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Document 62012CC0417

Conclusões do advogado-geral Jääskinen apresentadas em 30 de Abril de 2014.
Reino da Dinamarca contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral - FEOGA - Retirada de superfícies - Controlos por teledeteção - Coberto vegetal das parcelas retiradas - Correções financeiras.
Processo C-417/12 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:286

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 30 de abril de 2014 ( 1 )

Processo C‑417/12 P

Reino da Dinamarca

contra

Comissão

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Inadmissibilidade — FEOGA — ‘Secção Garantia’ — Exclusão do financiamento comunitário de determinadas despesas efetuadas pelo Reino da Dinamarca a título da retirada de superfícies da produção — Controlos por teledeteção — Artigos 15.°, 22.° e 23.° do Regulamento (CE) n.o 2419/2001 — Artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 2316/1999 — Coberto vegetal nas parcelas retiradas — Ónus e nível da prova — Requisitos de aplicação de uma correção forfetária»

I – Introdução

1.

Segundo jurisprudência assente, os Estados‑Membros são obrigados a organizar um conjunto de controlos administrativos e no local que permitam assegurar que os requisitos materiais e formais de concessão de montantes atribuídos pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) sejam corretamente observados. Se forem detetadas deficiências pela Comissão e forem verificadas perdas para o FEOGA, a Comissão pode excluir do financiamento as despesas não elegíveis. Isto é igualmente válido quando existir uma dúvida séria e razoável a esse respeito, sem que o Estado‑Membro em causa tenha conseguido apresentar elementos suscetíveis de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar a referida dúvida. Este princípio regula quer a determinação do ónus da prova, quer a aplicação de correções forfetárias, nos casos em que existem irregularidades que afetam montantes concedidos pelo FEOGA.

2.

Com o seu recurso, o Reino da Dinamarca pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de julho de 2012 ( 2 ) (a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso destinado a obter, a título principal, a anulação parcial da Decisão 2009/253/CE da Comissão, de 19 de março de 2009 (a seguir «decisão impugnada») ( 3 ), na medida em que exclui do financiamento comunitário determinadas despesas efetuadas pelo Reino da Dinamarca a título da retirada de superfícies da produção.

3.

Na decisão impugnada, no que diz respeito ao Reino da Dinamarca, a Comissão Europeia propôs a aplicação de correções financeiras forfetárias, relativamente aos exercícios financeiros de 2003, 2004 e 2005, respeitantes às campanhas de 2002, 2003 e 2004, respetivamente. As correções ascendiam, consoante os casos, a 2%, a 5% ou a 10%, a título de deficiências verificadas quanto ao controlo por teledeteção e ao controlo da observância das exigências regulamentares relativamente às superfícies retiradas (a seguir «controlo das superfícies retiradas»).

II – Antecedentes do litígio, tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

4.

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de junho 2009, o Reino da Dinamarca interpôs um recurso destinado a obter, a título principal, a anulação parcial da decisão impugnada. O recurso, registado na Secretaria do Tribunal Geral com o número T‑212/09, tinha por base quatro fundamentos, relativos, em primeiro lugar, a erros de direito e de apreciação das regras relativas ao controlo por teledeteção, em segundo, a erros de direito e de apreciação das regras relativas ao controlo das superfícies retiradas, em terceiro, a uma violação das formalidades essenciais e, em quarto, a erros de direito e de apreciação das regras relativas às correções financeiras.

5.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade e condenou cada parte a suportar as suas próprias despesas.

6.

Para uma descrição pormenorizada dos factos e do processo que deram origem ao litígio, remete‑se para a exposição constante do acórdão recorrido.

III – Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

7.

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de setembro de 2012, o Reino da Dinamarca interpôs recurso do acórdão recorrido. Pede ao Tribunal de Justiça que anule, total ou parcialmente, o acórdão do Tribunal Geral, que julgue procedentes os pedidos formulados no Tribunal Geral e, a título subsidiário, que remeta o processo ao Tribunal Geral, para que aí seja proferida nova decisão.

8.

O Reino da Dinamarca invoca cinco fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito quanto à interpretação do artigo 15.o do Regulamento n.o 2419/2001, lido em conjugação com o artigo 23.o do mesmo regulamento, no que diz respeito à insuficiência das medidas de controlo por teledeteção ( 4 ). O segundo fundamento é relativo a dois erros de direito respeitantes, um, à interpretação incorreta do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999 e, outro, à obrigação injustificada e indefinida de corte do eventual coberto vegetal ( 5 ), respetivamente. O terceiro fundamento tem por base uma desvirtuação do ónus da prova. O quarto fundamento é relativo a uma aplicação incorreta dos requisitos para uma correção forfetária, ao passo que, de acordo com o quinto fundamento, não estavam reunidos os requisitos para a aplicação de correções forfetárias de 5% e de 10%, respetivamente.

9.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e, a título subsidiário, que confirme o acórdão recorrido e condene o Reino da Dinamarca nas despesas.

10.

A República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia foram admitidos a intervir em apoio do Reino da Dinamarca. Estes Estados‑Membros apresentaram articulados de intervenção.

11.

Na audiência de 12 de dezembro de 2013, foram ouvidos os representantes do Reino da Dinamarca e da Comissão, bem como o representante do Reino da Suécia.

IV – Análise jurídica

A – Quanto à admissibilidade do recurso

12.

A Comissão pede, em primeiro lugar, que «seja negado provimento» ao recurso, o que interpreto, na realidade, como um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça para que declare o recurso inadmissível. Com efeito, a Comissão alega que o presente recurso se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados no Tribunal Geral, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por aquele órgão jurisdicional. Acrescenta que tal recurso constitui antes um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça ( 6 ). Segundo a Comissão, o recurso interposto pelo Reino da Dinamarca diz respeito unicamente — ou, pelo menos, numa medida muito considerável — à apreciação que o Tribunal Geral fez dos factos.

13.

Pela minha parte, saliento que o recurso contém, incontestavelmente, alguns dos elementos que a Comissão critica. No entanto, as alegações do Reino da Dinamarca baseiam‑se claramente em pretensos erros jurídicos cometidos pelo Tribunal Geral. Com efeito, o recurso destina‑se, em substância, a pôr em causa a posição do Tribunal Geral sobre várias questões de direito que lhe foram apresentadas em primeira instância, incluindo a qualificação jurídica dos elementos de facto feita pelo Tribunal Geral. Assim, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na medida em que o referido recurso contenha indicações precisas quanto aos pontos contestados do acórdão recorrido assim como quanto aos fundamentos e aos argumentos em que se apoia, não pode ser declarado inadmissível na íntegra ( 7 ).

B – Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de interpretação do Regulamento n.o 2419/2001 e a uma omissão parcial de pronúncia

1. Argumentos das partes

14.

Quanto à interpretação dos artigos 15.° e 23.° do Regulamento n.o 2419/2001, o Reino da Dinamarca, apoiado, neste aspeto, pela República Francesa, alega que o Tribunal Geral adota uma interpretação errada quando conclui, nos n.os 51 e 52 do acórdão recorrido, que a Comissão, para apreciar a eficácia dos controlos por teledeteção dos Estados‑Membros, pode utilizar qualquer meio adequado, incluindo medições a nível do solo com ajuda de um sistema de posicionamento global (a seguir «GPS»), a fim de efetuar comparações. O Reino da Dinamarca afirma que uma diferença entre uma medição através de teledeteção e uma medição através de GPS não pode servir para determinar se a teledeteção foi suficientemente eficaz na aceção do artigo 15.o do Regulamento n.o 2419/2001.

15.

Alega igualmente que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre alguns dos outros fundamentos invocados pelo Reino da Dinamarca para contestar a validade das conclusões da Comissão a respeito da eficácia das medidas dinamarquesas de controlo por teledeteção, por essas conclusões se basearem num determinado número de erros fundamentais. O Reino da Dinamarca considera que, nestas condições, quando, no n.o 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirma que a Comissão tinha anteriormente posto em dúvida a qualidade dos controlos por teledeteção efetuados, não apresentou os factos com fidelidade. Além disso, o Tribunal Geral não teve em conta medidas de correção implementadas pelo Reino da Dinamarca respeitantes à utilização das denominadas imagens «HR» (imagens de alta resolução) ( 8 ).

16.

A Comissão alega que, nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu, corretamente, que o controlo efetuado pelas autoridades dinamarquesas se tinha revelado insuficiente e que, nos n.os 51 e 52 do acórdão recorrido, considerou que a alegação que o Reino da Dinamarca reiterou no presente recurso era improcedente.

2. Apreciação

17.

Em meu entender, o facto de o Tribunal Geral ter considerado, corretamente, que a questão que se colocava, no caso em apreço, não era saber se a utilização de imagens de alta resolução era permitida, mas saber de que modo as referidas imagens deviam ser utilizadas, é fundamental ( 9 ). Com efeito, resulta das disposições relevantes do direito da União, ou seja, designadamente, dos artigos 15.° e 22.°, n.o 1 ( 10 ), do Regulamento n.o 2419/2001, que incumbe aos Estados‑Membros adotar as medidas que considerem capazes de garantir a eficácia dos controlos e, por conseguinte, o rigor das medições efetuadas com recurso à teledeteção ( 11 ).

18.

Ora, o Reino da Dinamarca afirma, incorretamente, que o Tribunal Geral interpretou os artigos 15.° e 23.° do Regulamento n.o 2419/2001 de forma errada, no que diz respeito à utilização de uma medição através de GPS, para efeitos de determinar se a teledeteção foi suficientemente eficaz na aceção do Regulamento n.o 2419/2001.

19.

Em meu entender, o Tribunal Geral reconheceu, corretamente, não só a responsabilidade dos Estados‑Membros quanto à qualidade do controlo, mas também o direito de a Comissão, sendo esse o caso, proceder a verificações suplementares para poder apreciar a fiabilidade dos controlos efetuados pelos Estados‑Membros. O Tribunal Geral não pode ser acusado de ter privilegiado um método de medição específico ou de ter tirado conclusões inadequadas no caso de utilização de métodos diferentes. Nem o teor nem o objetivo dos artigos 15.°, 22.° e 23.° do Regulamento n.o 2419/2001 exigem que a Comissão favoreça um determinado método quando procede à verificação da fiabilidade dos resultados dos controlos nacionais.

20.

Por conseguinte, o Tribunal Geral pôde concluir corretamente que as irregularidades assinaladas pela Comissão no decurso da investigação revelam o caráter insuficiente dos controlos no local, efetuados pelo Reino da Dinamarca, para verificar a medição das superfícies das parcelas inicialmente realizada utilizando imagens de alta resolução ( 12 ).

21.

Deste modo, segundo o Tribunal Geral, o Reino da Dinamarca censurou incorretamente a Comissão por ter utilizado, na investigação realizada em 2002, em 2003 e em 2004, um método diferente do adotado pelo Estado‑Membro em causa, ou seja, a medição por GPS ( 13 ). Com efeito, quando a regulamentação aplicável não impõe o recurso a um método de medição específico, resulta do disposto no artigo 22.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 2419/2001 que, embora os Estados‑Membros tenham liberdade para escolher os meios de determinação das superfícies das parcelas agrícolas, os referidos meios devem satisfazer uma exigência de precisão. Portanto, para apreciar se os Estados‑Membros satisfizeram esta exigência, a própria Comissão deve poder utilizar qualquer meio adequado que lhe permita determinar o mais rigorosamente possível as superfícies das parcelas que controla ( 14 ). Partilho desta análise do Tribunal Geral em todos os aspetos.

22.

Além disso, em meu entender, a interpretação proposta pelo Reino da Dinamarca não é coerente com os dois níveis de controlo em que assenta o apuramento das contas do FEOGA. Com efeito, por um lado, a nível nacional, os organismos pagadores analisam os pedidos de financiamento e asseguram‑se, no local, de que os requisitos para o pagamento das ajudas estão perfeitamente preenchidos. Por outro, a nível da União, a Comissão, com base nos relatórios nacionais dos organismos pagadores, efetua, ela própria, controlos por amostragem no local, para se assegurar da fiabilidade dos sistemas de controlo nacionais. Uma concordância perfeita entre estes dois níveis, no que diz respeito aos métodos utilizados, teria por efeito enfraquecer este sistema.

23.

Relativamente à alegada omissão de pronúncia, por parte do Tribunal Geral, quanto a alguns dos outros fundamentos invocados pelo Reino da Dinamarca para contestar a decisão impugnada, a saber, os respeitantes à eficácia das medidas dinamarquesas de controlo por teledeteção, o Reino da Dinamarca apoia‑se em afirmações amplamente baseadas em referências às peças processuais submetidas ao Tribunal Geral, sem explicar o conteúdo das mesmas, nem especificar por que motivo o Tribunal Geral as deveria ter tido em conta.

24.

A este respeito, basta recordar que resulta de jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça não impõe ao Tribunal Geral uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que as medidas em questão foram tomadas e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização ( 15 ).

25.

Quanto à alegação segundo a qual o Tribunal Geral não teve em conta as medidas de correção implementadas pelo Reino da Dinamarca respeitantes à utilização de imagens de alta resolução, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça salientou que a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça ( 16 ). A desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas ( 17 ).

26.

Ora, em meu entender, das apreciações que o Tribunal Geral efetuou, no que diz respeito à eficácia das medidas dinamarquesas de controlo por teledeteção, não resulta nenhuma desvirtuação de factos ou de elementos de prova.

27.

Quanto à alegação segundo a qual o n.o 50 do acórdão recorrido não reproduz fielmente os factos, deve recordar‑se que não é manifestamente da competência do Tribunal de Justiça proceder a tal reexame dos factos no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 18 ).

28.

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser rejeitado, na medida em que é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

C – Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma interpretação incorreta do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999

1. Argumentos das partes

29.

O Reino da Dinamarca, apoiado pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta a interpretação feita pelo Tribunal Geral, segundo a qual o conceito de «preservação das condições agronómicas» se encontra referido no artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999. O Reino da Dinamarca alega que o Tribunal Geral concluiu que o referido número significa que um eventual coberto vegetal deve ser mantido de modo a garantir a preservação das condições agronómicas. Segundo este Estado‑Membro, o Tribunal Geral não teria precisado o que pode estar abrangido pela expressão «preservação das condições agronómicas» e, designadamente, se a mesma poderia incluir uma obrigação de corte do coberto vegetal. Assim, o Reino da Dinamarca contesta a interpretação do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999 adotada pelo Tribunal Geral, na medida em que este parece reconhecer aí uma obrigação implícita de corte do coberto vegetal.

30.

Em seguida, segundo o Reino da Dinamarca, o Tribunal Geral não fez nenhuma apreciação quanto à validade das conclusões da decisão impugnada, no que diz respeito à obrigação de manutenção, quer à luz da interpretação das regras na qual a Comissão se baseou, quer à do critério, também não muito definido, que o Tribunal Geral parece ter retirado da sua interpretação do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999.

31.

Além disso, o Tribunal Geral também não se pronunciou sobre os documentos apresentados, segundo o Reino da Dinamarca, pormenorizados e verdadeiramente cruciais, que mostravam, designadamente, que as superfícies retiradas continuavam a ser terras agrícolas cultiváveis que podem ser imediatamente reintegradas na produção, nem sobre a questão da caça aos prémios e das superfícies alegadamente demasiado húmidas.

32.

Por conseguinte, o Reino da Dinamarca afirma que o erro de interpretação cometido pela Comissão foi de tal modo importante que a decisão impugnada devia ter sido anulada. A mesma não pode ser mantida com base em duas irregularidades mínimas, a saber, a presença de molhos de feno e de resíduos de construção nas parcelas retiradas.

33.

Em contrapartida, a Comissão considera que o Tribunal Geral concluiu que os Estados‑Membros são obrigados a velar por que as superfícies com coberto vegetal sejam mantidas em conformidade com as exigências aplicáveis às superfícies retiradas, previstas na política agrícola comum, e salientou, em seguida, que daí decorria igualmente o dever de o Estado‑Membro responsável controlar a observância efetiva da obrigação de manutenção ( 19 ). Com efeito, é precisamente aos Estados‑Membros que incumbe a responsabilidade de velar por que os fundos do FEOGA só sejam atribuídos em conformidade com as orientações adotadas e com as obrigações decorrentes do Tratado.

34.

Na opinião da Comissão, resulta da matéria de facto do processo que o Reino da Dinamarca não cumpriu a sua obrigação de garantir um controlo suficiente. Além disso, o Tribunal Geral confirmou que as irregularidades verificadas pela Comissão demonstravam insuficiências graves no controlo efetuado pelo Reino da Dinamarca e que esse facto bastava, por si só, para justificar a exclusão do financiamento comunitário.

2. Apreciação

35.

No que diz respeito à interpretação do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999, parece‑me que o Reino da Dinamarca fez uma leitura incorreta do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal Geral não declarou, expressa nem implicitamente, que, do referido artigo 19.o, n.o 4, resulta uma obrigação de corte do coberto vegetal.

36.

Na realidade, nessa parte do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que as disposições do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999 deviam ser interpretadas da seguinte forma. Por um lado, os Estados‑Membros são obrigados a aplicar medidas apropriadas que lhes permitam atingir os dois objetivos prosseguidos em matéria de retirada de terras, a saber, a manutenção das superfícies retiradas e a proteção do ambiente. Por outro lado, a manutenção de coberto vegetal nas parcelas retiradas constitui uma medida apropriada, entre outras, nos termos do referido artigo ( 20 ). Segundo o Tribunal Geral, a Comissão interpretou incorretamente as referidas disposições no sentido de que a manutenção de coberto vegetal nas terras retiradas constituía uma exceção relativamente às medidas apropriadas que devem permitir satisfazer o objetivo de manutenção das parcelas prosseguido pelo artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999 ( 21 ).

37.

Todavia, o Tribunal Geral concluiu que «[r]esulta de todas as considerações desenvolvidas no âmbito do exame da primeira alegação que Comissão considerou incorretamente que, no que diz respeito às superfícies retiradas, a manutenção de coberto vegetal constituía uma exceção relativamente às medidas apropriadas aplicadas pelos Estados‑Membros, de acordo com o disposto no artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999. Em contrapartida, a mesma considerou legitimamente que, nos termos do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999, o coberto vegetal existente nas parcelas retiradas devia ser objeto de manutenção» ( 22 ).

38.

Em consequência, apesar de o Reino da Dinamarca ter invocado a «importância» do erro cometido pela Comissão e declarado pelo Tribunal Geral, penso que, do acórdão recorrido, não resulta, nem expressa nem implicitamente, uma alegada obrigação de corte do coberto vegetal.

39.

Em seguida, o Tribunal Geral procedeu ao exame das consequências suscetíveis de decorrer desse erro de direito cometido pela Comissão quanto à legalidade da decisão impugnada ( 23 ). Salientou corretamente que, como resulta dos fundamentos expostos no relatório de síntese quanto às deficiências dos controlos das superfícies retiradas efetuados pelo Reino da Dinamarca, a Comissão declarou, no referido relatório, vários tipos de irregularidades no que diz respeito às parcelas retiradas e que, segundo a mesma, são suscetíveis de fundamentar a sua decisão de declarar algumas despesas não elegíveis no âmbito do FEOGA. Ora, segundo o Tribunal Geral, algumas dessas irregularidades eram alheias à questão de saber se era mantido um coberto vegetal nas referidas parcelas ( 24 ).

40.

Por conseguinte, segundo o Tribunal Geral, o erro de direito cometido pela Comissão no que diz respeito ao artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2316/1999, não era suscetível de produzir efeitos jurídicos quanto à apreciação do mérito da declaração destas últimas irregularidades, feita pela Comissão ( 25 ).

41.

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, um fundamento errado não justifica a anulação do ato que dele esteja ferido, se tiver caráter acessório e houver outros motivos bastantes para o justificar ( 26 ). Assim, afigura‑se‑me que não pareceu necessário ao Tribunal Geral uma clarificação suplementar da interpretação do conceito de «preservação das condições agronómicas» para poder proceder à apreciação das alegadas irregularidades.

42.

O Reino da Dinamarca não conseguiu provar que uma tomada de posição mais detalhada do Tribunal Geral a este respeito era juridicamente necessária para permitir ao mesmo decidir sobre o resto do segundo fundamento invocado por este Estado‑Membro, na medida em que este dizia respeito à aplicação das regras relativas ao controlo das superfícies retiradas. Na realidade, o Tribunal Geral qualificou, em meu entender corretamente, os outros aspetos invocados pelo Reino da Dinamarca como questões de apreciação ( 27 ).

43.

Por estas razões, o segundo fundamento invocado pelo Reino da Dinamarca deve ser julgado improcedente.

D – Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma desvirtuação do ónus da prova

1. Argumentos das partes

44.

O Reino da Dinamarca e os quatro Estados‑Membros intervenientes não contestam a exatidão da descrição geral, feita pelo Tribunal Geral, das exigências relativas ao ónus da prova que incumbe à Comissão, conforme desenvolvidas na jurisprudência relativa ao apuramento das contas do FEOGA e que, por razões de ordem prática, se caracterizam por uma considerável atenuação desse ónus para a Comissão. Mais precisamente, o Tribunal Geral declarou que a Comissão fundamentou as suas conclusões numa dúvida séria e razoável quanto à suficiência dos controlos efetuados ( 28 ) e que incumbia ao Estado‑Membro fornecer elementos suscetíveis de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar essas dúvidas ( 29 ).

45.

No entanto, segundo o Reino da Dinamarca, não se pode deduzir dessa jurisprudência que a Comissão possa satisfazer o ónus da prova baseando‑se apenas em factos verificados através de controlos por amostragem efetuados muito tempo depois do fim do período de retirada das terras. Seria pelo menos necessário que, pelas suas características, os factos em causa constituíssem indícios concretos de que se produziram igualmente durante o referido período.

46.

Em seguida, o Reino da Dinamarca alega que, no n.o 123 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou incorretamente que o Reino da Dinamarca não apresentou nenhum elemento suscetível de justificar a conclusão segundo a qual a Comissão não satisfez o ónus da prova que sobre ela recaía. Além disso, não incumbia ao Reino da Dinamarca provar que a Comissão não deu cumprimento a esse ónus, mas, pelo contrário, refutar eventuais alegações por ela apresentadas.

47.

Segundo o Reino da Dinamarca, apoiado, neste aspeto, pelo Reino dos Países Baixos, o acórdão recorrido baseia‑se numa conceção incorreta do ónus e do nível de prova que incumbe à Comissão. Além disso, o conceito de prova imposto pelo Tribunal Geral aos Estados‑Membros vai além do que a jurisprudência constante neste domínio preconiza e é impossível cumpri‑lo na prática. Acresce que, em vários aspetos, o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente os fundamentos invocados pelo Reino da Dinamarca e os factos. Por conseguinte, também por estas razões, o acórdão recorrido deve ser anulado.

48.

A Comissão responde que não está obrigada a demonstrar de forma exaustiva a insuficiência dos controlos efetuados pelas autoridades nacionais, mas, pelo contrário, a apresentar elementos de prova da dúvida séria e razoável que sente relativamente a esses controlos ou aos números.

49.

Esta atenuação do ónus da prova para a Comissão explica‑se pelo facto de ser o Estado‑Membro em causa quem está mais bem colocado para recolher e verificar os dados necessários ao apuramento das contas do FEOGA, incumbindo‑lhe, consequentemente, apresentar a prova mais detalhada e completa possível da veracidade dos seus controlos ou dos seus números e, se for caso disso, da inexatidão das afirmações da Comissão ( 30 ). Se o Estado‑Membro não conseguir demonstrar que são inexatas as conclusões da Comissão, estas constituem elementos suscetíveis de fazer surgir dúvidas sérias quanto à existência de um conjunto adequado e eficaz de medidas de vigilância e de controlo ( 31 ).

50.

A Comissão considera que esta observação relativa às possibilidades de efetuar o controlo de que dispõem os Estados‑Membros não implica, de facto, a obrigação de cada Estado‑Membro efetuar esse controlo exaustivo e aprofundado de todas as parcelas que beneficiem de uma ajuda. É ao Estado‑Membro que incumbe provar que uma deficiência no controlo, concretamente demonstrada pela Comissão, não é manifestação de uma deficiência geral, mas que, pelo contrário, constitui um caso único e totalmente isolado.

51.

Por último, no que diz respeito ao momento do controlo, a Comissão recorda que, na maioria dos casos, as circunstâncias que levaram a que superfícies retiradas, reconhecidas pelas autoridades dinamarquesas como elegíveis para uma ajuda, não pudessem ser consideradas elegíveis apenas podiam, tendo em conta a sua natureza, desenvolver‑se durante um longo período. Seria, pois, impossível que as mesmas tivessem surgido imediatamente depois do termo do período de retirada. Na maior parte dos casos, também o momento das visitas de inspeção era destituído de relevância.

52.

Paralelamente, a Comissão salienta que incumbe aos Estados‑Membros velar por que o controlo das superfícies retiradas se efetue antes do termo do período de retirada, e que as omissões não podem ter por consequência agravar o ónus da prova que recai sobre a Comissão.

2. Apreciação

53.

Recordo que a regra relativa à repartição do ónus da prova aplicada pelo Tribunal Geral não é contestada, nem pelos Estados‑Membros, nem pela Comissão. O que é posto em causa, no caso vertente, é a sua aplicação.

54.

Na medida em que o Reino da Dinamarca afirma ter respeitado a obrigação de prova que lhe incumbe, apresentando elementos de facto suficientes suscetíveis de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar as dúvidas suscitadas, há que concluir que a sua argumentação visa levar o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos.

55.

Em contrapartida, no que diz respeito ao nível da prova exigido ao Estado‑Membro em causa ( 32 ), entendido como o grau de exigência aplicado pelo juiz quando examina os elementos de prova que lhe são apresentados, coloca‑se a questão de direito de saber se o Tribunal Geral estabeleceu um nível de prova impossível de atingir pelos Estados‑Membros.

56.

Saliento que o Tribunal Geral declarou que «a Comissão está impossibilitada, por razões práticas evidentes, de proceder a um controlo exaustivo e aprofundado de todas as parcelas em causa em cada Estado‑Membro. Em contrapartida, [...] os Estados‑Membros são os que estão mais bem colocados para efetuar tal controlo» e que «o Reino da Dinamarca se limitou a apresentar elementos de prova relativos às verificações pontuais efetuadas pela Comissão [...] a partir da amostra das parcelas consideradas. Em nenhum momento o mesmo apresentou elementos de prova relativos a todas as parcelas retiradas. Portanto, os referidos elementos não são suficientemente detalhados e completos para demonstrar a veracidade dos seus controlos ou dos seus números e, por isso, não satisfazem o ónus da prova que incumbe aos Estados‑Membros, a título de apuramento das contas do FEOGA» ( 33 ).

57.

Apesar de uma escolha de termos um pouco discutível nos dois números citados, não penso que o Tribunal Geral tivesse esperado que o Estado‑Membro fornecesse elementos de prova relativamente a todas as parcelas retiradas para poder cumprir o nível de prova exigido numa situação em que existe uma dúvida séria e razoável quanto à suficiência dos controlos efetuados. À semelhança da Comissão, penso que uma leitura desses números à luz dos n.os 57 e 58 do acórdão recorrido justifica a interpretação segundo a qual o Tribunal Geral pretende sublinhar que, nos casos em que os controlos por amostragem revelam irregularidades, incumbe ao Estado‑Membro demonstrar que se trata de casos isolados, que não permitem concluir que o sistema nacional de controlo, no seu todo, é insuficiente ou pouco fiável. Esta interpretação é apoiada pelo n.o 167 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral concluiu que «o Reino da Dinamarca não apresentou a prova mais detalhada e completa da veracidade dos seus controlos ou dos seus números e, se for caso disso, da inexatidão das afirmações da Comissão».

58.

No que diz respeito ao momento do controlo, saliento que o Tribunal Geral concluiu que, se o Reino da Dinamarca tivesse implementado, como era obrigado a fazer, ações corretivas antes do termo do período de retirada, nomeadamente mediante a realização de controlos reforçados no campo, teria podido verificar, então, com um grau de certeza mais elevado, a presença ou ausência de molhos de feno ou de resíduos de construção em certas parcelas ( 34 ), e sobretudo, em minha opinião, durante o período de retirada.

59.

Com efeito, as inspeções efetuadas pela Comissão depois do período de retirada conseguiram criar uma dúvida séria e razoável quanto à suficiência dos controlos efetuados pelo Reino da Dinamarca. Quanto a esta questão, quando existe uma dúvida deste tipo, incumbe ao Estado‑Membro em causa fornecer elementos suscetíveis de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar essas dúvidas. Todavia, no caso vertente, o Tribunal Geral concluiu, corretamente, que o Reino da Dinamarca não tinha apresentado nenhum elemento suscetível de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar as referidas dúvidas ( 35 ).

60.

Deve acrescentar‑se que o Tribunal Geral criticou o método utilizado pelas autoridades dinamarquesas, que consistia, no caso de verificação de irregularidades como, por exemplo, o armazenamento de molhos de feno numa parcela, em conceder o benefício da dúvida ao requerente da ajuda, e isto considerando que os referidos molhos não foram armazenados na parcela em causa durante o período de retirada. Segundo o Tribunal Geral, este método não é conforme às regras de controlo que devem ser aplicadas pelos Estados‑Membros para garantir uma boa utilização dos fundos da União, de acordo com as disposições do direito da União aplicáveis em matéria de apuramento das contas do FEOGA. Com efeito, este método aumenta os riscos de desvio dos referidos fundos, uma vez que, em caso de deteção de uma possível irregularidade no decurso de controlos tardios, os referidos serviços dinamarqueses presumiam que a mesma não teria sido verificada durante o período de retirada das parcelas em causa ( 36 ).

61.

Quanto à alegada desvirtuação dos fundamentos invocados pelo Reino da Dinamarca e dos factos, reafirmo o ponto de vista exposto nos n.os [24] e [25] a [27], supra.

62.

Por estas razões, considero que o Tribunal Geral não cometeu erros de direito na aplicação das regras e dos princípios relativos ao ónus e ao nível da prova. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue o terceiro fundamento de recurso improcedente.

E – Quanto aos quarto e quinto fundamentos, relativos aos requisitos de aplicação de correções forfetárias e aos requisitos de aplicação de correções financeiras forfetárias de 5% e de 10%, respetivamente

1. Argumentos das partes

63.

No que diz respeito ao quarto fundamento, o Reino da Dinamarca observa em primeiro lugar que, no n.o 155 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou incorretamente que o Reino da Dinamarca não tinha manifestado nenhuma dúvida quanto ao facto de a escolha de uma correção forfetária estar bem justificada.

64.

Em seguida, quanto à questão de saber se o FEOGA foi exposto a um risco real de perda ou de irregularidade, o Reino da Dinamarca invoca, a esse respeito, um princípio fundamental, a saber, que a taxa de correção deve estar claramente relacionada com a perda provável. Dado que o Tribunal Geral só se pronunciou sobre as pretensas irregularidades respeitantes ao armazenamento de molhos de feno e de resíduos de obras, não se pode considerar que os alegados factos criticados pela Comissão ( 37 ) tenham constituído irregularidades, e ainda menos que tenham exposto o FEOGA a um risco real de perda. As duas anomalias invocadas pelo Tribunal Geral para justificar a sua decisão de considerar fundamentada a decisão impugnada estão longe de poder ser qualificadas de risco real de perda. Portanto, na realidade, o Tribunal Geral desvirtuou completamente o contexto original e o fundamento da referida decisão, e, desse modo, substituiu a fundamentação adotada pela Comissão pela sua própria. Este facto, por si só, justifica a anulação do acórdão recorrido.

65.

No âmbito do quinto fundamento, relativo às condições de aplicação de correções financeiras forfetárias de 5% e de 10%, respetivamente, o Reino da Dinamarca alega que não estão reunidos os requisitos para a aplicação de correções forfetárias desse tipo e que demonstrou que não existiu nenhum risco real de perda para o FEOGA. Além disso, no n.o 158 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reproduziu de forma inexata as alegações do Reino da Dinamarca e dos factos do processo.

66.

Segundo o Reino da Dinamarca, a abordagem adotada pelo Tribunal Geral, que consiste em fazer assentar inteiramente a rejeição da posição do Reino da Dinamarca nas irregularidades mínimas em questão e em não tomar posição sobre os aspetos essenciais nos quais a Comissão se apoiou para adotar a sua decisão, tem por consequência não se poder considerar provado o facto de que os requisitos para a aplicação de correções forfetárias de 5% e de 10%, respetivamente, estão reunidos.

67.

A República Francesa, a República da Finlândia e o Reino da Suécia contestam o direito de aplicar, neste caso, correções financeiras forfetárias, uma vez que não estão preenchidos os requisitos gerais para a sua aplicação. Estes Estados‑Membros intervenientes sustentam, além disso, que a aplicação efetiva de correções financeiras forfetárias é desproporcionada.

68.

Segundo a Comissão, o regime dinamarquês não respeitava todas as exigências previstas no artigo 19.o do Regulamento n.o 2316/1999, dado que não garantia, de forma alguma, a manutenção continuada. Era, pois, necessário, no interesse comum e com vista a proteger os recursos da Comunidade, aplicar uma correção financeira forfetária.

69.

Por essa razão, foi aplicada uma correção financeira às taxas forfetárias de 5% e de 10%, respetivamente, em relação aos anos de 2003, 2004 e 2005, devido a deficiências no controlo da observância das exigências respeitantes às parcelas retiradas.

70.

No caso em apreço, foram aplicadas correções financeiras forfetárias de 2%, 5% e 10%, respetivamente, calculadas sobre uma parte muito reduzida dos fundos do FEOGA distribuídos a agricultores dinamarqueses pelas autoridades dinamarquesas em 2003, em 2004 e em 2005. A Comissão defende que esta aplicação de correções financeiras forfetárias é, ao mesmo tempo, legítima e proporcionada.

2. Apreciação

71.

Antes de mais, deve recordar‑se que o Tribunal Geral não estabeleceu uma obrigação de corte, mas que fundamentou o seu acórdão na conclusão de que a Comissão tinha validamente fundamentado as suas observações numa dúvida séria e razoável quanto à suficiência dos controlos efetuados, sem que o Estado‑Membro tivesse conseguido fornecer elementos suscetíveis de apoiar os seus argumentos destinados a dissipar a referida dúvida. Este raciocínio baseia‑se na verificação de irregularidades não detetadas pelas inspeções nacionais, designadamente, a presença de molhos de feno ou de resíduos de construção em certas parcelas, bem como na aplicação, pelas autoridades dinamarquesas, de um método inadequado.

72.

O Tribunal Geral também aplicou este raciocínio no que diz respeito à aplicação das correções forfetárias e à determinação do seu nível. Assim, no n.o 168 do acórdão recorrido, concluiu que «[r]esulta de todas as considerações anteriores que, por um lado, a Comissão fez prova bastante de um elemento suscetível de justificar a dúvida séria e razoável que sentia em relação aos controlos‑chave relativos às parcelas retiradas realizados pelo Reino da Dinamarca e, por outro, pôde razoavelmente concluir que o risco de perdas para o FEOGA era significativo e, por isso, impor, sem violação do princípio da proporcionalidade, uma correção forfetária no total de 5% ou de 10%».

73.

Como já observei, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora incumba à Comissão provar a existência de uma violação das regras comunitárias, uma vez provada essa violação, compete ao Estado‑Membro demonstrar, sendo caso disso, que a Comissão cometeu um erro relativamente às consequências financeiras que daí advêm ( 38 ). Como a Comissão corretamente recorda, de acordo com o documento n.o VI/5330/97, de 23 de dezembro de 1997 ( 39 ), quando não seja possível avaliar precisamente as perdas sofridas pela Comunidade, pode ser aplicada uma correção forfetária ( 40 ).

74.

A este respeito, saliento que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 41 ), quando a Comissão, em vez de rejeitar a totalidade das despesas afetadas pela infração, se esforçou por aprovar regras destinadas a instituir um tratamento diferenciado dos casos de irregularidades conforme o nível de carência dos controlos e o grau de risco incorrido pelo FEOGA, o Estado‑Membro deve demonstrar que esses critérios são arbitrários e iníquos.

75.

Há que observar que, no caso em apreço, o Reino da Dinamarca não demonstrou que a perda máxima a que o FEOGA fora exposto era inferior ao montante resultante da correção financeira forfetária, mas afirma, de forma reiterada, que a aplicação das correções forfetárias se baseou apenas em irregularidades menores e isoladas. Em meu entender, este argumento visa, na realidade, pôr em causa o método dos controlos por amostragem no contexto do apuramento das contas do FEOGA. Todavia, na falta de uma prova da veracidade dos controlos efetuados pelo Estado‑Membro ou dos números apresentados pelo mesmo e, se for caso disso, da inexatidão das afirmações da Comissão, ou não tendo havido qualquer tentativa de apresentar tal prova, cumpre considerar que as correções financeiras aplicadas constituem um meio apropriado e proporcionado de compensar a perda sofrida pelo FEOGA em consequência das deficiências do sistema de controlo dinamarquês.

76.

Embora o princípio da proporcionalidade, como tal, apenas tenha sido invocado pelo Reino da Dinamarca na audiência, este princípio deve, evidentemente, ser observado quando da aplicação das correções financeiras, para que estas se limitem ao que é efetivamente necessário tendo em conta a gravidade dos incumprimentos detetados ( 42 ).

77.

É jurisprudência constante que, no que respeita ao montante da correção financeira, a Comissão pode recusar‑se a imputar a totalidade das despesas efetuadas ao FEOGA se constatar que não existem mecanismos de controlo suficientes ( 43 ). A fortiori, não é possível afirmar que as correções forfetárias aplicadas pela Comissão devido a deficiências graves dos mecanismos de controlo sejam desproporcionadas. Com efeito, a Comissão está vinculada às orientações que adotou e seguiu‑as corretamente no caso em apreço, como salientou o Tribunal Geral no acórdão recorrido ( 44 ).

78.

No caso em apreço, a importância menor das amostras — ou seja, das parcelas em que foram verificadas irregularidades e com base nas quais foram tiradas conclusões sobre a qualidade dos sistemas de controlo e a extensão das irregularidades — não é suscetível de afetar a importância do incumprimento. O método de controlo por amostragem segue o princípio dito pars pro toto, segundo o qual uma conclusão sobre o todo é tirada das qualidades de partes consideradas representativas. No entanto, a estimativa da extensão quantitativa das irregularidades relativas ao todo deve ser fundamentada, naturalmente, na extrapolação feita a partir dessas amostras, e não na soma das mesmas.

79.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça julgue os quarto e quinto fundamentos improcedentes.

V – Conclusão

80.

Em conclusão, proponho que o Tribunal de Justiça:

negue provimento ao recurso e condene o Reino da Dinamarca nas despesas, e

condene os Estados‑Membros intervenientes a suportar as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão Dinamarca/Comissão (T‑212/09, EU:T:2012:335).

( 3 ) Decisão que exclui do financiamento comunitário determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção Garantia, e do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) (JO L 75, p. 15).

( 4 ) Segundo o artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 2419/2001 da Comissão, de 11 de dezembro de 2001, que estabelece normas de execução do sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitárias, estabelecido pelo Regulamento (CEE) n.o 3508/92 (JO L 327, p. 11), os controlos administrativos e no local serão efetuados de modo a assegurar a verificação eficaz do respeito dos requisitos de concessão das ajudas. O artigo 23.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe, entre outras coisas, que, se um Estado‑Membro decidir controlar por teledeteção, total ou parcialmente, a amostra, as zonas a controlar por teledeteção serão, na medida do possível, selecionadas tendo em conta fatores de risco adequados a determinar pelo Estado‑Membro. Segundo o n.o 2 do referido artigo, os Estados‑Membros realizarão a fotointerpretação de imagens obtidas por satélite ou de fotografias aéreas, com vista a reconhecer o coberto vegetal e medir a superfície de todas as parcelas agrícolas a controlar, bem como o controlo no local de todos os pedidos relativamente aos quais a fotointerpretação não dê à autoridade competente garantias suficientes quanto à exatidão da declaração em causa. O n.o 3 do mesmo artigo prevê que, se um Estado‑Membro recorrer à teledeteção, os controlos suplementares previstos no n.o 2 do artigo 18.o do regulamento serão efetuados sob a forma de controlos no local tradicionais se, durante o ano em curso, já não for possível realizá‑los por teledeteção.

( 5 ) O artigo 19.o, n.os 3 e 4, do Regulamento (CE) n.o 2316/1999 da Comissão, de 22 de outubro de 1999, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1251/1999 do Conselho que institui um sistema de apoio aos produtores de determinadas culturas arvenses (JO L 280, p. 43) dispõem que «[a]s superfícies retiradas não podem ser utilizadas para produções agrícolas que não as referidas no n.o 3 do artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 1251/1999, nem ser objeto de utilizações lucrativas incompatíveis com uma cultura arvense», e que «[o]s Estados‑Membros aplicarão as medidas adequadas que correspondam à situação específica das superfícies retiradas, de modo a garantir a sua manutenção e a proteção do ambiente. Essas medidas podem igualmente dizer respeito a um coberto vegetal; nesse caso, as medidas devem prever que o coberto vegetal não possa ser destinado à produção de sementes e não possa, em caso algum, ser utilizado para fins agrícolas antes de 31 de agosto [de cada ano], nem dar origem, até ao dia 15 de janeiro seguinte, a uma produção vegetal destinada a ser comercializada».

( 6 ) Acórdão Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.os 49 e 50).

( 7 ) Acórdão Polónia/Comissão (C‑335/09 P, EU:C:2012:385, n.o 28).

( 8 ) Faço notar que este conceito não é definido pelas partes.

( 9 ) N.o 44 do acórdão recorrido.

( 10 ) O artigo 22.o, n.o 1 dispõe: «A determinação das superfícies das parcelas agrícolas será efetuada por qualquer meio apropriado, estabelecido pela autoridade competente, que garanta um rigor de medição pelo menos equivalente ao exigido pela regulamentação nacional no que respeita às medições oficiais. A autoridade competente fixará uma margem de tolerância, tendo em conta o método de medição utilizado, a precisão dos documentos oficiais disponíveis, os fatores locais (como o declive e a forma das parcelas) e o disposto no n.o 2.»

( 11 ) N.o 41 do acórdão recorrido.

( 12 ) N.o 49 do acórdão recorrido.

( 13 ) N.o 51 do acórdão recorrido.

( 14 ) N.o 52 do acórdão recorrido.

( 15 ) Acórdãos Komninou e o./Comissão (C‑167/06 P, EU:C:2007:633, n.o 22 e jurisprudência referida), e FIAMM e o./Conselho e Comissão. (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 96 e jurisprudência referida).

( 16 ) Acórdão Itália/Comissão (C‑587/12 P, EU:C:2013:721, n.o 31).

( 17 ) Acórdãos Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão (C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 32), e Grécia/Comissão (C‑547/12 P, EU:C:2013:713, n.o 12). V., também, as minhas conclusões no processo França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2013:766, n.o 78).

( 18 ) No n.o 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, desde fevereiro de 2002, a Comissão tinha informado o Reino da Dinamarca das suas dúvidas quanto à qualidade dos controlos por teledeteção efetuados desde a campanha de 2000.

( 19 ) N.os 91 a 93 do acórdão recorrido.

( 20 ) N.o 85 do acórdão recorrido.

( 21 ) N.o 86 do acórdão recorrido.

( 22 ) N.o 94 do acórdão recorrido.

( 23 ) N.o 103 do acórdão recorrido.

( 24 ) N.o 104 do acórdão recorrido.

( 25 ) N.o 104 do acórdão recorrido.

( 26 ) Acórdão Grécia/Comissão (C‑321/09 P, EU:C:2011:218, n.o 61 e jurisprudência referida).

( 27 ) N.o 107 do acórdão recorrido.

( 28 ) N.os 57, 105 e 106 do acórdão recorrido.

( 29 ) N.o 123 do acórdão recorrido.

( 30 ) Acórdãos Alemanha/Comissão (C‑344/01, EU:C:2004:121, n.o 58 e jurisprudência referida), e Grécia/Comissão (C‑300/02, EU:C:2005:103, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 31 ) Acórdão Grécia/Comissão (EU:C:2005:103, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 32 ) No n.o 74 e na nota 64 das suas conclusões no processo Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, EU:C:2009:262), a advogada‑geral J. Kokott explicou a necessidade de distinguir entre o ónus da prova e o nível da prova. V., também, as minhas conclusões no processo França/Comissão (EU:C:2013:766, n.o 34).

( 33 ) N.os 161 e 162 do acórdão recorrido (o sublinhado é meu).

( 34 ) N.o 120 do acórdão recorrido.

( 35 ) N.o 123 do acórdão recorrido.

( 36 ) N.os 121 e 122 do acórdão recorrido.

( 37 ) No que diz respeito ao coberto vegetal, à obrigação de manutenção, à caça aos prémios, aos terrenos húmidos, etc.

( 38 ) Acórdãos Grécia/Comissão (C‑5/03, EU:C:2005:426, n.o 38 e jurisprudência referida), e Bélgica/Comissão (C‑418/06 P, EU:C:2008:247, n.o 135).

( 39 ) Documento da Comissão intitulado «Orientações quanto ao cálculo das consequências financeiras aquando da preparação da decisão de apuramento das contas do FEOGA‑Garantia», referido no n.o 151 do acórdão recorrido.

( 40 ) Acórdãos Reino Unido/Comissão (C‑346/00, EU:C:2003:474, n.o 53), e Bélgica/Comissão (EU:C:2008:247, n.o 136).

( 41 ) Acórdãos Países Baixos/Comissão (C‑28/94, EU:C:1999:191, n.o 56), Espanha/Comissão (C‑130/99, EU:C:2002:192, n.o 44), Itália/Comissão (C‑242/96, EU:C:1998:452, n.o 75), e Bélgica/Comissão (EU:C:2008:247, n.o 138).

( 42 ) V., a este respeito, n.o 148 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral recorda que «[s]egundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade impõe que os atos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objetivo pretendido». Acórdãos Denkavit Nederland (15/83, EU:C:1984:183, n.o 25), e Air Inter/Comissão (T‑260/94, EU:T:1997:89, n.o 144).

( 43 ) Acórdão Espanha/Comissão (C‑349/97, EU:C:2003:251, n.o 273).

( 44 ) N.os 152 a 158 do acórdão recorrido.

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