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Document 62012CC0094

    Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen apresentadas em 28 de fevereiro de 2013.
    Swm Costruzioni 2 SpA e Mannocchi Luigino DI contra Provincia di Fermo.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per le Marche.
    Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Capacidade económica e financeira — Capacidades técnicas e/ou profissionais — Artigos 47.°, n.° 2, e 48.°, n.° 3 — Faculdade de um operador económico recorrer às capacidades de outras entidades — Artigo 52.° — Sistema de certificação — Empreitadas de obras públicas — Legislação nacional que impõe a posse de um certificado de qualificação correspondente à categoria e ao valor dos trabalhos objeto do contrato — Proibição de recorrer aos certificados de várias entidades para trabalhos pertencentes à mesma categoria.
    Processo C‑94/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:130

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NIILO JÄÄSKINEN

    apresentadas em 28 de fevereiro de 2013 ( 1 )

    Processo C‑94/12

    Swm Costruzioni 2 SpA

    Mannocchi Luigino DI

    contra

    Provincia di Fermo

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale per le Marche (Itália)]

    «Diretiva 2004/18/CE — Adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas — Capacidade económica e financeira de um operador económico — Capacidade técnica e/ou profissional de um operador económico — Recurso às capacidades de mais de uma empresa auxiliar»

    I — Introdução

    1.

    As empresas que pretendem participar num concurso de empreitada podem estar obrigadas a cumprir níveis mínimos em termos de capacidade económica e financeira ou de capacidade técnica e/ou profissional, em conformidade com os artigos 47.° e 48.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (a seguir «Diretiva 2004/18») ( 2 ). Para além de o próprio operador económico poder possuir tais capacidades, também poderá reunir esses requisitos recorrendo às capacidades «de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas» ( 3 ).

    2.

    O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto saber se a legislação nacional que limita a uma o número de entidades a cujas capacidades poderá recorrer um operador económico que pretende participar num concurso de empreitada está em conformidade com a Diretiva 2004/18, em especial com os seus artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3. A resposta a esta questão exige que o Tribunal de Justiça defina o alcance do poder de apreciação que os Estados‑Membros têm na implementação das disposições que codificam a jurisprudência do Tribunal de Justiça anterior à Diretiva 2004/18.

    II — Quadro jurídico

    A — Direito da União

    3.

    O artigo 47.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18 intitulado «Capacidade económica e financeira» dispõe que:

    «Um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que disporá efetivamente dos recursos necessários, por exemplo, através da apresentação do compromisso de tais entidades nesse sentido.»

    4.

    O artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 intitulado «Capacidade técnica e/ou profissional» prevê que:

    «Um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que, para a realização do contrato, disporá dos meios necessários, por exemplo, através do compromisso de tais entidades de colocar os meios necessários à sua disposição».

    5.

    O artigo 52.o, n.o 1, da Diretiva 2004/18, intitulado «Listas oficiais de operadores económicos aprovados e certificação por organismos de direito público ou privado», dispõe que:

    «Os Estados‑Membros podem instituir listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou uma certificação por organismos de certificação públicos ou privados.

    Os Estados‑Membros devem adaptar as condições de inscrição nestas listas, assim como as condições para a emissão de certificados pelos organismos de certificação, ao n.o 1 e às alíneas a) a d) e g) do n.o 2 do artigo 45.o, ao artigo 46.o, aos n.os 1, 4 e 5 do artigo 47.o, aos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 48.o, ao artigo 49.o e, eventualmente, ao artigo 50.o

    Devem adaptá‑las igualmente ao n.o 2 do artigo 47.o e ao n.o 3 do artigo 48.o, para os pedidos de inscrição apresentados por operadores económicos que sejam parte integrante de um grupo e façam valer meios postos à sua disposição pelas outras sociedades do grupo. Neste caso, tais operadores devem provar à autoridade que estabelece a lista oficial que disporão desses meios durante todo o período de validade do certificado que atesta a sua inscrição na lista oficial e que estas sociedades continuam a preencher, durante o mesmo período, as exigências em matéria de seleção qualitativa previstas nos artigos referidos no segundo parágrafo que estes operadores fazem valer para a respetiva inscrição.»

    B — Direito nacional

    6.

    O artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 estabelece, em matéria de participação em processo de contratos públicos, que «para as obras, o concorrente só pode recorrer às capacidades de uma única empresa auxiliar para cada uma das categorias de qualificação. O anúncio de concurso pode autorizar o recurso à capacidade de mais de uma empresa auxiliar em função do montante do contrato ou da especificidade das prestações, sem prejuízo da proibição de utilização fracionada pelo concorrente de cada um dos requisitos económico‑financeiros e técnico‑organizativos estipulados no artigo 40.o, n.o 3, alínea b), com base nos quais se entregou o certificado naquela categoria».

    III — Litígio no processo principal e questão prejudicial

    7.

    O recorrente no processo principal, Raggruppamento Temperaneo Imprese (a seguir «RTI»), um grupo de empresas constituído, com caráter temporário e para efeitos de participação no concurso, pela Swm Costruzioni 2 SpA (empresa dirigente do grupo) e pela Mannocchi Luigino DI, também recorrentes no processo principal, participou no concurso de adjudicação da empreitada de modernização e de ampliação da Strada Provinciale (estrada provincial) n.o 238 Valdaso.

    8.

    De modo a preencher os requisitos de certificação da Società Organismo di Attestazione (SOA), organismo de certificação autorizado a verificar as qualificações exigidas e os requisitos de participação nos concursos públicos das empresas, a recorrente principal, a Swm Costruzioni 2, recorreu às capacidades de duas empresas da mesma categoria de qualificação para obras de modernização e ampliação.

    9.

    Em 2 de agosto de 2011, a entidade adjudicante, Provincia di Fermo, enviou à RTI a sua decisão da mesma data em que excluía a RTI do procedimento de concurso. O motivo da decisão foi a violação da proibição de recorrer às capacidades de mais de uma empresa na mesma categoria, prevista no artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006

    10.

    O RTI impugnou esta decisão por recurso interposto em 5 de agosto de 2011 para o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunale Amministrativo Regionale per le Marche. O recurso do RTI baseou‑se no argumento de que o artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 não era compatível com as disposições relevantes da Diretiva 2004/18. O Tribunale Amministrativo Regionale per le Marche decidiu suspender a instância e submeter a seguinte questão prejudicial:

    «Deve o artigo 47.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE ser interpretado no sentido de que se opõe, em princípio, a uma legislação de um Estado‑Membro, como a legislação italiana prevista no artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006, que proíbe, salvo casos especiais, o recurso às capacidades de mais de uma empresa auxiliar, ao estabelecer que ‘para obras, o concorrente só pode recorrer às capacidades de uma única empresa auxiliar para cada uma das categorias de qualificação. O anúncio de concurso pode autorizar que se recorra à capacidade de mais de uma empresa auxiliar em função do montante do contrato ou da especificidade das prestações […].»?

    11.

    A Swm Costruzioni 2 SpA e a Mannocchi Luigino DI, o Governo italiano e a Comissão apresentaram observações escritas.

    IV — Alcance da questão prejudicial

    12.

    O Governo italiano salienta que o processo principal diz respeito à capacidade técnica e profissional de uma empresa, e não à sua capacidade económica e financeira, o que leva a que o artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 seja o artigo relevante. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio referiu exclusivamente o artigo 47.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, que tem por objeto a capacidade económica e financeira das empresas participantes.

    13.

    Neste contexto, parece‑me suficiente indicar a jurisprudência assente que refere que o despacho de reenvio de um órgão jurisdicional nacional fornece a base de determinação do alcance da questão de direito da União Europeia a interpretar, mas que o Tribunal de Justiça não está completamente vinculado pela redação da(s) questão(ões) submetidas. Compete, eventualmente, ao Tribunal de Justiça reformular a questão prejudicial para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido ( 4 ).

    14.

    Os artigos 47.° e 48.° da Diretiva 2004/18 são citados conjuntamente no artigo 44.o, n.o 2, da dita diretiva para efeitos de permitirem às entidades adjudicantes «exigir níveis mínimo[s] de capacidade que os candidatos e proponentes devem satisfazer». Estes dois artigos seguem a mesma lógica, e os mesmos princípios de interpretação são válidos na aplicação de ambos. No acórdão Strong Segurança, o Tribunal de Justiça observou, marginalmente, que os artigos 48.°, n.o 3, e 47.°, n.o 2, da Diretiva 2004/18 são, no essencial, iguais ( 5 ). As duas disposições codificam o princípio jurídico desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as primeiras diretivas relativas a contratos públicos no que diz respeito aos critérios de seleção qualitativa de candidatos e proponentes ( 6 ).

    15.

    Na fase escrita, o Tribunal de Justiça pediu às partes que se pronunciassem sobre a relevância para o presente processo do artigo 44.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, que é a disposição geral sobre a verificação da aptidão, seleção dos participantes e adjudicação dos contratos ( 7 ). Só a Comissão respondeu no prazo estipulado, concluindo que a análise do artigo 44.o, n.o 2, não era relevante para a matéria em causa.

    16.

    Por conseguinte, para dar ao Tribunale Amministrativo Regionale per le Marche uma resposta útil para o processo principal, considero que a decisão prejudicial do Tribunal de Justiça se deve centrar na interpretação dos dois artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18.

    V — Apreciação

    17.

    Em meu entender, a interpretação literal dos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18 não permite o entendimento de que uma norma nacional como o artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 seja conforme com o direito da União Europeia em matéria de contratos públicos.

    18.

    Os artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18 referem expressamente que os operadores económicos podem recorrer às capacidades de outras entidades para demonstrarem que reúnem os requisitos de capacidade económica, financeira, técnica e profissional em relação a um determinado contrato de empreitada. Por outras palavras, essas disposições referem outras entidades no plural. É útil observar que os artigos 47.°, n.o 3, e 48.°, n.o 4, da Diretiva 2004/18 preveem a mesma possibilidade para os operadores económicos que pertencem a um grupo.

    19.

    O artigo 52.o da Diretiva 2004/18 prevê a mesma possibilidade em relação à inclusão em listas oficiais de operadores económicos aprovados ou à concessão de certificações para participar em concursos públicos. A redação do artigo 52.o, n.o 1, da Diretiva 2004/18 também indica, ao utilizar o plural outras sociedades que o legislador da União Europeia não teve a intenção de impor restrições relativamente ao número de empresas auxiliares a cuja capacidade um potencial proponente podia recorrer.

    20.

    A redação dos artigos 47.°, n.o 2, 48.°, n.o 3, e 52.° da Diretiva 2004/18 codifica a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça proferida a propósito das primeiras diretivas em matéria de contratos públicos. No acórdão Ballast Nedam Groep I, o Tribunal de Justiça concluiu que uma sociedade holding que não execute ela própria as obras, em virtude de as suas filiais que as realizam serem pessoas coletivas distintas, não pode, com esse fundamento, ser afastada dos processos de participação nas empreitadas de obras públicas se puder provar que pode efetivamente dispor dos meios das suas filiais necessários à execução da empreitada.

    21.

    No acórdão Ballast Nedam Groep II, o Tribunal de Justiça reafirmou a sua posição expressa no acórdão Ballast Nedam Groep I e precisou‑a, concluindo que, ao apreciarem a capacidade técnica de uma sociedade‑mãe, as autoridades públicas que elaboram as listas de empreiteiros aprovados estão obrigadas a ter em conta a capacidade técnica das empresas que pertencem a um mesmo grupo.

    22.

    No acórdão Holst Italia, o Tribunal de Justiça aplicou a jurisprudência Ballast a uma situação em que a sociedade que pretendia participar num concurso não era a pessoa jurídica dominante do grupo de empresas, e confirmou que essa sociedade podia recorrer às capacidades de outras sociedades do grupo, qualquer que seja a natureza jurídica das relações que com elas mantém ( 8 ). O Tribunal de Justiça declarou que um proponente não pode ser afastado de um processo pelo único motivo de entender utilizar meios que não detém a título próprio mas que pertencem a uma ou várias entidades dela distintas ( 9 ).

    23.

    Esta posição do Tribunal de Justiça de que o direito da União Europeia não exige que a pessoa que deseja celebrar um contrato com uma entidade adjudicante esteja em condições de realizar diretamente a prestação acordada com os seus próprios recursos para poder ser qualificada como operador económico também foi confirmada na jurisprudência posterior ( 10 ). O Tribunal de Justiça sublinhou que as empresas que pretendem participar num concurso devem provar que podem efetivamente dispor dos meios das outras entidades necessários à execução do contrato em questão. Compete ao proponente que invoque as capacidades de terceiros o ónus da prova ( 11 ).

    24.

    Os dois artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18 estabelecem em termos praticamente idênticos que «um operador económico pode […] recorrer às capacidades de outras entidades». A redação sugere o reconhecimento de um direito dos operadores económicos de optarem por este método de preencher os critérios de seleção, desde que possam provar que podem efetivamente dispor dos meios destas entidades necessários à execução da empreitada.

    25.

    Sempre que a capacidade de uma empresa executar uma empreitada de obras públicas tenha sido questionada num determinado processo, a avaliação da questão de saber se foi produzida prova adequada é deixada aos órgãos jurisdicionais nacionais. Como já observei, este princípio foi afirmado na jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi agora codificada nos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18 ( 12 ).

    26.

    Além disso, não há nenhuma indicação no artigo 52.o da Diretiva 2004/18 que sugira que este se destinou a limitar o alcance dos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, que se referem à cooperação entre operadores económicos no contexto de um concurso relativo a uma determinada empreitada. Pelo contrário, o artigo 52.o, n.o 1, exige que as condições de inscrição nas listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou para efeitos de certificação sejam adaptadas ao princípio subjacente aos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, para os pedidos de inscrição apresentados por operadores económicos que sejam parte integrante de um grupo e façam prova dos meios postos à sua disposição pelas outras sociedades do grupo.

    27.

    A inscrição numa lista oficial ou a certificação em conformidade com o artigo 52.o da Diretiva 2004/18 constituem uma presunção de aptidão das empresas inscritas ou certificadas, mas só em relação às condições em que a inscrição ou a certificação se baseiam. As entidades adjudicantes têm a faculdade de estabelecer o nível de capacidade económica e financeira e das capacidades técnicas requeridas para participar numa determinada empreitada de obras públicas e, caso necessário, exigir prova para além da presunção da inscrição ou da certificação ( 13 ).

    28.

    Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que a Diretiva 92/50/CEE ( 14 ) não se opõe a uma proibição ou a uma restrição do recurso à subcontratação de partes essenciais do contrato quando, precisamente, a entidade adjudicante não pôde verificar as capacidades técnicas e económicas dos subcontratados no momento do exame das propostas e da seleção do proponente que apresentou a proposta mais vantajosa ( 15 ).

    29.

    Isto sugere que uma disposição nacional que exclui dos concursos os operadores económicos que recorrem às capacidades de mais do que uma entidade seria contrária ao direito dos operadores económicos de optarem por este método para reunirem os critérios de seleção e, portanto, não seria compatível com a Diretiva 2004/18. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que uma pessoa que invoque as capacidades técnicas e económicas de terceiros aos quais tenciona recorrer se o contrato lhe for adjudicado apenas pode ser afastada se não conseguir demonstrar que dispõe efetivamente dessas capacidades ( 16 ).

    30.

    Por conseguinte, uma disposição nacional como o artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 que não proíbe completamente o recurso às capacidades de empresas auxiliares para o preenchimento dos critérios de seleção, mas que, não obstante, impõe uma restrição quantitativa não prevista no direito da União Europeia, no caso dessa opção, não pode ser compatível com a Diretiva 2004/18.

    31.

    Este argumento é ainda corroborado pela análise dos objetivos do artigo 47.o, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18. Segundo o Tribunal de Justiça um dos objetivos das normas da União Europeia em matéria de contratos públicos consiste na maior abertura possível à concorrência, e é do interesse do direito da União Europeia que seja assegurada a maior participação possível de proponentes num concurso público ( 17 ).

    32.

    O objetivo da maior abertura possível à concorrência é considerada não só atendendo ao interesse em matéria de livre circulação de produtos e serviços mas também ao próprio interesse das entidades adjudicantes, que disporão assim de uma maior escolha quanto à oferta mais vantajosa ( 18 ). A exclusão de proponentes com base no número de outras entidades que participam na execução da empreitada de modo a só permitir uma única empresa auxiliar por cada categoria de critérios qualitativos não permite uma avaliação caso a caso, reduzindo, assim, de modo efetivo, as escolhas da entidade adjudicante, e prejudicando a concorrência real.

    33.

    Outro objetivo das normas da União Europeia no domínio da contratação pública é abrir o mercado dos contratos públicos a todos os operadores económicos, independentemente da sua dimensão. A inclusão das pequenas e médias empresas (a seguir «PME») deve ser especialmente encorajada porque as PME são consideradas a espinha dorsal da economia da UE ( 19 ). As possibilidades de as PME participarem em concursos públicos e de lhes serem adjudicados contratos de empreitadas são dificultadas, entre outros fatores, pela dimensão dos contratos. Por este motivo, a possibilidade de os proponentes participarem em grupos que recorrem às capacidades de empresas auxiliares é particularmente importante para facilitar às PME o acesso aos contratos ( 20 ).

    34.

    Para finalizar, abordarei a questão da margem de apreciação dos Estados‑Membros na aplicação da Diretiva 2004/18. A Comissão e o Governo italiano são de opinião de que uma disposição nacional como o artigo 49.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 cai no âmbito do poder de apreciação conferido aos Estados‑Membros na aplicação da diretiva.

    35.

    Segundo a Comissão, para a transposição adequada da diretiva é suficiente que não seja excluída a possibilidade de recorrer à capacidade de uma empresa auxiliar para preencher a capacidade económica e financeira, e os níveis de capacidade técnica e/ou profissional, e que os princípios expressos na Diretiva 2004/18 sejam aplicados de modo a garantir a seleção qualitativa efetiva dos proponentes com base em critérios transparentes, objetivos e não discriminatórios.

    36.

    Não contesto o facto de os Estados‑Membros terem uma margem de apreciação relativamente ampla na transposição das diretivas em matéria de contratação pública. Contudo, esta não se estende às matérias expressamente abrangidas pelo legislador da União Europeia, como sucede, em meu entender, com a possibilidade de recorrer às capacidades de terceiros no contexto da participação em concursos para a obtenção de contratos públicos. Como salientei acima, tanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça, como a Diretiva 2004/18, permitem expressamente o recurso às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que a empresa proponente tenha com elas.

    37.

    A exclusão dos proponentes que recorrem às capacidades de mais do que uma entidade auxiliar por categoria de critérios de seleção qualitativa favorece as empresas de maiores dimensões em detrimento dos agrupamentos ad hoc de PME. É suscetível de privilegiar os operadores locais ou regionais dominantes em relação às empreitadas que são adequadas às suas capacidades, mas que são demasiado exigentes para os pequenos operadores que intervêm sozinhos, e demasiado reduzidas para interessar às empresas de maiores dimensões que operam a nível nacional ou internacional. Isto não pode ser considerado não discriminatório.

    38.

    Concordo com o Governo italiano que pode haver uma diferença entre as situações em que um operador económico recorre à capacidade económica e financeira de outra entidade ou aquelas em que recorre à capacidade técnica e/ou profissional. Em determinadas situações a necessária capacidade técnica ou profissional deve ser possuída por uma única entidade. Por exemplo, enquanto que duas empresas com uma capacidade de 50000 toneladas de asfalto podem conjuntamente reunir a capacidade exigida de 100000 toneladas para a renovação de uma autoestrada, duas empresas possuidoras, cada uma delas, do nível de perícia necessário para a manutenção e reparação de relógios em estações ferroviárias não preenchem automaticamente os critérios de capacidade necessários para os trabalhos de reparação de relógios antigos em igrejas medievais.

    39.

    No entanto, o problema das possibilidades de adicionar determinados tipos de capacidades técnicas e/ou profissionais é qualitativamente independente do número de entidades a cujas capacidades recorre um operador económico. O facto de os operadores económicos poderem recorrer às capacidades de outras entidades para efeitos de serem admitidos como potenciais proponentes, não elimina as realidades de determinados concursos. Assim, independentemente da questão de saber se um operador económico possui a capacidade económica e financeira, e a capacidade técnica e profissional por si só ou por recurso às capacidades de outros operadores, este terá sempre de demonstrar que preenche os critérios definidos para a execução de uma determinada empreitada.

    40.

    Além disso, o artigo 48.o, n.o 5, da Diretiva 2004/18 prevê regras específicas para a apreciação da aptidão dos operadores económicos em função das suas capacidades, eficiência, experiência e fiabilidade aplicáveis a determinadas categorias de contratos públicos. Esta disposição também se aplica aos operadores económicos que recorrem às capacidades técnicas ou profissionais de outras entidades. Por outro lado, como referi acima, nos casos de listas oficiais ou de certificações nacionais, as entidades adjudicantes continuam a ter a margem de apreciação para estabelecer o nível de capacidade económica e financeira e das capacidades técnicas requeridas para participar numa determinada empreitada de obras públicas.

    VI — Conclusão

    41.

    Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça dê a seguinte resposta ao Tribunale Amministrativo Regionale per le Marche:

    «Os artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços obstam a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal que proíbe, salvo casos especiais, o recurso às capacidades de mais de uma empresa auxiliar de modo a preencher os critérios de seleção relativos à capacidade económica e financeira e/ou à capacidade técnica e/ou profissional de um operador económico.»


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO L 134, p. 114.

    ( 3 ) Artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18.

    ( 4 ) V. acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colet., p. I-6325, n.o 32 e jurisprudência aí referida). V. também, mais recentemente, acórdão de 21 de julho de 2011, Stewart (C-503/09, Colet., p. I-6497, n.o 105).

    ( 5 ) Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança (C-95/10, Colet., p. I-1865, n.o 13).

    ( 6 ) V., por exemplo, acórdãos de 14 de abril de 1994, Ballast Nedam Groep I (C-389/92, Colet., p. I-1289); de 18 de dezembro de 1997, Ballast Nedam Groep II (C-5/97, Colet., p. I-7549); e de 2 de dezembro de 1999, Holst Italia (C-176/98, Colet., p. I-8607).

    ( 7 ) — O artigo 44.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18 prevê que «[a]s entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimo[s] de capacidade que os candidatos e proponentes devem satisfazer nos termos dos artigos 47.° e 48.° O âmbito das informações referidas nos artigos 47.° e 48.°, bem como os níveis mínimos de capacidades exigido[s] para um determinado concurso, devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato. Tais níveis mínimos serão indicados no anúncio do concurso».

    ( 8 ) Acórdão Holst Italia, n.o 31.

    ( 9 ) Acórdão Holst Italia, n.o 26.

    ( 10 ) V., designadamente, acórdão de 23 de dezembro de 2009, CoNISMa (C-305/08, Colet., p. I-12129, n.° 41 e jurisprudência aí referida).

    ( 11 ) V. acórdão de 18 de março de 2004, Siemens e ARGE (C-314/01, Colet., p. I-2549, n.o 44, e jurisprudência aí referida).

    ( 12 ) V. acórdãos já referidos, Ballast Nedam Groep I (n.o 17), e Holst Italia (n.os 29 e 30).

    ( 13 ) V. acórdão de 9 de julho de 1987, CEI‑Bellini (27/86, 28/86 e 29/86, Colet., p. 3347, n.os 25 a 27).

    ( 14 ) Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, foi revogada pela Diretiva 2004/18.

    ( 15 ) Acórdão Siemens e ARGE (n.o 45).

    ( 16 ) V. acórdão Siemens e ARGE (n.o 46).

    ( 17 ) V. acórdão CoNISMa (n.o 37 e jurisprudência aí referida).

    ( 18 ) V. acórdão CoNISMa (n.o 37 e jurisprudência aí referida).

    ( 19 ) V., por exemplo, Livro Verde da Comissão sobre a modernização da política de contratos públicos da UE. Para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa, COM(2011) 15 final.

    ( 20 ) O documento de orientação da Comissão «Código Europeu de Boas Práticas para facilitar o acesso das PME aos contratos públicos» recomenda que se tire partido da possibilidade que os operadores económicos têm de recorrer às suas capacidades económicas e financeiras e às suas capacidades técnicas agregadas na fase de seleção dos concursos. V. documento de trabalho da Comissão «Código Europeu de Boas Práticas para facilitar o acesso das PME aos contratos públicos», SEC(2008) 2193.

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