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Document 62012CC0295

Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet apresentadas em 26 de setembro de 2013.
Telefónica SA e Telefónica de España SAU contra Comissão Europeia.
Artigo 102.° TFUE – Abuso de posição dominante – Mercados espanhóis de acesso à Internet de banda larga – Compressão das margens – Artigo 263.° TFUE – Fiscalização da legalidade – Artigo 261.° TFUE – Competência de plena jurisdição – Artigo 47.° da Carta – Princípio da proteção jurisdicional efetiva – Fiscalização de plena jurisdição – Montante da coima – Princípio da proporcionalidade – Princípio da não discriminação.
Processo C‑295/12 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:619

Conclusões do Advogado-Geral

Conclusões do Advogado-Geral

1. O presente caso tem como objeto um recurso interposto pela Telefónica SA (a seguir «Telefónica») e pela Telefónica de España SAU (a seguir «Telefónica de España») contra o acórdão do Tribunal Geral (2), através do qual este negou provimento ao recurso em que estas pediam a anulação da Decisão C(2007) 3196 final da Comissão (3), bem como ao pedido subsidiário das recorrentes, de anulação ou redução do montante da coima que lhes foi aplicada.

I – Factos na origem do litígio

2. O Tribunal Geral resumiu os antecedentes do litígio nos n. os  3 a 29 do acórdão recorrido, da forma seguinte:

«3 Em 11 de julho de 2003, a Wanadoo España SL (atual France Telecom España SA) (a seguir ‘France Telecom’) apresentou uma denúncia à Comissão […], alegando que a margem entre os preços grossistas que as filiais da Telefónica aplicavam aos seus concorrentes para o fornecimento grossista de acesso à banda larga em Espanha e os preços de retalho que cobravam aos utilizadores finais não era suficiente para os concorrentes da Telefónica poderem fazer‑lhe concorrência […].

[…]

6 Em 4 de julho de 2007, a Comissão adotou a decisão impugnada, que é o objeto do presente recurso.

7 Em primeiro lugar, na decisão impugnada, a Comissão identificou três mercados de produtos em causa, ou seja, um mercado de retalho de alta velocidade e dois mercados grossistas de alta velocidade […].

[…]

15 Os mercados geográficos relevantes grossistas e retalhistas são, segundo a decisão impugnada, de dimensão nacional (território espanhol) […].

16 Em segundo lugar, a Comissão concluiu que a Telefónica ocupava uma posição dominante nos dois mercados grossistas em causa […]. Assim, durante o período de referência, a Telefónica detinha o monopólio do fornecimento do produto grossista regional e mais de 84% do mercado do produto grossista […]. Segundo a decisão impugnada […], a Telefónica estava igualmente em posição dominante no mercado retalhista.

17 Em terceiro lugar, a Comissão examinou se a Telefónica tinha abusado da sua posição dominante nos mercados em causa […]. A este respeito, a Comissão considerou que a Telefónica tinha violado o artigo 82.° CE ao impor aos seus concorrentes preços não equitativos sob a forma de uma compressão tarifária das margens entre os preços de acesso à Internet de alta velocidade a retalho no mercado «grande público» espanhol e os preços de acesso à Internet de alta velocidade por grosso a nível regional e nacional, durante o período compreendido entre setembro de 2001 e dezembro de 2006 […].

[…]

25 Para efeitos do cálculo do montante da coima, a Comissão, na decisão impugnada, aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 [(4) ] e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «Orientações de 1998»).

26 Em primeiro lugar, a Comissão apreciou a gravidade e o impacto da infração bem como a dimensão do mercado geográfico em causa. Antes de mais, no que diz respeito à gravidade da infração, considerou que se tratava de um abuso caracterizado por parte de uma empresa detentora de uma posição virtualmente monopolista, devendo ser qualificada de «muito grave», à luz das Orientações de 1998 […]. Nos considerandos 744 a 750 da decisão impugnada, a Comissão distingue nomeadamente o presente processo da […] decisão [Deutsche Telekom (5) ], na qual o abuso da Deutsche Telekom que consistia também numa compressão das margens [(«margin squeeze») (6) ] não tinha sido qualificado de «muito grave», na aceção das Orientações de 1998. Em seguida, no que respeita ao impacto da infração em causa, a Comissão teve em conta o facto de os contratos em questão terem um valor económico considerável, de desempenharem um papel crucial na organização da sociedade da informação e de o impacto do abuso da Telefónica no mercado a retalho ter sido significativo […]. Por último, quanto à dimensão do mercado geográfico em causa, a Comissão referiu que o mercado espanhol da alta velocidade era o quinto maior mercado nacional da alta velocidade na União Europeia e que, embora os casos de compressão tarifária das margens estivessem necessariamente circunscritos a um único Estado‑Membro, impediam os operadores provenientes de outros Estados‑Membros de entrarem num mercado em forte crescimento […]. (considerandos 754 e 755 da decisão impugnada).

27 Segundo a decisão impugnada, o montante inicial da coima, de 90 000 000 euros, tem em conta o facto de que a gravidade da prática abusiva se determinou ao longo do período considerado e, mais especificamente, depois da decisão Deutsche Telekom […]. Um fator multiplicador de 1,25 foi aplicado ao referido montante, a fim de ter em conta a capacidade económica significativa da Telefónica e para assegurar à coima um caráter suficientemente dissuasor, de modo que o montante de partida da coima foi fixado em 112 500 000 euros […].

28 Em segundo lugar, como a infração durou de setembro de 2001 a dezembro de 2006, ou seja, cinco anos e quatro meses, a Comissão aumentou o montante de partida da coima em 50%. O montante de base da coima foi assim fixado em 168 750 000 euros […].

29 Em terceiro lugar, à luz dos elementos de prova disponíveis, a Comissão considerou que a existência de determinadas circunstâncias atenuantes podia ser acolhida no caso em apreço dado que a infração, de qualquer modo, tinha sido cometida por negligência Assim, foi conferida à Telefónica uma redução do montante da coima em 10%, o que a fixou em 151 875 000 euros […].»

II – O recurso no Tribunal Geral e o acórdão recorrido

3. No recurso que interpuseram no Tribunal Geral, a Telefónica e a Telefónica de España invocaram, em apoio do seu pedido principal de anulação da decisão impugnada, seis fundamentos relativos, respetivamente, a uma violação dos direitos de defesa, a erros de facto e de direito na definição dos mercados grossistas em causa, a erros de facto e de direito na definição da sua posição dominante nos mercados em causa, a erros de direito na aplicação do artigo 102.° TFUE relativamente ao seu comportamento abusivo, a erros de facto ou a erros de apreciação dos factos e a erros de direito relativamente ao seu comportamento abusivo, bem como ao respetivo impacto anticoncorrencial, e por último, à aplicação ultra vires do 102.° TFUE e à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da cooperação leal e da boa administração.

4. A título subsidiário, as recorrentes invocaram dois fundamentos para a anulação da coima ou redução do seu montante, relativos: i) a erros de facto e de direito, bem como à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (7), e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, e ii) a erros de facto e de direito e numa violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualidade das penas e do dever de fundamentação na determinação do montante da coima. O Tribunal Geral considerou que todos estes fundamentos eram improcedentes e negou integralmente provimento ao recurso.

III – O processo no Tribunal de Justiça

5. Além das recorrentes e da Comissão, três intervenientes na primeira instância, a saber a Asociación de usuarios de servicios bancarios (Ausbanc Consumo, a seguir «Ausbanc»), a France Telecom (denunciante que deu origem ao presente caso) e a European Competitive Telecommunications Association (a seguir «ECTA»), participaram no processo escrito no Tribunal de Justiça. Na audiência de 16 de maio de 2013 — que incidiu unicamente sobre o sétimo, o oitavo e o décimo fundamentos de recurso (relativos a alegados erros de direito no cálculo do montante da coima e ao dever de o Tribunal Geral exercer a sua competência de plena jurisdição) — todas essas partes apresentaram as suas observações.

IV – O recurso da decisão do Tribunal Geral

A – Quanto ao pedido de acesso à transcrição literal ou à gravação da audiência no Tribunal Geral

6. As recorrentes e a Ausbanc pediram que o Tribunal de Justiça lhes facultasse o acesso, nos termos do artigo 15.º TFUE, à transcrição literal ou à gravação da audiência, que teve lugar no Tribunal Geral em 23 de maio de 2011. Entendo que estes pedidos devem ser indeferidos uma vez que a transcrição literal e a gravação da audiência que teve lugar no Tribunal Geral não fazem parte dos autos que devem ser remetidos ao Tribunal de Justiça, por força do artigo 5, n.° 1, das Instruções ao Secretário do Tribunal Geral.

B – Quanto à exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra o recurso da decisão do Tribunal Geral na sua integralidade

7. Não se pode deixar de observar que: i) o recurso, formulado de forma confusa e pouco estruturada, é extremamente extenso — a tradução francesa da petição estende‑se ao longo de 133 páginas, com espaçamento simples, e 492 artigos (8) — e repetitivo, apresentado várias centenas de fundamentos, partes, acusações, argumentos e elementos de argumentos (o que constitui, segundo a Comissão, um recorde na história do contencioso da União); ii) o recurso da decisão do Tribunal visa quase sistematicamente obter uma nova análise dos factos, a coberto de alegações de que o Tribunal Geral teria aplicado um «critério jurídico errado»; iii) os fundamentos são frequentemente apresentados como simples afirmações desprovidas de qualquer fundamentação; iv) as recorrentes, por um lado, criticam frequentemente a decisão impugnada e não o acórdão recorrido e, por outro lado, quando as suas críticas se dirigem efetivamente ao acórdão recorrido, quase nunca identificam as passagens ou os números específicos deste acórdão que contém os alegados erros de direito.

8. Estas constatações e a dificuldade, se não a impossibilidade, de a Comissão exercer os seus direitos de defesa, inspiraram a exceção de inadmissibilidade que esta invocou contra a integralidade do recurso. Embora nutra alguma simpatia por esta exceção de inadmissibilidade — além de muitas partes do recurso me parecerem manifestamente inadmissíveis — deve considerar‑se que o recurso não pode ser declarado integralmente inadmissível, dado que alguns dos fundamentos e argumentos deste recurso (ainda que como agulhas em palheiro) cumprem as condições de admissibilidade. Estas «agulhas» suscitam, além disso, questões de princípio, por vezes inéditas, referentes designadamente à obrigação de o Tribunal Geral exercer integralmente a sua competência de plena jurisdição.

9. Por conseguinte, entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra a integralidade do recurso deve ser julgada improcedente.

C – Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

1. Fundamentos integralmente inadmissíveis: o segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos

10. Estes fundamentos — relativos a alegados erros de direito respetivamente quanto à definição dos mercados em causa, à apreciação da posição dominante e do abuso dessa posição, bem como dos efeitos deste na concorrência — parecem‑me inadmissíveis porque contestam, no essencial, as apreciações factuais constantes do acórdão do Tribunal Geral. Adicionalmente, estes fundamentos só raramente referem os números ou secções do acórdão recorrido visados, sendo esta indicação exigida por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, codificada e confirmada pelos artigos 169.°, n.° 2, e 178.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

a) Segundo fundamento

11. As recorrentes alegam (n.° 37 da petição) que o Tribunal Geral erradamente recusou considerar, a título principal, que a desagregação do lacete local, o produto grossista nacional e o produto grossista regional faziam parte do mesmo mercado grossista e, a título subsidiário, que os produtos grossistas nacional e regional faziam parte do mesmo mercado grossista.

12. Entendo que a exceção de inadmissibilidade, invocada pela Comissão, pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc, contra a integralidade do segundo fundamento deve ser admitida. Primeiro, as alegações feitas para apoiar este fundamento são obscuras e enunciadas de forma quase ininteligível. Segundo, este fundamento visa, na realidade, contestar as apreciações factuais do Tribunal Geral. Terceiro, as recorrentes suscitam diversos elementos novos não discutidos em primeira instância, a saber que a Comissão não aplicou o teste «SSNIP» (9), que a definição dos mercados não é compatível com a comunicação relativa à definição de mercado (10), que a definição do mercado necessita de uma análise empírica fundamentada por um teste de mercado e/ou por um estudo econométrico e que, por último, o teste SSNIP devia ter sido aplicado num quadro temporal concreto.

b) Terceiro fundamento

13. As recorrentes criticam (n.° 93 da petição) o raciocínio do Tribunal Geral relativamente à posição dominante que detêm nos mercados grossistas nacional e regional.

14. Também neste caso, entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc deve ser admitida, porque este terceiro fundamento assenta em alegações novas e visa contestar as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral, que o conduziram a concluir pela existência de uma posição dominante. As recorrentes, criticando os n. os  149, 150, 162 e 163 do acórdão recorrido — o Tribunal Geral ter‑se‑ia baseado unicamente nas grandes quotas de mercado detidas pelas recorrentes para dar por provada a existência de uma posição dominante, não tomando em conta, erradamente, as pressões concorrenciais a que estas estão sujeitas num mercado de acesso contestável — contestam os factos apreciados pelo Tribunal Geral no n.° 157 do acórdão recorrido, que o conduziram a decidir que o mercado grossista em causa não era um mercado contestável (11) . Por conseguinte, estes argumentos devem ser considerados inadmissíveis.

c) Quarto fundamento

15. As recorrentes alegam (n.° 120 da petição), no essencial, que o Tribunal Geral concluiu erradamente que infringiram o artigo 102.° TFUE, embora os elementos constitutivos de uma recusa abusiva de fornecimento («refusal to deal») não estivessem verificados e que, ao proceder deste modo, violou o seu direito de propriedade bem como os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da legalidade.

16. Também neste caso, entendo que a exceção de inadmissibilidade contra a integralidade do quarto fundamento — invocada pela Comissão, pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc — deve ser admitida, porque os argumentos em que este fundamento assenta: i) não foram discutidos na primeira instância (por exemplo, o argumento relativo a uma alegada violação do direito de propriedade, que parece ser o elemento central deste fundamento, ou os argumentos relativos aos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica); ii) visam contestar as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral e, na realidade, pretendem que o Tribunal de Justiça faça uma nova apreciação dos factos; ou iii) não são apresentados claramente (como a contestação não fundamentada da jurisprudência TeliaSonera Sverige (12) ), não especificando de forma suficiente os números visados do acórdão recorrido.

d) Quinto fundamento

17. Através deste fundamento (n.° 149 da petição), as recorrentes limitam‑se, em suma, depois de resumirem os dois testes de compressão tarifária das margens aplicados pela Comissão, a retomar as críticas expostas a este respeito constantes da petição que apresentaram em primeira instância no Tribunal Geral, bem como a contestar as respostas por este fornecidas nos n. os  199 a 265 do acórdão recorrido.

18. Na realidade, e muito frequentemente sem indicarem de forma precisa os números visados do acórdão recorrido, as recorrentes pretendem obter uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova decididos pelo Tribunal Geral, sendo esta pretensão claramente inadmissível nesta fase de recurso, salvo em caso de desvirtuação das provas, o que as recorrentes não provaram.

19. Seguem‑se alguns exemplos:

– as recorrentes alegam que os operadores alternativos utilizavam uma combinação ótima de produtos grossistas. Deste modo, põem em causa a constatação factual que o Tribunal Geral exprimiu nos n. os  130, 195 e 280 do acórdão recorrido, nos termos da qual a utilização ótima dos produtos grossistas não está demonstrada;

– as recorrentes (n.° 162 da petição) criticam aparentemente o n.° 207 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao concluir que a utilização efetiva do lacete local só começou no final de 2004. Segundo as recorrentes, por um lado, o Tribunal Geral deveria ter distinguido dois períodos de análise, antes e depois daquela data, e, por outro lado, os concorrentes terão utilizado efetivamente o lacete local antes de 2004. Ora, este argumento não identifica nenhum elemento do processo que tenha sido desvirtuado pelo Tribunal Geral. Em qualquer caso, resulta dos autos que as recorrentes não alegaram em primeira instância que um novo período devia começar a partir de 2004;

– as recorrentes (n.° 167 da petição) criticam aparentemente o n.° 217 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral terá erradamente presumido que a prorrogação do período de referência provoca distorções inaceitáveis, ignorando os mecanismos de correção propostos pelas recorrentes, o que fez inobservando a presunção de inocência. Basta observar, a este respeito, que o Tribunal Geral se limitou a resumir um argumento das recorrentes, sem emitir a sua própria apreciação. Em qualquer caso, o argumento relativo à presunção de inocência é invocado pelas recorrentes pela primeira em sede de recurso de segunda instância;

– as recorrentes (n.° 178 e seguintes da petição) alegam igualmente que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n. os  233 a 264 do acórdão recorrido, do método «período a período» que a Comissão efetuou na decisão impugnada. Estes argumentos parecem‑me inadmissíveis porque, perante o Tribunal Geral, as recorrentes não contestaram o princípio do recurso ao método «período a período», mas unicamente a sua aplicação pela Comissão;

– as recorrentes alegam (n.° 181 da petição) igualmente que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito no âmbito da análise, nos n. os  234 a 244 do acórdão recorrido, dos custos dos efetivos comerciais. Defendem que o Tribunal Geral fez uma aplicação errada do teste do «concorrente igualmente eficiente», não tomando em conta a possibilidade de um concorrente igualmente eficiente poder subcontratar os seus serviços comerciais. Este argumento é inadmissível porque amplia o âmbito do recurso para além do que foi discutido em primeira instância por via de alegações novas e convida o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos;

– as recorrentes (n.° 183 da petição) criticam aparentemente o n.° 244 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral ignorou erradamente as estimativas de custos incluídas nos painéis das recorrentes, não exercendo a sua competência de plena jurisdição, adotou a norma dos custos incrementais médios a longo prazo (CMILT) e utilizou custos atuais integralmente repartidos da sua contabilidade para calcular os custos marginais de comercialização. Estes argumentos devem igualmente ser rejeitados porque convidam o Tribunal de Justiça a rever as apreciações factuais contidas nos n. os  237 a 244 do acórdão recorrido;

– os argumentos das recorrentes quanto à análise da longevidade média da clientela e relativos aos n. os  245 a 251 do acórdão recorrido são inadmissíveis porque se baseiam em alegações novas;

– criticando (n.° 188 da petição) aparentemente os n. os  256 e 257 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral rejeitou erradamente o custo médio ponderado do capital (WACC) proposto pelas recorrentes, bem como os n. os  259 a 264 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise da alegada dupla contabilização de diversas rubricas de custos, as recorrentes põem em causa a apreciação das provas feita pelo Tribunal Geral (que baseou a sua convicção num exame global dos elementos dos autos e do debate entre as partes);

– as recorrentes defendem (n.° 218 da petição) igualmente que o Tribunal Geral deveria ter concluído que a margem entre os preços grossistas dos inputs e o preço de retalho era positiva no caso vertente, o que deveria ter conduzido o Tribunal Geral a exigir uma demonstração dos efeitos concretos ou um nível de prova particularmente elevado dos efeitos prováveis do comportamento das recorrentes. Este argumento — na medida em que surge pela primeira vez no presente recurso — é inadmissível.

20. As recorrentes invocam em seguida três argumentos (n. os  220, 227, e 231 da petição) que visam aparentemente os n. os  274 a 276 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral decidiu erradamente que os efeitos prováveis do comportamento das recorrentes estavam provados apesar de: a) a Comissão não ter examinado se a rentabilidade dos operadores alternativos igualmente eficazes tinha efetivamente sido reduzida devido às práticas tarifárias das recorrentes, b) a Comissão não ter analisado a relação entre os preços grossistas e os preços de retalho no mercado para determinar se a compressão tarifária das margens tinha efetivamente limitado a capacidade dos operadores alternativos para fixarem os preços de retalho e c) a Comissão não ter analisado a relação entre os preços grossistas, os fluxos de tesouraria dos operadores, e os seus níveis de investimento, para determinar se a compressão tarifária das margens tinha efetivamente limitado a capacidade de investimento dos operadores alternativos. Estes três argumentos parecem‑me inadmissíveis, dado que não foram invocados em primeira instância e têm como objetivo iniciar uma discussão quanto aos «efeitos concretos» do comportamento das recorrentes em segunda instância. A petição apresentada em primeira instância invocava apenas a questão «efeitos prováveis», nos seus n. os  191 a 199, criticando a decisão impugnada por ter presumido que estes efeitos eram a consequência necessária dos resultados do teste da compressão tarifária das margens. Além disso, os referidos argumentos visam igualmente contestar a apreciação dos factos que o Tribunal Geral faz nos n. os  275 e 276 do acórdão recorrido.

21. Decorre do exposto que o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto fundamentos devem ser declarados inadmissíveis.

2. Fundamentos que devem ser julgados em parte inadmissíveis e em parte improcedentes: o primeiro, o sexto, o sétimo e o nono fundamentos

a) Primeiro e nono fundamentos

22. Estes dois fundamentos sobrepõem‑se de tal modo que, na exposição do seu nono fundamento, as recorrentes reproduzem de forma idêntica uma parte dos desenvolvimentos apresentados no seu primeiro fundamento. Por conseguinte, é necessário analisar conjuntamente estes dois fundamentos. Em primeiro lugar, os argumentos das recorrentes (n.° 12 da petição) são relativos à duração desproporcionada do processo no Tribunal Geral que, tendo decorrido de 1 de outubro de 2007 a 29 de março de 2012, viola o direito das recorrentes a uma proteção jurisdicional efetiva num prazo razoável, garantido pelos artigos 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). As recorrentes alegam, a título principal (n.° 14 da petição), que a duração desproporcionada do processo justifica a anulação do acórdão recorrido, atendendo à sua incidência na decisão da causa, uma vez que esta duração as impediu de interpor recurso ou de adaptar a sua argumentação escrita antes de o Tribunal de Justiça decidir o caso TeliaSonera Sverige, já referido. Independentemente de não partilhar a opinião das recorrentes sobre esta relação de causa e efeito, assinalo que, de qualquer forma, estas se pronunciaram explicitamente sobre a interpretação a dar ao acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, na audiência no Tribunal Geral, que teve lugar vários meses depois de o referido acórdão ter sido proferido.

23. Em seguida, as recorrentes argumentam (n.° 15 da petição), a título subsidiário, que, em qualquer caso, deverão beneficiar de uma redução do montante da coima, em conformidade com a jurisprudência Baustahlgewebe/Comissão (13) .

24. Tal como a Comissão, a ECTA, a France Telecom e a Ausbanc, entendo que a duração do processo no Tribunal Geral, que não chegou a quatro anos e seis meses, não é irrazoável neste caso (14) atendendo, entre outras, às circunstâncias seguintes: i) a complexidade técnica do processo (segundo o Tribunal de Justiça (15), «a verificação da complexidade de um processo pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo»); ii) dois recursos foram interpostos contra a decisão impugnada, um pelas recorrentes e outro pelo Reino de Espanha, os quais foram analisados em paralelo pelo Tribunal Geral, o que provocou um prolongamento do processo; iii) as recorrentes apresentaram — já em primeira instância — uma petição com uma extensão desmedida e completamente inusitada, que excede largamente o número máximo de páginas recomendado nas Instruções práticas às partes perante o Tribunal Geral. Foi necessário regularizar essa petição, o que prolongou o processo escrito, e ainda assim, a versão regularizada da petição, que contava quase 140 páginas, e com anexos abundantes e volumosos, continuou a ser desmesurada, ultrapassando largamente a extensão prevista nas referidas Instruções práticas. Em seguida, as recorrentes apresentaram uma réplica de 112 páginas, acompanhada por 25 anexos, da qual constam também alegações novas; iv) no decurso do processo foram‑se apresentando vários intervenientes, pelo que a fase escrita se prolongou até ao início de 2009; e por último v) as recorrentes apresentaram inúmeros pedidos de tratamento confidencial relativamente aos intervenientes que, em grande maioria, foram recusados embora tenham igualmente contribuído para prolongar o processo, obrigando o Tribunal Geral a elaborar versões não confidenciais de diversos documentos.

25. Em segundo lugar, as recorrentes criticam (n.° 19 da petição) os n. os  62 e 63 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral decide que os anexos da petição e da réplica serão tomados em consideração unicamente na medida em que suportem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo dos seus articulados, bem como os n. os  231, 250 e 262 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral declara inadmissíveis, em aplicação do princípio previamente enunciado, determinados argumentos sustentados por anexos e relativos ao cálculo do valor terminal, à longevidade média da clientela e à dupla contabilização de diversas rubricas de custos.

26. Estes argumentos parecem‑me manifestamente inadmissíveis no seu conjunto, dado que não especificam de que forma a eventual irregularidade de processo prejudicou os interesses das recorrentes e os seus direitos de defesa. Adicionalmente, por um lado, o argumento de que o Tribunal Geral devia ter rejeitado a exceção de inadmissibilidade por esta só ter sido invocada pela Comissão na fase da tréplica, e não na sua contestação é improcedente, porque a regularidade formal dos atos processuais é uma questão de ordem pública, que pode ser invocada oficiosamente pela instância jurisdicional, independentemente da atitude da recorrida, a qual pode, pela mesma razão, invocá‑la em qualquer momento no processo. Por outro lado, o argumento com que as recorrentes criticam o n.° 62 do acórdão recorrido — ou seja que o Tribunal Geral não podia exigir que a petição incluísse todos os cálculos económicos que tinham servido de base aos seus argumentos — é igualmente improcedente. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência, o Tribunal Geral limitou‑se a exigir no n.° 58 do acórdão recorrido que «os elementos essenciais» de facto e de direito resultassem, «pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição».

27. Em terceiro lugar, as recorrentes criticam (n.° 24 da petição) o n.° 182 do acórdão recorrido, entendo que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e violou os direitos de defesa ao decidir que elas não tinham invocado o caráter não indispensável dos produtos grossistas no quadro da apreciação dos efeitos do seu comportamento. A título principal, as recorrentes afirmam que invocaram o referido caráter na sua petição em primeira instância (n. os  106 e 108), na réplica (n.° 216) e na audiência, quanto ao fundamento referente à aplicabilidade do artigo 102.° TFUE em geral, e no quadro da apreciação dos efeitos. Segundo as recorrentes, a argumentação relativa ao caráter não indispensável dos produtos grossistas constitui uma ampliação de um fundamento de anulação já formulado na petição. Como a Comissão e a France Telecom, entendo que este argumento não é relevante. Com efeito, basta observar que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral, em especial nos n. os  268 a 272, 274 a 281 e 389 a 410 do acórdão recorrido, não se baseia no caráter indispensável ou não do input em causa.

28. A título subsidiário, as recorrentes acrescentam (n.° 28 da petição) que o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral lhes confere, em qualquer caso, o direito a apresentarem um fundamento novo com origem num elemento de direito e de facto que se tenha revelado durante o processo, o que corresponderia ao acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, dado que o Tribunal de Justiça clarificou nesse acórdão os critérios aplicáveis à apreciação dos efeitos da compressão tarifária de margens. Ora, por força da jurisprudência constante, aplicável mutatis mutandis a uma decisão prejudicial, um acórdão que nega provimento a um recurso não justifica a apresentação de fundamentos novos (16) .

29. Em quarto lugar, as recorrentes (n.° 33 da petição) entendem que o Tribunal Geral violou os seus direitos de defesa e a presunção de inocência. A título principal, entendem que o Tribunal Geral violou a presunção de inocência ao decidir que os elementos em que a Comissão se apoiou na decisão impugnada, que não figuravam na comunicação das acusações, só deverão ser afastados se as recorrentes demonstrarem que o resultado da decisão impugnada seria alterado por esses elementos. Segundo as recorrentes, o critério de prova estabelecido pelo Tribunal Geral não respeita a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»).

30. Em meu entender, este argumento deve ser declarado inadmissível porque, por um lado, não indica de forma suficientemente precisa os números do acórdão recorrido que contêm o erro de direito, cuja anulação é pedida e, por outro, os n. os  86 a 109 do acórdão recorrido, que analisam esta questão em detalhe, procedem a uma apreciação factual insuscetível de recurso. Acrescento que o n.° 78 do acórdão recorrido parece ser apenas um obiter dictum de um raciocínio baseado noutras considerações decisivas expostas nos n. os  79 e seguintes, não contestadas pelas recorrentes. Por último, este argumento é improcedente dado que, por um lado, o critério aplicado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (17), perfeitamente conforme à jurisprudência do TEDH. Com efeito, a não comunicação de um documento só constitui uma violação dos direitos de defesa quando a Comissão se tiver baseado nesse documento para escorar a sua acusação, e a acusação seja provada apenas por esse documento (18) . Quando vários elementos de prova apoiam especificamente uma conclusão ou uma acusação, a falta de um deles não é suficiente para afastar a referida conclusão ou acusação, se os outros elementos a corroborarem. Adicionalmente, a Comissão não se baseou em nenhum elemento novo para determinar a responsabilidade das recorrentes, conforme atestam os n. os  103 e 107 do acórdão recorrido.

31. A título subsidiário, as recorrentes (n.° 36 da petição) entendem ter demonstrado que o resultado da decisão impugnada poderia ter sido diferente se os novos elementos de prova tivessem sido excluídos. Defendem que, ao ignorar os seus argumentos, o Tribunal Geral desvirtuou os factos, cometeu um erro manifesto de apreciação bem como um erro de direito, no que respeita aos critérios de apreciação de provas e, além disso, violou o dever de fundamentação. Parece‑me que esta alegação é simultaneamente inadmissível, dado que assenta em afirmações lacónicas e gerais, e improcedente, uma vez que o Tribunal Geral efetivamente examinou, nos n. os  88 a 109 do acórdão recorrido, a natureza alegadamente nova de certos elementos de prova e a pertinência da alegada falta de acesso a estes elementos. De resto, como a France Telecom, entendo que os elementos referidos pelas recorrentes foram inseridos na decisão apenas com o objetivo de refutar os argumentos que estas invocaram na sua resposta à comunicação das acusações, e que o Tribunal Geral considerou que a Comissão não se baseou nos documentos em causa para escorar a sua acusação relativa à existência de uma infração (v. n.° 103 do acórdão recorrido).

32. À luz do exposto, o primeiro e o nono fundamentos devem ser julgados em parte inadmissíveis e em parte improcedentes.

b) Sexto fundamento

33. Na primeira parte deste fundamento, as recorrentes alegam (n.° 242 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n. os  287 a 295 do acórdão recorrido, da alegada violação da proibição de atuação ultra vires da Comissão. Primeiro, afirmam que o Tribunal Geral validou uma interpretação errada da jurisprudência Bronner (19), ao considerar que a Comissão tinha competência para regulamentar ex post as condições de preço a que está sujeita a utilização de infraestruturas não indispensáveis. Ora, como foi acertadamente salientado pela France Telecom e pela ECTA, esta argumentação é manifestamente improcedente, dado que equivale a defender que o artigo 102.° TFUE não é aplicável quando as condições fixadas no acórdão Bronner, já referido, não se verificam.

34. Segundo, as recorrentes criticam (n.° 249 da petição) aparentemente o n.° 289 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, na medida em que as recorrentes não alegaram que o direito da concorrência não se aplicava a «mercados instrumentais», mas, em vez disso, que não se aplicava a uma obrigação de acesso imposta pelo regulador nacional. Não se pode deixar de observar a este respeito que as recorrentes não identificam os elementos dos seus articulados que terão sido desvirtuados, nem os erros de análise que teriam conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Além disso, as recorrentes afirmaram realmente na primeira instância que o direito da concorrência não se podia aplicar a «mercados instrumentais» (n.° 241 da sua réplica). Em qualquer caso, esta alegação não é relevante, dado que as recorrentes não contestam que a resposta do Tribunal Geral esteja juridicamente correta.

35. Terceiro, as recorrentes criticam (n.° 251 da petição) aparentemente o n.° 290 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral não questionou a utilização do conceito de «escala dos investimentos» que, pela sua natureza «regulamentar», conduziu a Comissão a ignorar a possibilidade de utilizar uma combinação de produtos. Esta alegação parece‑me manifestamente inadmissível porque não visa nenhum erro de direito e não põe em causa nenhuma das observações feitas pelo Tribunal Geral no n.° 290 do acórdão recorrido.

36. Quarto, as recorrentes criticam (n.° 253 da petição) aparentemente o n.° 293 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, na medida em que estas não contestavam a aplicação do artigo 102.° TFUE ao mercado das telecomunicações, mas criticavam a sua utilização pela Comissão para efeitos regulamentares. Este argumento é inadmissível porque as recorrentes não identificam os elementos dos seus articulados que terão sido desvirtuados nem os erros de análise que teriam conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Em qualquer caso, em meu entender, o Tribunal Geral não desvirtuou as alegações das recorrentes, que realmente defenderam que não havia abuso de posição dominante, uma vez que o direito das telecomunicações prosseguia objetivos diferentes dos do direito da concorrência.

37. Quinto, as recorrentes criticam (n.° 254 da petição) aparentemente o n.° 294 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao concluir que apenas as medidas adotadas em 2006 tinham sido notificadas à Comissão, dado que, por um lado, o Reino de Espanha integrou o novo quadro regulamentar em 2003 por via da Lei‑Quadro das telecomunicações, n.° 32/2003, de 3 de novembro de 2003 e que, por outro lado, a Comissão exerceu uma fiscalização através dos relatórios de implementação que publica desde 1997. Ora, como a Comissão, a ECTA e a France Telecom corretamente assinalaram, o Tribunal Geral não desvirtuou nenhum facto, uma vez que não houve nenhuma medida notificada à Comissão antes de 2006, o que as recorrentes não impugnaram. O facto de as autoridades espanholas terem atuado, antes de 2006, no âmbito do direito da União é, em princípio, irrelevante, dado que o argumento das recorrentes consiste em dizer que a Comissão devia ter utilizado a sua competência no âmbito do novo quadro regulamentar (n.° 291 do acórdão recorrido), quando o Tribunal Geral assinala que esta não poderia ter sido utilizada antes da notificação das medidas em 2006 (n.° 294 do acórdão recorrido).

38. Na segunda parte deste fundamento, as recorrentes alegam (n.° 255 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n. os  296 a 308 do acórdão recorrido. Primeiro, criticam (n.° 259 da petição) aparentemente o n.° 306 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade, ao abster‑se de analisar se a decisão impugnada era adequada e necessária, atendendo aos objetivos legítimos prosseguidos pela autoridade reguladora nacional [a Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Comissão do Mercado das Telecomunicações Espanhola), a seguir «CMT»]. As recorrentes arguem igualmente a violação dos direitos de defesa, na medida em que o Tribunal Geral as compeliu a demonstrar que a atuação da Comissão era contrária ao princípio da proporcionalidade, quando competia à Comissão demonstrar que a sua atuação era conforme com o referido princípio. Entendo, e concordo com a Comissão e a ECTA, que este argumento é inadmissível porque não foi invocado no Tribunal Geral.

39. Segundo, as recorrentes criticam (n.° 261 da petição) aparentemente o n.° 306 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral violou o princípio da segurança jurídica ao aceitar que um comportamento conforme ao quadro regulamentar pode constituir uma infração ao artigo 102.° TFUE. Este argumento é igualmente inadmissível, dado que, no Tribunal Geral, as recorrentes se limitaram a invocar a violação do princípio da segurança jurídica que resultou do facto de a Comissão não ter examinado o comportamento da CMT.

40. Terceiro, as recorrentes criticam (n.° 264 da petição) os n. os  299 a 304 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral manifestamente desvirtuou as suas alegações relativas ao princípio da subsidiariedade, e ignorou que os objetivos prosseguidos pelo direito da concorrência e pelo quadro regulamentar das telecomunicações são idênticos. Este argumento parece‑me inadmissível porque as recorrentes não identificaram que alegações suas terão sido desvirtuadas pelo Tribunal Geral.

41. Na terceira parte deste fundamento, as recorrentes criticam (n.° 267 da petição) a análise que o Tribunal Geral efetuou a alegada violação pela Comissão dos princípios da cooperação leal e da boa administração. Visam, mais precisamente, os n. os  313 e 314 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, porquanto as recorrentes não censuraram a Comissão por não ter consultado a CMT relativamente à comunicação das acusações, mas por não ter atuado com base em todos os elementos de facto necessários para construir a sua opinião e por não ter cooperado adequadamente com a CMT relativamente às bases e aos fundamentos da sua atuação, bem como relativamente ao impacto destes na concretização dos objetivos regulamentares. Assim, o Tribunal Geral, erradamente, não apreciou a questão de saber se, no exercício do seu dever de colaboração e de boa administração, a Comissão tinha analisado o motivo e debatido com a CMT a finalidade da sua atuação e do seu método de cálculo da compressão tarifária da margem (ou seja, o teste que a CMT aplicou). Esta argumento parece‑me manifestamente inadmissível porque as recorrentes não identificam os elementos que terão sido desvirtuados nem os erros de análise que terão sido cometidos. Além disso, o argumento é manifestamente improcedente, porque o Tribunal Geral concluiu, e as recorrentes não contestaram, por um lado, que a CMT realmente tinha sido associada ao procedimento administrativo e, por outro lado, que as disposições aplicáveis do Regulamento n.° 1/2003 não preveem a obrigação de a Comissão consultar as autoridades reguladoras nacionais.

42. Entendo, à luz do exposto, que o sexto fundamento deve, portanto, ser julgado inadmissível e improcedente.

c) Sétimo fundamento

i) Primeira parte do sétimo fundamento

43. As recorrentes alegam (n.° 274 da petição) que, no âmbito da análise da qualificação da infração como «abuso caracterizado» nos n. os  353 a 369 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral violou os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas, garantidos no artigo 7.° da CEDH e no artigo 49.° da Carta. Salientam que, em conformidade com o acórdão Dansk Rørindustri e o/Comissão (20), estes princípios podem opor‑se à aplicação retroativa de uma nova interpretação jurisprudencial de uma norma que institui uma infração, cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atendendo designadamente à interpretação dessa norma fixada pela jurisprudência à data.

44. Através da sua primeira alegação (n.° 281 da petição), intitulada «Existência de precedentes claros e previsíveis», as recorrentes limitam‑se a resumir os n. os  357 a 368 do acórdão recorrido. Através da sua segunda alegação (n.° 284 da petição), criticam o n.° 357 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral remeteu para a margem de apreciação da Comissão quanto à oportunidade da aplicação de uma coima, violando assim a sua obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição, estabelecida no artigo 6.° da CEDH e no artigo 229.° CE (atual artigo 261.° TFUE), bem como os princípios da legalidade e da segurança jurídica, constantes do artigo 7.° da CEDH. Através da sua terceira alegação (n.° 286 da petição), criticam aparentemente os n. os  356 a 362 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral concluiu erradamente que a aplicação do artigo 102.° TFUE ao seu comportamento se baseava em precedentes claros e previsíveis. Através da sua quarta alegação (n.° 302 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n. os  363 a 369 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral concluiu erradamente que a metodologia utilizada pela Comissão para determinar a existência de compressão tarifária da margem estava razoavelmente baseada em precedentes claros e previsíveis.

45. Entendo que o conjunto desta primeira parte é inadmissível, uma vez que as recorrentes não invocaram na primeira instância a questão da existência ou não de precedentes claros para contestar o princípio da aplicação de uma coima, mas unicamente em relação ao montante da coima e à existência de um «abuso caracterizado».

ii) Segunda parte do sétimo fundamento

46. As recorrentes alegam (n.° 310 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n. os  319 a 352 do acórdão recorrido, da qualificação do seu comportamento como «infração cometida deliberadamente ou por negligência grave» na aceção do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

– Primeira alegação

47. Primeiro argumento: as recorrentes criticam aparentemente os n. os  322 a 326 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral considerou erradamente que não podiam prever a definição de mercado que foi adotada pela Comissão na decisão impugnada. Basta observar, acompanhando a Comissão, que o Tribunal Geral aplicou os critérios clássicos de definição dos mercados baseados na substituibilidade, que não podem ser considerados «imprevisíveis». Além disso, a alegada imprevisibilidade da distinção entre mercados grossistas regional e nacional não é relevante, dado que estes dois mercados eram ambos afetados por uma posição dominante e por uma compressão das margens criada pelas recorrentes.

48. De forma mais específica, as recorrentes criticam (n.° 317 da petição) aparentemente o n.° 323 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral, ignorando a jurisprudência do TEDH em matéria de previsibilidade, entendeu que as recorrentes deveriam ter recorrido a aconselhamento especializado, sem verificar se o tinham efetivamente feito, presumindo que o referido aconselhamento iria coincidir com o critério da Comissão. A este respeito, não se pode deixar de observar que a jurisprudência nunca atribuiu qualquer importância ao facto de a empresa pedir ou não aconselhamento, e se assim não fosse as empresas poderiam ficar impunes se não recorressem a aconselhamento jurídico.

49. Em seguida, as recorrentes criticam (n.° 319 da petição) aparentemente o n.° 326 do acórdão recorrido, alegando que o Tribunal Geral desrespeitou o critério jurídico da previsibilidade da definição do mercado e, consequentemente, o da previsibilidade das consequências do comportamento destas, não tomando em conta o contexto e determinadas circunstâncias enunciadas pelas recorrentes, como o facto de que os precedentes disponíveis definiam um mercado único, o facto de determinados operadores utilizarem uma combinação de inputs , o facto de os mercados grossistas nacional e/ou regional não existirem noutros Estados‑Membros, o facto de a Diretiva 2002/21/CE (21) definir um único mercado que englobava a infraestrutura nacional e a regional, ou o facto de a própria CMT ter confirmado esta posição na sua decisão de 6 de abril de 2006. Estas alegações parecem‑me inadmissíveis uma vez que, embora as diferentes circunstâncias antes referidas sejam mencionadas no presente recurso, não o foram em primeira instância, para efeitos de refutar a previsibilidade das consequências do comportamento das recorrentes (nem nos n. os  297 a 301 da petição, nem nos n. os  271 a 275 da réplica, na primeira instância).

50. Por último, as recorrentes criticam (n.° 323 da petição) aparentemente o n.° 326 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que não podiam ignorar que detinham uma posição dominante nos mercados relevantes. Esta afirmação partiria de uma premissa errada, segundo a qual as recorrentes deveriam razoavelmente ter antecipado a definição de mercado adotada pela Comissão. Além disso, as recorrentes defendem que o Tribunal Geral utilizou um critério jurídico errado ao proceder a uma análise de fundo, em vez de aplicar o critério da previsibilidade. Estas alegações são inadmissíveis dado que, em primeira instância, as recorrentes não expressaram qualquer dúvida quanto ao facto de as suas quotas de mercado poderem razoavelmente indicar uma posição dominante, nem nos n. os  297 a 301 da petição, nem nos n. os  272 a 275 da réplica.

51. Segundo argumento: as recorrentes criticam aparentemente os n. os  338 a 341 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral decidiu erradamente que podiam prever que a sua política de preços era suscetível de constituir um comportamento anticoncorrencial.

52. Primeiro, as recorrentes criticam (n.° 330 da petição) aparentemente os n. os  339 e 340 do acórdão recorrido, entendendo que o Tribunal Geral aplicou um critério jurídico errado ao proceder a uma análise de mérito, que visava determinar se a Comissão podia legitimamente intervir ex post , em vez de proceder a uma análise de previsibilidade, visando determinar se essa intervenção era razoavelmente previsível, dado que as recorrentes estavam sujeitas à obrigação de permitir o acesso a uma fiscalização aprofundada por parte da CMT. Em meu entender, é absolutamente evidente e, por conseguinte, «previsível», que a existência de uma regulação ou de um certo acompanhamento pelas autoridades sectoriais nacionais não protege contra a aplicação dos Tratados (como salienta o n.° 340 do acórdão recorrido). Além disso, no acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido (n. os  119, 124 e 127) estabeleceu‑se que a regulação setorial só é relevante para a questão de saber se a empresa conhecia o caráter ilícito da sua atuação, mas não para determinar o caráter doloso ou negligente desta, e que essa condição se verifica quando a empresa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, tenha ou não tido consciência de violar as normas de concorrência do Tratado.

53. Em seguida, as recorrentes criticam aparentemente a primeira parte do n.° 341 do acórdão recorrido, relativa ao produto grossista regional, na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao considerar que as recorrentes não tinham impugnado o facto de a CMT ter analisado a existência de uma compressão das margens não com base nos custos históricos e reais das recorrentes, mas sim com base em estimativas ex ante . As recorrentes alegam assim ter alegado na sua petição em primeira instância (n.° 320) que a CMT não quis utilizar a contabilidade dos seus custos reais, preferindo encarregar a consultora ARCOME de elaborar um modelo baseado nos custos de um concorrente hipotético, «razoavelmente eficiente», e não nos de um concorrente «igualmente eficiente». O Tribunal Geral terá também ignorado que as recorrentes podiam legitimamente presumir que a análise da CMT deveria ser mais precisa do que uma análise baseada nos seus próprios custos. Além disso, o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente os factos por não considerar que os preços em causa tinham sido sujeitos a uma fiscalização ex post . Assinalo que as recorrentes não impugnam a alegação factual de que a CMT não analisou a eventual compressão de margens com base em dados históricos reais. De resto, as alegações de que a CMT teria recorrido ao critério do concorrente «razoavelmente eficiente», além de não terem sido fundamentadas, são manifestamente inadmissíveis, dado que as recorrentes nunca as invocaram em primeira instância, apesar de a decisão impugnada, no seu considerando 733, afirmar que o método utilizado pela CMT era o do operador «igualmente eficiente». Em seguida, estas alegações são, em qualquer caso, desprovidas de relevância e inoperantes, porquanto, como indicado no n.° 302 do acórdão recorrido, a CMT declarou em diversas ocasiões que não dispunha das informações necessárias para a análise da compressão das margens, pelo que as recorrentes não podiam esperar que a fiscalização pela CMT, baseada em estimativas ex ante , as protegesse da aplicação do direito da concorrência ex post , que se baseia em dados reais e históricos. Por fim, o Tribunal Geral não ignorou a alegada fiscalização ex post , em vez disso, considerou simplesmente que esta fiscalização não abalava a sua conclusão (n. os  303, 340, 347 e 348 do acórdão recorrido).

54. Por último, as recorrentes criticam (n.° 334 da petição) aparentemente a segunda parte do n.° 341 do acórdão recorrido, relativa ao produto grossista nacional, por entenderem que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao ignorar, por um lado, que alegaram que as suas infraestruturas nacionais faziam parte de um mercado mais vasto que incluía o lacete local ou, pelo menos, o acesso regional, submetido a uma regulação de acesso ex ante pela CMT e, por outro, que estavam sujeitas a uma fiscalização ex post pela CMT. Basta assinalar a este respeito que a existência ou a inexistência de uma fiscalização pela CMT é uma questão de facto e que as conclusões do Tribunal Geral são claras a este respeito. Seja como for, os argumentos das recorrentes não são relevantes, dado que a simples existência de uma fiscalização ex post potencial não pode excluir a aplicação do direito da concorrência.

– Segunda alegação

55. Através desta alegação (n.° 338 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n. os  343 a 352 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que a inexistência de intervenção da Comissão e as atuações da CMT não teriam podido criar nas recorrentes uma confiança legítima no facto de que as suas práticas tarifárias eram conformes ao artigo 102.° TFUE. Estes argumentos parecem‑me inadmissíveis, dado que constituem meras críticas formuladas contra a apreciação soberana dos factos pelo Tribunal Geral.

56. Entendo, à luz do exposto, que o sétimo fundamento deve ser rejeitado na íntegra por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

3. Oitavo fundamento (cálculo do montante da coima) e décimo fundamento (violação da obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição no que se refere às sanções)

57. Irei analisar, inicialmente, para propor que sejam rejeitados, o segundo e o terceiro argumentos da primeira alegação e a segunda alegação da primeira parte desse oitavo fundamento. Dedicar‑me‑ei, em seguida, à análise do primeiro e do quarto argumentos da primeira alegação e às outras alegações do oitavo fundamento, bem como ao décimo fundamento que, de uma forma ou outra, se reconduzem todos à questão de saber se o Tribunal Geral exerceu corretamente a sua competência de plena jurisdição no que se refere à fixação do montante da coima.

i) Primeira parte do oitavo fundamento (segundo e terceiro argumentos da primeira alegação e segunda alegação)

58. Através do segundo argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.° 371 da petição) criticam aparentemente o n.° 384 do acórdão recorrido, entendendo que o Tribunal Geral considerou erradamente que se encontravam numa situação de monopólio virtual, ignorando assim determinadas características essenciais do mercado, como a possibilidade de replicar os produtos grossistas, o caráter contestável do mercado, a regulação estrita a que as recorrentes estavam sujeitas e as pressões concorrenciais indiretas. Dado que este argumento não tem outro objetivo senão o de pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral, é inadmissível.

59. Em seguida, através do seu terceiro argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.° 374 da petição) criticam aparentemente o n.° 385 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que o método de cálculo da compressão das margens resulta da prática decisória anterior da Comissão, apesar de o referido método incluir numerosos elementos novos como, entre outros, a presença de um input não indispensável ou de um mercado em desenvolvimento.

60. As recorrentes repetem a ideia de que a sanção não era previsível porquanto, no seu caso, estavam em causa infraestruturas ( in casu «a rede de acesso local da Telefónica») não essenciais (22) e os precedentes se referiam exclusivamente a «infraestruturas essenciais», e remetem repetidamente para o acórdão Bronner (23), e para o acórdão Industrie des poudres sphériques/Comissão (24) (para alegar que a questão de saber se o preço era excessivo ou predatório não era de resposta clara). No que se refere ao acórdão Bronner, constato que, no caso vertente, a questão de saber se a recorrente estava ou não obrigada a fornecer o produto não se colocava, dado que essa obrigação já existia. Além disso, é claramente errado afirmar que todos os precedentes se referiam a infraestruturas essenciais. Por exemplo, a Telefónica omite mencionar a Decisão National Carbonising, relativa a um abuso que consiste no que se designa por «compressões das margens» (25) . No caso Napier Brown (26), a Comissão concluiu pela existência de um abuso de posição dominante sob a forma de uma compressão das margens embora, a montante, estivessem disponíveis alternativas ao produto. Dito de outra forma, a Comissão não exigiu neste caso que o input fosse indispensável (27) . A comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no setor das telecomunicações (28), que já abordava este problema em 1998, também não exige a existência de um input essencial ou de um preço excessivo ou predatório. Na realidade, a questão que se colocava ao Tribunal Geral era a de saber se existiam precedentes que exigissem que o input fosse essencial, e não o contrário.

61. Além disso, o argumento invocado pelas recorrentes em primeira instância (n.° 341 da petição) segundo o qual o caráter «não essencial» do input não era evidente neste caso, também não é relevante porque a Comissão não concluiu pelo caráter essencial desse input , e esta característica não é um pressuposto do raciocínio que esta aplicou para demonstrar a existência de um abuso. No que respeita ao acórdão Industrie des poudres sphériques/Comissão, já referido, basta assinalar que as recorrentes insistem simplesmente em que a sua interpretação do acórdão é a correta, sem realmente debaterem a interpretação conjunta que é feita pela Comissão e pelo Tribunal Geral.

62. Quanto ao argumento das recorrentes relativo a outros elementos novos utilizados pela Comissão e que o Tribunal Geral terá ignorado, basta concluir pela sua inadmissibilidade, porque, na primeira instância, este argumento foi invocado apenas para efeitos da redução da coima e não para contestar a possibilidade de a Comissão aplicar uma coima. Além disso, no que se refere mais especificamente ao argumento relativo aos mercados em desenvolvimento, também as decisões Wanadoo Interactive (29) e Deutsche Telekom, já referidas, eram relativas a mercados em pleno crescimento, pelo que se torna claro que esta circunstância per se não seria suficiente para excluir a existência de um abuso.

63. Por último, através da sua segunda alegação, as recorrentes criticam aparentemente os n. os  377 a 407 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral cometeu diversos erros de direito na sua apreciação dos efeitos concretos do abuso em questão e, mais especificamente (pelo menos, aparentemente): i) os n. os  394 a 398 do acórdão recorrido, por erros de direito do Tribunal Geral na sua apreciação da evolução da quota de mercado das recorrentes no mercado de retalho (n.° 380 da petição); ii) o n.° 399 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral desvirtuado os factos, dado que a própria Comissão tinha reconhecido na decisão impugnada que dois operadores tinham atingido uma quota de mercado de mais de 1% (Wanadoo España e Ya.com) (n.° 385 da petição); iii) o n.° 401 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral decidido erradamente que o ritmo de crescimento superior das recorrentes no mercado grossista era um indício concreto da exclusão dos seus concorrentes (n.° 390 da petição); iv) o n.° 407 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral entendido erradamente que a Comissão podia acertadamente considerar que o nível elevado dos preços de retalho em Espanha constituía um indício credível do impacto concreto do comportamento das recorrentes no mercado espanhol, apesar de a Comissão não ter provado o nexo de causalidade entre o abuso em questão e o nível elevado dos preços de retalho (n.° 393 da petição); e v) o n.° 409 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral entendeu erradamente que a Comissão podia acertadamente considerar que a fraca taxa de penetração da banda larga em Espanha constituía um indício credível do impacto concreto do comportamento das recorrentes no mercado espanhol, ignorando outros fatores invocados pelas recorrentes para explicar essa fraca taxa (n.° 399 da petição).

64. Entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada contra a integralidade da segunda alegação pela Comissão e pela France Telecom deve ser julgada procedente. Com efeito, essa alegação assenta em alegações que não foram evocadas na primeira instância e convida o Tribunal de Justiça a reexaminar elementos de facto. Em qualquer caso, o Tribunal Geral aplicou o critério adequado, ou seja a presença de «indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração possa ter tido na concorrência» (n.° 390 do acórdão recorrido), e as recorrentes limitaram‑se a contestar o caráter suficiente dos indícios, sem invocarem nenhuma desvirtuação.

ii) Primeiro e quarto argumentos da primeira alegação, terceira e quarta alegações da primeira parte, bem como o restante do oitavo fundamento e do décimo fundamento

65. Vou expor os argumentos das partes para, em seguida, apresentar uma síntese, que permita isolar a questão essencial colocada ao Tribunal de Justiça neste recurso.

– Argumentos das partes

66. Através do primeiro argumento da primeira alegação (n.° 362 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n. os  382 a 387 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na qualificação da natureza da infração, atendendo às Orientações de 1998 para o cálculo das coimas. O Tribunal Geral considerou, designadamente, que a declaração de não violação do princípio da segurança jurídica implicava necessariamente a existência de um «abuso caraterizado». Segundo as recorrentes, o seu raciocínio relativo ao princípio da segurança jurídica visava demonstrar que estas não tinham razões para pensar que o seu comportamento era ilegal, e o relativo ao «abuso caraterizado» visava fazer prova de que não se tratava de um abuso evidente ou « clear‑cut » à luz das Orientações de 1998. As recorrentes acrescentaram que podiam duvidar legitimamente duvidar da natureza abusiva do seu comportamento.

67. A Comissão defende, no essencial, que o Tribunal Geral abordou a questão de saber se existia «abuso caraterizado» respondendo de forma extremamente detalhada, nos n. os  353 a 369 do acórdão recorrido, a cada um dos argumentos invocados na primeira instância, tendo concluído que os precedentes eram suficientemente claros.

68. Através do quarto argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.° 375 da petição) criticam aparentemente o n.° 386 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral erradamente recusou qualificar a infração como «grave» em vez de «muito grave», no período anterior à publicação da Decisão Deutsche Telekom.

69. A Comissão defende que é necessário ler o acórdão recorrido na íntegra e que o Tribunal Geral decidiu que a infração era «muito grave» independentemente da Decisão Deutsche Telekom.

70. Através de uma terceira alegação, as recorrentes (n.° 409 da petição) criticam aparentemente os n. os  412 e 413 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral violou o princípio da não discriminação, por um lado, ao decidir que a prática decisória da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência, apesar da existência de precedentes muito semelhantes, como o processo que deu origem às decisões Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom.

71. Segundo a Comissão, esta alegação não evidencia a existência de qualquer erro de direito, uma vez que não existe nenhuma norma jurídica que impeça que uma infração, cujo alcance esteja circunscrito a um único Estado‑Membro, seja qualificada de «muito grave». Remete, adicionalmente, para o n.° 413 do acórdão recorrido em que o Tribunal Geral evidenciou as diferenças significativas com os casos anteriores, que nunca foram contestadas pelas recorrentes.

72. Através da sua quarta alegação, as recorrentes (n.° 414 da petição) criticam aparentemente os n. os  415 a 420 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não tomou em conta a intensidade variável da gravidade da infração ao longo do período em que se verificou a infração.

73. A Comissão afirma, no essencial, que reconheceu nos considerandos 750 e 760 da decisão impugnada, que a infração tinha sido «menos grave» durante certos períodos, o que demonstrava que a intensidade variável da gravidade tinha sido tomada em conta no cálculo do montante da coima. A Comissão salienta igualmente que repartição em dois períodos distintos não se justificava, porque o Tribunal Geral entendeu que a infração foi muito grave nos dois períodos.

74. Na segunda parte do seu oitavo fundamento, as recorrentes invocam uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualidade das penas. Através da sua primeira alegação, as recorrentes (n.° 424 da petição) criticam aparentemente os n. os  424 a 427 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral decidiu, em violação do princípio da não discriminação, que a prática decisória da Comissão não servia de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência.

75. A Comissão recorda que, na primeira instância, já demonstrou as diferenças entre o presente caso e os casos referidos pelas recorrentes e acrescenta que tem competência para aumentar os limites das coimas, em especial quando o nível anterior não se revelou dissuasivo. Consequentemente, o facto de o montante de partida da coima ser muito superior ao aplicado nas decisões Wanadoo Interactive ou Deutsche Telekom é irrelevante para apreciar a legalidade do montante de base no caso vertente.

76. Através da sua segunda alegação, as recorrentes (n.° 428 da petição) criticam aparentemente os n. os  428 a 432 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição para verificar o caráter proporcional da sanção e, portanto, violou o princípio da proporcionalidade, mediante uma simples confirmação da margem de apreciação da Comissão quanto à fixação do montante das coimas.

77. A Comissão observa, no essencial, que o Tribunal Geral não se limitou a referir a margem de apreciação da Comissão, tendo efetivamente verificado, no n.° 432 do acórdão recorrido, se o montante da coima era desproporcionado.

78. Através da sua terceira alegação, as recorrentes (n.° 432 da petição) criticam aparentemente o n.° 433 do acórdão recorrido, por não ter o Tribunal Geral exercido a sua competência de plena jurisdição para verificar se o princípio do efeito dissuasivo da coima prevaleceu indevidamente sobre o princípio da individualidade das penas.

79. A Comissão confessa que não perceber o erro de direito invocado pelas recorrentes. Salienta, por um lado, que nenhum princípio jurídico afirma que o «efeito individual» se deve sobrepor ao «efeito dissuasivo geral» e, por outro lado, que a decisão impugnada explicava de forma extremamente detalhada por que razão a coima era adequada às circunstâncias do caso.

80. Por fim, através da sua quarta alegação, as recorrentes (n.° 435 da petição) criticam aparentemente os n. os  434 e 435 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação ao decidir que a Comissão não tinha que fundamentar com um cuidado especial a sua decisão de aplicar uma coima sensivelmente superior às das decisões Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom.

81. A Comissão argumenta, no essencial, que, uma vez que as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter verificado que os dados «figuravam» na decisão impugnada, a quarta alegação não revela nenhum erro de direito porquanto, no âmbito da fundamentação, é necessário verificar se Comissão forneceu motivos suficientes e não se apresentou provas que apoiem os seus fundamentos.

82. Na terceira parte do seu oitavo fundamento, as recorrentes (n. os  439 e 440 da petição) defendem que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n. os  437 a 443 do acórdão recorrido, da majoração do montante inicial da coima para efeitos de dissuasão.

83. A Comissão e a France Telecom observam inicialmente que os n. os  437 a 443 do acórdão recorrido refutam com precisão os argumentos invocados pelas recorrentes. Em seguida, a Comissão salienta que os tribunais da União confirmaram a legalidade da prática que consiste em majorar a coima aplicada às grandes empresas, como nos acórdãos Showa Denko/Comissão e Lafarge/Comissão (30) . Por fim, a Comissão acrescenta que a majoração de 25% é muito inferior à tradicionalmente aplicada pela Comissão.

84. Na quarta parte do seu oitavo fundamento, que formalmente está incluída na terceira parte no presente recurso, as recorrentes (n.° 445 da petição) alegam, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n. os  444 a 452 do acórdão recorrido, da qualificação do seu comportamento como «infração de longa duração».

85. Quanto à data do fim da infração, a Comissão salienta que nenhum elemento do processo fornecido pelas recorrentes comprovava alterações de preços entre junho e dezembro de 2006.

86. Na quinta parte do seu oitavo fundamento, que formalmente está incluída na terceira parte no presente recurso, as recorrentes (n.° 453 da petição) alegam, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n. os  453 a 461 do acórdão recorrido, das circunstâncias atenuantes para efeitos de redução da coima.

87. No que respeita à negligência, a Comissão argumentou que o Tribunal Geral avaliou este aspeto no n.° 458 do acórdão recorrido, o qual deve ser lido à luz da integralidade do acórdão recorrido. Quanto ao caráter de novidade, a Comissão entendeu que o Tribunal Geral podia validamente, no n.° 461 do acórdão recorrido, remeter para os n. os  356 a 368 do referido acórdão porquanto já aí apreciara a gravidade da infração e a circunstância atenuante contribui igualmente para apreciar essa gravidade.

88. Através do seu décimo fundamento, as recorrentes (n.° 474 da petição) alegam que o Tribunal Geral violou o artigo 229.° CE (atual artigo 261 TFUE) ao ignorar a sua obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição sobre as sanções.

89. A Comissão defende que cada uma das alegações formuladas no décimo fundamento foi refutada de forma circunstanciada nas suas respostas aos outros fundamentos.

– Análise

90. Como se pode constatar pela leitura dos argumentos das partes, a primeira (nos seus primeiro e quarto argumentos), a terceira e a quarta acusações da primeira parte do oitavo fundamento, a primeira, segunda, terceira e quarta acusações da segunda parte do oitavo fundamento, bem como as suas terceira, quarta e quinta partes e, por último, o décimo fundamento, sobrepõem‑se largamente. Com efeito, todos os argumentos das recorrentes relativos ao cálculo da coima visam, no essencial, o exercício, pelo Tribunal Geral da sua competência de plena jurisdição, o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da não discriminação, e da individualização das penas. Irei, assim, analisar a questão de saber se, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral exerceu efetivamente a sua competência de plena jurisdição, como é seu dever, ou se, incorretamente, se terá limitado a escudar‑se na margem de apreciação da Comissão.

91. Se, no seio de uma mesma decisão da Comissão, a jurisprudência exige, por respeito pelos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, que seja utilizado o mesmo método de cálculo para todos os membros do cartel (31), é verdade que o Tribunal de Justiça tem repetidamente decidido que «a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações» (32) .

92. Assim, «o facto de, no passado, a Comissão ter aplicado, para certas categorias de infrações, coimas que se situavam num determinado nível não a pode impedir de fixar coimas a um nível superior, se for considerado que um aumento das sanções é necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União, a qual está unicamente definida pelo Regulamento (CE) n.° 1/2003» (33) . O Tribunal Geral acrescentou (34) que «[a] Comissão não pode, com efeito, ser obrigada a fixar coimas com uma coerência perfeita relativamente às que foram fixadas noutros processos».

93. Com efeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que «a execução da referida política exige que a Comissão possa adaptar o nível das coimas em função dos imperativos da política na matéria» (35), designadamente quando os níveis previamente aplicados não se tenham revelado dissuasivos.

94. Ainda segundo o Tribunal de Justiça, há que acrescentar que «a gravidade das infrações deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração» (36) .

95. Cumpre ainda indicar a jurisprudência do Tribunal Geral, que foi chamado a pronunciar‑se sobre estas questões. Este observou corretamente, no acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, que, «[q]uanto às comparações […] com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas, conclui‑se que essas decisões só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço » (37) (o sublinhado é meu).

96. No acórdão Tréfilunion/Comissão (dito do «Mercado das Redes soldadas») (38), o Tribunal Geral esclareceu justamente que, « apesar de ser desejável que as empresas — para poderem tomar posição com perfeito conhecimento de causa — possam conhecer em pormenor, de acordo com qualquer sistema que a Comissão considere oportuno, o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão — o que seria contrário ao princípio da boa administração ‑, no caso concreto, e tendo em conta a jurisprudência citada, os elementos contidos na decisão e a falta de cooperação da recorrente […] a acusação relativa à falta de fundamentação não deve ser acolhida» (o sublinhado é meu).

97. Além disso, como o Tribunal Geral corretamente assinalou na sua jurisprudência, «de cada vez que a Comissão decide aplicar coimas por força do direito da concorrência, é obrigada a observar os princípios gerais de direito, entre os quais figura o princípio da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, como interpretado pelos órgãos jurisdicionais [da União]» (39) .

98. Resumindo as considerações anteriores, verifico que o dever de fundamentação da Comissão, cuja importância é ainda confirmada pela jurisprudência recente Chalkor/Comissão e KME Germany e o./Comissão (dito «Mercado dos tubos industriais/sanitários em cobre»), bem como pela do TEDH (40), constitui o elemento central de relevância para a apreciação do respeito pelos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, da comparação da decisão impugnada com as decisões anteriores da Comissão em que é aplicada uma coima.

99. Inicialmente, no acórdão Sarrió/Comissão(41), já referido, no n.° 73 o Tribunal de Justiça declarou que, «tendo em conta a jurisprudência referida nos n. o s  341 e 342 do acórdão recorrido [(42) ],os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infração bem como a respetiva duração. Na falta de tais elementos, a decisão está viciada por falta de fundamentação».

100. A seguir, no n.° 76 deste acórdão, o Tribunal de Justiça acrescenta que, «[c]ertamente a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação. Contudo, é‑lhe permitido fazer acompanhar a sua decisão de uma fundamentação que vá para além dos requisitos lembrados no n.° 73 do presente acórdão, entre outros, indicando os elementos numéricos que orientaram, nomeadamente quanto ao efeito dissuasivo pretendido, o exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas a várias empresas que participaram, com intensidade variável, na infração» (o sublinhado é meu).

101. Por fim, o Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 77 deste acórdão, que, «[com] efeito, pode ser desejável que a Comissão faça uso dessa faculdade para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da ação administrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal de Primeira Instância da sua competência de jurisdição plena, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o caráter apropriado da coima aplicada . No entanto, esta faculdade, […] não é suscetível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação» (o sublinhado é meu).

102. Embora resulte claramente desta jurisprudência que a comunicação pela Comissão do método de cálculo da coima representa apenas uma faculdade «desejável» que não está abrangida stricto sensu pelo dever de fundamentação, a qual exige apenas a indicação dos elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade da infração bem como a respetiva duração (43), é necessário questionarmo‑nos sobre a questão de saber se isso implica que a Comissão possa simultaneamente remeter‑se ao silêncio quanto ao método de cálculo da coima e não explicar de forma pormenorizada um aumento drástico da coima aplicada, em relação a precedentes muito comparáveis, à luz dos acórdãos, já referidos, Chalkor e KME bem como Menarini, na medida em que estes clarificaram o alcance da obrigação de exercício da competência de plena jurisdição que incumbe ao Tribunal Geral.

103. Com efeito, recordo que o Tribunal de Justiça esclareceu, inicialmente, no n.° 60 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, que «[a]s orientações, relativamente às quais o Tribunal de Justiça já declarou que estabelecem uma regra de conduta indicativa da prática a seguir da qual a administração não se pode afastar, num caso específico, sem indicar razões que sejam compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento [(44) ], limitam‑se a descrever o método do exame da infração seguido pela Comissão e os critérios que esta se obrigou a tomar em consideração para a fixação do montante da coima ».

104. Neste contexto, nos termos do n.° 61 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido (bem como nos termos do n.° 128 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido), o « dever [de fundamentação] reveste particular importância. Incumbe à Comissão fundamentar a sua decisão e, nomeadamente, explicar a ponderação e a avaliação que fez dos elementos tomados em consideração […]. A existência de fundamentação deve ser verificada oficiosamente pelo juiz» (o sublinhado é meu).

105. Recordo igualmente que a jurisprudência do Tribunal de Justiça (45) esclarece «que, embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita » (o sublinhado é meu). Sem esta explicação, o exercício da competência de plena jurisdição torna‑se muito mais difícil.

106. Por último, constato que a fundamentação da Comissão se revela claramente mais transparente e pormenorizada quando esta «propõe» uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória [nas ações por «duplo incumprimento» (artigo 260.°, n.° 2, TFUE)] do que quando a própria Comissão «decide» aplicar uma coima (nos processos de direito da concorrência) (46) .

107. Logo no Tratado de Roma de 25 de março de 1957 (47), o Tribunal de Justiça recebeu, em matéria de sanções, uma competência especial: a de plena jurisdição, que lhe permite, designadamente em matéria de direito da concorrência, não apenas anular ou confirmar uma coima e o seu montante, mas também aumentá‑lo ou diminuí‑lo.

108. Como refere o Tribunal de Justiça no n.° 130 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido, «[a] fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que era reconhecida ao juiz da União pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17 e o é atualmente pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, de suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada [(48) ]» (o sublinhado é meu).

109. Embora os textos dos Tratados ou dos regulamentos que atribuem esta competência ao Tribunal de Justiça não se tenham alterado (49), os princípios gerais do direito da União, a entrada em vigor da Carta (que, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, passou a ter o mesmo valor jurídico que os Tratados) e a jurisprudência do TEDH e do Tribunal de Justiça, confirmaram que, a propósito das coimas aplicadas pela Comissão em matéria de concorrência, a competência de plena jurisdição impunha ao Tribunal de Justiça (50) que realizasse a sua própria apreciação a esse respeito.

110. Resulta designadamente do acórdão do TEDH, Menarini, já referido, que a competência de «plena jurisdição» implica o poder de reformular todos os pontos, de facto e de direito, a decisão adotada, bem como a competência para se debruçar sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para o litígio submetido ao Tribunal Geral.

111. O juiz Pinto de Albuquerque, na sua opinião dissidente no mesmo processo, assinala acertadamente que, «[n]o plano dos princípios, a aplicação de sanções públicas excede as funções tradicionais da administração e deve ser exercida por um juiz. Se a verificação das condições de facto da aplicação de uma sanção pública estiver reservada a um órgão administrativo, sem uma fiscalização posterior rigorosa pelos tribunais, os referidos princípios [da separação de poderes e da legalidade das sanções] serão totalmente falseados» (o sublinhado é meu).

112. De igual modo, os acórdãos já referidos Chalkor e KME concluíram claramente que a competência de plena jurisdição do Tribunal Geral implica o exercício de uma fiscalização tanto de facto como de direito, bem como o poder de apreciar as provas, de anular a decisão impugnada e de alterar o montante das coimas (51) .

113. Como assinalou a advogada‑geral J. Kokott (52), a questão de saber se o Tribunal Geral exerceu a sua competência de plena jurisdição é «um verdadeiro problema jurídico […]: está em causa o alcance das exigências legais relativas à apreciação por parte do Tribunal Geral de uma acusação de discriminação e, em particular, a intensidade da fiscalização posta em prática pelo Tribunal Geral para esse efeito em relação à Comissão. Trata‑se, a este respeito, de uma questão que é constantemente objeto de debate e à qual é dispensada atualmente — sobretudo no âmbito da [Carta] uma atenção cada vez maior. […] O artigo 47.° da Carta […] garante o direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva, o qual é igualmente reconhecido como princípio geral do direito da União [(53) ], […]. Este direito fundamental compreende, entre outros, o direito à fiscalização das decisões administrativas por um tribunal independente num processo equitativo» (o sublinhado é meu).

114. Adicionalmente, em conformidade com o artigo 49.°, n.° 3, da Carta, relativo aos princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, o juiz da União deve assegurar a efetividade do princípio segundo o qual «[a]s penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração».

115. Adicionalmente, o TEDH decidiu igualmente que a fiscalização de uma sanção administrativa implica que o juiz verifique e analise pormenorizadamente a adequação da sanção relativamente à infração cometida, tomando em conta os parâmetros relevantes, incluindo o da proporcionalidade da própria sanção e, se for caso disso, que a substitua (v. acórdão Menarini, já referido, n. os  64 a 66).

116. De igual modo, no direito da União, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União (e está consagrado na Carta), exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (54) .

117. No âmbito dos processos de execução das normas da concorrência, a aplicação do princípio da proporcionalidade implica que a coima aplicada a uma sociedade não seja desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos pela Comissão e que o seu montante seja proporcional à infração, atendendo, designadamente, à gravidade desta. Para este efeito, o Tribunal Geral deve examinar todos os elementos relevantes, como o comportamento da empresa e o papel que esta desempenhou na implementação da prática anticoncorrencial, a sua dimensão, o valor das mercadorias em causa e ainda o benefício que esta poderá ter retirado da infração cometida, bem como o objetivo de dissuasão prosseguido e os riscos que este tipo de infrações representam para os objetivos da União.

118. Dito de outra forma, o Tribunal Geral deve exercer integralmente a sua competência de plena jurisdição no âmbito da apreciação da proporcionalidade do montante da coima (55) .

119. Além disso, o princípio da não discriminação «exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado» (56) .

120. O que implica duas coisas. Primeiro, que a fundamentação da Comissão permita ao Tribunal Geral exercer a sua apreciação quanto ao caráter proporcionado e não discriminatório da coima. Como declara o Tribunal de Justiça, «a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE [atual artigo 296.° TFUE] deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo » (57) (o sublinhado é meu), no nosso caso, a competência de plena jurisdição.

121. Implica, em seguida, que a apreciação do Tribunal Geral seja suficientemente independente da que foi adotada pela Comissão, na medida em que não se pode limitar a ficar sujeito ao montante fixado pela Comissão — de forma relativamente abstrata, como parece suceder quanto ao montante de base no caso presente — nem sentir‑se vinculado pelos cálculos desta ou pelas considerações a que esta atendeu na determinação da coima (58) .

122. Como o Tribunal Geral acertadamente assinalou no caso Volkswagen/Comissão (59) (em que o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da decisão do Tribunal Geral), «[e]fetivamente, pertence ao próprio Tribunal, no âmbito da sua competência na matéria apreciar as circunstâncias do caso vertente a fim de determinar o montante da coima » (o sublinhado é meu). No referido acórdão, o Tribunal Geral — atendendo ao conjunto das circunstâncias e considerações e decidindo no exercício da sua competência de plena jurisdição — entendeu que se justificava reduzir o montante da coima de 102 000 000 de ecus para 90 000 000 euros.

123. Como assinalou muito acertadamente o advogado‑geral P. Mengozzi (60), «as condições em que os juízes [da União] podem exercer a sua competência de plena jurisdição não pode ser definida pelas Orientações da Comissão, que se consubstanciam num ato de organização interna desta instituição» e que constituem apenas «soft law» (61), embora, como escreve o advogado‑geral Y. Bot (62), na realidade, o Tribunal Geral «se limite, com demasiada frequência, a analisar se a Comissão aplicou corretamente a metodologia que fixou [ela própria] nas suas Orientações [apesar de] a fixação do montante da coima normalmente não implicar apreciações económicas complexas, as quais devem estar reservadas à Comissão e ser submetidas a uma fiscalização jurisdicional restrita».

124. Há um argumento que é frequentemente invocado contra a posição preconizada nas presentes conclusões, a saber que o Tribunal Geral não deve, ou não pode, «imiscuir‑se» na fixação da coima, e portanto na política da concorrência, cuja responsabilidade pertence unicamente à Comissão. Não concordo com este raciocínio dado que o Tribunal Geral se pronuncia apenas sobre um caso específico. Portanto, a Comissão mantém todas as suas competências para definir e aplicar a sua política geral nos outros processos.

125. Deduzo do anteriormente exposto, particularmente com base nos n. os  62 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, e 129 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido, que, em meu entender, na sua fiscalização, o Tribunal Geral não se pode apoiar na margem de apreciação de que a Comissão dispõe, ou unicamente no erro manifesto de apreciação que esta cometeu no que respeita à escolha dos elementos tomados em consideração na aplicação dos critérios constantes das Orientações de 1998, ou na avaliação destes elementos, para assim renunciar ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de facto como de direito, e não exigir que a Comissão explique a alteração da sua política da coima num caso específico .

126. Em qualquer caso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça — ainda que o Tribunal Geral possa, no limite, se for o caso, referir‑se «ao «poder de apreciação», à «margem de apreciação substancial» ou à «ampla margem de apreciação» da Comissão [o que, em meu entender, não deveria fazer], estas referências [não podem impedir] o Tribunal Geral de exercer a fiscalização plena e integral, de direito e de facto, a que está obrigado » (63) (o sublinhado é meu).

127. No n.° 78 do seu acórdão Chalkor/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que «o Tribunal Geral não se limitou a esta fiscalização da conformidade com as orientações, mas fiscalizou também ele próprio, no n.° 145 do acórdão recorrido, o caráter adequado da sanção».

128. O Tribunal de Justiça recordou igualmente no acórdão SCA Holding/Comissão (64) que «o Tribunal [Geral] tem competência para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição que lhe é reconhecido pelos artigos 172.° do Tratado CE [atual artigo 261.° TFUE] e 17.° do Regulamento n.° 17 [artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003], o caráter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é como tal exigida nos termos do dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado [atual artigo 296.° TFUE]» (o sublinhado é meu).

129. O Tribunal Geral deve, portanto, avaliar por si mesmo se a coima é adequada e proporcionada e deve verificar por si mesmo se todos os elementos relevantes para o efeito de calcular a coima foram realmente tomados em consideração pela Comissão, entendendo‑se que o Tribunal Geral também deve poder, por conseguinte, reconsiderar os factos e as circunstâncias que os recorrentes lhe apresentam (65) .

130. De resto, em determinados processos, o Tribunal Geral já seguiu raciocínios neste sentido.

131. No acórdão Romana Tabacchi (66) (que não foi objeto de recurso para o Tribunal de Justiça), entendeu corretamente que «[a] competência de plena jurisdição conferida nos termos do artigo 229.° CE [atual artigo 261.° TFUE], ao Tribunal Geral pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 habilita‑o, para além da simples fiscalização da legalidade, que só permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato impugnado, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a alterar o ato impugnado, mesmo sem o anular, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, alterando, por exemplo, a coima aplicada quando a questão do seu montante tenha sido submetida à sua apreciação. […] por natureza, a fixação de uma coima pelo Tribunal não é um exercício aritmético preciso. Além disso, o Tribunal Geral não está vinculado aos cálculos da Comissão, nem pelas suas orientações quando se pronuncia ao abrigo da sua competência de plena jurisdição […] antes devendo efetuar a sua própria apreciação tendo em conta todas as circunstâncias do caso » (o sublinhado é meu).

132. Nos n. os  283 a 285 do referido acórdão, o Tribunal Geral concluiu que, «[a]tentas estas circunstâncias, o Tribunal considera que uma coima no montante de 2,05 milhões de euros, como a aplicada pela Comissão em 20 de outubro de 2005, é suscetível, por si só, de levar à liquidação da recorrente e, em consequência, ao seu desaparecimento do mercado, desaparecimento esse que, por outro lado, poderá ter repercussões importantes, evocadas pela recorrente no quadro do seu quinto fundamento […]. À luz do exposto e tendo em conta, nomeadamente, o efeito cumulativo das ilegalidades que se concluiu existirem, bem como a reduzida capacidade financeira da recorrente, o Tribunal entende que será feita uma justa apreciação de todas as circunstâncias do caso se fixar o montante final da coima aplicada à recorrente em 1 milhão de euros. Com efeito, uma coima desse montante permite reprimir eficazmente o comportamento ilegal da recorrente, de uma forma não despicienda e que não deixa de ser suficientemente dissuasiva. Qualquer coima superior a este montante seria desproporcionada relativamente à infração imputada à recorrente apreciada no seu conjunto […]. No presente processo, uma coima de 1 milhão de euros constitui a justa sanção pelo comportamento imputado à recorrente» (o sublinhado é meu) (67) .

133. No acórdão Groupe Danone/Comissão (dito do «Mercado belga da cerveja»), já referido, o Tribunal de Justiça considerou improcedente um fundamento do recurso da decisão da primeira instância, relativo a uma alegada violação pelo Tribunal Geral do princípio ne ultra petita , quando o Tribunal Geral tinha alterado as modalidades de aplicação do coeficiente correspondente a circunstâncias atenuantes, sem existirem quaisquer pedidos nesse sentido, pela simples razão de que, dado que a questão do montante da coima estava sujeita à sua apreciação, o Tribunal Geral podia, no âmbito da aplicação do artigo 229.° CE (atual artigo 261.° TFUE) e do Regulamento n.° 17, a que veio a suceder o Regulamento n.° 1/2003, suprimir, reduzir ou aumentar o montante da coima aplicada pela Comissão (68) .

134. Como salientou corretamente o advogado‑geral P. Mengozzi (69), esta apreciação é facilmente compreensível se se conceber a função da competência de plena jurisdição como uma garantia suplementar da atribuição às empresas de uma fiscalização de intensidade máxima, por um tribunal independente e imparcial, do montante da coima que lhes é aplicada. Esta qualificação da competência de plena jurisdição do Tribunal Geral como uma «garantia suplementar» já foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no âmbito da definição do alcance dos direitos de defesa das empresas perante a Comissão a respeito da aplicação de coimas (70) .

135. Também estou de acordo com o advogado‑geral P. Mengozzi quando refere nas suas conclusões no processo Comissão/Tomkins, já referido, que esta qualificação não pode significar que, mediante contestação do montante da coima no Tribunal Geral, as empresas, com pleno conhecimento do montante exato fixado pela Comissão, têm a possibilidade de apresentar quaisquer críticas, tanto ao nível da legalidade como da oportunidade, quanto ao cálculo deste montante efetuado pela Comissão, de modo a poderem influenciar através de quaisquer meios de defesa, para além das limitações inerentes à fiscalização da legalidade, a convicção do juiz quanto ao montante adequado da coima (71) . Ora, como acrescenta corretamente, para que esta função de garantia suplementar seja efetiva, o Tribunal Geral deve ser designadamente autorizado (72), a ter em conta todas as circunstâncias de facto, incluindo, por exemplo, as circunstâncias posteriores à decisão contestada perante ele (73), o que as limitações inerentes à fiscalização da legalidade, em princípio, não lhe permitiriam (74) .

136. Refiro ainda o acórdão do Tribunal Geral no caso Siemens Österreich e o./Comissão (dito do «Mercado dos Mecanismos de comutação isolados a gás») (75), em que, baseando‑se no princípio da individualidade das penas e das sanções, o Tribunal Geral decidiu «[que, a] este respeito, contrariamente ao que alega […], a Comissão não poderia determinar livremente os montantes a pagar solidariamente. Com efeito, decorre do princípio da individualidade das penas e das sanções […] que cada sociedade deve poder deduzir da decisão que lhe aplica uma coima a pagar solidariamente com uma ou várias sociedades a parte que deverá suportar na sua relação com os seus codevedores solidários, depois de a Comissão ter recebido. Com este objetivo, a Comissão deve designadamente especificar os períodos durante os quais as sociedades em causa são (co)responsáveis pelos comportamentos ilícitos das empresas que participaram no cartel e, se for o caso, o grau de responsabilidade das referidas sociedades quanto a estes comportamentos […]. Assim sendo, no caso em apreço, a Comissão devia tomar em consideração as declarações que fez, no considerando 468 da decisão impugnada [naquele processo], quanto aos períodos de responsabilidade comum das diferentes sociedades que fazem parte da empresa VA Tech para determinar os montantes a pagar solidariamente por essas sociedades. Estes montantes devem refletir, na medida do possível, o peso das diferentes quotas da responsabilidade que as referidas sociedades partilham, tais como identificadas no referido considerando».

137. O Tribunal Geral procedeu então a uma análise pormenorizada da decisão da Comissão e censurou a seleção dos destinatários da coima e a determinação dos montantes de que os destinatários eram devedores.

138. No n.° 166 do seu acórdão, sem se referir a uma qualquer margem de apreciação da Comissão, concluiu «que, ao considerar a Reyrolle, a SEHV e a Magrini solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma coima de um montante que excedia claramente a sua responsabilidade comum, ao não considerar a Siemens Österreich e a KEG solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma parte da coima aplicada à SEHV e à Magrini e, ao não fazer a Reyrolle suportar sozinha uma parte da coima que lhe foi aplicada, a Comissão violou o princípio da individualidade das penas e das sanções».

139. Encontra‑se outro exemplo no acórdão do Tribunal Geral Brasserie nationale e o./Comissão (76), em que este decidiu «[que i]ncumbe […] ao Tribunal controlar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infração e ponderar a gravidade da infração e as circunstâncias invocadas pela recorrente».

140. No seu acórdão Parker Pen/Comissão (77), proferido antes da existência das Orientações, na sequência de uma análise da coima em questão, o Tribunal Geral concluiu «que a coima de 700 000 ecus aplicada à recorrente não [era] adequada, tendo em consideração designadamente o reduzido volume de negócios a que a infração diz respeito, e que se justifica[va], no exercício da sua competência de plena jurisdição, reduz[ir] para 400 000 ecus o montante da coima aplicada à Parker».

141. No processo Ventouris/Comissão (dito do «Mercado dos Ferries gregos»), já referido, em que a decisão da primeira instância não foi objeto de recurso no Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral concluiu, neste caso depois da introdução das Orientações de 1998, que a coima em questão devia ser reduzida por razões de equidade e de proporcionalidade. Dado que, numa decisão única, a Comissão tinha punido duas infrações distintas, e estas duas razões de equidade e proporcionalidade impunham que uma empresa que tinha participado apenas numa infração fosse condenada menos severamente do que aquelas que tinham participado nas duas. Segundo o Tribunal Geral, ao calcular as coimas a partir de um montante de base único para todas as empresas, modulado em função da respetiva dimensão, sem fazer nenhuma distinção em função da respetiva participação numa ou nas duas infrações sancionadas, a Comissão aplicou à empresa que foi considerada responsável apenas pela participação numa única infração uma coima desproporcionada em relação à importância da infração cometida (78) .

142. Em contrapartida (depois dos acórdãos já referidos Chalkor e KME, bem como Menarini!), o Tribunal Geral concluiu no processo Dow Chemical/Comissão (dito do «Mercado da borracha cloropreno») (79) que, «no caso vertente, não se trata, nesta fase, de uma situação em que o Tribunal Geral, perante a inexistência de constatações de ilegalidade da decisão [impugnada], como sucedeu no caso que esteve na origem do acórdão BASF e UCB/Comissão [(80) ], recalcula o montante da coima aplicada à recorrente, mas antes controla a legalidade da aplicação, pela Comissão, das orientações de 2006, à situação desta » (o sublinhado é meu), abordagem esta que encontramos no acórdão recorrido.

143. Assinalo que é cada vez mais necessária uma verdadeira fiscalização da coima pelo Tribunal Geral no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, dado que o montante das coimas aplicadas pela Comissão não para de aumentar. Sem pretender ser exaustivo, cito apenas alguns exemplos: no processo Microsoft (que foi referido pela Comissão na audiência), foi aplicada à Microsoft uma coima de 497 milhões de euros em 2004, à qual foram acrescentadas uma sanção pecuniária compulsória de 280,5 milhões de euros em 2006, uma sanção pecuniária compulsória de 899 milhões de euros em 2008, bem como uma coima de 561 milhões de euros em 2013 (81) . Por seu lado, a Intel recebeu uma coima de 1,06 mil milhões de euros (82) . A coima da Saint‑Gobain em 2008 foi de 896 milhões de euros (com 1,38 mil milhões de euros para o cartel «Vidro automóvel» no total) (83), a da Siemens em 2007 foi superior a 396 milhões de euros (com 750 milhões de euros para o cartel «Mecanismos de comutação isolados a gás» no total) (84) . No cartel dos fabricantes de elevadores, as coimas foram, no total, de quase mil milhões de euros (85) . Por fim, em 2012 a Comissão aplicou uma coima de 1,47 mil milhões de euros aos dois cartéis entre produtores de tubos catódicos para televisores e ecrãs de computador (86) .

144. No que diz respeito à importância da fiscalização pelo Tribunal Geral do cálculo das coimas, preconizada nas presentes conclusões, posso recordar o que disse o advogado‑geral A. Tizzano no processo Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido (87), em que assinala que a sua análise deste processo «revela precisamente que o método de cálculo aplicado pela Comissão apresenta algum risco à luz da equidade do sistema […]. Com efeito, não nos parece plenamente coerente com as exigências de uma individualização e de uma graduação da «pena» […] que nos casos em análise, uma parte das operações apresente caráter formal e abstrato e, portanto, não se repercuta concretamente no montante final da coima . Nem se pode ignorar que, pela mesma razão, se corre o risco de o objetivo de maior transparência, prosseguido pelas orientações não ser plenamente alcançado […]. Além disso, corre‑se o risco de que esse agravamento [da política da Comissão em matéria de coimas que é mais rigorosa e se traduziu num aumento do nível das coimas], na medida em que se baseia numa metodologia de cálculo assente em montantes fixos, atinja sobretudo as pequenas e médias empresas […]. Em suma, apresenta‑se uma situação nova e mais problemática relativamente à fase na qual a metodologia seguida pela Comissão não levava, em princípio, a uma ultrapassagem, no decurso do cálculo, do limite de 10% do volume de negócios global, tornando assim mais fácil e imediata a integração no montante da coima de todas as circunstâncias do caso […]. Deve então perguntar‑se se as referidas consequências da nova orientação da política de coimas não tornam oportuna alguma correção de rota que permita garantir em quaisquer casos, resultados em conformidade com as exigências gerais de razoabilidade e de equidade » (o sublinhado é meu).

145. Estas críticas incisivas do advogado‑geral A. Tizzano no referido processo demonstram claramente que não é apenas desejável ou possível mas francamente necessário que o Tribunal Geral exerça integralmente (88) e independentemente a sua fiscalização das coimas da Comissão (89) .

146. Para avaliar a fiscalização da coima pelo Tribunal Geral e os fundamentos das recorrentes relativos à violação dos princípios da proporcionalidade, da não discriminação, da individualidade das penas, bem como ao dever de fundamentação da Comissão quanto ao montante da coima, é necessário reportarmo‑nos à decisão impugnada.

147. No considerando 756 da decisão impugnada, a Comissão indicou que a prática abusiva podia ser qualificada como uma infração muito grave, apesar de a gravidade não ter sido uniforme durante todo o período de duração da infração. No considerando 757, a Comissão contentou‑se em referir que o montante de base da coima a aplicar às recorrentes, para refletir a gravidade da infração, deve — «à luz das circunstâncias específicas do processo» — ser fixado no montante de 90 milhões de euros.

148. No Tribunal Geral, as recorrentes defenderam que a Comissão tinha violado os princípios da individualidade das penas, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, bem como o seu dever de fundamentação, fixando o montante de base da coima em 90 milhões de euros. Em primeiro lugar, o montante de base da coima aplicada à Telefónica com fundamento na gravidade da infração representa o segundo montante de base mais elevado alguma vez aplicado em matéria de abuso de posição dominante. Por outro lado, este montante foi, respetivamente, nove e dez vezes superior ao montante de base da coima aplicada em 2003 à Deutsche Telekom e à Wanadoo Interactive, por práticas abusivas da posição dominante no mesmo setor, apesar de: i) estas duas decisões e a que condena a Telefónica terem sido adotadas com fundamento nas Orientações de 1998 e, portanto, mediante a aplicação das mesmas regras de cálculo; ii) os comportamentos em causa nestes três processos se terem produzido de maneira parcialmente simultânea e serem de natureza similar, e iii) estes três processos dizerem respeito aos mercados de acesso à Internet em França, na Alemanha e em Espanha, que apresentam fortes semelhanças em termos de dimensão, importância económica e de fase de crescimento. A desproporção manifesta entre o montante de base estabelecido para a Telefónica e os estabelecidos para a Wanadoo Interactive e para a Deutsche Telekom ainda se agrava mais porque, no caso da Telefónica, o montante de base foi majorado em 25% à título de efeito dissuasivo, majoração esta que não foi aplicada à Wanadoo Interactive nem à Deutsche Telekom, apesar da dimensão destas empresas. Considerando o efeito dissuasivo, o montante da coima aplicada à Telefónica em relação à gravidade da infração (112,5 milhões de euros) é, a final de contas, respetivamente 12,5 vezes e 11,25 vezes superior ao da coima aplicada à Wanadoo Interactive e à Deutsche Telekom por práticas abusivas da posição dominante de natureza análoga, ou talvez mais graves.

149. Além disso, segundo as recorrentes, o caráter excessivo do montante de base de 90 milhões de euros da coima aplicada à Telefónica torna‑se ainda mais evidente quando comparado com o que foi fixado no caso Deutsche Post AG em 2001 (90) . Neste processo, a Comissão estabeleceu um montante de base de 12 milhões de euros apenas, apesar de ter reconhecido, designadamente, que: i) a infração devia ser qualificada como «grave»; ii) os descontos de fidelidade concedidos por empresas em posição dominante «já foram por diversas vezes reprovados pelo Tribunal de Justiça», e que iii) «a política de descontos e de preços praticada pela [Deutsche Post AG] teve graves repercussões negativas a nível da concorrência», que permitiram à [Deutsche Post AG] conservar uma quota do mercado alemão dos serviços de encomendas postais para a venda por correspondência que se manteve superior a 85%.

150. E o que entende o Tribunal Geral?

151. Primeiro, no que respeita ao princípio da não discriminação, nos n. os  424 a 427 do acórdão recorrido (em quatro números apenas), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes, considerando muito simplesmente que a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência e que tem apenas natureza indicativa.

152. Segundo, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, nos n. os  428 a 432 do acórdão recorrido (em cinco números no total), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes, limitando‑se a assinalar, no essencial, que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas para orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras de concorrência. De facto, o Tribunal Geral retoma neste número as explicações da Comissão quanto à qualificação da infração como «muito grave» e, num único número (432), «analisa» e concluiu que o montante de partida de 90 milhões de euros não é desproporcionado.

153. Terceiro, no que respeita ao princípio da individualidade das penas, no n.° 433 (apenas) do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recorda a jurisprudência segundo a qual, para apreciar a gravidade de uma infração com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve zelar para que a sua atuação tenha um caráter dissuasivo, sobretudo quanto aos tipos de infração particularmente prejudiciais para a realização dos objetivos da União. A dissuasão deve ser simultaneamente específica e geral. Ao mesmo tempo que reprime uma infração individual, a coima inscreve‑se também no âmbito de uma política geral de respeito das normas da concorrência pelas empresas. O Tribunal Geral concluiu que resulta da decisão impugnada que, no caso vertente, a coima foi calculada tomando em conta a situação particular da Telefónica. Por conseguinte, as recorrentes não podem alegar que o efeito dissuasivo geral da coima foi o «objetivo primeiro e único da coima».

154. Por último, no que respeita à alegada violação do dever de fundamentação e da tutela jurisdicional efetiva, nos n. os  434 e 435 do acórdão recorrido (ou seja, em dois números apenas), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes e afirma simplesmente que a Comissão não violou as exigências mínimas na matéria, uma vez que indicou os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração. Além disso, o Tribunal Geral acrescenta ainda que, dado que a prática decisória da Comissão não serve de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência, esta não está obrigada a indicar por que razões o montante de base da coima aplicada às recorrentes foi significativamente superior ao montante das coimas aplicadas à Wanadoo Interactive e à Deutsche Telekom.

155. Da leitura destes 12 números (em 465!) (91), que, de resto, não incluem praticamente nenhuma análise propriamente dita realizada pelo Tribunal Geral, concluo, à luz dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade, da individualidade das penas e à luz do dever de fundamentação da Comissão quanto ao montante da coima, que este manifestamente não exerceu a competência de plena jurisdição a que está obrigado.

156. Quanto à alegada violação do princípio da não discriminação, o Tribunal Geral limitou‑se a fazer referência ao caráter indicativo do montante das coimas aplicadas pela Comissão em decisões anteriores, mas absteve‑se de assinalar que, nesta matéria, certas decisões anteriores da Comissão continham indicações particularmente valiosas. Acresce que a Comissão não indicou (o que para o Tribunal de Justiça seria desejável e, em meu entender, necessário) o método de cálculo do montante de base de 90 milhões de euros, nem fundamentou suficientemente a diferença entre este montante e o aplicado noutras decisões com características muito similares, como a Deutsche Telekom e a Wanadoo Interactive.

157. O Tribunal Geral esqueceu até a sua própria jurisprudência, uma vez que observou no n.° 316 do acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, já referido (confirmado aliás no acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 262, posterior ao acórdão recorrido), que, «[q]uanto às comparações […] com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas, conclui‑se que essas decisões só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço » (o sublinhado é meu). Com efeito, é evidente que, se, em princípio, a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência, esta argumentação encontra os seus limites no princípio da não discriminação, por força do qual as situações comparáveis não podem ser tratadas de forma diferente (92) .

158. O princípio da «igualdade de sanção para um mesmo comportamento» encontra‑se, de resto, enunciado nas Orientações de 1998 (93) e aplica‑se, em especial, quando as circunstâncias que conduziram à aplicação de uma coima, como os mercados em causa, o tipo de infração, os produtos, as empresas ou o período da infração, são efetivamente semelhantes, o que parece suceder neste caso, exceto se — com base, ou não, em dados complementares fornecidos pela Comissão a pedido do Tribunal Geral — se demonstrar o contrário.

159. No caso vertente, o Tribunal Geral devia, pelo menos, ter exigido que a Comissão explicasse muito claramente por que razão aplicou um montante de partida de 90 milhões de euros nesta situação (e como chegou a este montante), dado que i) está em causa a segunda coima mais elevada, depois da aplicada à Microsoft [Decisão C(2004) 900], e que o montante de partida no caso vertente excede em mais de 40% o terceiro montante de partida mais elevado (o da AstraZeneca (94) ), atendendo, designadamente, a que, nestes dois casos, o mercado geográfico em causa se estendia para além do território de um Estado‑Membro; ii) o montante controvertido é 4,5 vezes superior ao montante mínimo previsto nas Orientações de 1998 para o cálculo das coimas nos casos de infrações «muito graves», e iii) o montante é, respetivamente, dez e nove vezes superior ao «montante de base» aplicado à Deutsche Telekom e à Wanadoo Interactive, relativamente a práticas, mercados, produtos e empresas semelhantes.

160. Quanto ao grau de gravidade da infração («grave» ou «muito grave») as recorrentes alegaram no Tribunal Geral que: i) os abusos de posição dominante cometidos num mercado geográfico limitado ao território de um Estado‑Membro tinham sido qualificados, até então, como graves e que ii) os elementos invocados pela Comissão para justificar a referência ao ponto de vista geográfico (dimensão do mercado espanhol e dificuldade de acesso ao mercado para os operadores estrangeiros) também estavam presentes nas decisões Deutsche Telekom e Wanadoo Interactive, nas quais, no entanto, a infração não foi qualificada como «muito grave», contrariamente à apreciação que a Comissão fez no processo das recorrentes, no período anterior ao da publicação da Decisão Deutsche Telekom. Também nesta situação, o Tribunal Geral se limitou a afirmar que a prática decisória da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência. Contudo, se Comissão se baseou na dimensão do mercado para qualificar a infração como «muito grave», não deveria o Tribunal Geral ter tomado em conta que, para mercados de maior dimensão (França e Alemanha), a Comissão entendeu que este critério não era suficiente para qualificar a infração como «muito grave»?

161. Adicionalmente, se o critério que permite definir que uma infração é «muito grave» na aceção das Orientações de 1998 é o de saber se está em causa um abuso caracterizado («clear‑cut»), é impossível decidir neste sentido sem fazer referência, pelo menos, à prática decisória da Comissão. Na realidade, até as Orientações de 1998 se referem à prática decisória da Comissão para efeitos de clarificar o conceito de infração «muito grave» (95) . Além disso, a decisão impugnada justifica a qualificação do abuso como caracterizado com base na prática decisória da Comissão (96) . Assim, o Tribunal Geral con funde a jurisprudência relativa ao alegado caráter indicativo do montante das coimas aplicadas nas decisões anteriores e a interpretação das Orientações de 1998 para efeitos de determinar a natureza pouco grave, grave ou muito grave da infração. Com efeito, estas utilizam um critério, o do «abuso caracterizado», para sancionar comportamentos cuja ilegalidade não coloca qualquer dúvida, o que, relativamente a práticas abusivas, só pode ser constatado através da referência a precedentes.

162. Além disso, estou de acordo com a quarta alegação da primeira parte do oitavo fundamento das recorrentes (n.° 414 da petição), em que estas criticam os n. os  415 a 420 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não tomou em conta a intensidade variável da gravidade da infração ao longo do período da infração. A este respeito, podemos criticar as constatações do Tribunal Geral nos números 418 e 419 do acórdão recorrido, segundo as quais a Comissão considerou acertadamente que a infração devia ser qualificada de «muito grave», relativamente a todo o período em causa e que, apesar de ter qualificado a infração como «muito grave» por todo esse período, a Comissão teve efetivamente em conta a intensidade variável da infração na fixação do montante de base da coima. Por conseguinte, o Tribunal Geral violou o seu dever de exercício de uma competência de plena jurisdição, por não ter verificado que o montante de base da coima teve efetivamente em conta a intensidade variável da infração, no que diz respeito, em especial, ao período que antecede a publicação da Decisão Deutsche Telekom.

163. Quanto à alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da individualidade das penas, o Tribunal Geral foi especialmente sucinto e apenas fez referência a reflexões muito gerais: à margem de apreciação da Comissão (n.° 430 do acórdão recorrido), à lógica do montante fixo das Orientações de 1998 (n.° 431), à obrigação de a Comissão fixar a coima proporcionalmente aos elementos que toma em conta para apreciar a gravidade da infração, aplicando esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada, mas sem nunca verificar se a aplicação desses elementos tinha sido efetivamente coerente e objetivamente justificada no processo em causa. Concluiu no n.° 432 do acórdão recorrido que, «[t]endo em conta que, por um lado, o abuso da Telefónica deve ser considerado um abuso caracterizado relativamente ao qual existem precedentes, que compromete o objetivo de conclusão de um mercado interno para as redes e serviços de telecomunicações e, por outro, que esse abuso teve um impacto significativo no mercado de retalho espanhol (considerandos 738 a 757 da decisão impugnada), um montante de partida da coima de 90 milhões de euros não pode ser considerado desproporcionado».

164. Apesar de a jurisprudência do Tribunal Geral (97) exigir que a coima seja calculada tomando em conta a situação específica da empresa em causa, o que implica, verificar se, nos factos deste processo , o princípio do efeito dissuasivo da coima prevaleceu indevidamente sobre o princípio da individualidade das penas, o Tribunal Geral, no n.° 433 do acórdão recorrido, limitou‑se a constatar simplesmente que a coima foi «calculada tendo em conta a situação específica da Telefónica».

165. O Tribunal Geral chegou a estas conclusões sem conceder importância nenhuma a diversos elementos que deveriam ter despertado a sua atenção e, em especial que: i) as decisões Deutsche Telekom, Wanadoo Interactive e Telefónica foram adotadas com base nas Orientações de 1998, ou seja, com aplicação das mesmas regras de cálculo; ii) os comportamentos analisados nos três processos ocorreram de forma parcialmente simultânea e têm uma natureza (muito) semelhante (98) : prática de preços predatórios no caso da Wanadoo Interactive e prática de compressão das margens nos casos da Deutsche Telekom e da Telefónica; iii) os três processos dizem respeito aos mercados para o acesso à Internet em França, na Alemanha e em Espanha, os quais apresentam fortes semelhanças em termos de dimensão e de importância económica; iv) as empresas sancionadas nos três processos são operadores históricos de telecomunicações (ou uma filial de um deles, no caso da Wanadoo Interactive) com volumes de negócios muito comparáveis (99) ; e que v) certos elementos podiam até pugnar, pelo menos em teoria, a favor de um montante de base inferior comparativamente com o imposto no processo Deutsche Telekom em que: a) os preços grossistas eram superiores aos preços de retalho, o que permitia que a Deutsche Telekom estivesse consciente da existência de uma compressão de margens sem ter necessidade de tomar os custos em consideração; b) a autoridade reguladora alemã constatou a existência de margens negativas; c) os produtos em causa eram infraestruturas essenciais; e d) segundo as recorrentes, a legislação espanhola era mais restritiva do que a legislação alemã durante o período controvertido (100) (embora este último ponto seja contestado pela Comissão).

166. Com efeito, a Comissão defendeu no Tribunal de Justiça que «a conclusão retirada pelo Tribunal Geral no n.° 432 se baseava numa análise pormenorizada dos ‘ elementos do processo ’ e das alegações das partes» e que o Tribunal Geral efetivamente verificou se a coima era desproporcionada. Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça colocada na audiência sobre estes « elementos do processo », o representante da Comissão disse simplesmente que pensava «que por elementos do processo, se devia entender os documentos, os elementos de prova, as análises judiciais apresentadas [pelas partes]», explicando, em suma, que os 90 milhões de euros do montante de base se situavam na média (uma «espécie de via mediana», segundo disse) entre o ponto de partida estabelecido nas Orientações de 1998, a saber, 20 milhões de euros, e o montante de base de 185 milhões de euros, no processo Microsoft, já referido. É difícil encontrar neste argumento uma explicação convincente para o enorme aumento do montante de base em relação a processos similares, sobretudo porque se trata do segundo montante de base mais elevado de sempre, a seguir ao aplicado no processo Microsoft. Além disso, ainda que estas questões tenham sido discutidas na audiência no Tribunal Geral (como defende a Comissão), o certo é que isso não resulta do acórdão recorrido.

167. No que respeita à majoração do montante de base da coima para efeitos de dissuasão (n. os  437 a 443 do acórdão recorrido) (o que deveria ter levado o Tribunal Geral a interrogar‑se sobre a justificação, mediante o mesmo objetivo de dissuasão, do considerável aumento do montante de base), o Tribunal Geral, no n.° 439, validou simplesmente o raciocínio da Comissão através de meros reenvios gerais para os considerandos da decisão impugnada, sem antes ter analisado o caráter apropriado do fator multiplicador de 1,25, e, novamente, sem exercer uma verdadeira competência de plena jurisdição. O Tribunal Geral também não analisou, nesta parte, a comparação com as decisões Deutsche Telekom e Wanadoo Interactive, nas quais a coima não foi majorada a título de efeito dissuasivo, não aplicando, assim, a jurisprudência segundo a qual o dever de fundamentação deve ser mais explícito, quando a decisão «vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores» (v. nota 45 das presentes conclusões).

168. Adicionalmente, no n.° 441 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não analisou corretamente a eventual violação do princípio da não discriminação, porque o volume de negócios das recorrentes era efetivamente comparável ao da Wanadoo Interactive e ao da Deutsche Telekom (101), às quais a Comissão não tinha considerado oportuno aplicar uma majoração da coima a título dissuasivo. No referido número, o Tribunal Geral protegeu‑se, novamente, atrás da referência à jurisprudência segundo a qual a prática decisória não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas.

169. Parece‑me que o Tribunal Geral comete o mesmo erro na análise, nos n. os  444 a 452 do acórdão recorrido, da qualificação do comportamento das recorrentes como «infração de longa duração». Com efeito, nos n. os  448 a 450 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não distinguiu os dois períodos da infração (o que, na minha opinião, era necessário), um antes e o outro depois da decisão Deutsche Telekom, nem apreciou a gravidade da infração em cada período. O Tribunal Geral faz referência aos n. os  356 a 369, bem como ao n.° 419 do acórdão recorrido e limita‑se a afirmar que o «montante de partida da coima […] [reflete] já a intensidade variável da infração». Ora, como já indiquei, não é nada claro que (nem de que forma) o montante de partida já reflete efetivamente ou não estas diferentes intensidades. Em qualquer caso, o Tribunal Geral não faz esta análise. Ora, o Tribunal Geral não contestou que, na Decisão Deutsche Telekom, a Comissão tivesse entendido que a variação da gravidade da infração durante o período de análise implicava i) requalificar como «grave» a infração considerada «muito grave» a priori , e justificava, adicionalmente, ii) uma redução da coima majorada, a título da respetiva duração. Com efeito, considerou que a margem de manobra limitada de que a Deutsche Telekom dispunha para ajustar o seu tarifário a partir do ano 2002 justificava que a infração fosse qualificada como «pouco grave» a partir dessa data, e que, portanto, não havia razões para aplicar uma majoração da coima depois dessa data (102) .

170. Por fim, no n.° 461 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere‑se, no seu exame do alegado caráter novo do processo, ao seu raciocínio relativo à existência de precedentes claros e previsíveis. A este respeito, o Tribunal Geral aplicou um critério manifestamente errado, a saber, o da segurança jurídica, e ignorou que uma das circunstâncias atenuantes definidas pelas Orientações de 1998 consiste na existência de uma dúvida razoável da empresa quanto ao caráter ilícito do seu comportamento. Ora, entendo que esta dúvida razoável poderá ter existido, pelo menos até ao mês de outubro de 2003, data da publicação da Decisão Deutsche Telekom, uma vez que as recorrentes podiam não estar em condições de se aperceberem dos limites da confiança legítima que um operador dominante podia ter na atuação da CMT. É o próprio Tribunal Geral que reconhece, no n.° 361 do acórdão recorrido que, «como a Comissão refere no considerando 735 da decisão impugnada, a decisão Deutsche Telekom constitui também um precedente que clarifica as condições de aplicação do artigo 82.° CE à luz de uma atividade económica sujeita à regulação setorial específica ex ante ».

171. O único argumento das recorrentes nesta parte do recurso que me parece improcedente diz respeito à data do fim da infração. As recorrentes (n.° 449 da petição) criticam o n.° 451 do acórdão recorrido, arguindo que o Tribunal Geral parece ter aceitado que a Comissão só tinha provado a existência da infração até ao final do primeiro semestre de 2006. Por conseguinte, o Tribunal Geral terá invertido o ónus da prova, ao decidir que as recorrentes não tinham feito prova de que não tinha existido compressão das margens no decurso do segundo semestre de 2006, apesar de competir à Comissão provar a existência da infração. Ora, o Tribunal Geral não incorreu em erro de direito a este respeito, dado que nenhum elemento do processo fornecido pelas recorrentes atestava a existência de alterações de preços entre junho e dezembro de 2006. Não existiu, portanto, uma inversão do ónus da prova, mas uma decisão baseada em dados constantes do processo. Com efeito, a Comissão fez prova, na sua decisão, de que os produtos grossistas nacional e regional não tinham sofrido quaisquer alterações até 21 de dezembro de 2006, e que os preços de retalho se tinham mantido inalterados desde setembro de 2001, sem que as recorrentes tenham alegado alguma alteração dos custos tomados em consideração pela Comissão (n.° 451 do acórdão recorrido).

172. Resulta do que precede que o oitavo fundamento, bem como o décimo fundamento, em meu entender, deverão em grande parte ser acolhidos, dado que o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição e cometeu assim erros de direito no exame da alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualidade das penas.

173. Não afirmo que tenha havido violação destes princípios, apenas que o Tribunal Geral não verificou corretamente, no exercício da sua competência de plena jurisdição, se a decisão da Comissão quanto à coima era, ou não, conforme com aqueles princípios.

174. Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este, quando anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento. No caso vertente, o litígio não está em condições de ser julgado.

V – Conclusão

175. Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que decida da forma seguinte:

1) O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07), deve ser anulado porque o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição no âmbito da análise da coima aplicada pela Comissão Europeia à Telefónica SA e à Telefónica de España SAU.

2) Deve ordenar‑se a remessa dos autos ao Tribunal Geral da União Europeia.

3) Deve reservar‑se para final a decisão quanto às despesas.

(1) .

(2) — Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07, a seguir «acórdão recorrido»).

(3) — Decisão de 4 de julho de 2007, relativa a um processo nos termos do artigo [102.° TFUE] (processo COMP/38.784 — Wanadoo España contra Telefónica, a seguir «decisão impugnada»).

(4) — Regulamento do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204).

(5) — Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [102 TFUE] (Processos COMP/C 1/37.451, 37.578, 37.579 — Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9, a seguir «Decisão Deutsche Telekom»). A este respeito, v. acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555), e as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso.

(6) — Nas presentes conclusões, utilizarei exclusivamente a expressão «compressão tarifária das margens».

(7) — Regulamento do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO L 1, p. 1), aplicável a partir de 1 de maio de 2004.

(8) — Ou seja, a petição no Tribunal de Justiça (que deveria conter apenas argumentos de direito) é mais extensa do que a petição apresentada no Tribunal Geral! Além disso, contém números praticamente ininteligíveis, como o n.° 298 que contém uma frase com 121 palavras.

(9)  — «SSNIP» para «small but significant and non‑transitory increase in price» (teste do aumento pequeno mas significativo e não transitório dos preços).

(10) — Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito [da União] da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5).

(11) — Ou seja, um mercado no qual os clientes e os concorrentes da Telefónica podiam reproduzir a sua rede, pelo que se encontravam em condições de exercer uma pressão concorrencial efetiva independentemente das suas quotas de mercado.

(12) — Acórdão de 17 de fevereiro de 2011 (C‑52/09, Colet., p. I‑527).

(13) — Acórdão de 17 de dezembro de 1998 (C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 141).

(14) — Assinalo que as questões de princípio relacionadas com o problema da duração do processo no Tribunal Geral serão novamente decididas pela Grande Secção do Tribunal de Justiça no processo Kendrion/Comissão (C‑50/12, pendente no Tribunal de Justiça, em que as conclusões do advogado‑geral E. Sharpston foram apresentadas em 30 de maio de 2013), a saber inter alia o alcance do acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido (no qual o Tribunal de Justiça reduziu a coima atendendo à duração excessiva do processo no Tribunal Geral), à luz do acórdão de 16 de julho de 2009, Der GrünePunkt — Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155) (no qual não foi aplicada qualquer coima e em que o Tribunal de Justiça indicou à recorrente que esta podia intentar uma ação de indemnização no Tribunal Geral).

(15) — Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colet., p. I‑729, n. os  116 e 117, e a jurisprudência aí referida).

(16) — Um acórdão do Tribunal de Justiça que confirma a validade de um ato das instituições da União não pode ser considerado um elemento que permite invocar um fundamento novo, dado que se limita a confirmar uma situação jurídica conhecida das recorrentes no momento da apresentação do seu recurso (v. acórdão de 1 de abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Colet., p. 1251, n.° 17).

(17) — V. acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n. os  71 a 73 e a jurisprudência aí referida), e de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão (C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., p. I‑7191, n.° 104).

(18) — A Comissão explicou nos seus articulados no processo perante o Tribunal Geral (n.° 15 da contestação) que as alegações da Telefónica eram manifestamente improcedentes, uma vez que todos os números relativamente aos quais a Telefónica afirmou não ter tido oportunidade de se pronunciar eram elementos de fundamentação por acréscimo.

(19) — Acórdão de 26 de novembro de 1998 (C‑7/97, Colet., p. I‑7791).

(20) — Acórdão de 28 de junho de 2005 (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425).

(21)  — Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 108, p. 33).

(22) — N. os  276, 289, 293, 295, 330, 336, 366, 371, 374 e 482 da petição.

(23) — N. os  276, 288, 289, 295 e 298 da petição.

(24) — V. n. os  295 e 482 da petição e acórdão do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Comissão (T‑5/97, Colet., p. II‑3755).

(25) — Decisão em que a Comissão adotou medidas conservatórias e explicou as condições que se devem verificar para este comportamento poder ser considerado abusivo [Decisão 76/185/CECA da Comissão, de 29 de outubro de 1975, que adota medidas conservatórias relativamente ao National Coal Board, National Smokeless Fuels Ltd e National Carbonizing Company Ltd (JO L 35 de 10.2.1976)].

(26) — V. Decisão 88/518/CEE da Comissão, de 18 de julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [102 TFUE] (IV/30.178 — Napier Brown — British Sugar) (JO L 284, p. 41, considerando 66).

(27) — Pode observar‑se que segundo o acórdão TeliaSonera Sverige, já referido (n.° 69), é no âmbito da apreciação dos efeitos da compressão das margens que o caráter indispensável do produto pode ser relevante. V. igualmente as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso.

(28) — JO 1998, C 265, p. 2 (n. os  117 a 119).

(29) — Decisão da Comissão de 16 de julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/38.233 — Wanadoo Interactive, a seguir «a Decisão Wanadoo Interactive»). A este respeito, v. acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, e as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso. Contudo, como este assinalou nas suas conclusões (n.° 57) no caso TeliaSonera Sverige, já referido, «embora seja verdade que os mercados dinâmicos ou em rápido crescimento não estão isentos da aplicação do artigo 102.° TFUE, não é menos certo que, quando está justificado, a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência devem intervir nesses mercados com especial prudência, modificando se necessário o seu método habitual, como foi feito com êxito no processo Wanadoo [Interactive]».

(30) — Respetivamente, acórdãos de 29 de junho de 2006 (C‑289/04 P, Colet., p. I‑5859), e de 17 de junho de 2010 (C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361).

(31) — V., designadamente, acórdão de 16 de novembro de 2000, Sarrió/Comissão, dito do «Mercado do Cartão» (C‑291/98 P, Colet., p. I‑9991, n. os  91 a 101).

(32) — Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão (C‑549/10 P, n.° 104). V. também acórdãos de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão (C‑167/04 P, Colet., p. I‑8935, n.° 205), e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão (C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 233).

(33) — V. acórdão Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.° 105) e, no mesmo sentido, Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido (n.° 227).

(34) — V. acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão (T‑155/06, Colet., p. II‑04361, n.° 314).

(35) — V. acórdão do Tribunal de Justiça Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.° 106) e, no mesmo sentido, acórdão de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, dito «Pioneer» (100/80 a 103/80, Colet., p. 1825, n.° 109).

(36) — V. acórdão do Tribunal de Justiça Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.° 107) e, no mesmo sentido, acórdão de 17 de julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, Colet., p. I‑4411, n.° 33).

(37) — Acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006 (T‑59/02, Colet., p. II‑3627, n.° 316 e jurisprudência referida). Esta jurisprudência foi confirmada pelo acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, n.° 262). Observo que o referido acórdão Archer Daniels Midland/Comissão foi anulado pelo Tribunal de Justiça por razões que nada têm que ver com este número (acórdão de 9 de julho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑511/06 P, Colet., p. I‑5843).

(38) — Acórdão do Tribunal Geral de 6 de abril de 1995 (T‑148/89, Colet., p. II‑1063, n.° 142).

(39) — V., entre outros, acórdãos do Tribunal Geral Archer Daniels Midland/Comissão, já referido (n.° 315); de 13 de julho de 2011, Schindler Holding e o./Comissão (T‑138/07, Colet., p. II‑4819, n.° 105), e de 12 de dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão (T‑352/09, n.° 44).

(40) — Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão (C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125); KME Germany e o./Comissão (C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, a seguir «acórdão KME e o./Comissão»), e Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085) (a seguir, para designar conjuntamente os três, «acórdãos Chalkor e KME»), e acórdão do TEDH, A. Menarini Diagnostics c. Itália de 27 de setembro de 2011 (queixa n.° 43509/08).

(41) — Acrescento que esta jurisprudência foi reafirmada pelos acórdãos de 2 de outubro de 2003, Corus UK/Comissão (C‑199/99 P, Colet., p. I‑11177, n. os  149 e 150), e de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colet., p. I‑8375, n. os  463 e 464).

(42) — A saber despacho de 25 de março de 1996, SPO e o./Comissão (C‑137/95 P, Colet., p. I‑1611, n.° 54), e acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão (T‑49/95, Colet., p. II‑1799, n.° 51).

(43) — Podemos assinalar a este respeito que as Orientações de 2006 representam um certo progresso, na medida em estabelecem, designadamente, que o montante de base será fixado em função do valor das vendas. V. a comunicação da Comissão intitulada «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003» (JO 2006, C 210, p. 2, n. os  12 a 26).

(44) — Acórdão de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.° 91).

(45) — V. acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 155), que cita, designadamente, os acórdãos de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão (73/74, Colet., p. 1491, n.° 31), e de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, Colet., p. I‑9363, n.° 44). V., também, acórdãos de 14 de fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão (C‑350/88, Colet., p. I‑395, n.° 15), e de 8 de novembro de 2001, Silos (C‑228/99, Colet., p. I‑8401, n.° 28), e, neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 1997, Moskof (C‑244/95, Colet., p. I‑6441, n.° 54).

(46) — A Comissão não tem problemas em comunicar o método de cálculo da sanção nas ações por «duplo incumprimento» — mantendo, todavia, uma margem de apreciação na fixação do coeficiente aplicável a cada critério — pelo que será dificilmente defensável a recusa desta em ser transparente quanto ao cálculo de uma coima em matéria de ententes (o que permitiria que o Tribunal Geral exercesse integralmente a sua competência de plena jurisdição). V. também De Bronett, G.‑K., Ein Vergleich zwischen Kartellgeldbußen gegen Unternehmen und «Pauschalbeträgen» gegen Mitgliedstaaten wegen Verstoß gegen EU‑Recht , ZWeR 2013, pp. 38‑53. Além disso, a própria existência de Orientações da Comissão demonstra bem que a margem de apreciação desta não é, de forma alguma, ilimitada. A este respeito, a abordagem seguida nos Estados‑Unidos parece‑me a melhor, uma vez que as «sentencing guidelines» (linha orientadoras sobre condenações) permitem prever o nível da coima (e a duração da pena de prisão) com um grau de precisão bastante elevado (v. o Sentencing Reform Act 1984 e o US Sentencing Commission Guidelines Manual em www.ussc.gov, e Whish, R., e Bailey, D., Competition Law, Oxford, 7 e  éd., 2012, p. 276).

(47) — Nos termos do seu artigo 172.°, «[o]s regulamentos adotados pelo Conselho, por força das disposições do presente Tratado podem atribuir plena jurisdição ao Tribunal de Justiça no que respeita às sanções neles previstas». Nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, «[o] Tribunal de Justiça decidirá com plena jurisdição, na aceção do artigo 172.° do Tratado, os recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada uma multa ou uma adstrição pela Comissão; o Tribunal pode suprimir, reduzir ou aumentar a multa ou a adstrição aplicadas».

(48) — V. também n.° 63 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, e, no mesmo sentido, acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido (n.° 692).

(49) — Nos termos do artigo 261.° TFUE, «[N]o que respeita às sanções neles previstas, os regulamentos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, e pelo Conselho, por força das disposições dos Tratados, podem atribuir plena jurisdição ao Tribunal de Justiça da União Europeia». Por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, «[o] Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada».

(50) — Atualmente no Tribunal Geral no âmbito dos recursos interpostos contra as decisões da Comissão de aplicação de uma coima.

(51) — V. acórdão Chalkor/Comissão, já referido (n.° 65).

(52) — V. as suas conclusões apresentadas no processo Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o. (acórdão de 19 de julho de 2012, C‑628/10 P e C‑14/11 P, n. os  95 e seg.).

(53) — V. acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, Colet., p. I‑13849, n. os  30 e 31); de 28 de julho de 2011, Samba Diouf (C‑69/10, Colet., p. I‑7151, n.° 49), e KME e o./Comissão, já referido (n.° 92). V., também, despacho de 1 de março de 2011, Chartry (C‑457/09, Colet., p. I‑819, n.° 25).

(54) — V., designadamente, acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o. (C‑331/88, Colet., p. I‑4023, n.° 13); de 5 de outubro de 1994, Crispoltoni e o. (C‑133/93, C‑300/93 e C‑362/93, Colet., p. I‑4863, n.° 41), e de 12 de julho de 2001, Jippes e o. (C‑189/01, Colet., p. I‑5689, n.° 81).

(55) — Neste ponto, adiro aos n. os  103 a 131 das conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo E.ON Energie/Comissão (acórdão de 22 de novembro de 2012, C‑89/11 P, em que faz designadamente referência à jurisprudência do TEDH, Schmautzer c. Áustria, de 23 de outubro de 1995, série A n.° 328‑A; Valico S.R.L. c. Itália, de 10 de janeiro de 2001, Coletânea dos acórdãos e decisões 2006‑III, e Menarini, já referido). Embora nas suas conclusões este tenha proposto a anulação do acórdão do Tribunal Geral porque este não exerceu a sua competência de plena jurisdição no âmbito do exame da proporcionalidade da coima aplicada à E.ON Energie e a remessa do processo ao Tribunal Geral para que este decidisse da proporcionalidade da referida coima, o Tribunal de Justiça, por sua vez, negou provimento ao recurso. No entanto, com a leitura do referido acórdão do Tribunal de Justiça, pode constatar‑se que o Tribunal de Justiça não está em desacordo com o advogado‑geral Y. Bot quanto aos princípios, tendo demonstrado que — naquele caso — o Tribunal Geral tinha exercido a sua competência de plena jurisdição e concluído, sem cometer qualquer erro de direito, que a coima era proporcionada. Sabendo que a Comissão teria podido aplicar à E.ON Energie uma coima de 10% do seu volume de negócios anual, caso esta tivesse demonstrado a existência de práticas anticoncorrenciais, o Tribunal Geral entendeu que a coima de 38 milhões de euros aplicada por quebra de selo, que representava 0,14% do volume de negócios anual da E.ON Energie, não podia ser considerada excessiva em relação à necessidade de garantir o efeito dissuasivo desta sanção.

(56) — Acórdão de 11 de setembro de 2007, Lindorfer/Conselho (C‑227/04 P, Colet., p. I‑6767, n.° 63).

(57) — Acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido (n.° 147).

(58) — V., neste sentido, acórdão de 18 de setembro de 2003, Volkswagen/Comissão (C‑338/00 P, Colet., p. I‑9189).

(59) — Acórdão do Tribunal Geral de 6 de julho de 2000 (T‑62/98, Colet., p. II‑2707, n.° 347 e jurisprudência aí referida). O acórdão do Tribunal de Justiça é referido na nota anterior.

(60) — V. Mengozzi, P., «La compétence de pleine juridiction du juge communautaire», Liber Amicorum en l’honneur de Bo Vesterdorf, Bruylant, Bruxelles, 2007, p. 219 a 236.

(61) — Neste contexto, v. também, Nehl, H. P., «Kontrolle kartellrechtlicher Sanktionsentscheidungen der Kommission durch die Unionsgerichte», in Immenga, U. e Körber, T. (éd.), Die Kommission zwischen Gestaltungsmacht und Rechtsbindung , Nomos, 2012, p. 139 e 140 («[d]ie mit dieser Neuorientierung einhergehende Rückbesinnung des Gerichtshofs auf das «hard law» anstelle des «soft law» zum Zweck der gerichtlichen Kontrolle der Ausübung des Ermessens der Kommission bei der Geldbußenbemessung ist sehr zu begrüßen»).

(62) — V. o seu artigo «La protection des droits et des garanties fondamentales en droit de la concurrence» in De Rome à Lisbonne: mélanges en l’honneur de Paolo Mengozzi , Bruylant, 2013, p. 175 a 192.

(63) — V. acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido (n.° 136). Mesmo quanto à fiscalização da legalidade e às apreciações económicas complexas, o n.° 94 do acórdão KME e o./Comissão, já referido, esclarece que, «[n]o tocante à fiscalização da legalidade, o Tribunal de Justiça já declarou que, apesar de a Comissão dispor de uma margem de apreciação em matéria económica, em domínios que originam apreciações económicas complexas, tal não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pela Comissão, de dados de natureza económica . Com efeito, o juiz da União deve designadamente verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se estes elementos constituem o conjunto dos dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram […]» (o sublinhado é meu). Também o Tribunal da AECL, no seu acórdão Posten Norge (acórdão de 18 de abril de 2012, E‑15/10, n. os  100 e 101) decidiu que «it must be recalled that Article 6(1) ECHR requires that subsequent control of a criminal sanction imposed by an administrative body must be undertaken by a judicial body that has full jurisdiction. Thus, the Court must be able to quash in all respects, on questions of fact and of law, the challenged decision (see, for comparison, European Court of Human Rights Janosevic v. Sweden, no 34619/97, § 81, Reports of Judgments and Decisions 2002‑VII, and [Menarini, já referido], § 59). Therefore, when imposing fines for infringement of the competition rules, [EFTA Surveillance Authority (ESA)] cannot be regarded to have any margin of discretion in the assessment of complex economic matters which goes beyond the leeway that necessarily flows from the limitations inherent in the system of legality review […] Furthermore […] in a case which is covered by the guarantees of the criminal head of Artigo 6 ECHR, the question whether the evidence is capable of substantiating the conclusions drawn from it by the competition authority must be answered having regard to the presumption of innocence. Thus, although the Court may not replace ESA’s assessment by its own and, accordingly, it does not affect the legality of ESA’s assessment if the Court merely disagrees with the weighing of individual factors in a complex assessment of economic evidence, the Court must nonetheless be convinced that the conclusions drawn by ESA are supported by the facts » (o sublinhado é meu).

(64) — Acórdão de 16 de novembro de 2000 (C‑297/98 P, Colet., p. I‑10101, n.° 55).

(65) — Esta interpretação dos acórdãos já referidos Chalkor e KME, e Menarini, também é defendida designadamente por Wesseling, R., e van der Woude, M., «The lawfulness and acceptability of enforcement of European cartel law», World Competition, vol. 35, número 4 (2012), p. 573 a 598.

(66) — Acórdão do Tribunal Geral de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão (T‑11/06, Colet., p. II‑6681, n. os  265 e 266). V., no mesmo sentido, acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido (n.° 692); de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão (C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331, n.° 61), e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão (C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 86).

(67) — V. também acórdãos de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão (T‑59/99, Colet., p. II‑5257), e de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colet., p. II‑1181).

(68) — V. acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido (n. os  56 e 61 a 63).

(69) — V. as suas conclusões no processo que esteve na origem do acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, n.° 40). V. também Mengozzi, P., «La compétence de pleine juridiction du juge communautaire», op. cit ., p. 227.

(70) — V. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido (n.° 445). V. também, designadamente, acórdãos do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T‑83/91, Colet., p. II‑755, n.° 235), e de 20 de março de 2002, LR AF 1998/Comissão (T‑23/99, Colet., p. II‑1705, n.° 200).

(71) — O advogado‑geral P. Mengozzi recorda acertadamente (na nota 20 das suas conclusões) que o Tribunal de Justiça confirmou em diversas ocasiões que a fiscalização pelo Tribunal Geral quanto às coimas aplicadas pela Comissão visa verificar o caráter apropriado do montante fixado atendendo às circunstâncias do litígio que lhe é submetido. V., a este respeito, designadamente, acórdãos de 16 de novembro de 2000, Cascades/Comissão (C‑279/98 P, Colet., p. I‑9693, n. os  42 e 48), e Mo och Domsjö/Comissão (C‑283/98 P, Colet., p. I‑9855, n. os  42 e 48).

(72) — Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida na nota de rodapé n.° 66 das presentes conclusões.

(73) — V., a este respeito, acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, Colet., p. 223, n. os  51 e 52), e Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.° 141), e acórdãos do Tribunal Geral Tokai Carbon e o./Comissão, já referido (n.° 274), e de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão (T‑241/01, Colet., p. II‑2917, n.° 227).

(74) — O advogado‑geral P. Mengozzi acrescenta que isto permite também compreender por que razão, por exemplo, no seu acórdão de 28 de março de 1984, Officine Bertoli/Comissão (8/83, Colet., p. 1649, n.° 29), o Tribunal de Justiça decidiu que, embora o fundamento invocado pela recorrente para fundamentar o seu pedido de redução do montante da coima não pudesse ser acolhido, determinadas circunstâncias particulares deste caso justificavam uma redução por motivos de equidade.

(75) — Acórdão de 3 de março de 2011 (T‑122/07 a T‑124/07, Colet., p. II‑793, v. designadamente n. os  153 e 154). Este acórdão foi objeto de um recurso atualmente pendente no Tribunal de Justiça (processos apensos C‑231/11 P a C‑233/11 P (Comissão/Siemens Österreich e o.). As conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi foram apresentadas em 19 de setembro de 2013.

(76) — Acórdão de 27 de julho de 2005 (T‑49/02 a T‑51/02, Colet., p. II‑3033, n.° 170).

(77) — Acórdão do Tribunal Geral de 14 de julho de 1994 (T‑77/92, Colet., p. II‑549, n. os  94 e 95).

(78) — V., também, acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T‑211/08, Colet., p. II‑3729); de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão (T‑43/92, Colet., p. II‑441); Tokai Carbon e o./Comissão, já referido, e de 16 de junho de 2011, Bavaria/Comissão (T‑235/07, Colet., p. II‑3229), processos em que o Tribunal Geral substituiu a apreciação da Comissão pela sua ou analisou o caráter adequado da coima.

(79) — Acórdão de 2 de fevereiro de 2012, T‑77/08 (n.° 148). Este acórdão foi objeto de um recurso atualmente pendente no Tribunal de Justiça (v. processo C‑179/12 P).

(80) — Acórdão de 12 de dezembro de 2007 (T‑101/05 e T‑111/05, Colet., p. II‑4949).

(81) — Respetivamente, decisões C(2004) 900 da Comissão, de 24 de março de 2004, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/C 3/37.792 — Microsoft), C(2005) 4420 final da Comissão, de 12 de julho de 2006, C(2008) 764 final da Comissão, de 27 de fevereiro de 2008, que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft Corp. através da Decisão «Microsoft», já referida e, e C(2013) 1210 final da Comissão, de 6 de março de 2013.

(82) — Decisão C(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, no Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel.

(83) — Decisão C(2008) 6815 final da Comissão, de 12 novembro de 2008, no Processo COMP/39.125 — Vidro automóvel.

(84) — Decisão C(2006) 6762 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, no Processo COMP/F/38.899 — Mecanismos de comutação isolados a gás.

(85) — Decisão C(2007) 512 final da Comissão, de 21 de fevereiro de 2007, no Processo COMP/E‑1/38.823 — Elevadores e escadas rolantes.

(86) — Decisão C(2012) 8839 final da Comissão, de 5 de dezembro de 2012, no Processo COMP/39.437 — Tubos para televisores e ecrãs de computador.

(87) — V. n. os  129 a 133 das suas conclusões neste processo.

(88) — Com efeito, «a instituição do Tribunal de Primeira Instância junto do Tribunal de Justiça, e a criação de um segundo nível de jurisdição, teve por objetivo, por um lado, melhorar a proteção judicial dos particulares, designadamente no que respeita aos recursos que requerem uma análise aprofundada de matéria de facto complexa, e, por outro, manter a qualidade e a eficácia do controlo judicial na ordem jurídica comunitária, permitindo dessa forma ao Tribunal de Justiça concentrar a sua atividade na sua tarefa essencial, ou seja, a de assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação do direito [da União]» (acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido, n.° 41).

(89) — A título de exemplo de um exercício integral da competência de plena jurisdição, pode referir‑se o United Kingdom Competition Appeal Tribunal (CAT), que realiza a sua própria apreciação do montante da coima com base numa abordagem muito exaustiva, considerando o processo no seu conjunto (v., designadamente, acórdãos n.° 1114/1/1/09 Kier Group plc v OFT [2011] CAT 3, e n.° 1099/1/2/08 National Grid plc v Gas and Electricity Markets Authority [2009] CAT 14).

(90) — Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/35.141 — Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27).

(91) — É verdade que a «brevidade é o segredo das palavras espirituosas» («brevity is the soul of wit») (Shakespeare, Hamlet, 1602), mas a competência de plena jurisdição exige mais do que palavras espirituosas!

(92) — Relativamente à determinação do montante da coima, v. designadamente acórdão Nintendo/Comissão (T‑13/03, Colet., p. II‑975, n.° 170).

(93) — V. Orientações de 1998, Secção 1, A, último ponto.

(94) — Decisão C (2005) 1757 final da Comissão, de 15 de junho de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] e do artigo 54.° do Acordo EEE (Processo COMP/A.37.507/F3 — AstraZeneca).

(95) — V. Orientações de 1998, Secção 1, A.

(96) — «Conforme estabelecido na Secção A.1 acima, o abuso da Telefónica não é novo, tratando‑se de um abuso caracterizado para o qual existem precedentes. Em especial, na sequência do processo Deutsche Telekom (publicado em outubro de 2003) as condições de aplicação do artigo 82 a uma atividade económica que se enquadra numa legislação setorial ex ante específica eram amplamente claras e conhecidas pela Telefónica» (considerando 740 da decisão impugnada).

(97) — Acórdão de 26 de abril de 2007, Bolloré e o./Comissão (T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colet., p. II‑947, n.° 528).

(98) — Como assinalou o advogado‑geral J. Mazák nas suas conclusões (nota 41) no processo TeliaSonera Sverige, já referido, «[p]arte da doutrina sugere que teria sido mais correto analisar o processo Deutsche Telekom/Comissão (já referido […]) como um caso relativo a preços predatórios, ao passo que o processo France Télécom/Comissão ([Wanadoo Interactive, já referido]) devia ter sido tratado como um caso de compressão de margens (na audiência, a Comissão não contestou este último ponto; contudo, sublinhou que tinha decidido tratar o processo France Télécom como um caso de preços predatórios, porque a empresa a jusante (Wanadoo [Interactive]) não era 100% propriedade da France Télécom».

(99) — Segundo as recorrentes, em 2006, o último ano da alegada infração, o volume de negócios do Grupo Telefónica foi de 52 901 milhões de euros, o do Grupo France Telecom de 46 630 milhões de euros em 2002, e o da Deutsche Telekom ascendia a 55 838 milhões de euros em 2003.

(100) — A Telefónica insistiu na sua réplica, no n.° 284, em que a legislação espanhola era mais restritiva do que a legislação alemã durante o período controvertido, atendendo, designadamente, a que i) o sistema de retail minus aplicado pela CMT tinha justamente como finalidade evitar o fenómeno da compressão das margens, contrariamente ao sistema de preços máximos praticados na Alemanha durante o período da infração, que permitia aplicar compensações entre diferentes produtos pertencentes a um mesmo «cabaz», e a que ii) até ao mês de novembro de 2003, a CMT fixava os preços de retalho (ao passo que a autoridade alemã fixava preços de retalho máximos e não fixos) e, em seguida, era necessária a sua aprovação, ex ante , para todas as iniciativas de preços de retalho da Telefónica aplicados aos novos serviços e às promoções e que, para este efeito, verificava a existência de uma margem suficiente entre os preços grossistas e os preços de retalho.

(101) — O Tribunal Geral limitou‑se a uma simples referência ao poder económico da Telefónica. Ora, como foi indicado na nota de rodapé 99 das presentes conclusões, os volumes de negócios eram muito semelhantes. Quanto à capitalização bolsista, a Deutsche Telekom e a Telefónica também estavam em situação comparável, segundo as fontes citadas pela Comissão na decisão impugnada (v. página 22 do relatório anual da Telefónica, citado na nota 791 da decisão impugnada. A capitalização em bolsa da Telefónica e a da Deutsche Telekom ascendiam respetivamente a 74 113 e a 70 034 milhões de dólares em 2005, e a 104 722 e a 80 371 milhões de dólares em 2006).

(102) — Decisão Deutsche Telekom (n. os  206, 207 e 211).

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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 26 de setembro de 2013 ( 1 )

Processo C‑295/12 P

Telefónica SA

Telefónica de España SAU

contra

Comissão Europeia

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Compressão tarifária das margens — Preços grossistas que a Telefónica SA aplica no mercado espanhol de acesso à banda larga — Coima — Dever de fundamentação da Comissão — Método de cálculo — Princípio da não discriminação — Princípio da proporcionalidade — Plena jurisdição do Tribunal Geral»

Índice

 

I — Factos na origem do litígio

 

II — O recurso no Tribunal Geral e o acórdão recorrido

 

III — O processo no Tribunal de Justiça

 

IV — O recurso da decisão do Tribunal Geral

 

A — Quanto ao pedido de acesso à transcrição literal ou à gravação da audiência no Tribunal Geral

 

B — Quanto à exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra o recurso da decisão do Tribunal Geral na sua integralidade

 

C — Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

 

1. Fundamentos integralmente inadmissíveis: o segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos

 

a) Segundo fundamento

 

b) Terceiro fundamento

 

c) Quarto fundamento

 

d) Quinto fundamento

 

2. Fundamentos que devem ser julgados em parte inadmissíveis e em parte improcedentes: o primeiro, o sexto, o sétimo e o nono fundamentos

 

a) Primeiro e nono fundamentos

 

b) Sexto fundamento

 

c) Sétimo fundamento

 

i) Primeira parte do sétimo fundamento

 

ii) Segunda parte do sétimo fundamento

 

— Primeira alegação

 

— Segunda alegação

 

3. Oitavo fundamento (cálculo do montante da coima) e décimo fundamento (violação da obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição no que se refere às sanções)

 

i) Primeira parte do oitavo fundamento (segundo e terceiro argumentos da primeira alegação e segunda alegação)

 

ii) Primeiro e quarto argumentos da primeira alegação, terceira e quarta alegações da primeira parte, bem como o restante do oitavo fundamento e do décimo fundamento

 

— Argumentos das partes

 

— Análise

 

α) Primeira parte: direitos e obrigações da Comissão

 

β) Segunda parte: a competκncia de plena jurisdiηγo do Tribunal Geral

 

αα) Teoria sobre a competκncia de plena jurisdiηγo

 

ββ) Aplicaηγo da teoria sobre a competκncia de plena jurisdiηγo ao processo em causa

 

V — Conclusão

1. 

O presente caso tem como objeto um recurso interposto pela Telefónica SA (a seguir «Telefónica») e pela Telefónica de España SAU (a seguir «Telefónica de España») contra o acórdão do Tribunal Geral ( 2 ), através do qual este negou provimento ao recurso em que estas pediam a anulação da Decisão C(2007) 3196 final da Comissão ( 3 ), bem como ao pedido subsidiário das recorrentes, de anulação ou redução do montante da coima que lhes foi aplicada.

I – Factos na origem do litígio

2.

O Tribunal Geral resumiu os antecedentes do litígio nos n.os 3 a 29 do acórdão recorrido, da forma seguinte:

«3

Em 11 de julho de 2003, a Wanadoo España SL (atual France Telecom España SA) (a seguir ‘France Telecom’) apresentou uma denúncia à Comissão […], alegando que a margem entre os preços grossistas que as filiais da Telefónica aplicavam aos seus concorrentes para o fornecimento grossista de acesso à banda larga em Espanha e os preços de retalho que cobravam aos utilizadores finais não era suficiente para os concorrentes da Telefónica poderem fazer‑lhe concorrência […].

[…]

6

Em 4 de julho de 2007, a Comissão adotou a decisão impugnada, que é o objeto do presente recurso.

7

Em primeiro lugar, na decisão impugnada, a Comissão identificou três mercados de produtos em causa, ou seja, um mercado de retalho de alta velocidade e dois mercados grossistas de alta velocidade […].

[…]

15

Os mercados geográficos relevantes grossistas e retalhistas são, segundo a decisão impugnada, de dimensão nacional (território espanhol) […].

16

Em segundo lugar, a Comissão concluiu que a Telefónica ocupava uma posição dominante nos dois mercados grossistas em causa […]. Assim, durante o período de referência, a Telefónica detinha o monopólio do fornecimento do produto grossista regional e mais de 84% do mercado do produto grossista […]. Segundo a decisão impugnada […], a Telefónica estava igualmente em posição dominante no mercado retalhista.

17

Em terceiro lugar, a Comissão examinou se a Telefónica tinha abusado da sua posição dominante nos mercados em causa […]. A este respeito, a Comissão considerou que a Telefónica tinha violado o artigo 82.o CE ao impor aos seus concorrentes preços não equitativos sob a forma de uma compressão tarifária das margens entre os preços de acesso à Internet de alta velocidade a retalho no mercado «grande público» espanhol e os preços de acesso à Internet de alta velocidade por grosso a nível regional e nacional, durante o período compreendido entre setembro de 2001 e dezembro de 2006 […].

[…]

25

Para efeitos do cálculo do montante da coima, a Comissão, na decisão impugnada, aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 17 [ ( 4 )] e do n.o 5 do artigo 65.o [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «Orientações de 1998»).

26

Em primeiro lugar, a Comissão apreciou a gravidade e o impacto da infração bem como a dimensão do mercado geográfico em causa. Antes de mais, no que diz respeito à gravidade da infração, considerou que se tratava de um abuso caracterizado por parte de uma empresa detentora de uma posição virtualmente monopolista, devendo ser qualificada de «muito grave», à luz das Orientações de 1998 […]. Nos considerandos 744 a 750 da decisão impugnada, a Comissão distingue nomeadamente o presente processo da […] decisão [Deutsche Telekom ( 5 )], na qual o abuso da Deutsche Telekom que consistia também numa compressão das margens [(«margin squeeze») ( 6 )] não tinha sido qualificado de «muito grave», na aceção das Orientações de 1998. Em seguida, no que respeita ao impacto da infração em causa, a Comissão teve em conta o facto de os contratos em questão terem um valor económico considerável, de desempenharem um papel crucial na organização da sociedade da informação e de o impacto do abuso da Telefónica no mercado a retalho ter sido significativo […]. Por último, quanto à dimensão do mercado geográfico em causa, a Comissão referiu que o mercado espanhol da alta velocidade era o quinto maior mercado nacional da alta velocidade na União Europeia e que, embora os casos de compressão tarifária das margens estivessem necessariamente circunscritos a um único Estado‑Membro, impediam os operadores provenientes de outros Estados‑Membros de entrarem num mercado em forte crescimento […]. (considerandos 754 e 755 da decisão impugnada).

27

Segundo a decisão impugnada, o montante inicial da coima, de 90000000 euros, tem em conta o facto de que a gravidade da prática abusiva se determinou ao longo do período considerado e, mais especificamente, depois da decisão Deutsche Telekom […]. Um fator multiplicador de 1,25 foi aplicado ao referido montante, a fim de ter em conta a capacidade económica significativa da Telefónica e para assegurar à coima um caráter suficientemente dissuasor, de modo que o montante de partida da coima foi fixado em 112500000 euros […].

28

Em segundo lugar, como a infração durou de setembro de 2001 a dezembro de 2006, ou seja, cinco anos e quatro meses, a Comissão aumentou o montante de partida da coima em 50%. O montante de base da coima foi assim fixado em 168750000 euros […].

29

Em terceiro lugar, à luz dos elementos de prova disponíveis, a Comissão considerou que a existência de determinadas circunstâncias atenuantes podia ser acolhida no caso em apreço dado que a infração, de qualquer modo, tinha sido cometida por negligência Assim, foi conferida à Telefónica uma redução do montante da coima em 10%, o que a fixou em 151875000 euros […].»

II – O recurso no Tribunal Geral e o acórdão recorrido

3.

No recurso que interpuseram no Tribunal Geral, a Telefónica e a Telefónica de España invocaram, em apoio do seu pedido principal de anulação da decisão impugnada, seis fundamentos relativos, respetivamente, a uma violação dos direitos de defesa, a erros de facto e de direito na definição dos mercados grossistas em causa, a erros de facto e de direito na definição da sua posição dominante nos mercados em causa, a erros de direito na aplicação do artigo 102.o TFUE relativamente ao seu comportamento abusivo, a erros de facto ou a erros de apreciação dos factos e a erros de direito relativamente ao seu comportamento abusivo, bem como ao respetivo impacto anticoncorrencial, e por último, à aplicação ultra vires do 102.° TFUE e à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da cooperação leal e da boa administração.

4.

A título subsidiário, as recorrentes invocaram dois fundamentos para a anulação da coima ou redução do seu montante, relativos: i) a erros de facto e de direito, bem como à violação do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17 e do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 ( 7 ), e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, e ii) a erros de facto e de direito e numa violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualidade das penas e do dever de fundamentação na determinação do montante da coima. O Tribunal Geral considerou que todos estes fundamentos eram improcedentes e negou integralmente provimento ao recurso.

III – O processo no Tribunal de Justiça

5.

Além das recorrentes e da Comissão, três intervenientes na primeira instância, a saber a Asociación de usuarios de servicios bancarios (Ausbanc Consumo, a seguir «Ausbanc»), a France Telecom (denunciante que deu origem ao presente caso) e a European Competitive Telecommunications Association (a seguir «ECTA»), participaram no processo escrito no Tribunal de Justiça. Na audiência de 16 de maio de 2013 — que incidiu unicamente sobre o sétimo, o oitavo e o décimo fundamentos de recurso (relativos a alegados erros de direito no cálculo do montante da coima e ao dever de o Tribunal Geral exercer a sua competência de plena jurisdição) — todas essas partes apresentaram as suas observações.

IV – O recurso da decisão do Tribunal Geral

A – Quanto ao pedido de acesso à transcrição literal ou à gravação da audiência no Tribunal Geral

6.

As recorrentes e a Ausbanc pediram que o Tribunal de Justiça lhes facultasse o acesso, nos termos do artigo 15.o TFUE, à transcrição literal ou à gravação da audiência, que teve lugar no Tribunal Geral em 23 de maio de 2011. Entendo que estes pedidos devem ser indeferidos uma vez que a transcrição literal e a gravação da audiência que teve lugar no Tribunal Geral não fazem parte dos autos que devem ser remetidos ao Tribunal de Justiça, por força do artigo 5, n.o 1, das Instruções ao Secretário do Tribunal Geral.

B – Quanto à exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra o recurso da decisão do Tribunal Geral na sua integralidade

7.

Não se pode deixar de observar que: i) o recurso, formulado de forma confusa e pouco estruturada, é extremamente extenso — a tradução francesa da petição estende‑se ao longo de 133 páginas, com espaçamento simples, e 492 artigos ( 8 ) — e repetitivo, apresentado várias centenas de fundamentos, partes, acusações, argumentos e elementos de argumentos (o que constitui, segundo a Comissão, um recorde na história do contencioso da União); ii) o recurso da decisão do Tribunal visa quase sistematicamente obter uma nova análise dos factos, a coberto de alegações de que o Tribunal Geral teria aplicado um «critério jurídico errado»; iii) os fundamentos são frequentemente apresentados como simples afirmações desprovidas de qualquer fundamentação; iv) as recorrentes, por um lado, criticam frequentemente a decisão impugnada e não o acórdão recorrido e, por outro lado, quando as suas críticas se dirigem efetivamente ao acórdão recorrido, quase nunca identificam as passagens ou os números específicos deste acórdão que contém os alegados erros de direito.

8.

Estas constatações e a dificuldade, se não a impossibilidade, de a Comissão exercer os seus direitos de defesa, inspiraram a exceção de inadmissibilidade que esta invocou contra a integralidade do recurso. Embora nutra alguma simpatia por esta exceção de inadmissibilidade — além de muitas partes do recurso me parecerem manifestamente inadmissíveis — deve considerar‑se que o recurso não pode ser declarado integralmente inadmissível, dado que alguns dos fundamentos e argumentos deste recurso (ainda que como agulhas em palheiro) cumprem as condições de admissibilidade. Estas «agulhas» suscitam, além disso, questões de princípio, por vezes inéditas, referentes designadamente à obrigação de o Tribunal Geral exercer integralmente a sua competência de plena jurisdição.

9.

Por conseguinte, entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra a integralidade do recurso deve ser julgada improcedente.

C – Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

1. Fundamentos integralmente inadmissíveis: o segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos

10.

Estes fundamentos — relativos a alegados erros de direito respetivamente quanto à definição dos mercados em causa, à apreciação da posição dominante e do abuso dessa posição, bem como dos efeitos deste na concorrência — parecem‑me inadmissíveis porque contestam, no essencial, as apreciações factuais constantes do acórdão do Tribunal Geral. Adicionalmente, estes fundamentos só raramente referem os números ou secções do acórdão recorrido visados, sendo esta indicação exigida por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, codificada e confirmada pelos artigos 169.°, n.o 2, e 178.°, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

a) Segundo fundamento

11.

As recorrentes alegam (n.o 37 da petição) que o Tribunal Geral erradamente recusou considerar, a título principal, que a desagregação do lacete local, o produto grossista nacional e o produto grossista regional faziam parte do mesmo mercado grossista e, a título subsidiário, que os produtos grossistas nacional e regional faziam parte do mesmo mercado grossista.

12.

Entendo que a exceção de inadmissibilidade, invocada pela Comissão, pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc, contra a integralidade do segundo fundamento deve ser admitida. Primeiro, as alegações feitas para apoiar este fundamento são obscuras e enunciadas de forma quase ininteligível. Segundo, este fundamento visa, na realidade, contestar as apreciações factuais do Tribunal Geral. Terceiro, as recorrentes suscitam diversos elementos novos não discutidos em primeira instância, a saber que a Comissão não aplicou o teste «SSNIP» ( 9 ), que a definição dos mercados não é compatível com a comunicação relativa à definição de mercado ( 10 ), que a definição do mercado necessita de uma análise empírica fundamentada por um teste de mercado e/ou por um estudo econométrico e que, por último, o teste SSNIP devia ter sido aplicado num quadro temporal concreto.

b) Terceiro fundamento

13.

As recorrentes criticam (n.o 93 da petição) o raciocínio do Tribunal Geral relativamente à posição dominante que detêm nos mercados grossistas nacional e regional.

14.

Também neste caso, entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc deve ser admitida, porque este terceiro fundamento assenta em alegações novas e visa contestar as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral, que o conduziram a concluir pela existência de uma posição dominante. As recorrentes, criticando os n.os 149, 150, 162 e 163 do acórdão recorrido — o Tribunal Geral ter‑se‑ia baseado unicamente nas grandes quotas de mercado detidas pelas recorrentes para dar por provada a existência de uma posição dominante, não tomando em conta, erradamente, as pressões concorrenciais a que estas estão sujeitas num mercado de acesso contestável — contestam os factos apreciados pelo Tribunal Geral no n.o 157 do acórdão recorrido, que o conduziram a decidir que o mercado grossista em causa não era um mercado contestável ( 11 ). Por conseguinte, estes argumentos devem ser considerados inadmissíveis.

c) Quarto fundamento

15.

As recorrentes alegam (n.o 120 da petição), no essencial, que o Tribunal Geral concluiu erradamente que infringiram o artigo 102.o TFUE, embora os elementos constitutivos de uma recusa abusiva de fornecimento («refusal to deal») não estivessem verificados e que, ao proceder deste modo, violou o seu direito de propriedade bem como os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da legalidade.

16.

Também neste caso, entendo que a exceção de inadmissibilidade contra a integralidade do quarto fundamento — invocada pela Comissão, pela ECTA, pela France Telecom e pela Ausbanc — deve ser admitida, porque os argumentos em que este fundamento assenta: i) não foram discutidos na primeira instância (por exemplo, o argumento relativo a uma alegada violação do direito de propriedade, que parece ser o elemento central deste fundamento, ou os argumentos relativos aos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica); ii) visam contestar as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral e, na realidade, pretendem que o Tribunal de Justiça faça uma nova apreciação dos factos; ou iii) não são apresentados claramente (como a contestação não fundamentada da jurisprudência TeliaSonera Sverige ( 12 )), não especificando de forma suficiente os números visados do acórdão recorrido.

d) Quinto fundamento

17.

Através deste fundamento (n.o 149 da petição), as recorrentes limitam‑se, em suma, depois de resumirem os dois testes de compressão tarifária das margens aplicados pela Comissão, a retomar as críticas expostas a este respeito constantes da petição que apresentaram em primeira instância no Tribunal Geral, bem como a contestar as respostas por este fornecidas nos n.os 199 a 265 do acórdão recorrido.

18.

Na realidade, e muito frequentemente sem indicarem de forma precisa os números visados do acórdão recorrido, as recorrentes pretendem obter uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova decididos pelo Tribunal Geral, sendo esta pretensão claramente inadmissível nesta fase de recurso, salvo em caso de desvirtuação das provas, o que as recorrentes não provaram.

19.

Seguem‑se alguns exemplos:

as recorrentes alegam que os operadores alternativos utilizavam uma combinação ótima de produtos grossistas. Deste modo, põem em causa a constatação factual que o Tribunal Geral exprimiu nos n.os 130, 195 e 280 do acórdão recorrido, nos termos da qual a utilização ótima dos produtos grossistas não está demonstrada;

as recorrentes (n.o 162 da petição) criticam aparentemente o n.o 207 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao concluir que a utilização efetiva do lacete local só começou no final de 2004. Segundo as recorrentes, por um lado, o Tribunal Geral deveria ter distinguido dois períodos de análise, antes e depois daquela data, e, por outro lado, os concorrentes terão utilizado efetivamente o lacete local antes de 2004. Ora, este argumento não identifica nenhum elemento do processo que tenha sido desvirtuado pelo Tribunal Geral. Em qualquer caso, resulta dos autos que as recorrentes não alegaram em primeira instância que um novo período devia começar a partir de 2004;

as recorrentes (n.o 167 da petição) criticam aparentemente o n.o 217 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral terá erradamente presumido que a prorrogação do período de referência provoca distorções inaceitáveis, ignorando os mecanismos de correção propostos pelas recorrentes, o que fez inobservando a presunção de inocência. Basta observar, a este respeito, que o Tribunal Geral se limitou a resumir um argumento das recorrentes, sem emitir a sua própria apreciação. Em qualquer caso, o argumento relativo à presunção de inocência é invocado pelas recorrentes pela primeira em sede de recurso de segunda instância;

as recorrentes (n.o 178 e seguintes da petição) alegam igualmente que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n.os 233 a 264 do acórdão recorrido, do método «período a período» que a Comissão efetuou na decisão impugnada. Estes argumentos parecem‑me inadmissíveis porque, perante o Tribunal Geral, as recorrentes não contestaram o princípio do recurso ao método «período a período», mas unicamente a sua aplicação pela Comissão;

as recorrentes alegam (n.o 181 da petição) igualmente que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito no âmbito da análise, nos n.os 234 a 244 do acórdão recorrido, dos custos dos efetivos comerciais. Defendem que o Tribunal Geral fez uma aplicação errada do teste do «concorrente igualmente eficiente», não tomando em conta a possibilidade de um concorrente igualmente eficiente poder subcontratar os seus serviços comerciais. Este argumento é inadmissível porque amplia o âmbito do recurso para além do que foi discutido em primeira instância por via de alegações novas e convida o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos;

as recorrentes (n.o 183 da petição) criticam aparentemente o n.o 244 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral ignorou erradamente as estimativas de custos incluídas nos painéis das recorrentes, não exercendo a sua competência de plena jurisdição, adotou a norma dos custos incrementais médios a longo prazo (CMILT) e utilizou custos atuais integralmente repartidos da sua contabilidade para calcular os custos marginais de comercialização. Estes argumentos devem igualmente ser rejeitados porque convidam o Tribunal de Justiça a rever as apreciações factuais contidas nos n.os 237 a 244 do acórdão recorrido;

os argumentos das recorrentes quanto à análise da longevidade média da clientela e relativos aos n.os 245 a 251 do acórdão recorrido são inadmissíveis porque se baseiam em alegações novas;

criticando (n.o 188 da petição) aparentemente os n.os 256 e 257 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral rejeitou erradamente o custo médio ponderado do capital (WACC) proposto pelas recorrentes, bem como os n.os 259 a 264 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise da alegada dupla contabilização de diversas rubricas de custos, as recorrentes põem em causa a apreciação das provas feita pelo Tribunal Geral (que baseou a sua convicção num exame global dos elementos dos autos e do debate entre as partes);

as recorrentes defendem (n.o 218 da petição) igualmente que o Tribunal Geral deveria ter concluído que a margem entre os preços grossistas dos inputs e o preço de retalho era positiva no caso vertente, o que deveria ter conduzido o Tribunal Geral a exigir uma demonstração dos efeitos concretos ou um nível de prova particularmente elevado dos efeitos prováveis do comportamento das recorrentes. Este argumento — na medida em que surge pela primeira vez no presente recurso — é inadmissível.

20.

As recorrentes invocam em seguida três argumentos (n.os 220, 227, e 231 da petição) que visam aparentemente os n.os 274 a 276 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral decidiu erradamente que os efeitos prováveis do comportamento das recorrentes estavam provados apesar de: a) a Comissão não ter examinado se a rentabilidade dos operadores alternativos igualmente eficazes tinha efetivamente sido reduzida devido às práticas tarifárias das recorrentes, b) a Comissão não ter analisado a relação entre os preços grossistas e os preços de retalho no mercado para determinar se a compressão tarifária das margens tinha efetivamente limitado a capacidade dos operadores alternativos para fixarem os preços de retalho e c) a Comissão não ter analisado a relação entre os preços grossistas, os fluxos de tesouraria dos operadores, e os seus níveis de investimento, para determinar se a compressão tarifária das margens tinha efetivamente limitado a capacidade de investimento dos operadores alternativos. Estes três argumentos parecem‑me inadmissíveis, dado que não foram invocados em primeira instância e têm como objetivo iniciar uma discussão quanto aos «efeitos concretos» do comportamento das recorrentes em segunda instância. A petição apresentada em primeira instância invocava apenas a questão «efeitos prováveis», nos seus n.os 191 a 199, criticando a decisão impugnada por ter presumido que estes efeitos eram a consequência necessária dos resultados do teste da compressão tarifária das margens. Além disso, os referidos argumentos visam igualmente contestar a apreciação dos factos que o Tribunal Geral faz nos n.os 275 e 276 do acórdão recorrido.

21.

Decorre do exposto que o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto fundamentos devem ser declarados inadmissíveis.

2. Fundamentos que devem ser julgados em parte inadmissíveis e em parte improcedentes: o primeiro, o sexto, o sétimo e o nono fundamentos

a) Primeiro e nono fundamentos

22.

Estes dois fundamentos sobrepõem‑se de tal modo que, na exposição do seu nono fundamento, as recorrentes reproduzem de forma idêntica uma parte dos desenvolvimentos apresentados no seu primeiro fundamento. Por conseguinte, é necessário analisar conjuntamente estes dois fundamentos. Em primeiro lugar, os argumentos das recorrentes (n.o 12 da petição) são relativos à duração desproporcionada do processo no Tribunal Geral que, tendo decorrido de 1 de outubro de 2007 a29 de março de 2012, viola o direito das recorrentes a uma proteção jurisdicional efetiva num prazo razoável, garantido pelos artigos 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). As recorrentes alegam, a título principal (n.o 14 da petição), que a duração desproporcionada do processo justifica a anulação do acórdão recorrido, atendendo à sua incidência na decisão da causa, uma vez que esta duração as impediu de interpor recurso ou de adaptar a sua argumentação escrita antes de o Tribunal de Justiça decidir o caso TeliaSonera Sverige, já referido. Independentemente de não partilhar a opinião das recorrentes sobre esta relação de causa e efeito, assinalo que, de qualquer forma, estas se pronunciaram explicitamente sobre a interpretação a dar ao acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, na audiência no Tribunal Geral, que teve lugar vários meses depois de o referido acórdão ter sido proferido.

23.

Em seguida, as recorrentes argumentam (n.o 15 da petição), a título subsidiário, que, em qualquer caso, deverão beneficiar de uma redução do montante da coima, em conformidade com a jurisprudência Baustahlgewebe/Comissão ( 13 ).

24.

Tal como a Comissão, a ECTA, a France Telecom e a Ausbanc, entendo que a duração do processo no Tribunal Geral, que não chegou a quatro anos e seis meses, não é irrazoável neste caso ( 14 ) atendendo, entre outras, às circunstâncias seguintes: i) a complexidade técnica do processo (segundo o Tribunal de Justiça ( 15 ), «a verificação da complexidade de um processo pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo»); ii) dois recursos foram interpostos contra a decisão impugnada, um pelas recorrentes e outro pelo Reino de Espanha, os quais foram analisados em paralelo pelo Tribunal Geral, o que provocou um prolongamento do processo; iii) as recorrentes apresentaram — já em primeira instância — uma petição com uma extensão desmedida e completamente inusitada, que excede largamente o número máximo de páginas recomendado nas Instruções práticas às partes perante o Tribunal Geral. Foi necessário regularizar essa petição, o que prolongou o processo escrito, e ainda assim, a versão regularizada da petição, que contava quase 140 páginas, e com anexos abundantes e volumosos, continuou a ser desmesurada, ultrapassando largamente a extensão prevista nas referidas Instruções práticas. Em seguida, as recorrentes apresentaram uma réplica de 112 páginas, acompanhada por 25 anexos, da qual constam também alegações novas; iv) no decurso do processo foram‑se apresentando vários intervenientes, pelo que a fase escrita se prolongou até ao início de 2009; e por último v) as recorrentes apresentaram inúmeros pedidos de tratamento confidencial relativamente aos intervenientes que, em grande maioria, foram recusados embora tenham igualmente contribuído para prolongar o processo, obrigando o Tribunal Geral a elaborar versões não confidenciais de diversos documentos.

25.

Em segundo lugar, as recorrentes criticam (n.o 19 da petição) os n.os 62 e 63 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral decide que os anexos da petição e da réplica serão tomados em consideração unicamente na medida em que suportem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo dos seus articulados, bem como os n.os 231, 250 e 262 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral declara inadmissíveis, em aplicação do princípio previamente enunciado, determinados argumentos sustentados por anexos e relativos ao cálculo do valor terminal, à longevidade média da clientela e à dupla contabilização de diversas rubricas de custos.

26.

Estes argumentos parecem‑me manifestamente inadmissíveis no seu conjunto, dado que não especificam de que forma a eventual irregularidade de processo prejudicou os interesses das recorrentes e os seus direitos de defesa. Adicionalmente, por um lado, o argumento de que o Tribunal Geral devia ter rejeitado a exceção de inadmissibilidade por esta só ter sido invocada pela Comissão na fase da tréplica, e não na sua contestação é improcedente, porque a regularidade formal dos atos processuais é uma questão de ordem pública, que pode ser invocada oficiosamente pela instância jurisdicional, independentemente da atitude da recorrida, a qual pode, pela mesma razão, invocá‑la em qualquer momento no processo. Por outro lado, o argumento com que as recorrentes criticam o n.o 62 do acórdão recorrido — ou seja que o Tribunal Geral não podia exigir que a petição incluísse todos os cálculos económicos que tinham servido de base aos seus argumentos — é igualmente improcedente. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência, o Tribunal Geral limitou‑se a exigir no n.o 58 do acórdão recorrido que «os elementos essenciais» de facto e de direito resultassem, «pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição».

27.

Em terceiro lugar, as recorrentes criticam (n.o 24 da petição) o n.o 182 do acórdão recorrido, entendo que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e violou os direitos de defesa ao decidir que elas não tinham invocado o caráter não indispensável dos produtos grossistas no quadro da apreciação dos efeitos do seu comportamento. A título principal, as recorrentes afirmam que invocaram o referido caráter na sua petição em primeira instância (n.os 106 e 108), na réplica (n.o 216) e na audiência, quanto ao fundamento referente à aplicabilidade do artigo 102.o TFUE em geral, e no quadro da apreciação dos efeitos. Segundo as recorrentes, a argumentação relativa ao caráter não indispensável dos produtos grossistas constitui uma ampliação de um fundamento de anulação já formulado na petição. Como a Comissão e a France Telecom, entendo que este argumento não é relevante. Com efeito, basta observar que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral, em especial nos n.os 268 a 272, 274 a 281 e 389 a 410 do acórdão recorrido, não se baseia no caráter indispensável ou não do input em causa.

28.

A título subsidiário, as recorrentes acrescentam (n.o 28 da petição) que o artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral lhes confere, em qualquer caso, o direito a apresentarem um fundamento novo com origem num elemento de direito e de facto que se tenha revelado durante o processo, o que corresponderia ao acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, dado que o Tribunal de Justiça clarificou nesse acórdão os critérios aplicáveis à apreciação dos efeitos da compressão tarifária de margens. Ora, por força da jurisprudência constante, aplicável mutatis mutandis a uma decisão prejudicial, um acórdão que nega provimento a um recurso não justifica a apresentação de fundamentos novos ( 16 ).

29.

Em quarto lugar, as recorrentes (n.o 33 da petição) entendem que o Tribunal Geral violou os seus direitos de defesa e a presunção de inocência. A título principal, entendem que o Tribunal Geral violou a presunção de inocência ao decidir que os elementos em que a Comissão se apoiou na decisão impugnada, que não figuravam na comunicação das acusações, só deverão ser afastados se as recorrentes demonstrarem que o resultado da decisão impugnada seria alterado por esses elementos. Segundo as recorrentes, o critério de prova estabelecido pelo Tribunal Geral não respeita a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»).

30.

Em meu entender, este argumento deve ser declarado inadmissível porque, por um lado, não indica de forma suficientemente precisa os números do acórdão recorrido que contêm o erro de direito, cuja anulação é pedida e, por outro, os n.os 86 a 109 do acórdão recorrido, que analisam esta questão em detalhe, procedem a uma apreciação factual insuscetível de recurso. Acrescento que o n.o 78 do acórdão recorrido parece ser apenas um obiter dictum de um raciocínio baseado noutras considerações decisivas expostas nos n.os 79 e seguintes, não contestadas pelas recorrentes. Por último, este argumento é improcedente dado que, por um lado, o critério aplicado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça ( 17 ), perfeitamente conforme à jurisprudência do TEDH. Com efeito, a não comunicação de um documento só constitui uma violação dos direitos de defesa quando a Comissão se tiver baseado nesse documento para escorar a sua acusação, e a acusação seja provada apenas por esse documento ( 18 ). Quando vários elementos de prova apoiam especificamente uma conclusão ou uma acusação, a falta de um deles não é suficiente para afastar a referida conclusão ou acusação, se os outros elementos a corroborarem. Adicionalmente, a Comissão não se baseou em nenhum elemento novo para determinar a responsabilidade das recorrentes, conforme atestam os n.os 103 e 107 do acórdão recorrido.

31.

A título subsidiário, as recorrentes (n.o 36 da petição) entendem ter demonstrado que o resultado da decisão impugnada poderia ter sido diferente se os novos elementos de prova tivessem sido excluídos. Defendem que, ao ignorar os seus argumentos, o Tribunal Geral desvirtuou os factos, cometeu um erro manifesto de apreciação bem como um erro de direito, no que respeita aos critérios de apreciação de provas e, além disso, violou o dever de fundamentação. Parece‑me que esta alegação é simultaneamente inadmissível, dado que assenta em afirmações lacónicas e gerais, e improcedente, uma vez que o Tribunal Geral efetivamente examinou, nos n.os 88 a 109 do acórdão recorrido, a natureza alegadamente nova de certos elementos de prova e a pertinência da alegada falta de acesso a estes elementos. De resto, como a France Telecom, entendo que os elementos referidos pelas recorrentes foram inseridos na decisão apenas com o objetivo de refutar os argumentos que estas invocaram na sua resposta à comunicação das acusações, e que o Tribunal Geral considerou que a Comissão não se baseou nos documentos em causa para escorar a sua acusação relativa à existência de uma infração (v. n.o 103 do acórdão recorrido).

32.

À luz do exposto, o primeiro e o nono fundamentos devem ser julgados em parte inadmissíveis e em parte improcedentes.

b) Sexto fundamento

33.

Na primeira parte deste fundamento, as recorrentes alegam (n.o 242 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n.os 287 a 295 do acórdão recorrido, da alegada violação da proibição de atuação ultra vires da Comissão. Primeiro, afirmam que o Tribunal Geral validou uma interpretação errada da jurisprudência Bronner ( 19 ), ao considerar que a Comissão tinha competência para regulamentar ex post as condições de preço a que está sujeita a utilização de infraestruturas não indispensáveis. Ora, como foi acertadamente salientado pela France Telecom e pela ECTA, esta argumentação é manifestamente improcedente, dado que equivale a defender que o artigo 102.o TFUE não é aplicável quando as condições fixadas no acórdão Bronner, já referido, não se verificam.

34.

Segundo, as recorrentes criticam (n.o 249 da petição) aparentemente o n.o 289 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, na medida em que as recorrentes não alegaram que o direito da concorrência não se aplicava a «mercados instrumentais», mas, em vez disso, que não se aplicava a uma obrigação de acesso imposta pelo regulador nacional. Não se pode deixar de observar a este respeito que as recorrentes não identificam os elementos dos seus articulados que terão sido desvirtuados, nem os erros de análise que teriam conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Além disso, as recorrentes afirmaram realmente na primeira instância que o direito da concorrência não se podia aplicar a «mercados instrumentais» (n.o 241 da sua réplica). Em qualquer caso, esta alegação não é relevante, dado que as recorrentes não contestam que a resposta do Tribunal Geral esteja juridicamente correta.

35.

Terceiro, as recorrentes criticam (n.o 251 da petição) aparentemente o n.o 290 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral não questionou a utilização do conceito de «escala dos investimentos» que, pela sua natureza «regulamentar», conduziu a Comissão a ignorar a possibilidade de utilizar uma combinação de produtos. Esta alegação parece‑me manifestamente inadmissível porque não visa nenhum erro de direito e não põe em causa nenhuma das observações feitas pelo Tribunal Geral no n.o 290 do acórdão recorrido.

36.

Quarto, as recorrentes criticam (n.o 253 da petição) aparentemente o n.o 293 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, na medida em que estas não contestavam a aplicação do artigo 102.o TFUE ao mercado das telecomunicações, mas criticavam a sua utilização pela Comissão para efeitos regulamentares. Este argumento é inadmissível porque as recorrentes não identificam os elementos dos seus articulados que terão sido desvirtuados nem os erros de análise que teriam conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Em qualquer caso, em meu entender, o Tribunal Geral não desvirtuou as alegações das recorrentes, que realmente defenderam que não havia abuso de posição dominante, uma vez que o direito das telecomunicações prosseguia objetivos diferentes dos do direito da concorrência.

37.

Quinto, as recorrentes criticam (n.o 254 da petição) aparentemente o n.o 294 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao concluir que apenas as medidas adotadas em 2006 tinham sido notificadas à Comissão, dado que, por um lado, o Reino de Espanha integrou o novo quadro regulamentar em 2003 por via da Lei‑Quadro das telecomunicações, n.o 32/2003, de 3 de novembro de 2003 e que, por outro lado, a Comissão exerceu uma fiscalização através dos relatórios de implementação que publica desde 1997. Ora, como a Comissão, a ECTA e a France Telecom corretamente assinalaram, o Tribunal Geral não desvirtuou nenhum facto, uma vez que não houve nenhuma medida notificada à Comissão antes de 2006, o que as recorrentes não impugnaram. O facto de as autoridades espanholas terem atuado, antes de 2006, no âmbito do direito da União é, em princípio, irrelevante, dado que o argumento das recorrentes consiste em dizer que a Comissão devia ter utilizado a sua competência no âmbito do novo quadro regulamentar (n.o 291 do acórdão recorrido), quando o Tribunal Geral assinala que esta não poderia ter sido utilizada antes da notificação das medidas em 2006 (n.o 294 do acórdão recorrido).

38.

Na segunda parte deste fundamento, as recorrentes alegam (n.o 255 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n.os 296 a 308 do acórdão recorrido. Primeiro, criticam (n.o 259 da petição) aparentemente o n.o 306 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade, ao abster‑se de analisar se a decisão impugnada era adequada e necessária, atendendo aos objetivos legítimos prosseguidos pela autoridade reguladora nacional [a Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Comissão do Mercado das Telecomunicações Espanhola), a seguir «CMT»]. As recorrentes arguem igualmente a violação dos direitos de defesa, na medida em que o Tribunal Geral as compeliu a demonstrar que a atuação da Comissão era contrária ao princípio da proporcionalidade, quando competia à Comissão demonstrar que a sua atuação era conforme com o referido princípio. Entendo, e concordo com a Comissão e a ECTA, que este argumento é inadmissível porque não foi invocado no Tribunal Geral.

39.

Segundo, as recorrentes criticam (n.o 261 da petição) aparentemente o n.o 306 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral violou o princípio da segurança jurídica ao aceitar que um comportamento conforme ao quadro regulamentar pode constituir uma infração ao artigo 102.o TFUE. Este argumento é igualmente inadmissível, dado que, no Tribunal Geral, as recorrentes se limitaram a invocar a violação do princípio da segurança jurídica que resultou do facto de a Comissão não ter examinado o comportamento da CMT.

40.

Terceiro, as recorrentes criticam (n.o 264 da petição) os n.os 299 a 304 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral manifestamente desvirtuou as suas alegações relativas ao princípio da subsidiariedade, e ignorou que os objetivos prosseguidos pelo direito da concorrência e pelo quadro regulamentar das telecomunicações são idênticos. Este argumento parece‑me inadmissível porque as recorrentes não identificaram que alegações suas terão sido desvirtuadas pelo Tribunal Geral.

41.

Na terceira parte deste fundamento, as recorrentes criticam (n.o 267 da petição) a análise que o Tribunal Geral efetuou a alegada violação pela Comissão dos princípios da cooperação leal e da boa administração. Visam, mais precisamente, os n.os 313 e 314 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou as suas alegações, porquanto as recorrentes não censuraram a Comissão por não ter consultado a CMT relativamente à comunicação das acusações, mas por não ter atuado com base em todos os elementos de facto necessários para construir a sua opinião e por não ter cooperado adequadamente com a CMT relativamente às bases e aos fundamentos da sua atuação, bem como relativamente ao impacto destes na concretização dos objetivos regulamentares. Assim, o Tribunal Geral, erradamente, não apreciou a questão de saber se, no exercício do seu dever de colaboração e de boa administração, a Comissão tinha analisado o motivo e debatido com a CMT a finalidade da sua atuação e do seu método de cálculo da compressão tarifária da margem (ou seja, o teste que a CMT aplicou). Esta argumento parece‑me manifestamente inadmissível porque as recorrentes não identificam os elementos que terão sido desvirtuados nem os erros de análise que terão sido cometidos. Além disso, o argumento é manifestamente improcedente, porque o Tribunal Geral concluiu, e as recorrentes não contestaram, por um lado, que a CMT realmente tinha sido associada ao procedimento administrativo e, por outro lado, que as disposições aplicáveis do Regulamento n.o 1/2003 não preveem a obrigação de a Comissão consultar as autoridades reguladoras nacionais.

42.

Entendo, à luz do exposto, que o sexto fundamento deve, portanto, ser julgado inadmissível e improcedente.

c) Sétimo fundamento

i) Primeira parte do sétimo fundamento

43.

As recorrentes alegam (n.o 274 da petição) que, no âmbito da análise da qualificação da infração como «abuso caracterizado» nos n.os 353 a 369 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral violou os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas, garantidos no artigo 7.o da CEDH e no artigo 49.o da Carta. Salientam que, em conformidade com o acórdão Dansk Rørindustri e o/Comissão ( 20 ), estes princípios podem opor‑se à aplicação retroativa de uma nova interpretação jurisprudencial de uma norma que institui uma infração, cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atendendo designadamente à interpretação dessa norma fixada pela jurisprudência à data.

44.

Através da sua primeira alegação (n.o 281 da petição), intitulada «Existência de precedentes claros e previsíveis», as recorrentes limitam‑se a resumir os n.os 357 a 368 do acórdão recorrido. Através da sua segunda alegação (n.o 284 da petição), criticam o n.o 357 do acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral remeteu para a margem de apreciação da Comissão quanto à oportunidade da aplicação de uma coima, violando assim a sua obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição, estabelecida no artigo 6.o da CEDH e no artigo 229.o CE (atual artigo 261.o TFUE), bem como os princípios da legalidade e da segurança jurídica, constantes do artigo 7.o da CEDH. Através da sua terceira alegação (n.o 286 da petição), criticam aparentemente os n.os 356 a 362 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral concluiu erradamente que a aplicação do artigo 102.o TFUE ao seu comportamento se baseava em precedentes claros e previsíveis. Através da sua quarta alegação (n.o 302 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n.os 363 a 369 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral concluiu erradamente que a metodologia utilizada pela Comissão para determinar a existência de compressão tarifária da margem estava razoavelmente baseada em precedentes claros e previsíveis.

45.

Entendo que o conjunto desta primeira parte é inadmissível, uma vez que as recorrentes não invocaram na primeira instância a questão da existência ou não de precedentes claros para contestar o princípio da aplicação de uma coima, mas unicamente em relação ao montante da coima e à existência de um «abuso caracterizado».

ii) Segunda parte do sétimo fundamento

46.

As recorrentes alegam (n.o 310 da petição) que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito na análise, nos n.os 319 a 352 do acórdão recorrido, da qualificação do seu comportamento como «infração cometida deliberadamente ou por negligência grave» na aceção do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

– Primeira alegação

47.

Primeiro argumento: as recorrentes criticam aparentemente os n.os 322 a 326 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral considerou erradamente que não podiam prever a definição de mercado que foi adotada pela Comissão na decisão impugnada. Basta observar, acompanhando a Comissão, que o Tribunal Geral aplicou os critérios clássicos de definição dos mercados baseados na substituibilidade, que não podem ser considerados «imprevisíveis». Além disso, a alegada imprevisibilidade da distinção entre mercados grossistas regional e nacional não é relevante, dado que estes dois mercados eram ambos afetados por uma posição dominante e por uma compressão das margens criada pelas recorrentes.

48.

De forma mais específica, as recorrentes criticam (n.o 317 da petição) aparentemente o n.o 323 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral, ignorando a jurisprudência do TEDH em matéria de previsibilidade, entendeu que as recorrentes deveriam ter recorrido a aconselhamento especializado, sem verificar se o tinham efetivamente feito, presumindo que o referido aconselhamento iria coincidir com o critério da Comissão. A este respeito, não se pode deixar de observar que a jurisprudência nunca atribuiu qualquer importância ao facto de a empresa pedir ou não aconselhamento, e se assim não fosse as empresas poderiam ficar impunes se não recorressem a aconselhamento jurídico.

49.

Em seguida, as recorrentes criticam (n.o 319 da petição) aparentemente o n.o 326 do acórdão recorrido, alegando que o Tribunal Geral desrespeitou o critério jurídico da previsibilidade da definição do mercado e, consequentemente, o da previsibilidade das consequências do comportamento destas, não tomando em conta o contexto e determinadas circunstâncias enunciadas pelas recorrentes, como o facto de que os precedentes disponíveis definiam um mercado único, o facto de determinados operadores utilizarem uma combinação de inputs, o facto de os mercados grossistas nacional e/ou regional não existirem noutros Estados‑Membros, o facto de a Diretiva 2002/21/CE ( 21 ) definir um único mercado que englobava a infraestrutura nacional e a regional, ou o facto de a própria CMT ter confirmado esta posição na sua decisão de 6 de abril de 2006. Estas alegações parecem‑me inadmissíveis uma vez que, embora as diferentes circunstâncias antes referidas sejam mencionadas no presente recurso, não o foram em primeira instância, para efeitos de refutar a previsibilidade das consequências do comportamento das recorrentes (nem nos n.os 297 a 301 da petição, nem nos n.os 271 a 275 da réplica, na primeira instância).

50.

Por último, as recorrentes criticam (n.o 323 da petição) aparentemente o n.o 326 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que não podiam ignorar que detinham uma posição dominante nos mercados relevantes. Esta afirmação partiria de uma premissa errada, segundo a qual as recorrentes deveriam razoavelmente ter antecipado a definição de mercado adotada pela Comissão. Além disso, as recorrentes defendem que o Tribunal Geral utilizou um critério jurídico errado ao proceder a uma análise de fundo, em vez de aplicar o critério da previsibilidade. Estas alegações são inadmissíveis dado que, em primeira instância, as recorrentes não expressaram qualquer dúvida quanto ao facto de as suas quotas de mercado poderem razoavelmente indicar uma posição dominante, nem nos n.os 297 a 301 da petição, nem nos n.os 272 a 275 da réplica.

51.

Segundo argumento: as recorrentes criticam aparentemente os n.os 338 a 341 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral decidiu erradamente que podiam prever que a sua política de preços era suscetível de constituir um comportamento anticoncorrencial.

52.

Primeiro, as recorrentes criticam (n.o 330 da petição) aparentemente os n.os 339 e 340 do acórdão recorrido, entendendo que o Tribunal Geral aplicou um critério jurídico errado ao proceder a uma análise de mérito, que visava determinar se a Comissão podia legitimamente intervir ex post, em vez de proceder a uma análise de previsibilidade, visando determinar se essa intervenção era razoavelmente previsível, dado que as recorrentes estavam sujeitas à obrigação de permitir o acesso a uma fiscalização aprofundada por parte da CMT. Em meu entender, é absolutamente evidente e, por conseguinte, «previsível», que a existência de uma regulação ou de um certo acompanhamento pelas autoridades sectoriais nacionais não protege contra a aplicação dos Tratados (como salienta o n.o 340 do acórdão recorrido). Além disso, no acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido (n.os 119, 124 e 127) estabeleceu‑se que a regulação setorial só é relevante para a questão de saber se a empresa conhecia o caráter ilícito da sua atuação, mas não para determinar o caráter doloso ou negligente desta, e que essa condição se verifica quando a empresa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, tenha ou não tido consciência de violar as normas de concorrência do Tratado.

53.

Em seguida, as recorrentes criticam aparentemente a primeira parte do n.o 341 do acórdão recorrido, relativa ao produto grossista regional, na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao considerar que as recorrentes não tinham impugnado o facto de a CMT ter analisado a existência de uma compressão das margens não com base nos custos históricos e reais das recorrentes, mas sim com base em estimativas ex ante. As recorrentes alegam assim ter alegado na sua petição em primeira instância (n.o 320) que a CMT não quis utilizar a contabilidade dos seus custos reais, preferindo encarregar a consultora ARCOME de elaborar um modelo baseado nos custos de um concorrente hipotético, «razoavelmente eficiente», e não nos de um concorrente «igualmente eficiente». O Tribunal Geral terá também ignorado que as recorrentes podiam legitimamente presumir que a análise da CMT deveria ser mais precisa do que uma análise baseada nos seus próprios custos. Além disso, o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente os factos por não considerar que os preços em causa tinham sido sujeitos a uma fiscalização ex post. Assinalo que as recorrentes não impugnam a alegação factual de que a CMT não analisou a eventual compressão de margens com base em dados históricos reais. De resto, as alegações de que a CMT teria recorrido ao critério do concorrente «razoavelmente eficiente», além de não terem sido fundamentadas, são manifestamente inadmissíveis, dado que as recorrentes nunca as invocaram em primeira instância, apesar de a decisão impugnada, no seu considerando 733, afirmar que o método utilizado pela CMT era o do operador «igualmente eficiente». Em seguida, estas alegações são, em qualquer caso, desprovidas de relevância e inoperantes, porquanto, como indicado no n.o 302 do acórdão recorrido, a CMT declarou em diversas ocasiões que não dispunha das informações necessárias para a análise da compressão das margens, pelo que as recorrentes não podiam esperar que a fiscalização pela CMT, baseada em estimativas ex ante, as protegesse da aplicação do direito da concorrência ex post, que se baseia em dados reais e históricos. Por fim, o Tribunal Geral não ignorou a alegada fiscalização ex post, em vez disso, considerou simplesmente que esta fiscalização não abalava a sua conclusão (n.os 303, 340, 347 e 348 do acórdão recorrido).

54.

Por último, as recorrentes criticam (n.o 334 da petição) aparentemente a segunda parte do n.o 341 do acórdão recorrido, relativa ao produto grossista nacional, por entenderem que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao ignorar, por um lado, que alegaram que as suas infraestruturas nacionais faziam parte de um mercado mais vasto que incluía o lacete local ou, pelo menos, o acesso regional, submetido a uma regulação de acesso ex ante pela CMT e, por outro, que estavam sujeitas a uma fiscalização ex post pela CMT. Basta assinalar a este respeito que a existência ou a inexistência de uma fiscalização pela CMT é uma questão de facto e que as conclusões do Tribunal Geral são claras a este respeito. Seja como for, os argumentos das recorrentes não são relevantes, dado que a simples existência de uma fiscalização ex post potencial não pode excluir a aplicação do direito da concorrência.

– Segunda alegação

55.

Através desta alegação (n.o 338 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n.os 343 a 352 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que a inexistência de intervenção da Comissão e as atuações da CMT não teriam podido criar nas recorrentes uma confiança legítima no facto de que as suas práticas tarifárias eram conformes ao artigo 102.o TFUE. Estes argumentos parecem‑me inadmissíveis, dado que constituem meras críticas formuladas contra a apreciação soberana dos factos pelo Tribunal Geral.

56.

Entendo, à luz do exposto, que o sétimo fundamento deve ser rejeitado na íntegra por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

3. Oitavo fundamento (cálculo do montante da coima) e décimo fundamento (violação da obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição no que se refere às sanções)

57.

Irei analisar, inicialmente, para propor que sejam rejeitados, o segundo e o terceiro argumentos da primeira alegação e a segunda alegação da primeira parte desse oitavo fundamento. Dedicar‑me‑ei, em seguida, à análise do primeiro e do quarto argumentos da primeira alegação e às outras alegações do oitavo fundamento, bem como ao décimo fundamento que, de uma forma ou outra, se reconduzem todos à questão de saber se o Tribunal Geral exerceu corretamente a sua competência de plena jurisdição no que se refere à fixação do montante da coima.

i) Primeira parte do oitavo fundamento (segundo e terceiro argumentos da primeira alegação e segunda alegação)

58.

Através do segundo argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.o 371 da petição) criticam aparentemente o n.o 384 do acórdão recorrido, entendendo que o Tribunal Geral considerou erradamente que se encontravam numa situação de monopólio virtual, ignorando assim determinadas características essenciais do mercado, como a possibilidade de replicar os produtos grossistas, o caráter contestável do mercado, a regulação estrita a que as recorrentes estavam sujeitas e as pressões concorrenciais indiretas. Dado que este argumento não tem outro objetivo senão o de pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral, é inadmissível.

59.

Em seguida, através do seu terceiro argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.o 374 da petição) criticam aparentemente o n.o 385 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral decidiu erradamente que o método de cálculo da compressão das margens resulta da prática decisória anterior da Comissão, apesar de o referido método incluir numerosos elementos novos como, entre outros, a presença de um input não indispensável ou de um mercado em desenvolvimento.

60.

As recorrentes repetem a ideia de que a sanção não era previsível porquanto, no seu caso, estavam em causa infraestruturas (in casu«a rede de acesso local da Telefónica») não essenciais ( 22 ) e os precedentes se referiam exclusivamente a «infraestruturas essenciais», e remetem repetidamente para o acórdão Bronner ( 23 ), e para o acórdão Industrie des poudres sphériques/Comissão ( 24 ) (para alegar que a questão de saber se o preço era excessivo ou predatório não era de resposta clara). No que se refere ao acórdão Bronner, constato que, no caso vertente, a questão de saber se a recorrente estava ou não obrigada a fornecer o produto não se colocava, dado que essa obrigação já existia. Além disso, é claramente errado afirmar que todos os precedentes se referiam a infraestruturas essenciais. Por exemplo, a Telefónica omite mencionar a Decisão National Carbonising, relativa a um abuso que consiste no que se designa por «compressões das margens» ( 25 ). No caso Napier Brown ( 26 ), a Comissão concluiu pela existência de um abuso de posição dominante sob a forma de uma compressão das margens embora, a montante, estivessem disponíveis alternativas ao produto. Dito de outra forma, a Comissão não exigiu neste caso que o input fosse indispensável ( 27 ). A comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no setor das telecomunicações ( 28 ), que já abordava este problema em 1998, também não exige a existência de um input essencial ou de um preço excessivo ou predatório. Na realidade, a questão que se colocava ao Tribunal Geral era a de saber se existiam precedentes que exigissem que o input fosse essencial, e não o contrário.

61.

Além disso, o argumento invocado pelas recorrentes em primeira instância (n.o 341 da petição) segundo o qual o caráter «não essencial» do input não era evidente neste caso, também não é relevante porque a Comissão não concluiu pelo caráter essencial desse input, e esta característica não é um pressuposto do raciocínio que esta aplicou para demonstrar a existência de um abuso. No que respeita ao acórdão Industrie des poudres sphériques/Comissão, já referido, basta assinalar que as recorrentes insistem simplesmente em que a sua interpretação do acórdão é a correta, sem realmente debaterem a interpretação conjunta que é feita pela Comissão e pelo Tribunal Geral.

62.

Quanto ao argumento das recorrentes relativo a outros elementos novos utilizados pela Comissão e que o Tribunal Geral terá ignorado, basta concluir pela sua inadmissibilidade, porque, na primeira instância, este argumento foi invocado apenas para efeitos da redução da coima e não para contestar a possibilidade de a Comissão aplicar uma coima. Além disso, no que se refere mais especificamente ao argumento relativo aos mercados em desenvolvimento, também as decisões Wanadoo Interactive ( 29 ) e Deutsche Telekom, já referidas, eram relativas a mercados em pleno crescimento, pelo que se torna claro que esta circunstância per se não seria suficiente para excluir a existência de um abuso.

63.

Por último, através da sua segunda alegação, as recorrentes criticam aparentemente os n.os 377 a 407 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral cometeu diversos erros de direito na sua apreciação dos efeitos concretos do abuso em questão e, mais especificamente (pelo menos, aparentemente): i) os n.os 394 a 398 do acórdão recorrido, por erros de direito do Tribunal Geral na sua apreciação da evolução da quota de mercado das recorrentes no mercado de retalho (n.o 380 da petição); ii) o n.o 399 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral desvirtuado os factos, dado que a própria Comissão tinha reconhecido na decisão impugnada que dois operadores tinham atingido uma quota de mercado de mais de 1% (Wanadoo España e Ya.com) (n.o 385 da petição); iii) o n.o 401 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral decidido erradamente que o ritmo de crescimento superior das recorrentes no mercado grossista era um indício concreto da exclusão dos seus concorrentes (n.o 390 da petição); iv) o n.o 407 do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Geral entendido erradamente que a Comissão podia acertadamente considerar que o nível elevado dos preços de retalho em Espanha constituía um indício credível do impacto concreto do comportamento das recorrentes no mercado espanhol, apesar de a Comissão não ter provado o nexo de causalidade entre o abuso em questão e o nível elevado dos preços de retalho (n.o 393 da petição); e v) o n.o 409 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral entendeu erradamente que a Comissão podia acertadamente considerar que a fraca taxa de penetração da banda larga em Espanha constituía um indício credível do impacto concreto do comportamento das recorrentes no mercado espanhol, ignorando outros fatores invocados pelas recorrentes para explicar essa fraca taxa (n.o 399 da petição).

64.

Entendo que a exceção de inadmissibilidade invocada contra a integralidade da segunda alegação pela Comissão e pela France Telecom deve ser julgada procedente. Com efeito, essa alegação assenta em alegações que não foram evocadas na primeira instância e convida o Tribunal de Justiça a reexaminar elementos de facto. Em qualquer caso, o Tribunal Geral aplicou o critério adequado, ou seja a presença de «indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração possa ter tido na concorrência» (n.o 390 do acórdão recorrido), e as recorrentes limitaram‑se a contestar o caráter suficiente dos indícios, sem invocarem nenhuma desvirtuação.

ii) Primeiro e quarto argumentos da primeira alegação, terceira e quarta alegações da primeira parte, bem como o restante do oitavo fundamento e do décimo fundamento

65.

Vou expor os argumentos das partes para, em seguida, apresentar uma síntese, que permita isolar a questão essencial colocada ao Tribunal de Justiça neste recurso.

– Argumentos das partes

66.

Através do primeiro argumento da primeira alegação (n.o 362 da petição), as recorrentes criticam aparentemente os n.os 382 a 387 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na qualificação da natureza da infração, atendendo às Orientações de 1998 para o cálculo das coimas. O Tribunal Geral considerou, designadamente, que a declaração de não violação do princípio da segurança jurídica implicava necessariamente a existência de um «abuso caraterizado». Segundo as recorrentes, o seu raciocínio relativo ao princípio da segurança jurídica visava demonstrar que estas não tinham razões para pensar que o seu comportamento era ilegal, e o relativo ao «abuso caraterizado» visava fazer prova de que não se tratava de um abuso evidente ou «clear‑cut» à luz das Orientações de 1998. As recorrentes acrescentaram que podiam duvidar legitimamente duvidar da natureza abusiva do seu comportamento.

67.

A Comissão defende, no essencial, que o Tribunal Geral abordou a questão de saber se existia «abuso caraterizado» respondendo de forma extremamente detalhada, nos n.os 353 a 369 do acórdão recorrido, a cada um dos argumentos invocados na primeira instância, tendo concluído que os precedentes eram suficientemente claros.

68.

Através do quarto argumento da primeira alegação, as recorrentes (n.o 375 da petição) criticam aparentemente o n.o 386 do acórdão recorrido porque o Tribunal Geral erradamente recusou qualificar a infração como «grave» em vez de «muito grave», no período anterior à publicação da Decisão Deutsche Telekom.

69.

A Comissão defende que é necessário ler o acórdão recorrido na íntegra e que o Tribunal Geral decidiu que a infração era «muito grave» independentemente da Decisão Deutsche Telekom.

70.

Através de uma terceira alegação, as recorrentes (n.o 409 da petição) criticam aparentemente os n.os 412 e 413 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral violou o princípio da não discriminação, por um lado, ao decidir que a prática decisória da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência, apesar da existência de precedentes muito semelhantes, como o processo que deu origem às decisões Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom.

71.

Segundo a Comissão, esta alegação não evidencia a existência de qualquer erro de direito, uma vez que não existe nenhuma norma jurídica que impeça que uma infração, cujo alcance esteja circunscrito a um único Estado‑Membro, seja qualificada de «muito grave». Remete, adicionalmente, para o n.o 413 do acórdão recorrido em que o Tribunal Geral evidenciou as diferenças significativas com os casos anteriores, que nunca foram contestadas pelas recorrentes.

72.

Através da sua quarta alegação, as recorrentes (n.o 414 da petição) criticam aparentemente os n.os 415 a 420 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não tomou em conta a intensidade variável da gravidade da infração ao longo do período em que se verificou a infração.

73.

A Comissão afirma, no essencial, que reconheceu nos considerandos 750 e 760 da decisão impugnada, que a infração tinha sido «menos grave» durante certos períodos, o que demonstrava que a intensidade variável da gravidade tinha sido tomada em conta no cálculo do montante da coima. A Comissão salienta igualmente que repartição em dois períodos distintos não se justificava, porque o Tribunal Geral entendeu que a infração foi muito grave nos dois períodos.

74.

Na segunda parte do seu oitavo fundamento, as recorrentes invocam uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualidade das penas. Através da sua primeira alegação, as recorrentes (n.o 424 da petição) criticam aparentemente os n.os 424 a 427 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral decidiu, em violação do princípio da não discriminação, que a prática decisória da Comissão não servia de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência.

75.

A Comissão recorda que, na primeira instância, já demonstrou as diferenças entre o presente caso e os casos referidos pelas recorrentes e acrescenta que tem competência para aumentar os limites das coimas, em especial quando o nível anterior não se revelou dissuasivo. Consequentemente, o facto de o montante de partida da coima ser muito superior ao aplicado nas decisões Wanadoo Interactive ou Deutsche Telekom é irrelevante para apreciar a legalidade do montante de base no caso vertente.

76.

Através da sua segunda alegação, as recorrentes (n.o 428 da petição) criticam aparentemente os n.os 428 a 432 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição para verificar o caráter proporcional da sanção e, portanto, violou o princípio da proporcionalidade, mediante uma simples confirmação da margem de apreciação da Comissão quanto à fixação do montante das coimas.

77.

A Comissão observa, no essencial, que o Tribunal Geral não se limitou a referir a margem de apreciação da Comissão, tendo efetivamente verificado, no n.o 432 do acórdão recorrido, se o montante da coima era desproporcionado.

78.

Através da sua terceira alegação, as recorrentes (n.o 432 da petição) criticam aparentemente o n.o 433 do acórdão recorrido, por não ter o Tribunal Geral exercido a sua competência de plena jurisdição para verificar se o princípio do efeito dissuasivo da coima prevaleceu indevidamente sobre o princípio da individualidade das penas.

79.

A Comissão confessa que não perceber o erro de direito invocado pelas recorrentes. Salienta, por um lado, que nenhum princípio jurídico afirma que o «efeito individual» se deve sobrepor ao «efeito dissuasivo geral» e, por outro lado, que a decisão impugnada explicava de forma extremamente detalhada por que razão a coima era adequada às circunstâncias do caso.

80.

Por fim, através da sua quarta alegação, as recorrentes (n.o 435 da petição) criticam aparentemente os n.os 434 e 435 do acórdão recorrido, afirmando que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação ao decidir que a Comissão não tinha que fundamentar com um cuidado especial a sua decisão de aplicar uma coima sensivelmente superior às das decisões Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom.

81.

A Comissão argumenta, no essencial, que, uma vez que as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter verificado que os dados «figuravam» na decisão impugnada, a quarta alegação não revela nenhum erro de direito porquanto, no âmbito da fundamentação, é necessário verificar se Comissão forneceu motivos suficientes e não se apresentou provas que apoiem os seus fundamentos.

82.

Na terceira parte do seu oitavo fundamento, as recorrentes (n.os 439 e 440 da petição) defendem que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n.os 437 a 443 do acórdão recorrido, da majoração do montante inicial da coima para efeitos de dissuasão.

83.

A Comissão e a France Telecom observam inicialmente que os n.os 437 a 443 do acórdão recorrido refutam com precisão os argumentos invocados pelas recorrentes. Em seguida, a Comissão salienta que os tribunais da União confirmaram a legalidade da prática que consiste em majorar a coima aplicada às grandes empresas, como nos acórdãos Showa Denko/Comissão e Lafarge/Comissão ( 30 ). Por fim, a Comissão acrescenta que a majoração de 25% é muito inferior à tradicionalmente aplicada pela Comissão.

84.

Na quarta parte do seu oitavo fundamento, que formalmente está incluída na terceira parte no presente recurso, as recorrentes (n.o 445 da petição) alegam, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n.os 444 a 452 do acórdão recorrido, da qualificação do seu comportamento como «infração de longa duração».

85.

Quanto à data do fim da infração, a Comissão salienta que nenhum elemento do processo fornecido pelas recorrentes comprovava alterações de preços entre junho e dezembro de 2006.

86.

Na quinta parte do seu oitavo fundamento, que formalmente está incluída na terceira parte no presente recurso, as recorrentes (n.o 453 da petição) alegam, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise, nos n.os 453 a 461 do acórdão recorrido, das circunstâncias atenuantes para efeitos de redução da coima.

87.

No que respeita à negligência, a Comissão argumentou que o Tribunal Geral avaliou este aspeto no n.o 458 do acórdão recorrido, o qual deve ser lido à luz da integralidade do acórdão recorrido. Quanto ao caráter de novidade, a Comissão entendeu que o Tribunal Geral podia validamente, no n.o 461 do acórdão recorrido, remeter para os n.os 356 a 368 do referido acórdão porquanto já aí apreciara a gravidade da infração e a circunstância atenuante contribui igualmente para apreciar essa gravidade.

88.

Através do seu décimo fundamento, as recorrentes (n.o 474 da petição) alegam que o Tribunal Geral violou o artigo 229.o CE (atual artigo 261 TFUE) ao ignorar a sua obrigação de exercer uma competência de plena jurisdição sobre as sanções.

89.

A Comissão defende que cada uma das alegações formuladas no décimo fundamento foi refutada de forma circunstanciada nas suas respostas aos outros fundamentos.

– Análise

90.

Como se pode constatar pela leitura dos argumentos das partes, a primeira (nos seus primeiro e quarto argumentos), a terceira e a quarta acusações da primeira parte do oitavo fundamento, a primeira, segunda, terceira e quarta acusações da segunda parte do oitavo fundamento, bem como as suas terceira, quarta e quinta partes e, por último, o décimo fundamento, sobrepõem‑se largamente. Com efeito, todos os argumentos das recorrentes relativos ao cálculo da coima visam, no essencial, o exercício, pelo Tribunal Geral da sua competência de plena jurisdição, o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da não discriminação, e da individualização das penas. Irei, assim, analisar a questão de saber se, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral exerceu efetivamente a sua competência de plena jurisdição, como é seu dever, ou se, incorretamente, se terá limitado a escudar‑se na margem de apreciação da Comissão.

α) Primeira parte: direitos e obrigações da Comissão

91.

Se, no seio de uma mesma decisão da Comissão, a jurisprudência exige, por respeito pelos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, que seja utilizado o mesmo método de cálculo para todos os membros do cartel ( 31 ), é verdade que o Tribunal de Justiça tem repetidamente decidido que «a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações» ( 32 ).

92.

Assim, «o facto de, no passado, a Comissão ter aplicado, para certas categorias de infrações, coimas que se situavam num determinado nível não a pode impedir de fixar coimas a um nível superior, se for considerado que um aumento das sanções é necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União, a qual está unicamente definida pelo Regulamento (CE) n.o 1/2003» ( 33 ). O Tribunal Geral acrescentou ( 34 ) que «[a] Comissão não pode, com efeito, ser obrigada a fixar coimas com uma coerência perfeita relativamente às que foram fixadas noutros processos».

93.

Com efeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que «a execução da referida política exige que a Comissão possa adaptar o nível das coimas em função dos imperativos da política na matéria» ( 35 ), designadamente quando os níveis previamente aplicados não se tenham revelado dissuasivos.

94.

Ainda segundo o Tribunal de Justiça, há que acrescentar que «a gravidade das infrações deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração» ( 36 ).

95.

Cumpre ainda indicar a jurisprudência do Tribunal Geral, que foi chamado a pronunciar‑se sobre estas questões. Este observou corretamente, no acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, que, «[q]uanto às comparações […] com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas, conclui‑se que essas decisões só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço» ( 37 ) (o sublinhado é meu).

96.

No acórdão Tréfilunion/Comissão (dito do «Mercado das Redes soldadas») ( 38 ), o Tribunal Geral esclareceu justamente que, «apesar de ser desejável que as empresas — para poderem tomar posição com perfeito conhecimento de causa — possam conhecer em pormenor, de acordo com qualquer sistema que a Comissão considere oportuno, o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão — o que seria contrário ao princípio da boa administração‑, no caso concreto, e tendo em conta a jurisprudência citada, os elementos contidos na decisão e a falta de cooperação da recorrente […] a acusação relativa à falta de fundamentação não deve ser acolhida» (o sublinhado é meu).

97.

Além disso, como o Tribunal Geral corretamente assinalou na sua jurisprudência, «de cada vez que a Comissão decide aplicar coimas por força do direito da concorrência, é obrigada a observar os princípios gerais de direito, entre os quais figura o princípio da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, como interpretado pelos órgãos jurisdicionais [da União]» ( 39 ).

98.

Resumindo as considerações anteriores, verifico que o dever de fundamentação da Comissão, cuja importância é ainda confirmada pela jurisprudência recente Chalkor/Comissão e KME Germany e o./Comissão (dito «Mercado dos tubos industriais/sanitários em cobre»), bem como pela do TEDH ( 40 ), constitui o elemento central de relevância para a apreciação do respeito pelos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, da comparação da decisão impugnada com as decisões anteriores da Comissão em que é aplicada uma coima.

99.

Inicialmente, no acórdão Sarrió/Comissão ( 41 ), já referido, no n.o 73 o Tribunal de Justiça declarou que, «tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 341 e 342 do acórdão recorrido [ ( 42 )],os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infração bem como a respetiva duração. Na falta de tais elementos, a decisão está viciada por falta de fundamentação».

100.

A seguir, no n.o 76 deste acórdão, o Tribunal de Justiça acrescenta que, «[c]ertamente a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação. Contudo, é‑lhe permitido fazer acompanhar a sua decisão de uma fundamentação que vá para além dos requisitos lembrados no n.o 73 do presente acórdão, entre outros, indicando os elementos numéricos que orientaram, nomeadamente quanto ao efeito dissuasivo pretendido, o exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas a várias empresas que participaram, com intensidade variável, na infração» (o sublinhado é meu).

101.

Por fim, o Tribunal de Justiça decidiu, no n.o 77 deste acórdão, que, «[com] efeito, pode ser desejável que a Comissão faça uso dessa faculdade para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da ação administrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal de Primeira Instância da sua competência de jurisdição plena, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o caráter apropriado da coima aplicada. No entanto, esta faculdade, […] não é suscetível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação» (o sublinhado é meu).

102.

Embora resulte claramente desta jurisprudência que a comunicação pela Comissão do método de cálculo da coima representa apenas uma faculdade «desejável» que não está abrangida stricto sensu pelo dever de fundamentação, a qual exige apenas a indicação dos elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade da infração bem como a respetiva duração ( 43 ), é necessário questionarmo‑nos sobre a questão de saber se isso implica que a Comissão possa simultaneamente remeter‑se ao silêncio quanto ao método de cálculo da coima e não explicar de forma pormenorizada um aumento drástico da coima aplicada, em relação a precedentes muito comparáveis, à luz dos acórdãos, já referidos, Chalkor e KME bem como Menarini, na medida em que estes clarificaram o alcance da obrigação de exercício da competência de plena jurisdição que incumbe ao Tribunal Geral.

103.

Com efeito, recordo que o Tribunal de Justiça esclareceu, inicialmente, no n.o 60 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, que «[a]s orientações, relativamente às quais o Tribunal de Justiça já declarou que estabelecem uma regra de conduta indicativa da prática a seguir da qual a administração não se pode afastar, num caso específico, sem indicar razões que sejam compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento [ ( 44 )], limitam‑se a descrever o método do exame da infração seguido pela Comissão e os critérios que esta se obrigou a tomar em consideração para a fixação do montante da coima».

104.

Neste contexto, nos termos do n.o 61 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido (bem como nos termos do n.o 128 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido), o «dever [de fundamentação] reveste particular importância. Incumbe à Comissão fundamentar a sua decisão e, nomeadamente, explicar a ponderação e a avaliação que fez dos elementos tomados em consideração […]. A existência de fundamentação deve ser verificada oficiosamente pelo juiz» (o sublinhado é meu).

105.

Recordo igualmente que a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 45 ) esclarece «que, embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita» (o sublinhado é meu). Sem esta explicação, o exercício da competência de plena jurisdição torna‑se muito mais difícil.

106.

Por último, constato que a fundamentação da Comissão se revela claramente mais transparente e pormenorizada quando esta «propõe» uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória [nas ações por «duplo incumprimento» (artigo 260.o, n.o 2, TFUE)] do que quando a própria Comissão «decide» aplicar uma coima (nos processos de direito da concorrência) ( 46 ).

β) Segunda parte: a competência de plena jurisdição do Tribunal Geral

αα) Teoria sobre a competência de plena jurisdição

107.

Logo no Tratado de Roma de 25 de março de 1957 ( 47 ), o Tribunal de Justiça recebeu, em matéria de sanções, uma competência especial: a de plena jurisdição, que lhe permite, designadamente em matéria de direito da concorrência, não apenas anular ou confirmar uma coima e o seu montante, mas também aumentá‑lo ou diminuí‑lo.

108.

Como refere o Tribunal de Justiça no n.o 130 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido, «[a] fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que era reconhecida ao juiz da União pelo artigo 17.o do Regulamento n.o 17 e o é atualmente pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, de suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada [ ( 48 )]» (o sublinhado é meu).

109.

Embora os textos dos Tratados ou dos regulamentos que atribuem esta competência ao Tribunal de Justiça não se tenham alterado ( 49 ), os princípios gerais do direito da União, a entrada em vigor da Carta (que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, passou a ter o mesmo valor jurídico que os Tratados) e a jurisprudência do TEDH e do Tribunal de Justiça, confirmaram que, a propósito das coimas aplicadas pela Comissão em matéria de concorrência, a competência de plena jurisdição impunha ao Tribunal de Justiça ( 50 ) que realizasse a sua própria apreciação a esse respeito.

110.

Resulta designadamente do acórdão do TEDH, Menarini, já referido, que a competência de «plena jurisdição» implica o poder de reformular todos os pontos, de facto e de direito, a decisão adotada, bem como a competência para se debruçar sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para o litígio submetido ao Tribunal Geral.

111.

O juiz Pinto de Albuquerque, na sua opinião dissidente no mesmo processo, assinala acertadamente que, «[n]o plano dos princípios, a aplicação de sanções públicas excede as funções tradicionais da administração e deve ser exercida por um juiz. Se a verificação das condições de facto da aplicação de uma sanção pública estiver reservada a um órgão administrativo, sem uma fiscalização posterior rigorosa pelos tribunais, os referidos princípios [da separação de poderes e da legalidade das sanções] serão totalmente falseados» (o sublinhado é meu).

112.

De igual modo, os acórdãos já referidos Chalkor e KME concluíram claramente que a competência de plena jurisdição do Tribunal Geral implica o exercício de uma fiscalização tanto de facto como de direito, bem como o poder de apreciar as provas, de anular a decisão impugnada e de alterar o montante das coimas ( 51 ).

113.

Como assinalou a advogada‑geral J. Kokott ( 52 ), a questão de saber se o Tribunal Geral exerceu a sua competência de plena jurisdição é «um verdadeiro problema jurídico […]: está em causa o alcance das exigências legais relativas à apreciação por parte do Tribunal Geral de uma acusação de discriminação e, em particular, a intensidade da fiscalização posta em prática pelo Tribunal Geral para esse efeito em relação à Comissão. Trata‑se, a este respeito, de uma questão que é constantemente objeto de debate e à qual é dispensada atualmente — sobretudo no âmbito da [Carta] uma atenção cada vez maior. […] O artigo 47.o da Carta […] garante o direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva, o qual é igualmente reconhecido como princípio geral do direito da União [ ( 53 )], […]. Este direito fundamental compreende, entre outros, o direito à fiscalização das decisões administrativas por um tribunal independente num processo equitativo» (o sublinhado é meu).

114.

Adicionalmente, em conformidade com o artigo 49.o, n.o 3, da Carta, relativo aos princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, o juiz da União deve assegurar a efetividade do princípio segundo o qual «[a]s penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração».

115.

Adicionalmente, o TEDH decidiu igualmente que a fiscalização de uma sanção administrativa implica que o juiz verifique e analise pormenorizadamente a adequação da sanção relativamente à infração cometida, tomando em conta os parâmetros relevantes, incluindo o da proporcionalidade da própria sanção e, se for caso disso, que a substitua (v. acórdão Menarini, já referido, n.os 64 a 66).

116.

De igual modo, no direito da União, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União (e está consagrado na Carta), exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos ( 54 ).

117.

No âmbito dos processos de execução das normas da concorrência, a aplicação do princípio da proporcionalidade implica que a coima aplicada a uma sociedade não seja desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos pela Comissão e que o seu montante seja proporcional à infração, atendendo, designadamente, à gravidade desta. Para este efeito, o Tribunal Geral deve examinar todos os elementos relevantes, como o comportamento da empresa e o papel que esta desempenhou na implementação da prática anticoncorrencial, a sua dimensão, o valor das mercadorias em causa e ainda o benefício que esta poderá ter retirado da infração cometida, bem como o objetivo de dissuasão prosseguido e os riscos que este tipo de infrações representam para os objetivos da União.

118.

Dito de outra forma, o Tribunal Geral deve exercer integralmente a sua competência de plena jurisdição no âmbito da apreciação da proporcionalidade do montante da coima ( 55 ).

119.

Além disso, o princípio da não discriminação «exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado» ( 56 ).

120.

O que implica duas coisas. Primeiro, que a fundamentação da Comissão permita ao Tribunal Geral exercer a sua apreciação quanto ao caráter proporcionado e não discriminatório da coima. Como declara o Tribunal de Justiça, «a fundamentação exigida pelo artigo 253.o CE [atual artigo 296.o TFUE] deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo» ( 57 ) (o sublinhado é meu), no nosso caso, a competência de plena jurisdição.

121.

Implica, em seguida, que a apreciação do Tribunal Geral seja suficientemente independente da que foi adotada pela Comissão, na medida em que não se pode limitar a ficar sujeito ao montante fixado pela Comissão — de forma relativamente abstrata, como parece suceder quanto ao montante de base no caso presente — nem sentir‑se vinculado pelos cálculos desta ou pelas considerações a que esta atendeu na determinação da coima ( 58 ).

122.

Como o Tribunal Geral acertadamente assinalou no caso Volkswagen/Comissão ( 59 ) (em que o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da decisão do Tribunal Geral), «[e]fetivamente, pertence ao próprio Tribunal, no âmbito da sua competência na matéria apreciar as circunstâncias do caso vertente a fim de determinar o montante da coima» (o sublinhado é meu). No referido acórdão, o Tribunal Geral — atendendo ao conjunto das circunstâncias e considerações e decidindo no exercício da sua competência de plena jurisdição — entendeu que se justificava reduzir o montante da coima de 102000000 de ecus para 90000000 euros.

123.

Como assinalou muito acertadamente o advogado‑geral P. Mengozzi ( 60 ), «as condições em que os juízes [da União] podem exercer a sua competência de plena jurisdição não pode ser definida pelas Orientações da Comissão, que se consubstanciam num ato de organização interna desta instituição» e que constituem apenas «soft law» ( 61 ), embora, como escreve o advogado‑geral Y. Bot ( 62 ), na realidade, o Tribunal Geral «se limite, com demasiada frequência, a analisar se a Comissão aplicou corretamente a metodologia que fixou [ela própria] nas suas Orientações [apesar de] a fixação do montante da coima normalmente não implicar apreciações económicas complexas, as quais devem estar reservadas à Comissão e ser submetidas a uma fiscalização jurisdicional restrita».

124.

Há um argumento que é frequentemente invocado contra a posição preconizada nas presentes conclusões, a saber que o Tribunal Geral não deve, ou não pode, «imiscuir‑se» na fixação da coima, e portanto na política da concorrência, cuja responsabilidade pertence unicamente à Comissão. Não concordo com este raciocínio dado que o Tribunal Geral se pronuncia apenas sobre um caso específico. Portanto, a Comissão mantém todas as suas competências para definir e aplicar a sua política geral nos outros processos.

125.

Deduzo do anteriormente exposto, particularmente com base nos n.os 62 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, e 129 do acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido, que, em meu entender, na sua fiscalização, o Tribunal Geral não se pode apoiar na margem de apreciação de que a Comissão dispõe, ou unicamente no erro manifesto de apreciação que esta cometeu no que respeita à escolha dos elementos tomados em consideração na aplicação dos critérios constantes das Orientações de 1998, ou na avaliação destes elementos, para assim renunciar ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de facto como de direito, e não exigir que a Comissão explique a alteração da sua política da coima num caso específico.

126.

Em qualquer caso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça — ainda que o Tribunal Geral possa, no limite, se for o caso, referir‑se «ao «poder de apreciação», à «margem de apreciação substancial» ou à «ampla margem de apreciação» da Comissão [o que, em meu entender, não deveria fazer], estas referências [não podem impedir] o Tribunal Geral de exercer a fiscalização plena e integral, de direito e de facto, a que está obrigado» ( 63 ) (o sublinhado é meu).

127.

No n.o 78 do seu acórdão Chalkor/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que «o Tribunal Geral não se limitou a esta fiscalização da conformidade com as orientações, mas fiscalizou também ele próprio, no n.o 145 do acórdão recorrido, o caráter adequado da sanção».

128.

O Tribunal de Justiça recordou igualmente no acórdão SCA Holding/Comissão ( 64 ) que «o Tribunal [Geral] tem competência para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição que lhe é reconhecido pelos artigos 172.° do Tratado CE [atual artigo 261.o TFUE] e 17.° do Regulamento n.o 17 [artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003], o caráter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é como tal exigida nos termos do dever de fundamentação previsto no artigo 190.o do Tratado [atual artigo 296.o TFUE]» (o sublinhado é meu).

129.

O Tribunal Geral deve, portanto, avaliar por si mesmo se a coima é adequada e proporcionada e deve verificar por si mesmo se todos os elementos relevantes para o efeito de calcular a coima foram realmente tomados em consideração pela Comissão, entendendo‑se que o Tribunal Geral também deve poder, por conseguinte, reconsiderar os factos e as circunstâncias que os recorrentes lhe apresentam ( 65 ).

130.

De resto, em determinados processos, o Tribunal Geral já seguiu raciocínios neste sentido.

131.

No acórdão Romana Tabacchi ( 66 ) (que não foi objeto de recurso para o Tribunal de Justiça), entendeu corretamente que «[a] competência de plena jurisdição conferida nos termos do artigo 229.o CE [atual artigo 261.o TFUE], ao Tribunal Geral pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 habilita‑o, para além da simples fiscalização da legalidade, que só permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato impugnado, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a alterar o ato impugnado, mesmo sem o anular, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, alterando, por exemplo, a coima aplicada quando a questão do seu montante tenha sido submetida à sua apreciação. […] por natureza, a fixação de uma coima pelo Tribunal não é um exercício aritmético preciso. Além disso, o Tribunal Geral não está vinculado aos cálculos da Comissão, nem pelas suas orientações quando se pronuncia ao abrigo da sua competência de plena jurisdição […] antes devendo efetuar a sua própria apreciação tendo em conta todas as circunstâncias do caso» (o sublinhado é meu).

132.

Nos n.os 283 a 285 do referido acórdão, o Tribunal Geral concluiu que, «[a]tentas estas circunstâncias, o Tribunal considera que uma coima no montante de 2,05 milhões de euros, como a aplicada pela Comissão em 20 de outubro de 2005, é suscetível, por si só, de levar à liquidação da recorrente e, em consequência, ao seu desaparecimento do mercado, desaparecimento esse que, por outro lado, poderá ter repercussões importantes, evocadas pela recorrente no quadro do seu quinto fundamento […]. À luz do exposto e tendo em conta, nomeadamente, o efeito cumulativo das ilegalidades que se concluiu existirem, bem como a reduzida capacidade financeira da recorrente, o Tribunal entende que será feita uma justa apreciação de todas as circunstâncias do caso se fixar o montante final da coima aplicada à recorrente em 1 milhão de euros. Com efeito, uma coima desse montante permite reprimir eficazmente o comportamento ilegal da recorrente, de uma forma não despicienda e que não deixa de ser suficientemente dissuasiva. Qualquer coima superior a este montante seria desproporcionada relativamente à infração imputada à recorrente apreciada no seu conjunto […]. No presente processo, uma coima de 1 milhão de euros constitui a justa sanção pelo comportamento imputado à recorrente» (o sublinhado é meu) ( 67 ).

133.

No acórdão Groupe Danone/Comissão (dito do «Mercado belga da cerveja»), já referido, o Tribunal de Justiça considerou improcedente um fundamento do recurso da decisão da primeira instância, relativo a uma alegada violação pelo Tribunal Geral do princípio ne ultra petita, quando o Tribunal Geral tinha alterado as modalidades de aplicação do coeficiente correspondente a circunstâncias atenuantes, sem existirem quaisquer pedidos nesse sentido, pela simples razão de que, dado que a questão do montante da coima estava sujeita à sua apreciação, o Tribunal Geral podia, no âmbito da aplicação do artigo 229.o CE (atual artigo 261.o TFUE) e do Regulamento n.o 17, a que veio a suceder o Regulamento n.o 1/2003, suprimir, reduzir ou aumentar o montante da coima aplicada pela Comissão ( 68 ).

134.

Como salientou corretamente o advogado‑geral P. Mengozzi ( 69 ), esta apreciação é facilmente compreensível se se conceber a função da competência de plena jurisdição como uma garantia suplementar da atribuição às empresas de uma fiscalização de intensidade máxima, por um tribunal independente e imparcial, do montante da coima que lhes é aplicada. Esta qualificação da competência de plena jurisdição do Tribunal Geral como uma «garantia suplementar» já foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no âmbito da definição do alcance dos direitos de defesa das empresas perante a Comissão a respeito da aplicação de coimas ( 70 ).

135.

Também estou de acordo com o advogado‑geral P. Mengozzi quando refere nas suas conclusões no processo Comissão/Tomkins, já referido, que esta qualificação não pode significar que, mediante contestação do montante da coima no Tribunal Geral, as empresas, com pleno conhecimento do montante exato fixado pela Comissão, têm a possibilidade de apresentar quaisquer críticas, tanto ao nível da legalidade como da oportunidade, quanto ao cálculo deste montante efetuado pela Comissão, de modo a poderem influenciar através de quaisquer meios de defesa, para além das limitações inerentes à fiscalização da legalidade, a convicção do juiz quanto ao montante adequado da coima ( 71 ). Ora, como acrescenta corretamente, para que esta função de garantia suplementar seja efetiva, o Tribunal Geral deve ser designadamente autorizado ( 72 ), a ter em conta todas as circunstâncias de facto, incluindo, por exemplo, as circunstâncias posteriores à decisão contestada perante ele ( 73 ), o que as limitações inerentes à fiscalização da legalidade, em princípio, não lhe permitiriam ( 74 ).

136.

Refiro ainda o acórdão do Tribunal Geral no caso Siemens Österreich e o./Comissão (dito do «Mercado dos Mecanismos de comutação isolados a gás») ( 75 ), em que, baseando‑se no princípio da individualidade das penas e das sanções, o Tribunal Geral decidiu «[que, a] este respeito, contrariamente ao que alega […], a Comissão não poderia determinar livremente os montantes a pagar solidariamente. Com efeito, decorre do princípio da individualidade das penas e das sanções […] que cada sociedade deve poder deduzir da decisão que lhe aplica uma coima a pagar solidariamente com uma ou várias sociedades a parte que deverá suportar na sua relação com os seus codevedores solidários, depois de a Comissão ter recebido. Com este objetivo, a Comissão deve designadamente especificar os períodos durante os quais as sociedades em causa são (co)responsáveis pelos comportamentos ilícitos das empresas que participaram no cartel e, se for o caso, o grau de responsabilidade das referidas sociedades quanto a estes comportamentos […]. Assim sendo, no caso em apreço, a Comissão devia tomar em consideração as declarações que fez, no considerando 468 da decisão impugnada [naquele processo], quanto aos períodos de responsabilidade comum das diferentes sociedades que fazem parte da empresa VA Tech para determinar os montantes a pagar solidariamente por essas sociedades. Estes montantes devem refletir, na medida do possível, o peso das diferentes quotas da responsabilidade que as referidas sociedades partilham, tais como identificadas no referido considerando».

137.

O Tribunal Geral procedeu então a uma análise pormenorizada da decisão da Comissão e censurou a seleção dos destinatários da coima e a determinação dos montantes de que os destinatários eram devedores.

138.

No n.o 166 do seu acórdão, sem se referir a uma qualquer margem de apreciação da Comissão, concluiu «que, ao considerar a Reyrolle, a SEHV e a Magrini solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma coima de um montante que excedia claramente a sua responsabilidade comum, ao não considerar a Siemens Österreich e a KEG solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma parte da coima aplicada à SEHV e à Magrini e, ao não fazer a Reyrolle suportar sozinha uma parte da coima que lhe foi aplicada, a Comissão violou o princípio da individualidade das penas e das sanções».

139.

Encontra‑se outro exemplo no acórdão do Tribunal Geral Brasserie nationale e o./Comissão ( 76 ), em que este decidiu «[que i]ncumbe […] ao Tribunal controlar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infração e ponderar a gravidade da infração e as circunstâncias invocadas pela recorrente».

140.

No seu acórdão Parker Pen/Comissão ( 77 ), proferido antes da existência das Orientações, na sequência de uma análise da coima em questão, o Tribunal Geral concluiu «que a coima de 700000 ecus aplicada à recorrente não [era] adequada, tendo em consideração designadamente o reduzido volume de negócios a que a infração diz respeito, e que se justifica[va], no exercício da sua competência de plena jurisdição, reduz[ir] para 400000 ecus o montante da coima aplicada à Parker».

141.

No processo Ventouris/Comissão (dito do «Mercado dos Ferries gregos»), já referido, em que a decisão da primeira instância não foi objeto de recurso no Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral concluiu, neste caso depois da introdução das Orientações de 1998, que a coima em questão devia ser reduzida por razões de equidade e de proporcionalidade. Dado que, numa decisão única, a Comissão tinha punido duas infrações distintas, e estas duas razões de equidade e proporcionalidade impunham que uma empresa que tinha participado apenas numa infração fosse condenada menos severamente do que aquelas que tinham participado nas duas. Segundo o Tribunal Geral, ao calcular as coimas a partir de um montante de base único para todas as empresas, modulado em função da respetiva dimensão, sem fazer nenhuma distinção em função da respetiva participação numa ou nas duas infrações sancionadas, a Comissão aplicou à empresa que foi considerada responsável apenas pela participação numa única infração uma coima desproporcionada em relação à importância da infração cometida ( 78 ).

142.

Em contrapartida (depois dos acórdãos já referidos Chalkor e KME, bem como Menarini!), o Tribunal Geral concluiu no processo Dow Chemical/Comissão (dito do «Mercado da borracha cloropreno») ( 79 ) que, «no caso vertente, não se trata, nesta fase, de uma situação em que o Tribunal Geral, perante a inexistência de constatações de ilegalidade da decisão [impugnada], como sucedeu no caso que esteve na origem do acórdão BASF e UCB/Comissão [ ( 80 )], recalcula o montante da coima aplicada à recorrente, mas antes controla a legalidade da aplicação, pela Comissão, das orientações de 2006, à situação desta» (o sublinhado é meu), abordagem esta que encontramos no acórdão recorrido.

143.

Assinalo que é cada vez mais necessária uma verdadeira fiscalização da coima pelo Tribunal Geral no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, dado que o montante das coimas aplicadas pela Comissão não para de aumentar. Sem pretender ser exaustivo, cito apenas alguns exemplos: no processo Microsoft (que foi referido pela Comissão na audiência), foi aplicada à Microsoft uma coima de 497 milhões de euros em 2004, à qual foram acrescentadas uma sanção pecuniária compulsória de 280,5 milhões de euros em 2006, uma sanção pecuniária compulsória de 899 milhões de euros em 2008, bem como uma coima de 561 milhões de euros em 2013 ( 81 ). Por seu lado, a Intel recebeu uma coima de 1,06 mil milhões de euros ( 82 ). A coima da Saint‑Gobain em 2008 foi de 896 milhões de euros (com 1,38 mil milhões de euros para o cartel «Vidro automóvel» no total) ( 83 ), a da Siemens em 2007 foi superior a 396 milhões de euros (com 750 milhões de euros para o cartel «Mecanismos de comutação isolados a gás» no total) ( 84 ). No cartel dos fabricantes de elevadores, as coimas foram, no total, de quase mil milhões de euros ( 85 ). Por fim, em 2012 a Comissão aplicou uma coima de 1,47 mil milhões de euros aos dois cartéis entre produtores de tubos catódicos para televisores e ecrãs de computador ( 86 ).

144.

No que diz respeito à importância da fiscalização pelo Tribunal Geral do cálculo das coimas, preconizada nas presentes conclusões, posso recordar o que disse o advogado‑geral A. Tizzano no processo Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido ( 87 ), em que assinala que a sua análise deste processo «revela precisamente que o método de cálculo aplicado pela Comissão apresenta algum risco à luz da equidade do sistema […]. Com efeito, não nos parece plenamente coerente com as exigências de uma individualização e de uma graduação da «pena» […] que nos casos em análise, uma parte das operações apresente caráter formal e abstrato e, portanto, não se repercuta concretamente no montante final da coima. Nem se pode ignorar que, pela mesma razão, se corre o risco de o objetivo de maior transparência, prosseguido pelas orientações não ser plenamente alcançado […]. Além disso, corre‑se o risco de que esse agravamento [da política da Comissão em matéria de coimas que é mais rigorosa e se traduziu num aumento do nível das coimas], na medida em que se baseia numa metodologia de cálculo assente em montantes fixos, atinja sobretudo as pequenas e médias empresas […]. Em suma, apresenta‑se uma situação nova e mais problemática relativamente à fase na qual a metodologia seguida pela Comissão não levava, em princípio, a uma ultrapassagem, no decurso do cálculo, do limite de 10% do volume de negócios global, tornando assim mais fácil e imediata a integração no montante da coima de todas as circunstâncias do caso […]. Deve então perguntar‑se se as referidas consequências da nova orientação da política de coimas não tornam oportuna alguma correção de rota que permita garantir em quaisquer casos, resultados em conformidade com as exigências gerais de razoabilidade e de equidade» (o sublinhado é meu).

145.

Estas críticas incisivas do advogado‑geral A. Tizzano no referido processo demonstram claramente que não é apenas desejável ou possível mas francamente necessário que o Tribunal Geral exerça integralmente ( 88 ) e independentemente a sua fiscalização das coimas da Comissão ( 89 ).

ββ) Aplicação da teoria sobre a competência de plena jurisdição ao processo em causa

146.

Para avaliar a fiscalização da coima pelo Tribunal Geral e os fundamentos das recorrentes relativos à violação dos princípios da proporcionalidade, da não discriminação, da individualidade das penas, bem como ao dever de fundamentação da Comissão quanto ao montante da coima, é necessário reportarmo‑nos à decisão impugnada.

147.

No considerando 756 da decisão impugnada, a Comissão indicou que a prática abusiva podia ser qualificada como uma infração muito grave, apesar de a gravidade não ter sido uniforme durante todo o período de duração da infração. No considerando 757, a Comissão contentou‑se em referir que o montante de base da coima a aplicar às recorrentes, para refletir a gravidade da infração, deve — «à luz das circunstâncias específicas do processo» — ser fixado no montante de 90 milhões de euros.

148.

No Tribunal Geral, as recorrentes defenderam que a Comissão tinha violado os princípios da individualidade das penas, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, bem como o seu dever de fundamentação, fixando o montante de base da coima em 90 milhões de euros. Em primeiro lugar, o montante de base da coima aplicada à Telefónica com fundamento na gravidade da infração representa o segundo montante de base mais elevado alguma vez aplicado em matéria de abuso de posição dominante. Por outro lado, este montante foi, respetivamente, nove e dez vezes superior ao montante de base da coima aplicada em 2003 à Deutsche Telekom e à Wanadoo Interactive, por práticas abusivas da posição dominante no mesmo setor, apesar de: i) estas duas decisões e a que condena a Telefónica terem sido adotadas com fundamento nas Orientações de 1998 e, portanto, mediante a aplicação das mesmas regras de cálculo; ii) os comportamentos em causa nestes três processos se terem produzido de maneira parcialmente simultânea e serem de natureza similar, e iii) estes três processos dizerem respeito aos mercados de acesso à Internet em França, na Alemanha e em Espanha, que apresentam fortes semelhanças em termos de dimensão, importância económica e de fase de crescimento. A desproporção manifesta entre o montante de base estabelecido para a Telefónica e os estabelecidos para a Wanadoo Interactive e para a Deutsche Telekom ainda se agrava mais porque, no caso da Telefónica, o montante de base foi majorado em 25% à título de efeito dissuasivo, majoração esta que não foi aplicada à Wanadoo Interactive nem à Deutsche Telekom, apesar da dimensão destas empresas. Considerando o efeito dissuasivo, o montante da coima aplicada à Telefónica em relação à gravidade da infração (112,5 milhões de euros) é, a final de contas, respetivamente 12,5 vezes e 11,25 vezes superior ao da coima aplicada à Wanadoo Interactive e à Deutsche Telekom por práticas abusivas da posição dominante de natureza análoga, ou talvez mais graves.

149.

Além disso, segundo as recorrentes, o caráter excessivo do montante de base de 90 milhões de euros da coima aplicada à Telefónica torna‑se ainda mais evidente quando comparado com o que foi fixado no caso Deutsche Post AG em 2001 ( 90 ). Neste processo, a Comissão estabeleceu um montante de base de 12 milhões de euros apenas, apesar de ter reconhecido, designadamente, que: i) a infração devia ser qualificada como «grave»; ii) os descontos de fidelidade concedidos por empresas em posição dominante «já foram por diversas vezes reprovados pelo Tribunal de Justiça», e que iii) «a política de descontos e de preços praticada pela [Deutsche Post AG] teve graves repercussões negativas a nível da concorrência», que permitiram à [Deutsche Post AG] conservar uma quota do mercado alemão dos serviços de encomendas postais para a venda por correspondência que se manteve superior a 85%.

150.

E o que entende o Tribunal Geral?

151.

Primeiro, no que respeita ao princípio da não discriminação, nos n.os 424 a 427 do acórdão recorrido (em quatro números apenas), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes, considerando muito simplesmente que a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência e que tem apenas natureza indicativa.

152.

Segundo, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, nos n.os 428 a 432 do acórdão recorrido (em cinco números no total), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes, limitando‑se a assinalar, no essencial, que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas para orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras de concorrência. De facto, o Tribunal Geral retoma neste número as explicações da Comissão quanto à qualificação da infração como «muito grave» e, num único número (432), «analisa» e concluiu que o montante de partida de 90 milhões de euros não é desproporcionado.

153.

Terceiro, no que respeita ao princípio da individualidade das penas, no n.o 433 (apenas) do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recorda a jurisprudência segundo a qual, para apreciar a gravidade de uma infração com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve zelar para que a sua atuação tenha um caráter dissuasivo, sobretudo quanto aos tipos de infração particularmente prejudiciais para a realização dos objetivos da União. A dissuasão deve ser simultaneamente específica e geral. Ao mesmo tempo que reprime uma infração individual, a coima inscreve‑se também no âmbito de uma política geral de respeito das normas da concorrência pelas empresas. O Tribunal Geral concluiu que resulta da decisão impugnada que, no caso vertente, a coima foi calculada tomando em conta a situação particular da Telefónica. Por conseguinte, as recorrentes não podem alegar que o efeito dissuasivo geral da coima foi o «objetivo primeiro e único da coima».

154.

Por último, no que respeita à alegada violação do dever de fundamentação e da tutela jurisdicional efetiva, nos n.os 434 e 435 do acórdão recorrido (ou seja, em dois números apenas), o Tribunal Geral rejeita os argumentos das recorrentes e afirma simplesmente que a Comissão não violou as exigências mínimas na matéria, uma vez que indicou os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração. Além disso, o Tribunal Geral acrescenta ainda que, dado que a prática decisória da Comissão não serve de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência, esta não está obrigada a indicar por que razões o montante de base da coima aplicada às recorrentes foi significativamente superior ao montante das coimas aplicadas à Wanadoo Interactive e à Deutsche Telekom.

155.

Da leitura destes 12 números (em 465!) ( 91 ), que, de resto, não incluem praticamente nenhuma análise propriamente dita realizada pelo Tribunal Geral, concluo, à luz dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade, da individualidade das penas e à luz do dever de fundamentação da Comissão quanto ao montante da coima, que este manifestamente não exerceu a competência de plena jurisdição a que está obrigado.

156.

Quanto à alegada violação do princípio da não discriminação, o Tribunal Geral limitou‑se a fazer referência ao caráter indicativo do montante das coimas aplicadas pela Comissão em decisões anteriores, mas absteve‑se de assinalar que, nesta matéria, certas decisões anteriores da Comissão continham indicações particularmente valiosas. Acresce que a Comissão não indicou (o que para o Tribunal de Justiça seria desejável e, em meu entender, necessário) o método de cálculo do montante de base de 90 milhões de euros, nem fundamentou suficientemente a diferença entre este montante e o aplicado noutras decisões com características muito similares, como a Deutsche Telekom e a Wanadoo Interactive.

157.

O Tribunal Geral esqueceu até a sua própria jurisprudência, uma vez que observou no n.o 316 do acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, já referido (confirmado aliás no acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.o 262, posterior ao acórdão recorrido), que, «[q]uanto às comparações […] com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas, conclui‑se que essas decisões só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço» (o sublinhado é meu). Com efeito, é evidente que, se, em princípio, a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência, esta argumentação encontra os seus limites no princípio da não discriminação, por força do qual as situações comparáveis não podem ser tratadas de forma diferente ( 92 ).

158.

O princípio da «igualdade de sanção para um mesmo comportamento» encontra‑se, de resto, enunciado nas Orientações de 1998 ( 93 ) e aplica‑se, em especial, quando as circunstâncias que conduziram à aplicação de uma coima, como os mercados em causa, o tipo de infração, os produtos, as empresas ou o período da infração, são efetivamente semelhantes, o que parece suceder neste caso, exceto se — com base, ou não, em dados complementares fornecidos pela Comissão a pedido do Tribunal Geral — se demonstrar o contrário.

159.

No caso vertente, o Tribunal Geral devia, pelo menos, ter exigido que a Comissão explicasse muito claramente por que razão aplicou um montante de partida de 90 milhões de euros nesta situação (e como chegou a este montante), dado que i) está em causa a segunda coima mais elevada, depois da aplicada à Microsoft [Decisão C(2004) 900], e que o montante de partida no caso vertente excede em mais de 40% o terceiro montante de partida mais elevado (o da AstraZeneca ( 94 )), atendendo, designadamente, a que, nestes dois casos, o mercado geográfico em causa se estendia para além do território de um Estado‑Membro; ii) o montante controvertido é 4,5 vezes superior ao montante mínimo previsto nas Orientações de 1998 para o cálculo das coimas nos casos de infrações «muito graves», e iii) o montante é, respetivamente, dez e nove vezes superior ao «montante de base» aplicado à Deutsche Telekom e à Wanadoo Interactive, relativamente a práticas, mercados, produtos e empresas semelhantes.

160.

Quanto ao grau de gravidade da infração («grave» ou «muito grave») as recorrentes alegaram no Tribunal Geral que: i) os abusos de posição dominante cometidos num mercado geográfico limitado ao território de um Estado‑Membro tinham sido qualificados, até então, como graves e que ii) os elementos invocados pela Comissão para justificar a referência ao ponto de vista geográfico (dimensão do mercado espanhol e dificuldade de acesso ao mercado para os operadores estrangeiros) também estavam presentes nas decisões Deutsche Telekom e Wanadoo Interactive, nas quais, no entanto, a infração não foi qualificada como «muito grave», contrariamente à apreciação que a Comissão fez no processo das recorrentes, no período anterior ao da publicação da Decisão Deutsche Telekom. Também nesta situação, o Tribunal Geral se limitou a afirmar que a prática decisória da Comissão não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas em matéria de concorrência. Contudo, se Comissão se baseou na dimensão do mercado para qualificar a infração como «muito grave», não deveria o Tribunal Geral ter tomado em conta que, para mercados de maior dimensão (França e Alemanha), a Comissão entendeu que este critério não era suficiente para qualificar a infração como «muito grave»?

161.

Adicionalmente, se o critério que permite definir que uma infração é «muito grave» na aceção das Orientações de 1998 é o de saber se está em causa um abuso caracterizado («clear‑cut»), é impossível decidir neste sentido sem fazer referência, pelo menos, à prática decisória da Comissão. Na realidade, até as Orientações de 1998 se referem à prática decisória da Comissão para efeitos de clarificar o conceito de infração «muito grave» ( 95 ). Além disso, a decisão impugnada justifica a qualificação do abuso como caracterizado com base na prática decisória da Comissão ( 96 ). Assim, o Tribunal Geral confunde a jurisprudência relativa ao alegado caráter indicativo do montante das coimas aplicadas nas decisões anteriores e a interpretação das Orientações de 1998 para efeitos de determinar a natureza pouco grave, grave ou muito grave da infração. Com efeito, estas utilizam um critério, o do «abuso caracterizado», para sancionar comportamentos cuja ilegalidade não coloca qualquer dúvida, o que, relativamente a práticas abusivas, só pode ser constatado através da referência a precedentes.

162.

Além disso, estou de acordo com a quarta alegação da primeira parte do oitavo fundamento das recorrentes (n.o 414 da petição), em que estas criticam os n.os 415 a 420 do acórdão recorrido, porque o Tribunal Geral não tomou em conta a intensidade variável da gravidade da infração ao longo do período da infração. A este respeito, podemos criticar as constatações do Tribunal Geral nos números 418 e 419 do acórdão recorrido, segundo as quais a Comissão considerou acertadamente que a infração devia ser qualificada de «muito grave», relativamente a todo o período em causa e que, apesar de ter qualificado a infração como «muito grave» por todo esse período, a Comissão teve efetivamente em conta a intensidade variável da infração na fixação do montante de base da coima. Por conseguinte, o Tribunal Geral violou o seu dever de exercício de uma competência de plena jurisdição, por não ter verificado que o montante de base da coima teve efetivamente em conta a intensidade variável da infração, no que diz respeito, em especial, ao período que antecede a publicação da Decisão Deutsche Telekom.

163.

Quanto à alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da individualidade das penas, o Tribunal Geral foi especialmente sucinto e apenas fez referência a reflexões muito gerais: à margem de apreciação da Comissão (n.o 430 do acórdão recorrido), à lógica do montante fixo das Orientações de 1998 (n.o 431), à obrigação de a Comissão fixar a coima proporcionalmente aos elementos que toma em conta para apreciar a gravidade da infração, aplicando esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada, mas sem nunca verificar se a aplicação desses elementos tinha sido efetivamente coerente e objetivamente justificada no processo em causa. Concluiu no n.o 432 do acórdão recorrido que, «[t]endo em conta que, por um lado, o abuso da Telefónica deve ser considerado um abuso caracterizado relativamente ao qual existem precedentes, que compromete o objetivo de conclusão de um mercado interno para as redes e serviços de telecomunicações e, por outro, que esse abuso teve um impacto significativo no mercado de retalho espanhol (considerandos 738 a 757 da decisão impugnada), um montante de partida da coima de 90 milhões de euros não pode ser considerado desproporcionado».

164.

Apesar de a jurisprudência do Tribunal Geral ( 97 ) exigir que a coima seja calculada tomando em conta a situação específica da empresa em causa, o que implica, verificar se, nos factos deste processo, o princípio do efeito dissuasivo da coima prevaleceu indevidamente sobre o princípio da individualidade das penas, o Tribunal Geral, no n.o 433 do acórdão recorrido, limitou‑se a constatar simplesmente que a coima foi «calculada tendo em conta a situação específica da Telefónica».

165.

O Tribunal Geral chegou a estas conclusões sem conceder importância nenhuma a diversos elementos que deveriam ter despertado a sua atenção e, em especial que: i) as decisões Deutsche Telekom, Wanadoo Interactive e Telefónica foram adotadas com base nas Orientações de 1998, ou seja, com aplicação das mesmas regras de cálculo; ii) os comportamentos analisados nos três processos ocorreram de forma parcialmente simultânea e têm uma natureza (muito) semelhante ( 98 ): prática de preços predatórios no caso da Wanadoo Interactive e prática de compressão das margens nos casos da Deutsche Telekom e da Telefónica; iii) os três processos dizem respeito aos mercados para o acesso à Internet em França, na Alemanha e em Espanha, os quais apresentam fortes semelhanças em termos de dimensão e de importância económica; iv) as empresas sancionadas nos três processos são operadores históricos de telecomunicações (ou uma filial de um deles, no caso da Wanadoo Interactive) com volumes de negócios muito comparáveis ( 99 ); e que v) certos elementos podiam até pugnar, pelo menos em teoria, a favor de um montante de base inferior comparativamente com o imposto no processo Deutsche Telekom em que: a) os preços grossistas eram superiores aos preços de retalho, o que permitia que a Deutsche Telekom estivesse consciente da existência de uma compressão de margens sem ter necessidade de tomar os custos em consideração; b) a autoridade reguladora alemã constatou a existência de margens negativas; c) os produtos em causa eram infraestruturas essenciais; e d) segundo as recorrentes, a legislação espanhola era mais restritiva do que a legislação alemã durante o período controvertido ( 100 ) (embora este último ponto seja contestado pela Comissão).

166.

Com efeito, a Comissão defendeu no Tribunal de Justiça que «a conclusão retirada pelo Tribunal Geral no n.o 432 se baseava numa análise pormenorizada dos ‘elementos do processo’ e das alegações das partes» e que o Tribunal Geral efetivamente verificou se a coima era desproporcionada. Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça colocada na audiência sobre estes «elementos do processo», o representante da Comissão disse simplesmente que pensava «que por elementos do processo, se devia entender os documentos, os elementos de prova, as análises judiciais apresentadas [pelas partes]», explicando, em suma, que os 90 milhões de euros do montante de base se situavam na média (uma «espécie de via mediana», segundo disse) entre o ponto de partida estabelecido nas Orientações de 1998, a saber, 20 milhões de euros, e o montante de base de 185 milhões de euros, no processo Microsoft, já referido. É difícil encontrar neste argumento uma explicação convincente para o enorme aumento do montante de base em relação a processos similares, sobretudo porque se trata do segundo montante de base mais elevado de sempre, a seguir ao aplicado no processo Microsoft. Além disso, ainda que estas questões tenham sido discutidas na audiência no Tribunal Geral (como defende a Comissão), o certo é que isso não resulta do acórdão recorrido.

167.

No que respeita à majoração do montante de base da coima para efeitos de dissuasão (n.os 437 a 443 do acórdão recorrido) (o que deveria ter levado o Tribunal Geral a interrogar‑se sobre a justificação, mediante o mesmo objetivo de dissuasão, do considerável aumento do montante de base), o Tribunal Geral, no n.o 439, validou simplesmente o raciocínio da Comissão através de meros reenvios gerais para os considerandos da decisão impugnada, sem antes ter analisado o caráter apropriado do fator multiplicador de 1,25, e, novamente, sem exercer uma verdadeira competência de plena jurisdição. O Tribunal Geral também não analisou, nesta parte, a comparação com as decisões Deutsche Telekom e Wanadoo Interactive, nas quais a coima não foi majorada a título de efeito dissuasivo, não aplicando, assim, a jurisprudência segundo a qual o dever de fundamentação deve ser mais explícito, quando a decisão «vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores» (v. nota 45 das presentes conclusões).

168.

Adicionalmente, no n.o 441 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não analisou corretamente a eventual violação do princípio da não discriminação, porque o volume de negócios das recorrentes era efetivamente comparável ao da Wanadoo Interactive e ao da Deutsche Telekom ( 101 ), às quais a Comissão não tinha considerado oportuno aplicar uma majoração da coima a título dissuasivo. No referido número, o Tribunal Geral protegeu‑se, novamente, atrás da referência à jurisprudência segundo a qual a prática decisória não pode servir de enquadramento jurídico para as coimas.

169.

Parece‑me que o Tribunal Geral comete o mesmo erro na análise, nos n.os 444 a 452 do acórdão recorrido, da qualificação do comportamento das recorrentes como «infração de longa duração». Com efeito, nos n.os 448 a 450 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não distinguiu os dois períodos da infração (o que, na minha opinião, era necessário), um antes e o outro depois da decisão Deutsche Telekom, nem apreciou a gravidade da infração em cada período. O Tribunal Geral faz referência aos n.os 356 a 369, bem como ao n.o 419 do acórdão recorrido e limita‑se a afirmar que o «montante de partida da coima […] [reflete] já a intensidade variável da infração». Ora, como já indiquei, não é nada claro que (nem de que forma) o montante de partida já reflete efetivamente ou não estas diferentes intensidades. Em qualquer caso, o Tribunal Geral não faz esta análise. Ora, o Tribunal Geral não contestou que, na Decisão Deutsche Telekom, a Comissão tivesse entendido que a variação da gravidade da infração durante o período de análise implicava i) requalificar como «grave» a infração considerada «muito grave»a priori, e justificava, adicionalmente, ii) uma redução da coima majorada, a título da respetiva duração. Com efeito, considerou que a margem de manobra limitada de que a Deutsche Telekom dispunha para ajustar o seu tarifário a partir do ano 2002 justificava que a infração fosse qualificada como «pouco grave» a partir dessa data, e que, portanto, não havia razões para aplicar uma majoração da coima depois dessa data ( 102 ).

170.

Por fim, no n.o 461 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere‑se, no seu exame do alegado caráter novo do processo, ao seu raciocínio relativo à existência de precedentes claros e previsíveis. A este respeito, o Tribunal Geral aplicou um critério manifestamente errado, a saber, o da segurança jurídica, e ignorou que uma das circunstâncias atenuantes definidas pelas Orientações de 1998 consiste na existência de uma dúvida razoável da empresa quanto ao caráter ilícito do seu comportamento. Ora, entendo que esta dúvida razoável poderá ter existido, pelo menos até ao mês de outubro de 2003, data da publicação da Decisão Deutsche Telekom, uma vez que as recorrentes podiam não estar em condições de se aperceberem dos limites da confiança legítima que um operador dominante podia ter na atuação da CMT. É o próprio Tribunal Geral que reconhece, no n.o 361 do acórdão recorrido que, «como a Comissão refere no considerando 735 da decisão impugnada, a decisão Deutsche Telekom constitui também um precedente que clarifica as condições de aplicação do artigo 82.o CE à luz de uma atividade económica sujeita à regulação setorial específica ex ante».

171.

O único argumento das recorrentes nesta parte do recurso que me parece improcedente diz respeito à data do fim da infração. As recorrentes (n.o 449 da petição) criticam o n.o 451 do acórdão recorrido, arguindo que o Tribunal Geral parece ter aceitado que a Comissão só tinha provado a existência da infração até ao final do primeiro semestre de 2006. Por conseguinte, o Tribunal Geral terá invertido o ónus da prova, ao decidir que as recorrentes não tinham feito prova de que não tinha existido compressão das margens no decurso do segundo semestre de 2006, apesar de competir à Comissão provar a existência da infração. Ora, o Tribunal Geral não incorreu em erro de direito a este respeito, dado que nenhum elemento do processo fornecido pelas recorrentes atestava a existência de alterações de preços entre junho e dezembro de 2006. Não existiu, portanto, uma inversão do ónus da prova, mas uma decisão baseada em dados constantes do processo. Com efeito, a Comissão fez prova, na sua decisão, de que os produtos grossistas nacional e regional não tinham sofrido quaisquer alterações até 21 de dezembro de 2006, e que os preços de retalho se tinham mantido inalterados desde setembro de 2001, sem que as recorrentes tenham alegado alguma alteração dos custos tomados em consideração pela Comissão (n.o 451 do acórdão recorrido).

172.

Resulta do que precede que o oitavo fundamento, bem como o décimo fundamento, em meu entender, deverão em grande parte ser acolhidos, dado que o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição e cometeu assim erros de direito no exame da alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualidade das penas.

173.

Não afirmo que tenha havido violação destes princípios, apenas que o Tribunal Geral não verificou corretamente, no exercício da sua competência de plena jurisdição, se a decisão da Comissão quanto à coima era, ou não, conforme com aqueles princípios.

174.

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este, quando anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento. No caso vertente, o litígio não está em condições de ser julgado.

V – Conclusão

175.

Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que decida da forma seguinte:1)

1)

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07), deve ser anulado porque o Tribunal Geral não exerceu a sua competência de plena jurisdição no âmbito da análise da coima aplicada pela Comissão Europeia à Telefónica SA e à Telefónica de España SAU.2)

2)

Deve ordenar‑se a remessa dos autos ao Tribunal Geral da União Europeia.3)

3)

Deve reservar‑se para final a decisão quanto às despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07, a seguir «acórdão recorrido»).

( 3 ) Decisão de 4 de julho de 2007, relativa a um processo nos termos do artigo [102.° TFUE] (processo COMP/38.784 — Wanadoo España contra Telefónica, a seguir «decisão impugnada»).

( 4 ) Regulamento do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204).

( 5 ) Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [102 TFUE] (Processos COMP/C 1/37.451, 37.578, 37.579 — Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9, a seguir «Decisão Deutsche Telekom»). A este respeito, v. acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C-280/08 P, Colet., p. I-9555), e as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso.

( 6 ) Nas presentes conclusões, utilizarei exclusivamente a expressão «compressão tarifária das margens».

( 7 ) Regulamento do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO L 1, p. 1), aplicável a partir de 1 de maio de 2004.

( 8 ) Ou seja, a petição no Tribunal de Justiça (que deveria conter apenas argumentos de direito) é mais extensa do que a petição apresentada no Tribunal Geral! Além disso, contém números praticamente ininteligíveis, como o n.o 298 que contém uma frase com 121 palavras.

( 9 ) «SSNIP» para «small but significant and non‑transitory increase in price» (teste do aumento pequeno mas significativo e não transitório dos preços).

( 10 ) Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito [da União] da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5).

( 11 ) Ou seja, um mercado no qual os clientes e os concorrentes da Telefónica podiam reproduzir a sua rede, pelo que se encontravam em condições de exercer uma pressão concorrencial efetiva independentemente das suas quotas de mercado.

( 12 ) Acórdão de 17 de fevereiro de 2011 (C-52/09, Colet., p. I-527).

( 13 ) Acórdão de 17 de dezembro de 1998 (C-185/95 P, Colet., p. I-8417, n.o 141).

( 14 ) Assinalo que as questões de princípio relacionadas com o problema da duração do processo no Tribunal Geral serão novamente decididas pela Grande Secção do Tribunal de Justiça no processo Kendrion/Comissão (C‑50/12, pendente no Tribunal de Justiça, em que as conclusões do advogado‑geral E. Sharpston foram apresentadas em 30 de maio de 2013), a saber inter alia o alcance do acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido (no qual o Tribunal de Justiça reduziu a coima atendendo à duração excessiva do processo no Tribunal Geral), à luz do acórdão de 16 de julho de 2009, Der GrünePunkt — Duales System Deutschland/Comissão (C-385/07 P, Colet., p. I-6155) (no qual não foi aplicada qualquer coima e em que o Tribunal de Justiça indicou à recorrente que esta podia intentar uma ação de indemnização no Tribunal Geral).

( 15 ) Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão (C-403/04 P e C-405/04 P, Colet., p. I-729, n.os 116 e 117, e a jurisprudência aí referida).

( 16 ) Um acórdão do Tribunal de Justiça que confirma a validade de um ato das instituições da União não pode ser considerado um elemento que permite invocar um fundamento novo, dado que se limita a confirmar uma situação jurídica conhecida das recorrentes no momento da apresentação do seu recurso (v. acórdão de 1 de abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Colet., p. 1251, n.o 17).

( 17 ) V. acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colet., p. I-123, n.os 71 a 73 e a jurisprudência aí referida), e de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão (C-322/07 P, C-327/07 P e C-338/07 P, Colet., p. I-7191, n.o 104).

( 18 ) A Comissão explicou nos seus articulados no processo perante o Tribunal Geral (n.o 15 da contestação) que as alegações da Telefónica eram manifestamente improcedentes, uma vez que todos os números relativamente aos quais a Telefónica afirmou não ter tido oportunidade de se pronunciar eram elementos de fundamentação por acréscimo.

( 19 ) Acórdão de 26 de novembro de 1998 (C-7/97, Colet., p. I-7791).

( 20 ) Acórdão de 28 de junho de 2005 (C-189/02 P, C-202/02 P, C-205/02 P a C-208/02 P e C-213/02 P, Colet., p. I-5425).

( 21 ) Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 108, p. 33).

( 22 ) N.os 276, 289, 293, 295, 330, 336, 366, 371, 374 e 482 da petição.

( 23 ) N.os 276, 288, 289, 295 e 298 da petição.

( 24 ) V. n.os 295 e 482 da petição e acórdão do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Comissão (T-5/97, Colet., p. II-3755).

( 25 ) Decisão em que a Comissão adotou medidas conservatórias e explicou as condições que se devem verificar para este comportamento poder ser considerado abusivo [Decisão 76/185/CECA da Comissão, de 29 de outubro de 1975, que adota medidas conservatórias relativamente ao National Coal Board, National Smokeless Fuels Ltd e National Carbonizing Company Ltd (JO L 35 de 10.2.1976)].

( 26 ) V. Decisão 88/518/CEE da Comissão, de 18 de julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [102 TFUE] (IV/30.178 — Napier Brown — British Sugar) (JO L 284, p. 41, considerando 66).

( 27 ) Pode observar‑se que segundo o acórdão TeliaSonera Sverige, já referido (n.o 69), é no âmbito da apreciação dos efeitos da compressão das margens que o caráter indispensável do produto pode ser relevante. V. igualmente as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso.

( 28 ) JO 1998, C 265, p. 2 (n.os 117 a 119).

( 29 ) Decisão da Comissão de 16 de julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/38.233 — Wanadoo Interactive, a seguir «a Decisão Wanadoo Interactive»). A este respeito, v. acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C-202/07 P, Colet., p. I-2369, e as conclusões do advogado‑geral J. Mazák neste caso. Contudo, como este assinalou nas suas conclusões (n.o 57) no caso TeliaSonera Sverige, já referido, «embora seja verdade que os mercados dinâmicos ou em rápido crescimento não estão isentos da aplicação do artigo 102.o TFUE, não é menos certo que, quando está justificado, a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência devem intervir nesses mercados com especial prudência, modificando se necessário o seu método habitual, como foi feito com êxito no processo Wanadoo [Interactive]».

( 30 ) Respetivamente, acórdãos de 29 de junho de 2006 (C-289/04 P, Colet., p. I-5859), e de 17 de junho de 2010 (C-413/08 P, Colet., p. I-5361).

( 31 ) V., designadamente, acórdão de 16 de novembro de 2000, Sarrió/Comissão, dito do «Mercado do Cartão» (C-291/98 P, Colet., p. I-9991, n.os 91 a 101).

( 32 ) Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão (C‑549/10 P, n.o 104). V. também acórdãos de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão (C-167/04 P, Colet., p. I-8935, n.o 205), e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão (C-125/07 P, C-133/07 P, C-135/07 P e C-137/07 P, Colet., p. I-8681, n.o 233).

( 33 ) V. acórdão Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.o 105) e, no mesmo sentido, Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido (n.o 227).

( 34 ) V. acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão (T-155/06, Colet., p. II-04361, n.o 314).

( 35 ) V. acórdão do Tribunal de Justiça Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.o 106) e, no mesmo sentido, acórdão de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, dito «Pioneer» (100/80 a 103/80, Colet., p. 1825, n.o 109).

( 36 ) V. acórdão do Tribunal de Justiça Tomra Systems e o./Comissão, já referido (n.o 107) e, no mesmo sentido, acórdão de 17 de julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C-219/95 P, Colet., p. I-4411, n.o 33).

( 37 ) Acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006 (T-59/02, Colet., p. II-3627, n.o 316 e jurisprudência referida). Esta jurisprudência foi confirmada pelo acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, n.o 262). Observo que o referido acórdão Archer Daniels Midland/Comissão foi anulado pelo Tribunal de Justiça por razões que nada têm que ver com este número (acórdão de 9 de julho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C-511/06 P, Colet., p. I-5843).

( 38 ) Acórdão do Tribunal Geral de 6 de abril de 1995 (T-148/89, Colet., p. II-1063, n.o 142).

( 39 ) V., entre outros, acórdãos do Tribunal Geral Archer Daniels Midland/Comissão, já referido (n.o 315); de 13 de julho de 2011, Schindler Holding e o./Comissão (T-138/07, Colet., p. II-4819, n.o 105), e de 12 de dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão (T‑352/09, n.o 44).

( 40 ) Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão (C-389/10 P, Colet., p. I-13125); KME Germany e o./Comissão (C-272/09 P, Colet., p. I-12789, a seguir «acórdão KME e o./Comissão»), e Chalkor/Comissão (C-386/10 P, Colet., p. I-13085) (a seguir, para designar conjuntamente os três, «acórdãos Chalkor e KME»), e acórdão do TEDH, A. Menarini Diagnostics c. Itália de 27 de setembro de 2011 (queixa n.o 43509/08).

( 41 ) Acrescento que esta jurisprudência foi reafirmada pelos acórdãos de 2 de outubro de 2003, Corus UK/Comissão (C-199/99 P, Colet., p. I-11177, n.os 149 e 150), e de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C-238/99 P, C-244/99 P, C-245/99 P, C-247/99 P, C-250/99 P a C-252/99 P e C-254/99 P, Colet., p. I-8375, n.os 463 e 464).

( 42 ) A saber despacho de 25 de março de 1996, SPO e o./Comissão (C-137/95 P, Colet., p. I-1611, n.o 54), e acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão (T-49/95, Colet., p. II-1799, n.o 51).

( 43 ) Podemos assinalar a este respeito que as Orientações de 2006 representam um certo progresso, na medida em estabelecem, designadamente, que o montante de base será fixado em função do valor das vendas. V. a comunicação da Comissão intitulada «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003» (JO 2006, C 210, p. 2, n.os 12 a 26).

( 44 ) Acórdão de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (C-397/03 P, Colet., p. I-4429, n.o 91).

( 45 ) V. acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C-521/09 P, Colet., p. I-8947, n.o 155), que cita, designadamente, os acórdãos de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão (73/74, Colet., p. 1491, n.o 31), e de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C-295/07 P, Colet., p. I-9363, n.o 44). V., também, acórdãos de 14 de fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão (C-350/88, Colet., p. I-395, n.o 15), e de 8 de novembro de 2001, Silos (C-228/99, Colet., p. I-8401, n.o 28), e, neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 1997, Moskof (C-244/95, Colet., p. I-6441, n.o 54).

( 46 ) A Comissão não tem problemas em comunicar o método de cálculo da sanção nas ações por «duplo incumprimento» — mantendo, todavia, uma margem de apreciação na fixação do coeficiente aplicável a cada critério — pelo que será dificilmente defensável a recusa desta em ser transparente quanto ao cálculo de uma coima em matéria de ententes (o que permitiria que o Tribunal Geral exercesse integralmente a sua competência de plena jurisdição). V. também De Bronett, G.‑K., Ein Vergleich zwischen Kartellgeldbußen gegen Unternehmen und «Pauschalbeträgen» gegen Mitgliedstaaten wegen Verstoß gegen EU‑Recht, ZWeR 2013, pp. 38‑53. Além disso, a própria existência de Orientações da Comissão demonstra bem que a margem de apreciação desta não é, de forma alguma, ilimitada. A este respeito, a abordagem seguida nos Estados‑Unidos parece‑me a melhor, uma vez que as «sentencing guidelines» (linha orientadoras sobre condenações) permitem prever o nível da coima (e a duração da pena de prisão) com um grau de precisão bastante elevado (v. o Sentencing Reform Act 1984 e o US Sentencing Commission Guidelines Manual em www.ussc.gov, e Whish, R., e Bailey, D., Competition Law, Oxford, 7e éd., 2012, p. 276).

( 47 ) Nos termos do seu artigo 172.o, «[o]s regulamentos adotados pelo Conselho, por força das disposições do presente Tratado podem atribuir plena jurisdição ao Tribunal de Justiça no que respeita às sanções neles previstas». Nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 17, «[o] Tribunal de Justiça decidirá com plena jurisdição, na aceção do artigo 172.o do Tratado, os recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada uma multa ou uma adstrição pela Comissão; o Tribunal pode suprimir, reduzir ou aumentar a multa ou a adstrição aplicadas».

( 48 ) V. também n.o 63 do acórdão Chalkor/Comissão, já referido, e, no mesmo sentido, acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido (n.o 692).

( 49 ) Nos termos do artigo 261.o TFUE, «[N]o que respeita às sanções neles previstas, os regulamentos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, e pelo Conselho, por força das disposições dos Tratados, podem atribuir plena jurisdição ao Tribunal de Justiça da União Europeia». Por força do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, «[o] Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada».

( 50 ) Atualmente no Tribunal Geral no âmbito dos recursos interpostos contra as decisões da Comissão de aplicação de uma coima.

( 51 ) V. acórdão Chalkor/Comissão, já referido (n.o 65).

( 52 ) V. as suas conclusões apresentadas no processo Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o. (acórdão de 19 de julho de 2012, C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.os 95 e seg.).

( 53 ) V. acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB (C-279/09, Colet., p. I-13849, n.os 30 e 31); de 28 de julho de 2011, Samba Diouf (C-69/10, Colet., p. I-7151, n.o 49), e KME e o./Comissão, já referido (n.o 92). V., também, despacho de 1 de março de 2011, Chartry (C-457/09, Colet., p. I-819, n.o 25).

( 54 ) V., designadamente, acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o. (C-331/88, Colet., p. I-4023, n.o 13); de 5 de outubro de 1994, Crispoltoni e o. (C-133/93, C-300/93 e C-362/93, Colet., p. I-4863, n.o 41), e de 12 de julho de 2001, Jippes e o. (C-189/01, Colet., p. I-5689, n.o 81).

( 55 ) Neste ponto, adiro aos n.os 103 a 131 das conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo E.ON Energie/Comissão (acórdão de 22 de novembro de 2012, C‑89/11 P, em que faz designadamente referência à jurisprudência do TEDH, Schmautzer c. Áustria, de 23 de outubro de 1995, série A n.o 328‑A; Valico S.R.L. c. Itália, de 10 de janeiro de 2001, Coletânea dos acórdãos e decisões 2006‑III, e Menarini, já referido). Embora nas suas conclusões este tenha proposto a anulação do acórdão do Tribunal Geral porque este não exerceu a sua competência de plena jurisdição no âmbito do exame da proporcionalidade da coima aplicada à E.ON Energie e a remessa do processo ao Tribunal Geral para que este decidisse da proporcionalidade da referida coima, o Tribunal de Justiça, por sua vez, negou provimento ao recurso. No entanto, com a leitura do referido acórdão do Tribunal de Justiça, pode constatar‑se que o Tribunal de Justiça não está em desacordo com o advogado‑geral Y. Bot quanto aos princípios, tendo demonstrado que — naquele caso — o Tribunal Geral tinha exercido a sua competência de plena jurisdição e concluído, sem cometer qualquer erro de direito, que a coima era proporcionada. Sabendo que a Comissão teria podido aplicar à E.ON Energie uma coima de 10% do seu volume de negócios anual, caso esta tivesse demonstrado a existência de práticas anticoncorrenciais, o Tribunal Geral entendeu que a coima de 38 milhões de euros aplicada por quebra de selo, que representava 0,14% do volume de negócios anual da E.ON Energie, não podia ser considerada excessiva em relação à necessidade de garantir o efeito dissuasivo desta sanção.

( 56 ) Acórdão de 11 de setembro de 2007, Lindorfer/Conselho (C-227/04 P, Colet., p. I-6767, n.o 63).

( 57 ) Acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido (n.o 147).

( 58 ) V., neste sentido, acórdão de 18 de setembro de 2003, Volkswagen/Comissão (C-338/00 P, Colet., p. I-9189).

( 59 ) Acórdão do Tribunal Geral de 6 de julho de 2000 (T-62/98, Colet., p. II-2707, n.o 347 e jurisprudência aí referida). O acórdão do Tribunal de Justiça é referido na nota anterior.

( 60 ) V. Mengozzi, P., «La compétence de pleine juridiction du juge communautaire», Liber Amicorum en l’honneur de Bo Vesterdorf, Bruylant, Bruxelles, 2007, p. 219 a 236.

( 61 ) Neste contexto, v. também, Nehl, H. P., «Kontrolle kartellrechtlicher Sanktionsentscheidungen der Kommission durch die Unionsgerichte», in Immenga, U. e Körber, T. (éd.), Die Kommission zwischen Gestaltungsmacht und Rechtsbindung, Nomos, 2012, p. 139 e 140 («[d]ie mit dieser Neuorientierung einhergehende Rückbesinnung des Gerichtshofs auf das «hard law» anstelle des «soft law» zum Zweck der gerichtlichen Kontrolle der Ausübung des Ermessens der Kommission bei der Geldbußenbemessung ist sehr zu begrüßen»).

( 62 ) V. o seu artigo «La protection des droits et des garanties fondamentales en droit de la concurrence»in De Rome à Lisbonne: mélanges en l’honneur de Paolo Mengozzi, Bruylant, 2013, p. 175 a 192.

( 63 ) V. acórdão KME Germany e o./Comissão, já referido (n.o 136). Mesmo quanto à fiscalização da legalidade e às apreciações económicas complexas, o n.o 94 do acórdão KME e o./Comissão, já referido, esclarece que, «[n]o tocante à fiscalização da legalidade, o Tribunal de Justiça já declarou que, apesar de a Comissão dispor de uma margem de apreciação em matéria económica, em domínios que originam apreciações económicas complexas, tal não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve designadamente verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se estes elementos constituem o conjunto dos dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram […]» (o sublinhado é meu). Também o Tribunal da AECL, no seu acórdão Posten Norge (acórdão de 18 de abril de 2012, E‑15/10, n.os 100 e 101) decidiu que «it must be recalled that Article 6(1) ECHR requires that subsequent control of a criminal sanction imposed by an administrative body must be undertaken by a judicial body that has full jurisdiction. Thus, the Court must be able to quash in all respects, on questions of fact and of law, the challenged decision (see, for comparison, European Court of Human Rights Janosevic v. Sweden, no 34619/97, § 81, Reports of Judgments and Decisions 2002‑VII, and [Menarini, já referido], § 59). Therefore, when imposing fines for infringement of the competition rules, [EFTA Surveillance Authority (ESA)] cannot be regarded to have any margin of discretion in the assessment of complex economic matters which goes beyond the leeway that necessarily flows from the limitations inherent in the system of legality review […] Furthermore […] in a case which is covered by the guarantees of the criminal head of Artigo 6 ECHR, the question whether the evidence is capable of substantiating the conclusions drawn from it by the competition authority must be answered having regard to the presumption of innocence. Thus, although the Court may not replace ESA’s assessment by its own and, accordingly, it does not affect the legality of ESA’s assessment if the Court merely disagrees with the weighing of individual factors in a complex assessment of economic evidence, the Court must nonetheless be convinced that the conclusions drawn by ESA are supported by the facts» (o sublinhado é meu).

( 64 ) Acórdão de 16 de novembro de 2000 (C-297/98 P, Colet., p. I-10101, n.o 55).

( 65 ) Esta interpretação dos acórdãos já referidos Chalkor e KME, e Menarini, também é defendida designadamente por Wesseling, R., e van der Woude, M., «The lawfulness and acceptability of enforcement of European cartel law», World Competition, vol. 35, número 4 (2012), p. 573 a 598.

( 66 ) Acórdão do Tribunal Geral de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão (T-11/06, Colet., p. II-6681, n.os 265 e 266). V., no mesmo sentido, acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido (n.o 692); de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão (C-3/06 P, Colet., p. I-1331, n.o 61), e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão (C-534/07 P, Colet., p. I-7415, n.o 86).

( 67 ) V. também acórdãos de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão (T-59/99, Colet., p. II-5257), e de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T-236/01, T-239/01, T-244/01 a T-246/01, T-251/01 e T-252/01, Colet., p. II-1181).

( 68 ) V. acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido (n.os 56 e 61 a 63).

( 69 ) V. as suas conclusões no processo que esteve na origem do acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, n.o 40). V. também Mengozzi, P., «La compétence de pleine juridiction du juge communautaire», op. cit., p. 227.

( 70 ) V. Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido (n.o 445). V. também, designadamente, acórdãos do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T-83/91, Colet., p. II-755, n.o 235), e de 20 de março de 2002, LR AF 1998/Comissão (T-23/99, Colet., p. II-1705, n.o 200).

( 71 ) O advogado‑geral P. Mengozzi recorda acertadamente (na nota 20 das suas conclusões) que o Tribunal de Justiça confirmou em diversas ocasiões que a fiscalização pelo Tribunal Geral quanto às coimas aplicadas pela Comissão visa verificar o caráter apropriado do montante fixado atendendo às circunstâncias do litígio que lhe é submetido. V., a este respeito, designadamente, acórdãos de 16 de novembro de 2000, Cascades/Comissão (C-279/98 P, Colet., p. I-9693, n.os 42 e 48), e Mo och Domsjö/Comissão (C-283/98 P, Colet., p. I-9855, n.os 42 e 48).

( 72 ) Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida na nota de rodapé n.o 66 das presentes conclusões.

( 73 ) V., a este respeito, acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, Colet., p. 223, n.os 51 e 52), e Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.o 141), e acórdãos do Tribunal Geral Tokai Carbon e o./Comissão, já referido (n.o 274), e de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão (T-241/01, Colet., p. II-2917, n.o 227).

( 74 ) O advogado‑geral P. Mengozzi acrescenta que isto permite também compreender por que razão, por exemplo, no seu acórdão de 28 de março de 1984, Officine Bertoli/Comissão (8/83, Colet., p. 1649, n.o 29), o Tribunal de Justiça decidiu que, embora o fundamento invocado pela recorrente para fundamentar o seu pedido de redução do montante da coima não pudesse ser acolhido, determinadas circunstâncias particulares deste caso justificavam uma redução por motivos de equidade.

( 75 ) Acórdão de 3 de março de 2011 (T-122/07 a T-124/07, Colet., p. II-793, v. designadamente n.os 153 e 154). Este acórdão foi objeto de um recurso atualmente pendente no Tribunal de Justiça (processos apensos C‑231/11 P a C‑233/11 P (Comissão/Siemens Österreich e o.). As conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi foram apresentadas em 19 de setembro de 2013.

( 76 ) Acórdão de 27 de julho de 2005 (T-49/02 a T-51/02, Colet., p. II-3033, n.o 170).

( 77 ) Acórdão do Tribunal Geral de 14 de julho de 1994 (T-77/92, Colet., p. II-549, n.os 94 e 95).

( 78 ) V., também, acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T-211/08, Colet., p. II-3729); de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão (T-43/92, Colet., p. II-441); Tokai Carbon e o./Comissão, já referido, e de 16 de junho de 2011, Bavaria/Comissão (T-235/07, Colet., p. II-3229), processos em que o Tribunal Geral substituiu a apreciação da Comissão pela sua ou analisou o caráter adequado da coima.

( 79 ) Acórdão de 2 de fevereiro de 2012, T‑77/08 (n.o 148). Este acórdão foi objeto de um recurso atualmente pendente no Tribunal de Justiça (v. processo C‑179/12 P).

( 80 ) Acórdão de 12 de dezembro de 2007 (T-101/05 e T-111/05, Colet., p. II-4949).

( 81 ) Respetivamente, decisões C(2004) 900 da Comissão, de 24 de março de 2004, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/C 3/37.792 — Microsoft), C(2005) 4420 final da Comissão, de 12 de julho de 2006, C(2008) 764 final da Comissão, de 27 de fevereiro de 2008, que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft Corp. através da Decisão «Microsoft», já referida e, e C(2013) 1210 final da Comissão, de 6 de março de 2013.

( 82 ) Decisão C(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, no Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel.

( 83 ) Decisão C(2008) 6815 final da Comissão, de 12 novembro de 2008, no Processo COMP/39.125 — Vidro automóvel.

( 84 ) Decisão C(2006) 6762 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, no Processo COMP/F/38.899 — Mecanismos de comutação isolados a gás.

( 85 ) Decisão C(2007) 512 final da Comissão, de 21 de fevereiro de 2007, no Processo COMP/E‑1/38.823 — Elevadores e escadas rolantes.

( 86 ) Decisão C(2012) 8839 final da Comissão, de 5 de dezembro de 2012, no Processo COMP/39.437 — Tubos para televisores e ecrãs de computador.

( 87 ) V. n.os 129 a 133 das suas conclusões neste processo.

( 88 ) Com efeito, «a instituição do Tribunal de Primeira Instância junto do Tribunal de Justiça, e a criação de um segundo nível de jurisdição, teve por objetivo, por um lado, melhorar a proteção judicial dos particulares, designadamente no que respeita aos recursos que requerem uma análise aprofundada de matéria de facto complexa, e, por outro, manter a qualidade e a eficácia do controlo judicial na ordem jurídica comunitária, permitindo dessa forma ao Tribunal de Justiça concentrar a sua atividade na sua tarefa essencial, ou seja, a de assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação do direito [da União]» (acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido, n.o 41).

( 89 ) A título de exemplo de um exercício integral da competência de plena jurisdição, pode referir‑se o United Kingdom Competition Appeal Tribunal (CAT), que realiza a sua própria apreciação do montante da coima com base numa abordagem muito exaustiva, considerando o processo no seu conjunto (v., designadamente, acórdãos n.o 1114/1/1/09 Kier Group plc v OFT [2011] CAT 3, e n.o 1099/1/2/08 National Grid plc v Gas and Electricity Markets Authority [2009] CAT 14).

( 90 ) Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] (Processo COMP/35.141 — Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27).

( 91 ) É verdade que a «brevidade é o segredo das palavras espirituosas» («brevity is the soul of wit») (Shakespeare, Hamlet, 1602), mas a competência de plena jurisdição exige mais do que palavras espirituosas!

( 92 ) Relativamente à determinação do montante da coima, v. designadamente acórdão Nintendo/Comissão (T-13/03, Colet., p. II-975, n.o 170).

( 93 ) V. Orientações de 1998, Secção 1, A, último ponto.

( 94 ) Decisão C (2005) 1757 final da Comissão, de 15 de junho de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.° TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/A.37.507/F3 — AstraZeneca).

( 95 ) V. Orientações de 1998, Secção 1, A.

( 96 ) «Conforme estabelecido na Secção A.1 acima, o abuso da Telefónica não é novo, tratando‑se de um abuso caracterizado para o qual existem precedentes. Em especial, na sequência do processo Deutsche Telekom (publicado em outubro de 2003) as condições de aplicação do artigo 82 a uma atividade económica que se enquadra numa legislação setorial ex ante específica eram amplamente claras e conhecidas pela Telefónica» (considerando 740 da decisão impugnada).

( 97 ) Acórdão de 26 de abril de 2007, Bolloré e o./Comissão (T-109/02, T-118/02, T-122/02, T-125/02, T-126/02, T-128/02, T-129/02, T-132/02 e T-136/02, Colet., p. II-947, n.o 528).

( 98 ) Como assinalou o advogado‑geral J. Mazák nas suas conclusões (nota 41) no processo TeliaSonera Sverige, já referido, «[p]arte da doutrina sugere que teria sido mais correto analisar o processo Deutsche Telekom/Comissão (já referido […]) como um caso relativo a preços predatórios, ao passo que o processo France Télécom/Comissão ([Wanadoo Interactive, já referido]) devia ter sido tratado como um caso de compressão de margens (na audiência, a Comissão não contestou este último ponto; contudo, sublinhou que tinha decidido tratar o processo France Télécom como um caso de preços predatórios, porque a empresa a jusante (Wanadoo [Interactive]) não era 100% propriedade da France Télécom».

( 99 ) Segundo as recorrentes, em 2006, o último ano da alegada infração, o volume de negócios do Grupo Telefónica foi de 52901 milhões de euros, o do Grupo France Telecom de 46630 milhões de euros em 2002, e o da Deutsche Telekom ascendia a 55 838 milhões de euros em 2003.

( 100 ) A Telefónica insistiu na sua réplica, no n.o 284, em que a legislação espanhola era mais restritiva do que a legislação alemã durante o período controvertido, atendendo, designadamente, a que i) o sistema de retail minus aplicado pela CMT tinha justamente como finalidade evitar o fenómeno da compressão das margens, contrariamente ao sistema de preços máximos praticados na Alemanha durante o período da infração, que permitia aplicar compensações entre diferentes produtos pertencentes a um mesmo «cabaz», e a que ii) até ao mês de novembro de 2003, a CMT fixava os preços de retalho (ao passo que a autoridade alemã fixava preços de retalho máximos e não fixos) e, em seguida, era necessária a sua aprovação, ex ante, para todas as iniciativas de preços de retalho da Telefónica aplicados aos novos serviços e às promoções e que, para este efeito, verificava a existência de uma margem suficiente entre os preços grossistas e os preços de retalho.

( 101 ) O Tribunal Geral limitou‑se a uma simples referência ao poder económico da Telefónica. Ora, como foi indicado na nota de rodapé 99 das presentes conclusões, os volumes de negócios eram muito semelhantes. Quanto à capitalização bolsista, a Deutsche Telekom e a Telefónica também estavam em situação comparável, segundo as fontes citadas pela Comissão na decisão impugnada (v. página 22 do relatório anual da Telefónica, citado na nota 791 da decisão impugnada. A capitalização em bolsa da Telefónica e a da Deutsche Telekom ascendiam respetivamente a 74 113 e a 70 034 milhões de dólares em 2005, e a 104 722 e a 80 371 milhões de dólares em 2006).

( 102 ) Decisão Deutsche Telekom (n.os 206, 207 e 211).

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