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Document 62012CC0391

    Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet apresentadas em 11 de julho de 2013.
    RLvS Verlagsgesellschaft mbH contra Stuttgarter Wochenblatt GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
    Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais — Âmbito de aplicação ratione personae — Omissões enganosas em publirreportagens — Regulamentação de um Estado‑Membro que proíbe qualquer publicação a título oneroso sem a menção ‘anúncio’ (‘Anzeige’) — Harmonização completa — Medidas mais restritivas — Liberdade de imprensa.
    Processo C‑391/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:468

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MELCHIOR WATHELET

    apresentadas em 11 de julho de 2013 ( 1 )

    Processo C‑391/12

    RLvS Verlagsgesellschaft mbH

    contra

    Stuttgarter Wochenblatt GmbH

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

    «Defesa dos consumidores — Práticas comerciais desleais — Omissões enganosas nas publirreportagens — Regulamentação de um Estado‑Membro que proíbe qualquer publicação a título oneroso sem a menção ‘anúncio’ (‘Anzeige’)»

    I — Introdução

    1.

    Com o seu pedido de decisão prejudicial, o Bundesgerichtshof (Alemanha) questiona o Tribunal de Justiça quanto à interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2005/29/CE ( 2 ) e do ponto 11 do seu anexo I.

    2.

    O referido pedido foi submetido ao Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2012, no âmbito de um litígio que opõe a RLvS Verlagesgesellschaft mbH (a seguir «RLvS») à Stuttgarter Wochenblatt GmbH (a seguir «Stuttgarter Wochenblatt»), a respeito da possibilidade de proibir, com fundamento no § 10 da lei de imprensa do Land Baden‑Württemberg (Landespressegesetz Baden‑Württemberg, de 14 de janeiro de 1964, a seguir «lei de imprensa do Land»), que a RLvS inclua ou permita que sejam incluídas num jornal, a título oneroso, publicações que não contenham a menção «anúncio» («Anzeige»).

    3.

    Com esta questão, é pedido ao Tribunal de Justiça que se pronuncie quanto ao alcance da harmonização realizada pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais e quanto à possibilidade de os Estados‑Membros adotarem medidas mais restritivas do que as previstas no direito da União, quando pretendem assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores ou prosseguir outro objetivo de interesse geral, por exemplo, a proteção de um direito fundamental. No caso em apreço, segundo o Governo alemão, está em causa a proteção da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social (consagrados no artigo 11.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).

    II — Quadro jurídico

    A — Direito da União

    4.

    Segundo o artigo 2.o, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, entende‑se por «[p]ráticas comerciais das empresas face aos consumidores», «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores».

    5.

    De acordo com o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, esta «é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto». Todavia, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, desta diretiva, «[p]or um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força da presente diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a presente diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima. Estas medidas devem ser fundamentais para garantir que os consumidores sejam suficientemente protegidos contra as práticas comerciais desleais e devem ser proporcionais ao objetivo perseguido. A revisão referida no artigo 18.o poderá, caso seja adequado, incluir uma proposta no sentido de prolongar a presente derrogação durante um novo período limitado».

    6.

    O artigo 3.o, n.o 8, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, por seu lado, prevê outra derrogação, ao precisar que esta diretiva «não prejudica quaisquer condições de estabelecimento ou de regimes de autorização, ou os códigos de conduta deontológicos ou outras normas específicas que regem as profissões regulamentadas destinados a preservar elevados padrões de integridade por parte do profissional, que os Estados‑Membros podem, em conformidade com o direito comunitário, impor aos profissionais».

    7.

    O artigo 4.o da referida diretiva, por seu lado, dispõe que: «[o]s Estados‑Membros não podem restringir a livre prestação de serviços nem a livre circulação de mercadorias por razões ligadas ao domínio que é objeto de aproximação por força da presente diretiva».

    8.

    O artigo 5.o da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, intitulado «Proibição de práticas comerciais desleais», prevê:

    «1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

    2.   Uma prática comercial é desleal se:

    a)

    For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

    e

    b)

    Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

    [...]

    5.   O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados‑Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva».

    9.

    O artigo 7.o da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, intitulado «Omissões enganosas», dispõe nos seus n.os 1 e 2 :

    «1.   Uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

    2.   Também é considerada uma omissão enganosa a prática comercial em que o profissional, tendo em conta os aspetos descritos no n.o 1, oculte a informação substancial referida no mesmo número ou a apresente de modo pouco claro, ininteligível, ambíguo ou tardio, ou quando não refira a intenção comercial da prática em questão, se esta não se puder depreender do contexto e, em qualquer dos casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo».

    10.

    O anexo I da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, intitulado «Práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias», menciona no seu ponto 11, como «Práticas comerciais enganosas», o facto de «[u]tilizar um conteúdo editado nos meios de comunicação social para promover um produto, tendo sido o próprio profissional a financiar essa promoção, sem que tal seja indicado claramente no conteúdo ou através de imagens ou sons que o consumidor possa identificar claramente (publirreportagem). Esta disposição não prejudica a Diretiva 89/552/CEE ( 3 )».

    B — Direito alemão

    11.

    O § 10 da lei de imprensa do Land dispõe:

    «Identificação das publicações a título oneroso

    Qualquer editor de um periódico, ou o seu responsável (nos termos do § 8, n.o 2, quarto período), que receba ou peça uma retribuição como contrapartida de uma publicação, ou receba a garantia de tal retribuição, é obrigado a identificar claramente essa publicação através da menção ‘anúncio’, na medida em que o posicionamento e a configuração dessa publicação não permitam reconhecer desde logo, de modo geral, a sua natureza publicitária».

    12.

    O § 3 da lei federal alemã contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb) dispõe:

    «§ 3

    Proibição das práticas comerciais desleais

    (1)   São ilícitas as práticas comerciais desleais, que são suscetíveis de afetar sensivelmente os interesses dos concorrentes, dos consumidores ou de outros intervenientes no mercado.

    (2)   São ilícitas, em qualquer caso, as práticas comerciais relativamente aos consumidores, sempre que não respondam à diligência profissional a que o operador está obrigado e que, sendo suscetíveis de prejudicar sensivelmente a capacidade do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, o conduzam a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo. Deve ser tomado como referência o consumidor médio ou, quando uma prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores, o membro médio desse grupo […]

    (3)   São sempre ilícitas as práticas comerciais relativamente aos consumidores referidas no anexo da presente lei.»

    Nos termos do § 4, n.os 3 e 11, da lei federal contra a concorrência desleal, «[a]tua de forma desleal, em especial, todo aquele que [...] oculte o caráter publicitário de práticas comerciais ou [...] viole uma disposição legal igualmente destinada a regular o comportamento no mercado, no interesse dos intervenientes no mesmo».

    13.

    O ponto 11 do anexo relativo ao § 3, n.o 3, da lei federal contra a concorrência desleal indica que, nos termos desse artigo, é considerada ilícita «a utilização de um conteúdo editado para promover um produto, financiada por um operador, sem que essa relação se possa depreender claramente do conteúdo ou da apresentação visual ou sonora (publirreportagem)».

    III — Quadro factual do litígio no processo principal e questão prejudicial

    14.

    A Stuttgarter Wochenblatt publica um semanário com o mesmo nome, enquanto a RLvS, com sede em Estugarda (Alemanha), é editora do jornal de pequenos anúncios GOOD NEWS. Na edição de junho de 2009, esta última publicou dois artigos em contrapartida de um patrocínio financeiro.

    15.

    O primeiro destes dois artigos, publicado numa determinada página, na rubrica «GOOD NEWS Prominent», ocupa três quartos da página e tem por título «VfB Vip‑Geflüster» (rumores sobre grandes individualidades no VfB). Este artigo, acompanhado de fotografias, era uma reportagem sobre personalidades presentes no último jogo da temporada, jogado pelo clube VfB Stuttgart, no âmbito do campeonato alemão de futebol. Entre o título, que inclui também uma curta introdução, e o corpo do artigo acompanhado por 19 fotografias, é indicado que o artigo foi financiado por terceiros. Com efeito, pode ler‑se a menção «Sponsored by» (patrocinado por), seguida do nome da empresa Scharr, posto graficamente em destaque. O último quarto da página, situado por baixo do referido artigo, é ocupado por publicidade assinalada pela menção «Anzeige» (anúncio) e que é separada do artigo por um traço. Esta publicidade informa que começaram as obras de remodelação no estádio Mercedez Benz Arena e inclui a promoção do produto «Scharr Bio Heizöl», comercializado pelo patrocinador do artigo.

    16.

    O outro artigo publicado noutra página do jornal, na rubrica «GOOD NEWS Wunderschön», faz parte de uma série de artigos intitulada «Wohin Stuttgarter Verreisen» (Para onde viajam os habitantes de Estugarda) e tem por subtítulo «Heute: Leipzig» (Hoje: Leipzig). Este artigo, que ocupa sete oitavos da página, consiste na apresentação de uma breve panorâmica da cidade de Leipzig (Alemanha). O título deste artigo é igualmente acompanhado pela menção «Sponsored by», seguida do nome da empresa que financiou o artigo, neste caso, a Germanwings, posto graficamente em destaque. Além disso, o canto inferior direito da página é ocupado por uma publicidade à Germanwings, também ela separada do artigo por um traço e assinalada pela menção «Anzeige». Esta publicidade lança um concurso através do qual os participantes podiam ganhar, nomeadamente, dois bilhetes de avião para Leipzig, se respondessem corretamente a uma pergunta relacionada com a frequência das ligações aéreas entre as cidades de Estugarda e de Leipzig operadas pelo patrocinador.

    17.

    A Stuttgarter Wochenblatt considera que, uma vez que as duas publicações em causa foram financiadas por patrocinadores, se trata de publicações a título oneroso na aceção do § 10 da lei de imprensa do Land e que, consequentemente, violam este artigo, na medida em que a sua natureza publicitária não é claramente indicada.

    18.

    Chamado a decidir em primeira instância a pedido da Stuttgarter Wochenblatt, o Landgericht julgou procedente a ação, tendo proibido que a RLvS publicasse ou permitisse a publicação a título oneroso no jornal GOOD NEWS de publicações que não contivessem a menção «anúncio», à semelhança dos dois artigos acima mencionados da edição de junho de 2009, cuja natureza publicitária não se depreende, de modo geral, do posicionamento e da configuração dos mesmos. A RLvS interpôs recurso desta decisão, mas foi vencida.

    19.

    No âmbito do recurso de «Revision» que interpôs no órgão jurisdicional de reenvio, a RLvS mantém o seu pedido de indeferimento da ação. Alega que o § 10 da lei de imprensa do Land viola o direito da União e, por conseguinte, não é aplicável.

    20.

    O Bundesgerichtshof questiona‑se quanto à questão de saber se a aplicação plena e integral do § 10 da lei de imprensa do Land, no contexto do § 4, ponto 11, da Lei federal contra a concorrência desleal, é conforme com o direito da União, tendo presente, em particular, a harmonização plena das disposições relativas às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores operada pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

    21.

    Na medida em que, no processo principal, as duas instâncias anteriores julgaram procedente a ação da Stuttgarter Wochenblatt, com fundamento no § 4, n.o 11, da lei federal contra a concorrência desleal, e no § 10 da lei de imprensa do Land, o Bundesgerichtshof pretende deixar em suspenso a questão de saber se, além disso, as publicações controvertidas violam o § 3, n.o 3, da Lei federal contra a concorrência desleal, em conjugação com o ponto 11 do anexo relativo a este artigo, bem como o § 4, n.o 3, da lei federal contra a concorrência desleal, disposições estas que correspondem, no essencial, ao artigo 5.o, n.o 5, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, em conjugação com o ponto 11 do anexo I e o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva.

    22.

    O Bundesgerichtshof especifica os dois objetivos prosseguidos pelo § 10 da lei de imprensa do Land, que regula o comportamento dos operadores no mercado, na aceção do § 4, n.o 11, da lei federal contra a concorrência desleal e que encontra consagração, em termos muito semelhantes, em quase todas as leis de imprensa ou da comunicação social dos Länder alemães. Por um lado, pretende‑se evitar que os leitores de um jornal sejam induzidos em erro, uma vez que, na verdade, os consumidores são frequentemente menos críticos em relação a medidas publicitárias apresentadas sob a forma de conteúdos editados do que em relação a publicidade comercial reconhecível como tal. Por outro, a obrigação de separar a publicidade dos conteúdos editados visa garantir a objetividade e a neutralidade da imprensa, evitando o perigo de uma influência exterior sobre a imprensa, inclusive fora do circuito comercial. Esta obrigação de separação, prevista no direito de imprensa e dos meios de comunicação social, tem como função essencial proteger a objetividade e a neutralidade da imprensa e do audiovisual, na medida em que tal função não pode ser assegurada pela mera proibição da publicidade através de conteúdos editados no quadro das regras em matéria de concorrência desleal.

    23.

    Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 7.o, n.o 2, e o ponto 11 do anexo I, em conjugação com o artigo 4.o e o artigo 3.o, n.o 5, da diretiva [relativa às práticas comerciais desleais], opõem‑se à aplicação de uma disposição nacional [no caso em apreço, o § 10 da lei de imprensa do Land Baden‑Württemberg (Landespressegesetz Baden‑Württemberg)] que, além de ter como objetivo evitar que os consumidores sejam induzidos em erro, visa também a proteção da independência da imprensa, e que, contrariamente ao artigo 7.o, n.o 2, e ao ponto 11 do anexo I da diretiva [relativa às práticas comerciais desleais], proíbe qualquer publicação remunerada, independentemente do objetivo por ela prosseguido, se essa publicação não for identificada através da menção ‘Anzeige’ (‘anúncio’), a menos que resulte desde logo do posicionamento e da configuração dessa publicação que se trata de um anúncio?»

    IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    24.

    O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2012. Foram apresentadas observações escritas pela Stuttgarter Wochenblatt, pelos Governos alemão, checo e polaco, bem como pela Comissão. Compareceram na audiência, realizada em 12 de junho de 2013, os representantes da RlvS e da Stuttgarter Wochenblatt, do Governo alemão e da Comissão.

    V — Análise

    A — Âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais

    25.

    Para responder à questão submetida, há que determinar, antes de mais, se as práticas que são objeto da regulamentação em causa no processo principal, que consistem na edição de publicações mediante retribuição, constituem práticas comerciais, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, e se, consequentemente, estão sujeitas às regras estabelecidas na mesma.

    26.

    O referido artigo 2.o, alínea d), define «[p]ráticas comerciais das empresas face aos consumidores» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores».

    27.

    O § 10 da lei de imprensa do Land, por seu lado, não faz alusão a qualquer comportamento económico ou comercial, seja por parte daquele que assegura a publicação, seja por parte do leitor. O § 10 dessa lei é aplicável a qualquer comunicação, independentemente de a mesma ser de natureza comercial ou não.

    28.

    Dito isto, segundo jurisprudência assente, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais caracteriza‑se por ter um âmbito de aplicação material particularmente amplo ( 4 ). De acordo com a letra do considerando 6 e em conformidade com o espírito do considerando 8 desta diretiva, «[a]ssim, só ficam excluídas do referido âmbito de aplicação, [...] as legislações nacionais relativas a práticas comerciais desleais que prejudiquem ‘apenas’ [, ou seja, exclusivamente,] [ ( 5 )] os interesses económicos de concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais» ( 6 ).

    29.

    Noutros termos, para ser abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, a disposição de direito nacional controvertida deve ter por objetivo a proteção dos consumidores ( 7 ). Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, «[e]sta disposição do § 10 da lei de imprensa [do Land], que encontra consagração, em termos muito semelhantes, em quase todas as leis de imprensa ou da comunicação social dos Länder alemães, constitui uma regra destinada a regular o comportamento do mercado, na aceção do § 4, n.o 11, da lei [federal] [contra a concorrência desleal]. A referida disposição legal prossegue dois objetivos de igual relevância: por um lado, pretende evitar que os leitores sejam induzidos em erro, uma vez que os consumidores são frequentemente menos críticos em relação a medidas publicitárias camufladas de conteúdos editados do que em relação a publicidade comercial reconhecível como tal. […] Por outro lado, a regra da separação entre publicidade e parte editada serve ainda o propósito da manutenção da objetividade e da neutralidade da imprensa» ( 8 ).

    30.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o § 10 da lei de imprensa do Land tem, portanto, o duplo objetivo de garantir a objetividade e a neutralidade da imprensa e de proteger os consumidores ( 9 ).

    31.

    Por seu lado, o Governo alemão contesta o facto de que o § 10, e de um modo mais geral toda a lei de imprensa do Land, regule a proteção dos consumidores. Segundo os termos utilizados pelo Governo alemão nas suas observações escritas, e reiterados na audiência de 12 de junho de 2013, se o § 10 da lei de imprensa do Land visa afinal a proteção dos consumidores, só o faz por «efeito reflexo», que obriga a separar o conteúdo editado do conteúdo publicitário.

    32.

    No entanto, deve recordar‑se que não compete ao Tribunal de Justiça interpretar o direito nacional. Incumbe‑lhe proceder a uma apreciação com base no contexto factual e regulamentar no qual se insere a questão prejudicial, conforme definido pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 10 ). Além disso, no que se refere especificamente à própria diretiva relativa às práticas comerciais desleais, o Tribunal de Justiça recordou expressamente que é ao órgão jurisdicional de reenvio, e não ao Tribunal de Justiça, que competia «determinar se a disposição nacional em causa no processo principal prossegue efetivamente finalidades relacionadas com a proteção dos consumidores, a fim de verificar se tal disposição é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais» ( 11 ).

    33.

    Por conseguinte, na medida em que, segundo o Bundesgerichtshof, a disposição controvertida em causa no processo principal visa, pelo menos parcialmente, proteger os consumidores, considero que esta é abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

    34.

    Todavia, como já salientei, o § 10 da lei de imprensa do Land não faz alusão a qualquer comportamento económico, seja por parte daquele que assegura a publicação, seja por parte do leitor. Como esta disposição é aplicável a qualquer comunicação, independentemente de esta ser de natureza comercial ou não, entendo que é necessário estabelecer uma distinção.

    35.

    Com efeito, ao contrário do artigo 7.o, n.o 2, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, a lei de imprensa do Land não pressupõe que a publicação seja efetuada com uma intenção comercial, nem que seja suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação, na aceção do referido artigo 7.o. Do mesmo modo, a publicação não tem necessariamente de promover um produto, ao contrário do que é exigido no ponto 11 do anexo I desta diretiva, em conjugação com o artigo 5.o, n.o 5, desta.

    36.

    A este respeito, partilho da opinião da Comissão, quando faz notar que, por força do seu artigo 3.o, n.o 1, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais só é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o. Isto significa que a prática comercial só será desleal quando distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial, em relação ao produto em causa, o comportamento económico do consumidor médio que afeta ou a que se destina.

    37.

    Na medida em que o § 10 da lei de imprensa do Land não pressupõe que a publicação seja efetuada com uma intenção comercial, nem que seja suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação, na aceção do artigo 5.o da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, este visa factos que não são abrangidos sistematicamente pelo âmbito de aplicação material desta diretiva. É o caso, por exemplo, das publicações financiadas por partidos políticos, por associações que prosseguem fins de interesse geral e por outras organizações similares, que não têm fim comercial. A referida diretiva não é aplicável a estas hipóteses e, portanto, o legislador nacional conserva a sua liberdade de ação no que respeita às mesmas.

    B — Alcance da harmonização realizada pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais

    38.

    Como o órgão jurisdicional de reenvio salienta pertinentemente, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais realizou uma harmonização completa das regras relativas às práticas comerciais. Por força do artigo 4.o desta diretiva, os Estados‑Membros não podem adotar medidas mais restritivas do que as definidas pela referida diretiva, mesmo que o seu objetivo seja assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores ( 12 ).

    39.

    A respeito das práticas em causa no processo submetido à apreciação do Tribunal de Justiça, o legislador da União considerou que uma publirreportagem não era qualificada de prática desleal, na aceção da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, se o financiamento particular desse tipo de publicação estivesse indicado claramente no seu conteúdo ou através de imagens ou de sons que o consumidor pudesse identificar claramente ( 13 ). Por seu lado, o § 10 da lei de imprensa do Land impõe que qualquer editor de periódicos que receba ou peça uma retribuição como contrapartida de uma publicação (ou receba a garantia de tal retribuição) identifique claramente essa publicação através da menção «anúncio» (salvo se o posicionamento e a configuração da publicação em causa permitirem reconhecer desde logo, de modo geral, a sua natureza publicitária).

    40.

    Desta comparação resulta que, onde o legislador da União não impõe qualquer menção específica, a disposição do Land alemão exige, em princípio, a utilização precisa do termo «anúncio». A possibilidade de a omitir em determinados casos — ou seja, quando o posicionamento e a configuração da publicação permitem reconhecer, de modo geral, a sua natureza publicitária — não tem incidência sobre o facto de esta disposição regular a ação dos editores de forma mais rigorosa e, portanto, mais restritiva, do que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais. Com efeito, de acordo com o ponto 11 do anexo I desta diretiva, uma publirreportagem só constitui uma prática comercial desleal no caso de o profissional que financiou a publicação não o ter indicado no conteúdo ou através de imagens ou de sons que o consumidor possa identificar claramente. Parece‑me que esta limitação abrange a mesma situação visada pelo § 10 da lei de imprensa do Land.

    41.

    O facto de a medida em causa no processo principal ter por fundamento igualmente a preocupação de garantir a objetividade e a neutralidade da imprensa também não me parece suscetível de alterar o raciocínio e a sua conclusão.

    42.

    O Tribunal de Justiça reconheceu, na verdade, que o pluralismo da imprensa podia constituir uma exigência imperativa, nos termos do artigo 36.o TFUE, suscetível de justificar uma restrição à livre circulação das mercadorias ( 14 ). Contudo, este Tribunal também precisou que, «admitindo que a disposição nacional em causa no processo principal prossegue essencialmente a preservação do pluralismo dos meios de comunicação social escrita [...], importa observar que a possibilidade de os Estados‑Membros manterem ou instituírem no seu território medidas que têm por objeto ou por efeito qualificar as práticas comerciais de desleais por motivos relacionados com a preservação do pluralismo dos meios de comunicação social escrita não figura entre as derrogações ao âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais enunciadas no [6 e 9] considerandos e no artigo 3.o desta mesma diretiva» ( 15 ).

    43.

    Afigura‑se‑me que esta conclusão se impõe, tanto mais que, ao estabelecer uma menção obrigatória que o ponto 11 do anexo I da diretiva relativa às práticas comerciais desleais não prevê, o legislador nacional altera de certa forma a lista das práticas que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, o que lhe está proibido. Com efeito, de acordo com o artigo 5.o, n.o 5, desta diretiva, a lista das práticas comerciais previstas no referido anexo I só pode ser alterada mediante revisão da própria diretiva. Noutros termos, a própria diretiva proíbe expressamente a ampliação unilateral da lista do seu anexo I pelos Estados‑Membros ( 16 ).

    44.

    A diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve pois ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, na medida em que seja aplicável a publicações que constituem práticas comerciais desleais, na aceção do artigo 5.o da referida diretiva.

    C — Incidência do artigo 3.o, n.o 5, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais

    45.

    Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio evoca igualmente o artigo 3.o, n.o 5, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, segundo o qual «[p]or um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força da presente diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a presente diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima. Estas medidas devem ser fundamentais para garantir que os consumidores sejam suficientemente protegidos contra as práticas comerciais desleais e devem ser proporcionais ao objetivo perseguido [...]»

    46.

    Esta disposição não seria aplicável, pelo menos até 12 de junho de 2013, ao § 10 da lei de imprensa do Land? Penso que não.

    47.

    Como salienta a advogada‑geral Trstenjak nas suas conclusões no processo Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referidas, o artigo 3.o, n.o 5, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais limita esta exceção às disposições nacionais que «apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima» ( 17 ).

    48.

    A este respeito, na audiência, todas as partes confirmaram que a lei do Land em causa no processo principal não visava transpor qualquer diretiva, o que exclui a aplicação do referido artigo 3.o, n.o 5.

    49.

    Pela minha parte, acrescento que o § 10 da lei de imprensa do Land, embora não vise transpor qualquer das disposições da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, diz respeito, no entanto, a um domínio — a publirreportagem — que é regulado pelo ponto 11 do anexo I dessa diretiva. Por conseguinte, parece‑me que este domínio está sujeito à harmonização completa realizada pela diretiva e, portanto, excluído, por esse motivo também, do âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 5, da mesma diretiva.

    D — Incidência do artigo 3.o, n.o 8, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais

    50.

    O Governo polaco, nas suas observações, evoca a possibilidade de as disposições da lei de imprensa do Land serem consideradas regras que os Estados‑Membros podem impor aos profissionais, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 8, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, para garantir que estes preservem elevados padrões de integridade.

    51.

    Na audiência, quando questionadas a este respeito pela juíza‑relatora, todas as partes presentes consideraram que o artigo 3.o, n.o 8, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais não era aplicável aos jornalistas. Entendo, igualmente, que a disposição controvertida não pode ser considerada uma norma específica que rege uma profissão regulamentada, na aceção do artigo 2.o, alínea l), desta diretiva.

    VI — Conclusão

    52.

    Tendo em conta o conjunto das considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Bundesgerichtshof do seguinte modo:

    A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que, na medida em que é aplicável a publicações que constituem práticas comerciais desleais, na aceção do artigo 5.o desta diretiva, impõe que qualquer editor de periódicos que receba ou peça uma retribuição como contrapartida de uma publicação comercial, ou receba a garantia de tal retribuição, identifique claramente essa publicação através da menção «anúncio», na medida em que o posicionamento e a configuração dessa publicação não permitam reconhecer desde logo, de modo geral, a sua natureza publicitária, e que, não só visa proteger os consumidores, mas prossegue igualmente outros objetivos.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22).

    ( 3 ) Diretiva do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23).

    ( 4 ) V., neste sentido, acórdãos de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft (C-304/08, Colet., p. I-217, n.o 39), e de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (C-540/08, Colet., p. I-10909, n.o 21).

    ( 5 ) V., neste sentido, o n.o 47 das conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo em que foi proferido o acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido.

    ( 6 ) Acórdãos, já referidos, Plus Warenhandelsgesellschaft, n.o 39, e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, n.o 21.

    ( 7 ) V., neste sentido, conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 42.

    ( 8 ) N.o 10 da decisão de reenvio.

    ( 9 ) Ibidem, n.o 14.

    ( 10 ) V., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia (C-347/06, Colet., p. I-5641, n.o 28).

    ( 11 ) Despacho do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2011, Wamo (C-288/10, Colet., p. I-5835, n.o 28).

    ( 12 ) V., neste sentido, acórdãos de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C-261/07 e C-299/07, Colet., p. I-2949, n.o 52); Plus Warenhandelsgesellschaft, já referido, n.o 41, e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 30.

    ( 13 ) Ponto 11 do anexo I da referida diretiva.

    ( 14 ) V., neste sentido, acórdão de 26 de junho de 1997, Familiapress (C-368/95, Colet., p. I-3689, n.o 18).

    ( 15 ) V. acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 26.

    ( 16 ) V., neste sentido, conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 115.

    ( 17 ) V., neste sentido, e para exemplos de diretivas que contêm cláusulas de harmonização mínima, na aceção do artigo 3.o, n.o 5, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, as conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referidas, n.o 64 e nota 44.

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