; despachos de 25 de novembro de 2011, University of Queensland e CSL (C-630/11, Colet., p. I-12231); de 9 de fevereiro de 2012, Novartis (C‑442/11), e acórdão de 19 de julho de 2012, Neurim Pharmaceuticals (1991) (C‑130/11,).

( 7 ) Acórdãos, já referidos, Medeva (n.o 41) e Georgetown University e o. (n.o 34).

( 8 ) Quanto à demarcação entre os conceitos do direito da União e a aplicação do direito nacional, v. n.os 27 a 30 das minhas conclusões no processo que conduziu ao acórdão de 11 de abril de 2013, Soukupova (C‑401/11).

( 9 ) V. acórdão Medeva, já referido (n.o 24 e jurisprudência referida), bem como o considerando 7 do Regulamento CCP.

( 10 ) V., por exemplo, o artigo 63.o da lei neerlandesa de 1995 sobre as patentes e artigo 68.o da Convenção sobre a concessão de patentes europeias, assinada em Munique, em 5 de outubro de 1973, interpretado em conjugação com o artigo 105.o A, n.o 1, desta última.

( 11 ) V. n.o 17 da exposição de motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11 de abril de 1990, relativa à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos [COM(90) 101 final] (a seguir «exposição de motivos»).

( 12 ) V. exposição de motivos (n.o 33, segundo parágrafo).

( 13 ) N.o 66 das já referidas conclusões.

( 14 ) V., neste sentido, acórdão de 18 de dezembro de 2008, Sopropé (C-349/07, Colet., p. I-10369, n.os 37 e 38). O respeito deste direito impõe‑se às instituições da União, por força do disposto no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, v. neste sentido, n.os 31 e 32 das conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo que conduziu ao acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11).

( 15 ) V. designadamente n.os 24 a 26. Importa precisar que este processo tinha por objeto o precedente Regulamento CCP e o Regulamento n.o 1610/96.

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