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Document 62012CC0072

    Conclusões do advogado-geral Cruz Villalón apresentadas em 20 de Junho de 2013.
    Gemeinde Altrip e outros contra Land Rheinland-Pfalz.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha.
    Questões prejudiciais - Ambiente - Directiva 85/337/CEE - Évaluation des incidences sur l’environnement - Reenvio prejudicial - Ambiente - Diretiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos no ambiente - Convenção de Aarhus - Diretiva 2003/35/CE - Direito de recurso de uma decisão de licenciamento - Aplicação no tempo - Processo de licenciamento iniciado antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2003/35/CE - Decisão tomada após essa data - Requisitos de admissibilidade do recurso - Violação de um direito - Natureza da irregularidade processual suscetível de ser invocada - Alcance do controlo.
    Processo C-72/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:422

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    PEDRO CRUZ VILLALÓN

    apresentadas em 20 de junho de 2013 ( 1 )

    Processo C‑72/12

    Gemeinde Altrip,

    Gebrüder Hört GbR,

    Willi Schneider

    contra

    Land Rheinland‑Pfalz

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

    «Diretiva 85/337/CEE — Artigo 10.o‑A — Âmbito do direito de impugnação de decisões de licenciamento de projetos que podem produzir efeitos consideráveis no ambiente — Aplicabilidade no tempo — Âmbito do controlo»

    1. 

    O presente pedido de decisão prejudicial do Bundesverwaltungsgericht confere ao Tribunal de Justiça a oportunidade, dois anos após o seu acórdão Trianel ( 2 ), de se pronunciar novamente sobre a interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva 85/377/CEE (a seguir, «Diretiva AIA») ( 3 ), na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2003/35/CE ( 4 ) no contexto do direito administrativo e do direito processual administrativo alemães.

    2. 

    Enquanto o acórdão proferido no processo Trianel dizia respeito ao acesso de organizações ambientais não governamentais à justiça de um Estado‑Membro no âmbito do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, no presente processo está em causa, por um lado, a aplicabilidade no tempo da disposição e, por outro lado, e sobretudo, o âmbito do controlo imposto pela mesma.

    3. 

    As questões suscitam‑se no âmbito de um recurso interposto de uma decisão de aprovação do plano em matéria de direito das águas adotada pelo Land Rheinland‑Pfalz (Land da Renânia‑Palatinado) no qual os recorrentes alegam que a avaliação dos efeitos no ambiente (a seguir, «AIA») foi realizada incorretamente.

    I — Quadro jurídico

    A — Direito Internacional Público

    4.

    A Convenção da UNECE sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (a seguir, «Convenção de Aarhus») foi assinada pela Comunidade Europeia em 25 de junho de 1998, entrou em vigor em 30 de outubro de 2001 e foi aprovada em nome da Comunidade Europeia em 17 de fevereiro de 2005 ( 5 ). A República Federal da Alemanha assinou a Convenção de Aarhus em 25 de junho de 1998 e ratificou‑a em 15 de janeiro de 2007.

    5.

    As disposições da Convenção de Aarhus são normalmente apresentadas como modelo de três colunas, sendo uma coluna relativa ao acesso à informação em matéria de ambiente, outra, à participação do público em processos de tomada de decisão em matéria de ambiente e a terceira ao acesso à Justiça em matéria de ambiente ( 6 ).

    6.

    Os considerandos 6, 7, 8, 13 e 18 da Convenção de Aarhus têm o seguinte teor:

    «6.

    Reconhecendo que a proteção adequada do ambiente é essencial para o bem‑estar dos indivíduos e a satisfação dos direitos humanos fundamentais, incluindo o próprio direito à vida;

    7.

    Reconhecendo […] que todos os indivíduos têm o direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, e o dever, quer individualmente quer em associação com outros indivíduos, de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras;

    8.

    Considerando que, para poderem exercer esse direito e cumprir esse dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, poder participar no processo de tomada de decisões e ter acesso à justiça no domínio do ambiente, e reconhecendo que, neste contexto, os cidadãos podem necessitar de assistência para poderem exercer os seus direitos;

    [...]

    13.

    Reconhecendo ainda a importância dos papéis que podem ser desempenhados respetivamente pelos particulares, pelas Organizações Não Governamentais e pelo setor privado na proteção do ambiente;

    [...]

    18.

    Procurando garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei».

    7.

    O artigo 1.o da Convenção de Aarhus estabelece o seu objetivo:

    «Com o objetivo de contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, cada Parte garantirá a concessão dos direitos de acesso à informação, à participação do público no processo de tomada de decisões e à justiça no domínio do ambiente, em conformidade com o disposto na presente Convenção.»

    8.

    O artigo 2.o, n.o 5, define «público envolvido» como sendo «o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões […]». O conceito de «público» também inclui, nos termos do artigo 2.o, n.o 4, «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas».

    9.

    O artigo 3.o, n.o 1, dispõe o seguinte:

    «Cada Parte adotará as medidas necessárias, legislativas, regulamentares e outras, incluindo as medidas destinadas a assegurar a compatibilidade entre as disposições relativas à informação, participação do público e acesso à justiça adotadas em aplicação da presente Convenção, assim como as medidas de execução adequadas para estabelecer e manter um quadro de aplicação das disposições da presente Convenção claro, transparente e coerente.»

    10.

    O artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus tem o seguinte teor:

    «Cada Parte garantirá, em conformidade com o disposto na legislação nacional, que os membros do público em causa

    a)

    que tenham um interesse suficiente ou, em alternativa,

    b)

    cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da Parte o imponha como condição prévia,

    tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno e sem prejuízo do disposto no n.o 3, a outras disposições relevantes da presente Convenção.

    O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente Convenção. […]

    O disposto no n.o 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.»

    B — Direito da União

    11.

    A Diretiva 2003/35 foi adotada pela Comunidade antes da ratificação da Convenção de Aarhus, para harmonizar o direito da União com a Convenção ( 7 ). Esta alterou a Diretiva AIA e a Diretiva 96/61/CE (a seguir, «Diretiva IPPC») ( 8 )«com vista a garantir a sua plena compatibilidade com as disposições da Convenção de Aarhus, em especial com […] [o n.o] 2 […] do seu artigo 9.o» ( 9 ).

    12.

    O considerando 9 da Diretiva 2003/35 determina o seguinte:

    «Os n.os 2 e 4 do artigo 9.o da Convenção de Aarhus preveem o acesso a processos judiciais ou outros processos com vista à impugnação da legalidade substantiva ou processual de decisões, atos ou omissões sujeitos às disposições de participação do público estabelecidas no artigo 6.o da convenção.»

    13.

    O artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2003/35, tem o seguinte teor:

    «Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 25 de junho de 2005 […]».

    14.

    O artigo 3.o, da Diretiva 2003/35 contém várias alterações à Diretiva AIA. Assim, designadamente, ao n.o 2 do artigo 1.o da Diretiva AIA é aditada a seguinte definição de «público em causa»: «o público afetado ou suscetível de ser afetado pelos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.o 2 do artigo 2.o, ou neles interessado [...]». O conceito de «público» contém, de acordo com outra definição, tal como no âmbito da Convenção de Aarhus, «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas».

    15.

    Além disso, a Diretiva 2003/35 introduz um novo artigo 10.o‑A na Diretiva AIA. Este tem o seguinte teor:

    «Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

    a)

    Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

    b)

    Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

    tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.

    Os Estados‑Membros devem determinar a fase na qual as decisões, atos ou omissões podem ser impugnados.

    Os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objetivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. […]

    O presente artigo não exclui a possibilidade de um recurso preliminar para uma autoridade administrativa e não afeta o requisito de exaustão dos recursos administrativos prévios aos recursos judiciais, caso esse requisito exista na legislação nacional. […]»

    16.

    A Diretiva AIA foi revogada em 17 de fevereiro de 2012 e codificada e substituída pela Diretiva 2011/92/UE ( 10 ). O artigo 11.o da nova diretiva corresponde ao artigo 10.o‑A da Diretiva AIA. Tendo em conta a data do presente processo deve aplicar‑se a Diretiva AIA.

    C — Direito nacional

    17.

    O § 61 da Verwaltungsgerichtsordnung (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a seguir «VwGO») ( 11 ) determina o seguinte:

    «Têm legitimidade para ser parte no processo

    1.

    as pessoas singulares e coletivas,

    2.

    as associações, desde que sejam titulares de um direito. [...]».

    18.

    O § 46 do Verwaltungsverfahrensgesetz (código do procedimento administrativo, a seguir «VwVfG») ( 12 ), relativo às consequências de vícios processuais e formais, estabelece o seguinte:

    «A anulação de um ato administrativo que não seja inválido ao abrigo do § 44 não pode ser requerida apenas por este ter sido adotado em violação de disposições relativas ao processo, à forma ou à competência territorial, quando seja manifesto que a violação não influenciou o mérito da decisão.»

    19.

    As disposições relativas à transposição das disposições relativas a recursos da Diretiva 2003/35 encontram‑se na Gesetz über ergänzende Vorschriften zu Rechtsbehelfen in Umweltangelegenheiten nach der EG‑Richtlinie 2003/35/EG (lei alemã complementar relativa a recursos em matéria de ambiente nos termos da Diretiva 2003/35/CE, a seguir «UmwRG») ( 13 ). O § 1, n.o 1, desta lei determina o seguinte:

    «A presente lei aplica‑se a recursos interpostos:

    1.

    de decisões, na aceção do § 2, n.o 3, da Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung (lei sobre a avaliação dos efeitos no ambiente, a seguir «UVPG») relativas à admissibilidade de projetos em relação aos quais, nos termos

    a)

    da UVPG [...]

    possa existir a obrigação de proceder a uma avaliação dos efeitos no ambiente.»

    20.

    O § 4 da UmwRG determina o seguinte:

    «1.   A anulação de uma decisão relativa à admissibilidade de um projecto na aceção do § 1, n.o 1, primeiro período, ponto 1, pode ser requerida quando, de acordo com as disposições da UVPG [...]

    1.

    uma avaliação dos efeitos no ambiente, ou

    2.

    um exame prévio do caso concreto quanto à obrigação de avaliação dos efeitos no ambiente,

    fossem necessários e não tiverem sido realizados e essa omissão não tiver sido sanada.»

    3.   Os n.os 1 e 2 aplicam‑se, mutatis mutandis, aos recursos das partes na aceção do § 61, n.os 1 e 2 da VwGO.»

    21.

    O § 5, n.o 1, da UmwRG, na qualidade de disposição transitória, determina o seguinte: «A presente lei aplica‑se aos processos a que se refere o § 1, n.o 1, primeiro período que foram ou deviam ter sido iniciados após 25 de junho de 2005 [...]».

    22.

    O § 2 da UVPG ( 14 )dispõe o seguinte:

    «1.   A avaliação dos efeitos no ambiente constitui uma parte integrante dos procedimentos administrativos para a tomada de decisão sobre a admissibilidade dos projetos. [...]

    3.   Constituem decisões na aceção do n.o 1, primeiro período

    1.

    as autorizações, as licenças […] as decisões de aprovação do plano […]».

    II — Matéria de facto e processo principal

    23.

    Está em causa no processo principal um recurso de uma decisão de aprovação do plano em matéria de direito das águas adotada pelo Land Rheinland‑Pfalz que tem por objeto a construção de um sistema de retenção de águas na fossa do Alto Reno a sul das cidades de Mannheim e de Luwigshafen (Waldsee/Altrip/Neuhofen).

    24.

    O sistema de retenção de águas de enchentes planeado ocupa uma área de aproximadamente 327 hectares. Uma parte do mesmo deverá ser inundada regularmente em função dos níveis de água do Reno e outra parte deverá ser alagada no caso de enchentes extremas, a fim de proteger as áreas residenciais, comerciais e de infraestruturas situadas na planície do Reno. O projeto planeado destina‑se a garantir proteção contra uma situação de enchente que ocorre há 200 anos. Para realizar a retenção das águas está planeada a execução de um grande número de obras.

    25.

    O plano afeta em primeira linha terrenos destinados à agricultura e áreas florestais. Contudo, uma parte da retenção situa‑se na zona de «Rheinniederung Speyer‑Ludwigshafen», classificada em 2004 como zona especial de conservação (ZEC). Nas proximidades do projeto encontra‑se uma outra ZEC, assim como duas reservas ornitológicas europeias.

    26.

    Por ofício de 31 de janeiro de 2002, a autoridade inferior de gestão da água do Land recorrido solicitou, na qualidade de autora do projeto, à Struktur‑ und Genehmigungsdirektion Süd (direção‑geral de planeamento e licenciamento — sul) do Land Rheinland‑Pfalz a aprovação do plano para a construção de um sistema de retenção das águas. O plano foi aprovado por despacho de 20 de junho de 2006.

    27.

    O município de Altrip, a Gebrüder Hört GbR e W. Schneider (a seguir «recorrentes») interpuseram recurso do despacho de aprovação do plano alegando, designadamente, que a AIA realizada para a retenção das águas padecia de vícios consideráveis.

    28.

    As zonas de retenção planeadas abrangem 12% do território do município de Altrip. Além disso, o município é proprietário de vários terrenos na área do projeto aprovado.

    29.

    A Gebrüder Hört GbR cultiva frutas e legumes. Os seus sócios são proprietários e arrendatários de terras situadas dentro do sistema de retenção, alguns dos quais também terão de ser utilizados para a construção de diques.

    30.

    W. Schneider é proprietário de vários terrenos situados nas proximidades do sistema de retenção planeado, entre os quais um terreno para construção de habitação e terrenos situados numa zona recreativa que são utilizados para um parque de campismo.

    31.

    Por decisão de 13 de dezembro de 2007, o Verwaltungsgericht (tribunal administrativo) negou provimento ao recurso.

    32.

    O Oberverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo) de Rheinland‑Pfalz negou provimento ao recurso interposto desta decisão por decisão de 12 de fevereiro de 2009. No entender do órgão jurisdicional, os recorrentes não podem invocar em juízo deficiências verificadas na AIA nos termos da UmwRG, uma vez que esta lei, segundo o seu § 5, n.o 1, só é aplicável aos processos iniciados após 25 de junho de 2005. Assim, não é necessário examinar se o § 4, n.o 1, da UmwRG confere aos recorrentes o direito à anulação da decisão de aprovação do plano no caso de realização irregular de uma AIA, apesar de esta disposição, segundo a sua redação, regular apenas a omissão total da AIA. Também se levantam dúvidas sobre se os recorrentes preenchem o nexo de causalidade exigido pela jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht.

    33.

    Os recorrentes interpuseram recurso de «Revision» para o Bundesverwaltungsgericht.

    III — Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

    34.

    O Bundesverwaltungsgericht, tal como anteriormente o Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz, vê‑se impedido, nos termos do § 5, n.o 1, da UmwRG, segundo o qual a UmwRG só é aplicável a processos que tenham sido iniciados após 25 de junho de 2005, desde logo, do ponto de vista temporal, de aplicar a lei. Contudo, tem dúvidas sobre se tal é compatível com as exigências do direito da União.

    35.

    Segundo alega o Bundesverwaltungsgericht, ainda que a UmwRG fosse aplicável ratione temporis, a alegação de vícios da avaliação dos efeitos no ambiente por parte dos recorrentes não seria procedente nos termos da norma alemã de transposição da Diretiva 2003/35. Segundo o § 4, n.o 1, da UmwRG, que é aplicável por força do § 4, n.o 3, da UmwRG e do § 61, n.o 1, do VwGO, a anulação de uma decisão só pode ser requerida quando a avaliação dos efeitos no ambiente ou o exame prévio do caso concreto quanto à obrigação de avaliação dos efeitos no ambiente sejam necessários e não tenham sido realizados ou essa omissão não tenha sido sanada. Não é possível outra interpretação do § 4, n.o 1, da UmwRG, tendo em conta a redação e os trabalhos preparatórios da norma. Com efeito, uma maior relevância de vícios processuais que, no projeto de lei relativo à UmwRG ( 15 ), era originalmente considerada necessária no contexto do acórdão Wells ( 16 ), não logrou impor‑se no processo legislativo. O Bundesverwaltungsgericht também tem dúvidas, no que diz respeito a esta disposição, sobre se a mesma satisfaz as exigências da diretiva.

    36.

    Se esta limitação das possibilidades de impugnação de uma decisão não for admissível, coloca‑se para o Bundesverwaltungsgericht a questão de saber se os critérios do direito nacional aplicados pela jurisprudência constante, que restringem as perspetivas de sucesso de uma impugnação judicial da legalidade processual de decisões, estão em conformidade com o direito europeu.

    37.

    Atendendo às considerações precedentes, o Bundesverwaltungsgericht suspendeu a instância por despacho de 10 de janeiro de 2012 e solicitou o esclarecimento das seguintes questões prejudiciais nos termos do artigo 267.o TFUE:

    «1)

    Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho, ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros estavam obrigados a prever que as disposições de direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE eram igualmente aplicáveis aos processos administrativos de licenciamento iniciados, de facto, antes de 25 de junho de 2005, mas nos quais as licenças só foram emitidas após esta data?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

    Deve o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros estavam obrigados a alargar a aplicabilidade das disposições do direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE e relativas à impugnação da legalidade processual de uma decisão, à hipótese de uma avaliação dos efeitos no ambiente que, embora tendo sido realizada, é incorreta?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

    Deve o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE, nos casos em que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 10.o‑A, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 85/337/CEE, determina, em princípio, que os membros do público em causa só podem interpor recurso para o tribunal se alegarem a violação de um direito, ser interpretado no sentido de que

    a)

    a impugnação judicial da legalidade processual de qualquer decisão abrangida pelas disposições da presente diretiva sobre a participação do público só poderá ser eficaz e conduzir à anulação da decisão quando, tendo em conta as circunstâncias do caso, exista a possibilidade concreta de que, sem a irregularidade processual, a decisão impugnada tivesse sido diferente, e quando, além disso, a irregularidade processual afete ao mesmo tempo uma posição jurídico‑material do recorrente, ou

    b)

    no âmbito da impugnação judicial da legalidade processual, as irregularidades processuais verificadas nas decisões abrangidas pelas disposições da presente diretiva sobre a participação do público devem ser tidas em consideração em termos mais amplos?

    Caso se deva responder à questão acima mencionada no sentido da alínea b):

    A que exigências materiais devem as irregularidades processuais obedecer para que, em caso de impugnação judicial da legalidade processual da decisão, possam ser consideradas favoráveis ao recorrente?»

    38.

    Os recorrentes no processo principal, o Land Rheinland‑Pfalz, a República Federal da Alemanha, a Irlanda e a Comissão apresentaram observações escritas.

    39.

    Os mesmos intervenientes também intervieram na audiência de 16 de janeiro de 2013.

    IV — Apreciação jurídica

    40.

    O Bundesverwaltungsgericht coloca três questões ao Tribunal de Justiça que dizem respeito ao acesso a um processo de recurso concedido pelo artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, sendo a segunda e terceira questões respetivamente colocadas para o caso de a questão anterior obter resposta afirmativa. A primeira questão destina‑se a esclarecer a aplicabilidade no tempo da norma em causa. Se o Tribunal de Justiça considerar que a norma é aplicável ratione temporis, deverá analisar o alcance deste recurso na segunda e terceira questões prejudiciais. A segunda questão prejudicial diz respeito à admissibilidade da restrição da aplicabilidade das disposições de direito nacional, adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, relativamente à impugnação da legalidade processual de uma decisão, ao caso da não realização de uma AIA. Se essa restrição não for legal, deve, com a terceira questão prejudicial, esclarecer‑se o âmbito do controlo, em particular, no que diz respeito à questão de saber se os requisitos da exigência de nexo de causalidade e da violação de um direito subjetivo, aplicados pela jurisprudência nacional para que a impugnação da legalidade processual de uma decisão seja procedente, estão em conformidade com o direito europeu.

    A — Admissibilidade

    41.

    A Irlanda considera que a segunda e a terceira questões prejudiciais são inadmissíveis. O despacho do Bundesverwaltungsgericht não contém quaisquer indícios sobre quais são os vícios da AIA que os recorrentes invocam. Nesta medida, é solicitado ao Tribunal de Justiça que decida sobre questões de natureza hipotética cuja resposta não produz efeitos no litígio.

    42.

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, é, em princípio, da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais que são chamados a conhecer do litígio apreciar, tendo em conta as particularidades do caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a decisão, como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça ( 17 ).

    43.

    O Tribunal de Justiça só se pode desviar deste princípio se a interpretação do direito da União for «manifestamente» ( 18 ) irrelevante para o caso em apreço. Consequentemente, o Tribunal de Justiça só em raros casos concluiu, tendo em conta o alegado pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto ao direito nacional e quanto à matéria de facto, que as questões colocadas são de natureza puramente hipotética ( 19 ) ou até que o litígio em apreço foi criado artificialmente ( 20 ).

    44.

    Resulta do despacho do Bundesverwaltungsgericht que a AIA exigida para o projeto objeto do litígio foi realizada e foi criticada pelos recorrentes por padecer de vícios. Porém, não resulta do mesmo quais os vícios invocados pelos recorrentes no recurso.

    45.

    Contudo, isso não implica a inadmissibilidade da segunda e terceira questões prejudiciais. Relativamente à segunda questão, tal resulta desde logo do facto de, segundo informação prestada pelo Bundesverwaltungsgericht, nos termos do direito alemão em vigor à data, no caso de ser realizada uma AIA não existir um direito à anulação do despacho independentemente do tipo de vícios processual invocado. Segundo afirma o órgão jurisdicional de reenvio, a possibilidade de examinar a existência de vícios na AIA implicaria, em si mesma, a remessa dos autos para o Oberverwaltungsgericht. Neste caso, suscita‑se a questão, levantada através da terceira questão prejudicial, da conformidade com o direito europeu dos requisitos do direito alemão, até agora aplicados pela jurisprudência ou de outros requisitos que o Bundesverwaltungsgericht, por sua iniciativa, deve indicar ao Oberverwaltungsgericht como apreciação jurídica. Ainda que as informações omitidas relativamente à natureza dos vícios processuais não permitam, no presente processo, uma resposta definitiva detalhada à terceira questão, como refere com razão a Comissão, o Tribunal de Justiça dispõe, porém, de informações suficientes para, no âmbito da relação de cooperação entre o Tribunal de Justiça e o órgão jurisdicional de reenvio, dar uma resposta útil à questão.

    46.

    Por conseguinte, a segunda e terceira questões prejudiciais são admissíveis.

    B — Primeira questão prejudicial

    47.

    Com a primeira questão prejudicial, o Bundesverwaltungsgericht pretende conhecer a aplicabilidade no tempo do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, introduzido pela Diretiva 2003/35, tendo em conta a disposição acima descrita do § 5, n.o 1, da UmwRG, que transpõe a Diretiva 2003/35. Nesta medida, a Diretiva 2003/35 determina que os Estados‑Membros lhe devem dar cumprimento até 25 de junho de 2005 (artigo 6.o, n.o 1, primeiro período). No entanto, levantam‑se dúvidas sobre se tal significa que os Estados‑Membros devem conceder aos processos administrativos de licenciamento iniciados a partir daquela data o acesso previsto pelo artigo 10.o‑A da Diretiva AIA a um processo de recurso ou se este acesso também deve ser concedido aos processos que, embora tenham sido iniciados antes daquela data, só atribuam licenças após a mesma.

    48.

    A República Federal da Alemanha e a Irlanda consideram que a Diretiva 2003/35 não obriga os Estados‑Membros a estabelecer a possibilidade de recurso prevista no artigo 10.o‑A da Diretiva AIA para os processos de licenciamento que tenham sido iniciados antes do final do prazo de transposição da Diretiva 2003/35, mesmo nos casos em que a licença só tenha sido atribuída após o termo do prazo de transposição. Nesta medida, as suas alegações quanto às restantes questões prejudiciais são feitas a título subsidiário. O Land Rheinland‑Pfalz associa‑se ao entendimento jurídico da República Federal da Alemanha.

    49.

    Os recorrentes, pelo contrário, defendem que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/35 obriga os Estados‑Membros a aplicar as disposições nacionais de transposição do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA a processos administrativos de licenciamento em que a licença tenha sido concedida após 25 de junho de 2005, independentemente da data em que os processos tenham sido iniciados. A Comissão também considera que o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA é aplicável a processos de licenciamento já iniciados em 25 de junho de 2005.

    50.

    Em meu entender, o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA é aplicável a casos como o aqui em apreço.

    51.

    Os Estados‑Membros devem transpor as diretivas para o direito nacional dentro dos prazos respetivamente fixados para a sua transposição ( 21 ). Os direitos conferidos por uma diretiva devem ser garantidos dentro deste prazo, a menos que a diretiva preveja expressamente exceções. Se um Estado‑Membro não cumprir esta obrigação, está sujeito, nas condições conhecidas, a um efeito direto das disposições da diretiva que devam ser tidas em conta nessa situação ( 22 ).

    52.

    Este princípio pode ser problemático se implicar que uma nova disposição deva ser aplicável a uma situação já iniciada ou até concluída. Se um ato jurídico da União não previr nenhuma disposição transitória expressa para um caso desses, é o Tribunal de Justiça que aprecia a aplicabilidade no tempo mediante interpretação, tendo em conta os princípios da segurança jurídica (não retroatividade), da tutela da confiança e da preservação do efeito útil do ato jurídico ( 23 ).

    53.

    O Tribunal de Justiça teve de aplicar este princípio por diversas vezes. Assim, concluiu que as disposições processuais também se aplicam a litígios pendentes à sua entrada em vigor, mas que, em regra, as disposições materiais do direito da União se aplicam apenas a situações posteriores à sua entrada em vigor ( 24 ). Em contrapartida, aos efeitos futuros de uma situação é, em princípio, aplicável uma norma nova ( 25 ). No que diz respeito à obrigação de realização de uma AIA, o Tribunal de Justiça concluiu que esta obrigação não existe nos casos em que a data da apresentação formal do pedido de aprovação de um projeto é anterior à data em que termina o prazo de transposição da Diretiva AIA ( 26 ).

    54.

    O presente caso diz respeito à questão da aplicação da nova possibilidade de tutela judicial garantida pelo artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, após o decurso do prazo de transposição, a processos de licenciamento já iniciados naquela data. A Diretiva 2003/35 não contém nenhuma disposição transitória para este caso.

    55.

    Resulta da interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, tendo em conta os princípios da segurança jurídica (não retroatividade), da tutela da confiança e da preservação do efeito útil da diretiva, que a disposição deve ser aplicada a processos administrativos de licenciamento que tenham sido iniciados antes do decurso do prazo de transposição da Diretiva 2003/35, mas que naquela data ainda não tenham sido concluídos por decisão definitiva.

    56.

    O interesse numa transposição eficiente e atempada da diretiva aponta no sentido de uma aplicação da nova possibilidade de tutela judicial a garantida pelo artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, após o decurso do prazo de transposição. Mesmo que se pretenda — tal como a Alemanha e a Irlanda ‑ reconhecer um elemento fraco de retroatividade ( 27 ) na aplicação das novas possibilidades de tutela judicial a processos pendentes à data da criação das possibilidades de tutela judicial, os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança não se opõem à aplicação da norma nesses casos. São estes princípios e não uma diferenciação entre disposições processuais e de direito material que, em casos como o presente não ajuda muito, que são determinantes para a questão da interpretação da diretiva no que diz respeito à sua aplicabilidade no tempo.

    57.

    Contrariamente ao entendimento da Alemanha e da Irlanda, da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicabilidade no tempo da obrigação de realização de uma AIA não resulta outra coisa.

    58.

    O Tribunal de Justiça, no âmbito desta jurisprudência, considerou que a Diretiva AIA visa em larga medida projetos de manifesta envergadura cuja realização necessita de um longo período de tempo. Um atraso adicional nos processos já iniciados devido às exigências específicas da diretiva afeta situações já consolidadas ( 28 ). Nesta medida, ao apresentar o pedido, o autor do projeto pode confiar nas suas assunções relativamente à tramitação do processo e não é obrigado a contar com mais dificuldades no processo.

    59.

    Conforme conclui, com razão, o Bundesverwaltungsgericht, no presente caso não são criadas novas exigências para o processo administrativo ou para processos judiciais pendentes. Pelo contrário, trata‑se da melhoria do acesso aos processos de recurso tendo em vista a observância de requisitos legais que já eram vinculativos anteriormente. O princípio da tutela da confiança não pode abranger a confiança em que a observância do direito em vigor não seja fiscalizada. Com efeito, no caso de um alargamento das possibilidades de tutela judicial em projetos de manifesta envergadura, deve contar‑se com atrasos efetivos. Contudo, estes devem ser considerados apenas um reflexo do reexame jurídico de disposições que já são vinculativas. O autor do projeto deve aceitar estes atrasos. Nesta medida, prevalece o interesse na eficácia prática da diretiva.

    60.

    O interesse numa transposição eficaz e atempada da diretiva é adicionalmente reforçado no presente caso pelo facto de a diretiva transpor as exigências da Convenção de Aarhus que entrou em vigor para a Comunidade em 17 de fevereiro de 2005 e que, nos termos do artigo 216.o, n.o 2, TFUE, vincula os órgãos da União e os Estados‑Membros ( 29 ). Se o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA só fosse aplicável a processos iniciados após o termo do prazo para a transposição, o acesso a um processo de recurso que deve ser garantido nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus não seria assegurado durante muitos anos, tendo em conta a duração considerável dos processos de licenciamento adequados.

    61.

    Por conseguinte, importa concluir que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/35 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a prever que as disposições de direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA também são aplicáveis aos processos administrativos de licenciamento que tenham sido iniciados antes de 25 de junho de 2005 e que neste momento ainda não tivessem sido concluídos mediante decisão definitiva. Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão que foi colocada em caso de resposta afirmativa à primeira questão.

    C — Segunda questão prejudicial

    62.

    Com a segunda questão prejudicial, o Bundesverwaltungsgericht pretende saber se o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA também obriga os Estados‑Membros a alargar a aplicabilidade das disposições de direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA e relativas à impugnação da legalidade processual de uma decisão à hipótese de uma avaliação dos efeitos no ambiente que, embora tendo sido realizada, é incorreta.

    63.

    Todos os intervenientes no processo, com exceção da Irlanda, defendem que o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA obriga os Estados‑Membros a também alargar a possibilidade de recurso judicial ao caso de realização incorreta de uma avaliação dos efeitos no ambiente. A República Federal da Alemanha considera que o direito alemão já cumpre estes requisitos, uma vez que, nos termos do § 46 da VwVfG, que deve ser aplicado juntamente com o § 4, n.o 1, da UmwRG, a anulação de uma decisão de licenciamento também pode ser requerida em caso de realização incorreta de uma AIA. A Irlanda, tendo em conta a falta de informações relativas ao tipo de vícios que neste caso são invocados, faz referência à autonomia processual dos Estados‑Membros que deve ser exercida em conformidade com os objetivos da diretiva.

    64.

    Em relação ao alegado pela República Federal da Alemanha, importa concluir, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar o direito nacional. Nesta medida, no âmbito da relação de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais, deve confiar no que estes últimos alegam em relação ao direito nacional.

    65.

    A redação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA é, desde logo, clara quanto ao alcance que, em princípio, deve ter o recurso através do processo previsto. Segundo esta disposição, os Estados‑Membros devem assegurar que os membros do público em causa que satisfaçam, em alternativa, um dos dois requisitos referidos na norma, «tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal [...] para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão [...] abrangid[a] pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva» ( 30 ). A passagem sublinhada transpõe literalmente o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 31 ).

    66.

    O Tribunal de Justiça considerou logicamente no acórdão Trianel que a disposição não restringe de forma alguma os fundamentos que podem ser invocados para sustentar o respetivo recurso ( 32 ).

    67.

    A restrição das possibilidades de impugnação de um processo de licenciamento que exija uma avaliação dos efeitos no ambiente ao caso de não realização da avaliação dos efeitos no ambiente («omissão total») não é compatível com estas exigências. A alegação de vícios da AIA não pode, em princípio, ser excluída.

    68.

    Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão que o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA deve ser interpretado no sentido de que no processo de recurso previsto pela disposição também deve ser possível impugnar a legalidade processual de uma decisão no caso de uma AIA que, embora tendo sido realizada, é incorreta. Assim, também há que responder à terceira e última questão prejudicial do Bundesverwaltungsgericht que foi colocada em caso de alargamento do processo de recurso a vícios da AIA.

    D — Terceira questão prejudicial

    69.

    Com a terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer a questão de saber em que medida a impugnação judicial de decisões abrangidas pelas disposições da diretiva sobre a participação do público deve ser possível em virtude de vícios processuais e deve conduzir à anulação da decisão nos casos em que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 10.o‑A, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva AIA, determina que os membros do público em causa só podem interpor recurso para o tribunal se alegarem a violação de um direito. Neste âmbito, o órgão jurisdicional pretende saber, em particular, se duas das restrições da relevância de vícios processuais, cumulativamente aplicadas pela jurisprudência nacional, são admissíveis: a exigência de nexo de causalidade e a afetação de uma posição jurídica substantiva do recorrente.

    1. Os critérios da jurisprudência nacional

    70.

    Para uma melhor compreensão, afigura‑se adequado apresentar, com a brevidade exigida, estes dois critérios da jurisprudência nacional, com base nas alegações das partes e no pedido de decisão prejudicial.

    71.

    A denominada «exigência de nexo de causalidade» determina que para uma impugnação bem sucedida de uma decisão com base num vício processual, tendo em conta as circunstâncias do caso, deve existir a possibilidade concreta de a decisão impugnada ter sido diferente na ausência do vício processual ( 33 ).

    72.

    Além disso, o vício processual deve afetar uma «posição jurídica substantiva» do recorrente. No entanto, segundo a jurisprudência nacional, de acordo com o Bundesverwaltungsgericht, a UVPG e as disposições processuais de outras leis especiais não conferem ao interessado num projeto que deva ser obrigatoriamente sujeito a avaliação dos efeitos sobre o ambiente posições processuais que possa invocar autonomamente ( 34 ). O critério da posição jurídica substantiva do recorrente, conforme resulta do alegado pelos intervenientes, também é importante no âmbito do mérito do recurso. Tal significa que restringe o âmbito do controlo dos recursos que preenchem o requisito da legitimidade ativa no quadro da admissibilidade — tipicamente, p. ex., por o recorrente invocar uma possível violação do seu direito de propriedade ( 35 ).

    2. As posições dos intervenientes

    73.

    Os intervenientes defendem pontos de vista claramente distintos no que diz respeito à terceira questão prejudicial. Os recorrentes consideram que os dois critérios acima descritos não estão em conformidade com o direito europeu. Ao invés, os vícios processuais devem ser tidos em consideração em termos mais amplos. Em todo o caso, com base no artigo 263.o, n.o 2, TFUE, as violações de formalidades essenciais devem ser tidas em conta para efeitos de impugnação judicial da legalidade processual da decisão, a menos que no caso concreto possa ser manifestamente excluído que o vício tenha influenciado o resultado da decisão. Nesta medida, as disposições jurídicas relativas à participação do público e o artigo 3.o, da Diretiva AIA são formalidades essenciais.

    74.

    No âmbito da autonomia processual dos Estados‑Membros, a República Federal da Alemanha considera que o critério da causalidade desenvolvido pela jurisprudência está em conformidade com o direito europeu. O Land Rheinland‑Pfalz associa‑se a este entendimento.

    75.

    A Irlanda considera que, tendo em conta a autonomia processual dos Estados‑Membros, é a estes que compete determinar quais os atos, omissões ou decisões que estão sujeitos ao controlo nos termos do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA e o que é que constitui uma violação de um direito, devendo fazer esta determinação em conformidade com o objetivo da diretiva que é o de garantir o acesso do público em causa à tutela judicial.

    76.

    Por último, a Comissão entende que o juiz nacional deve, na sua apreciação do mérito, analisar pelo menos todas as disposições de direito processual e material resultantes do direito da União e da sua transposição para o direito nacional sem que a análise se restrinja às normas jurídicas que conferem a legitimidade ativa ou à violação de uma posição jurídica substantiva.

    77.

    A exigência do nexo de causalidade não se deve aplicar a vícios processuais graves, no entanto, os vícios processuais menos importantes não conduzem à anulação de uma decisão nos casos em que a autoridade prova que, nas circunstâncias do caso, a decisão impugnada não teria sido diferente na ausência do vício processual.

    78.

    Os vícios processuais em decisões às quais se aplicam as disposições da diretiva relativas à participação do público devem ser tidos em consideração no âmbito da impugnação judicial, a menos que sejam irrelevantes para alcançar os objetivos da Diretiva AIA.

    3. Interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA

    79.

    O presente processo não é a primeira oportunidade que o Tribunal de Justiça tem de se debruçar sobre a interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA. Já no início das minhas considerações referi que, em particular, o processo Trianel, tinha dado azo a uma análise da disposição.

    80.

    Neste processo, o Tribunal de Justiça analisou essencialmente o alcance do acesso das organizações não governamentais na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva AIA a um processo de recurso na aceção do artigo 10.o‑A da mesma diretiva. O Tribunal de Justiça declarou a este respeito que não se deve recusar a tais organizações não governamentais a possibilidade de invocar em juízo, no âmbito de um recurso de uma decisão de licenciamento relevante, nos termos do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, a violação de uma disposição decorrente do direito da União que tenha por objeto a proteção do ambiente, pelo facto de esta norma proteger unicamente os interesses da coletividade e não os bens jurídicos dos particulares. Simultaneamente, pode retirar‑se da decisão que essa restrição não pode ser realizada nem no plano da admissibilidade do recurso, nem no da sua fundamentação ( 36 ). A República Federal da Alemanha, cujo direito nacional deu origem ao pedido de decisão prejudicial no processo Trianel, retirou as consequências do acórdão ( 37 ).

    81.

    O presente processo, contrariamente ao processo Trianel, diz respeito a pessoas singulares e coletivas que fazem todas parte do público em causa nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva AIA, sem, no entanto, serem uma organização não governamental nele mencionada.

    82.

    Já expus na minha resposta à segunda questão prejudicial que o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA não permite, em relação a estas, a limitação da possibilidade de impugnação de decisões pertinentes à não realização de uma AIA obrigatória.

    83.

    Contudo, tal não significa de modo algum que o direito da União estabelece exigências detalhadas no âmbito do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA em relação ao âmbito do controlo da respetiva tutela judicial. Pelo contrário, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros, por força da sua autonomia processual, dispõem de uma margem de apreciação na implementação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA (e do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, implementado por este último). Por conseguinte, podem regular o próprio processo mediante o qual é garantido o respetivo acesso à tutela judicial. Para esse efeito, estão sujeitos a duas limitações: as normas não podem ser menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não podem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade) ( 38 ).

    84.

    As exigências do direito da União em relação ao âmbito do controlo do processo de recurso previsto no artigo 10.o‑A da Diretiva AIA resultam sobretudo do princípio da efetividade. No presente processo não existe nenhum indício de violação do princípio da equivalência.

    85.

    Conforme já esclareci no âmbito da minha proposta para a segunda questão prejudicial, o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA faz uma afirmação clara, nos termos da sua redação, em relação ao controlo da legalidade processual de decisões no processo previsto pela norma. A este respeito, não limita de modo algum os fundamentos que podem ser invocados para sustentar o respetivo recurso.

    86.

    No entanto, o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA permite aos Estados‑Membros sujeitar o acesso de membros do público em causa ao processo de recurso previsto pela norma a uma condição. Para esse efeito, os Estados‑Membros podem, como expressão da sua autonomia processual, escolher entre duas alternativas. A primeira alternativa é a existência de um «interesse suficiente», a segunda e a que foi escolhida pela Alemanha, é a invocação «[d]a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio». Além disso, segundo o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, são os próprios Estados‑Membros que determinam o que se deve considerar uma violação de um direito. Contudo, esta determinação deve ser realizada em conformidade com o objetivo de proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça.

    87.

    Estas duas alternativas elencadas pelo artigo 10.o‑A produzem efeitos sobre o alcance da análise no âmbito do recurso que deve ser garantido?

    88.

    A redação da norma sugere que as duas alternativas referidas no artigo 10.o‑A da Diretiva AIA sejam a descrição de uma condição de admissibilidade do respetivo recurso. Se esta estiver preenchida, sucede‑se uma análise do mérito da «legalidade material e processual [da] decisão». O Tribunal de Justiça também refere expressamente os «requisitos de admissibilidade dos recursos» no que se refere às alternativas» ( 39 ).

    89.

    Uma interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, em conformidade com o direito internacional público, tendo em conta o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 40 ), confirma que as duas alternativas referidas no artigo 10.o‑A da Diretiva AIA se destinam a permitir a limitação da admissibilidade do recurso e não do âmbito da fiscalização do mesmo. Com efeito, o Implementation Guide ( 41 ) que pode ser utilizado para auxiliar a interpretação da Convenção designa, de forma significativa, os respetivos critérios como critérios de standing ( 42 ).

    90.

    A este respeito, adiro ao entendimento da advogada‑geral Sharpston que também explica as duas alternativas com o facto de os Estados signatários da Convenção de Aarhus pretenderem abranger com as mesmas os diferentes requisitos da legitimidade ativa previstos nas várias ordens jurídicas nacionais ( 43 ).

    91.

    Por conseguinte, em relação ao âmbito da análise do ponto de vista do direito processual, importa considerar que a Diretiva AIA prevê o reexame da legalidade processual de decisões e não limita de modo algum os fundamentos que podem ser invocados para sustentar o respetivo recurso. Nos termos do princípio da efetividade, não se deve tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício desta possibilidade de tutela judicial relativamente às disposições resultantes do direito da União e que visam a proteção do ambiente. Uma tutela judicial nacional que satisfaça estas exigências também obedece ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Tratado UE, segundo o qual os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Não é possível fazer afirmações mais aprofundadas relativamente ao alcance da análise, tendo em conta a falta de informação relativamente aos vícios processuais concretamente invocados.

    4. Análise dos critérios nacionais

    92.

    Em seguida, pretendo, em primeiro lugar, analisar se o critério da afetação de uma posição jurídica substantiva do recorrente na forma descrita pelo Bundesverwaltungsgericht no domínio do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA satisfaz as exigências da diretiva. A doutrina administrativista do Estado‑Membro em causa debruçou‑se intensivamente sobre este tema nos últimos anos e também debateu controversamente, sob influência do acórdão Trianel, em que medida a exigência da violação de um direito subjetivo se pode manter no domínio do direito do ambiente e precisamente também em relação a vícios processuais na avaliação dos efeitos no ambiente ( 44 ).

    93.

    Uma interpretação cuidadosa do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, em particular, também de acordo com o seu sentido e o seu objetivo, revela que o critério na forma descrita pelo Bundesverwaltungsgericht não satisfaz as exigências da diretiva.

    94.

    Conforme se concluiu acima, a redação do artigo 10.o‑A prevê um processo de recurso para a impugnação (também) da legalidade processual sem qualquer referência a uma limitação dos fundamentos invocados para sustentar o mesmo. Para esse efeito, a norma permite uma limitação do acesso ao processo de recurso aos membros do público em causa que invoquem a violação de um direito. Este conceito deve ser estabelecido pelos próprios Estados‑Membros, tendo expressamente em conta o objetivo de proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. No entanto, este critério é — também já o referi — um critério de admissibilidade permitido e não uma possível limitação do âmbito da análise. Por conseguinte, o mesmo não é suscetível de justificar uma limitação do âmbito da análise.

    95.

    Além disso, deve ser tido em conta que a Convenção de Aarhus, a cuja transposição o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA se destina, contém indícios valiosos no que diz respeito ao objetivo da norma. Segundo o seu artigo 1.o, esta deve contribuir para a proteção do direito a viver num ambiente propício ao bem‑estar. Para esse efeito, prevêem‑se determinadas disposições processuais (acesso a informações, participação do público) e um acesso efetivo aos tribunais.

    96.

    Os considerandos 6 e 7 da Convenção esclarecem o contexto do direito ao acesso à justiça em matéria de ambiente. O acesso é concedido aos cidadãos para poderem exercer o seu direito a um ambiente saudável e cumprir o seu dever de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras.

    97.

    Em meu entender, daqui resultam dois aspetos. Por um lado, as disposições processuais e o cumprimento destas disposições também têm precisamente no direito do ambiente uma função essencial de proteção dos direitos atribuídos. Assim se explica a importância crescente de direitos de participação no direito do ambiente, que atualmente são considerados elementos não apenas da legitimação de decisões, mas também da melhoria da proteção do ambiente ( 45 ). Este entendimento do processo explica também a importância da correta realização de uma avaliação dos efeitos no ambiente ( 46 ). Neste contexto, resulta clara a razão pela qual o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA refere a fiscalização da legalidade material e processual em conjunto.

    98.

    Por outro lado, a Convenção de Aarhus não considera a proteção do ambiente como sendo uma função específica de organizações não governamentais constituídas para o efeito, mas considera que os particulares têm competência para defender as questões ambientais — e até o dever de o fazer ( 47 ). Nesta medida, não se pode justificar a limitação do âmbito da análise em recursos de particulares com o facto de as associações ambientais poderem intervir em geral em questões ambientais. Com efeito, no que diz respeito à legitimidade ativa, a posição das associações ambientais é privilegiada nos termos do artigo 10.o‑A, n.o 3, segundo e terceiro parágrafos, pelo facto de, segundo a disposição, estas terem direitos suscetíveis de serem violados ( 48 ). Contudo, no âmbito do mérito, não há nenhum elemento que indicie que os membros do público em causa se encontrem numa situação menos favorável do que as associações ambientais. Nesta medida, e conforme é demonstrado pelas disposições referidas da Convenção de Aarhus, o próprio cidadão é transformado numa instância de execução da proteção do ambiente ( 49 ), uma missão que — conforme alegam os recorrentes — as associações de proteção do ambiente só conseguem assumir de forma limitada devido à escassez de meios financeiros.

    99.

    Em face de todo o exposto, o direito nacional não pode excluir questões de legalidade processual (em matéria de direito do ambiente) no âmbito da Diretiva AIA do âmbito da fiscalização dos órgãos jurisdicionais, em recursos de membros do público em causa. Tal violaria o princípio da efetividade e não constituiria uma transposição adequada do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, conforme com o direito europeu. Em meu entender, um critério que exige a invocação de uma violação de um direito subjetivo que exclui disposições que decorrem do direito da União e que têm por finalidade a proteção do ambiente do âmbito da análise do recurso na aceção do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, tal como, segundo alega o Bundesverwaltungsgericht, ocorre no caso em apreço, não se pode manter.

    100.

    É neste contexto que se pode entender a afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Trianel, segundo a qual «o legislador nacional po[de] limitar os direitos cuja violação pode ser invocada por um particular no âmbito de um recurso judicial de uma das decisões, atos ou omissões visados pelo artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 aos direitos subjetivos públicos [...]» ( 50 ). O conceito de direitos subjetivos públicos deve ser interpretado no sentido de que as disposições de direito da União que visam a proteção do ambiente podem ser invocadas por particulares no âmbito do mérito. Nesta medida, dá‑se uma convergência da tutela judicial em sentido objetivo e em sentido subjetivo — tal também é indiciado pelo direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar mencionado no artigo 1.o, da Convenção de Aarhus.

    101.

    Também o Compliance Committee da Convenção considerou que constituía uma violação do artigo 9.o, n.o 2 a exclusão dos recursos de direitos em matéria de ambiente em razão da limitação dos recursos de vizinhos aos direitos próprios e da exclusão do direito do ambiente deste conceito. Ainda que esta conclusão não seja vinculativa para o Tribunal de Justiça ( 51 ), a mesma sustenta a minha interpretação da Convenção ( 52 ).

    102.

    Devem ser tidos em conta critérios semelhantes para o princípio da causalidade. Também aqui possuem os Estados‑Membros sem dúvida autonomia processual. Segundo o mesmo, um critério da causalidade não está, por princípio, excluir para apreciação da relevância de vícios processuais. Para tal, os princípios da equivalência e da efetividade devem ser contudo respeitados. A exigência de causalidade também deve, portanto, ser aferida, em particular, segundo o princípio da efetividade ( 53 ). Por outro lado, não resulta daqui nenhum indício de violação do princípio da equivalência.

    103.

    Em consequência, a exigência de causalidade não pode impedir o exercício dos direitos decorrentes do artigo 10.o‑A da Diretiva AIA.

    104.

    É precisamente no domínio aqui em causa que — conforme já referi — o processo desempenha um papel especial para garantir uma proteção efetiva do ambiente. No entanto, o acesso a um recurso com base em vícios processuais só é efetivo quando a procedência desta alegação não é excluída à partida. A configuração do critério da causalidade tem que ter em conta a importância particular do processo, precisamente no âmbito do direito do ambiente europeu e não pode excluir de facto os vícios processuais do âmbito da análise.

    105.

    Tal não significa de modo algum que todo e qualquer vício processual deva conduzir à anulação de uma sentença. Tal é desde logo revelado pelo paralelismo com as consequências dos vícios no caso de atos jurídicos da União. O artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE prevê nesta medida que o Tribunal de Justiça «é competente para conhecer dos recursos com fundamento em […] violação de formalidades essenciais […] interpostos por um Estado‑Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão» Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça considera, para simplificar, que um ato é automaticamente nulo em caso de violação de disposições processuais particularmente importantes ( 54 ), mas no caso de disposições menos importantes, entende que o mesmo deve produzir efeitos ( 55 ). Os critérios desenvolvidos no âmbito desta disposição não devem ser automaticamente transpostos para o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, por causa da autonomia processual dos Estados‑Membros.

    106.

    Pelo contrário, na aplicação do critério da causalidade deve ser tido em conta o princípio da efetividade. Tal significa que o referido critério, em particular, também a configuração do ónus da alegação e do ónus da prova no âmbito do critério não pode excluir na prática a invocação de disposições processuais decorrentes do direito da União e que visam a proteção do ambiente. Nesta medida, para as disposições processuais particularmente importantes deve prescindir‑se integralmente do requisito da causalidade para o resultado do procedimento administrativo.

    V — Conclusão

    107.

    Pelos motivos acima expostos, sugiro que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais do Bundesverwaltungsgericht:

    «1)

    O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/35 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a prever que as disposições de direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva AIA também são aplicáveis aos processos administrativos de licenciamento que tenham sido iniciados antes de 25 de junho de 2005 e que neste momento ainda não tivessem sido concluídos mediante decisão definitiva.

    2)

    O artigo 10.o‑A da Diretiva AIA deve ser interpretado no sentido de que no processo de recurso previsto na disposição também deve ser possível impugnar a legalidade processual de uma decisão no caso de uma avaliação dos efeitos no ambiente que, embora tendo sido realizada, é incorreta.

    3)

    O artigo 10.o‑A da Diretiva AIA, nos casos em que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 10.o‑A, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva AIA, determina que os membros do público em causa só podem interpor recurso para o tribunal se alegarem a violação de um direito, deve ser interpretado no sentido de que

    a limitação das perspetivas de sucesso da impugnação judicial da legalidade processual de decisões às quais se aplicam as disposições desta diretiva relativas à participação do público a situações em que, além disso, o vício processual também afeta uma posição jurídica substantiva do recorrente, é inadmissível, se, deste modo, as disposições decorrentes do direito da União e que visam a proteção do ambiente forem excluídas do âmbito da fiscalização;

    a limitação das perspetivas de sucesso de uma impugnação judicial da legalidade processual de decisões às quais se aplicam as disposições da presente diretiva relativas à participação do público a situações em que, segundo as circunstâncias do caso, existe a possibilidade concreta de a decisão impugnada ter sido diferente na ausência do vício processual, é inadmissível, se excluir, na prática, a invocação de disposições decorrentes do direito da União e que visam a proteção do ambiente e na medida em que este critério também diga respeito a disposições processuais particularmente importantes.

    A apreciação dos requisitos que devem preencher os vícios processuais para que possam ser tidos em conta na impugnação judicial da legalidade processual de uma decisão em benefício do recorrente está sujeita à autonomia processual dos Estados‑Membros que, no entanto, não pode tornar esta tutela judicial impossível na prática, ou excessivamente difícil relativamente às disposições resultantes do direito da União e que visam a proteção do ambiente, nem a pode sujeitar a regras mais desfavoráveis do que as que regulam situações de natureza interna.»


    ( 1 ) Língua original: alemão.

    ( 2 ) Acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, «Trianel» (C-115/09, Colet., p. I-3673).

    ( 3 ) Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9).

    ( 4 ) Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17).

    ( 5 ) Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO L 124, p. 1). O texto da Convenção de Aarhus encontra‑se reproduzido na p. 4 e segs. do referido número do Jornal Oficial.

    ( 6 ) United Nations Economic Commission for Europe, The Aarhus Convention: An Implementation Guide, 2.a edição 2013, p. 6; Beyerlin, U. e Grote Stoutenburg, J., Environment, International Protection, in: Wolfrum, R. (ed.), Max Planck Encyclopedia of Public International Law, n.o 73.

    ( 7 ) Ver considerando 5 da Diretiva.

    ( 8 ) Diretiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257, p. 26).

    ( 9 ) Considerando 11 da Diretiva 2003/35.

    ( 10 ) Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 26, p. 1).

    ( 11 ) Na versão publicada em 19 de março de 1991 (BGBl. I, p. 686).

    ( 12 ) Na versão publicada em 23 de janeiro de 2003 (BGBl. I p. 102).

    ( 13 ) De 7 de dezembro de 2006 (BGBl. I p. 2816). A alteração desta lei pela Gesetz zur Änderung des Umwelt‑Rechtsbehelfsgesetzes und anderer umweltrechtlicher Vorschriften (lei alemã de alteração da lei relativa a recursos em matéria de ambiente e de outras disposições de direito do ambiente) de 21 de janeiro de 2013 (BBl. I p. 95) não é objeto deste processo.

    ( 14 ) Na versão publicada em 24 de fevereiro de 2010 (BGBl. I, p. 94).

    ( 15 ) Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells (C-201/02, Colet., p. I-723).

    ( 16 ) BT‑Drucks. 16/2495.

    ( 17 ) Acórdãos de 29 de novembro de 1978, Redmond (83/78, Recueil, p. 2347, n.o 25) e de 30 de novembro de 1995, Esso Española (C-134/94, Colet., p. I-4223, n.o 9).

    ( 18 ) Acórdão de 16 de junho de 1981, Salonia (126/80, Recueil, p. 1563, n.o 6).

    ( 19 ) Acórdão de 16 de julho de 1992, Meilicke (C-83/91, Colet., p. I-4871, n.os 31 a 34).

    ( 20 ) Acórdão de 11 de março de 1980, Foglia (104/79, Recueil, p. 745, n.os 10 a 11).

    ( 21 ) V. apenas o acórdão de 19 de dezembro de 2012, Comissão/Itália (C‑68/11, n.o 60).

    ( 22 ) Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colet., p. I-5357, n.o 11).

    ( 23 ) V. acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.o 10).

    ( 24 ) Acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (já referido na nota 23, n.o 10); conclusões da advogada‑geral Trstenjak no processo Budějovický Budvar, acórdão de 22 de setembro de 2011 (C-482/09, Colet., p. I-8701, n.o 106), da advogada‑geral Kokott, no processo Toshiba Corporation e o., acórdão de 14 de fevereiro de 2012 (C‑17/10, n.os 42 a 46).

    ( 25 ) Acórdãos de 14 de abril de 1970, Brock (68/69, Recueil, p. 171, n.o 7), de 10 de julho de 1986, Licata/CES (270/84, Colet., p. 2305, n.o 31), de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen (C-334/07 P, Colet., p. I-9465, n.o 43); de 6 de julho de 2010, Monsanto Technology (C-428/08, Colet., p. I-6765, n.o 66).

    ( 26 ) Acórdãos de 18 de junho de 1998, Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland (C-81/96, Colet., p. I-3923, n.o 23), Wells (já referido na nota 15, n.o 43), de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, n.o 94).

    ( 27 ) Quanto à problemática da retroatividade, v. para além da jurisprudência referida nas notas anteriores, Tridimas, T., The General Principles of EU Law, OUP, Oxford, 2.a edição 2006, pp. 252 a 273.

    ( 28 ) Acórdão Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland (já referido na nota 26, n.o 24).

    ( 29 ) Quanto ao estado da Convenção de Aarhus no direito da UE, v. acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C-240/09, Colet., p. I-1255, n.os 29 a 31).

    ( 30 ) Sublinhado nosso.

    ( 31 ) Nas versões inglesa e francesa, os termos «legalidade substantiva» e «[legalidade] processual» estão ligados respetivamente pela conjunção «e» na Convenção de Aarhus, mas pela conjunção «ou» na Diretiva AIA. Esta modificação é todavia de natureza puramente redacional.

    ( 32 ) Acórdão Trianel (já referido na nota 2, n.o 37).

    ( 33 ) V. apenas BVerwG, acórdão de 8 de junho de 1995, 4 C 4.94 e BVerwG, acórdão de 13 de dezembro de 2007, 4 C 9.06.

    ( 34 ) V. também as conclusões da advogada‑geral Sharpston no processo Trianel (já referido na nota 2, n.o 34).

    ( 35 ) V. Winter, G., Individualrechtsschutz im deutschen Umweltrecht unter dem Einfluss des Gemeinschaftsrechts, NVwZ, 1999, 467.

    ( 36 ) Acórdão Trianel (já referido na nota 2, n.o 60).

    ( 37 ) Em primeiro lugar, ocorreu uma adaptação do direito nacional no âmbito da jurisprudência, v. BVerwG, acórdão de 29 de setembro de 2011, 7 C 21.09. Entretanto, a respetiva lei foi alterada: Gesetz zur Änderung des Umwelt‑Rechtsbehelfsgesetzes und anderer umweltrechtlicher Vorschriften de 21 de janeiro de 2013 (Lei de alteração da lei sobre recursos em matéria de ambiente e outras disposições de direito do ambiente) (BGBl. I, p. 95), v. BT‑Drucks. 17/10957.

    ( 38 ) Acórdãos Wells (já referido na nota 15, n.o 67), de 18 de outubro de 2011, Boxus e Roua (C-128/09 a C-131/09 e C-135/09, Colet., p. I-9711, n.o 52), Trianel (já referido na nota 2, n.o 43).

    ( 39 ) Acórdão Trianel (já referido na nota 2, n.o 38).

    ( 40 ) V. considerando 9 da Diretiva 2003/35.

    ( 41 ) Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o. (C‑182/10, n.o 28).

    ( 42 ) United Nations Economic Commission for Europe, The Aarhus Convention: An Implementation Guide, 2.a edição 2013, p. 202‑204.

    ( 43 ) Conclusões da advogada‑geral Sharpston no processo Trianel (já referido na nota 2, n.o 44).

    ( 44 ) V. apenas Kment, M., Europarechtswidrigkeit des § 4 I UmwRG?, NVwZ 2012, 481, Siegel, T., Zur Einklagbarkeit der Umweltverträglichkeit, DÖV 2012, 709, Ziekow, J., Das Umwelt‑Rechtsbehelfsgesetz im System des deutschen Rechtsschutzes, NVwZ 2007, 259. Já anteriormente relevante: Calliess, C., Feinstaub im Rechtsschutz deutscher Verwaltungsgerichte, NVwZ 2006, 1; Schoch, F., Die europäische Perspektive des Verwaltungsverfahrens‑ und Verwaltungsprozessrechts, in: Schmidt‑Assman, E. e Hoffmann‑Riem, W. (ed.), Strukturen des Europäischen Verwaltungsrechts, Nomos, Baden‑Baden, 1999, p. 279; Kokott, J., Europäisierung des Verwaltungsprozessrechts, Die Verwaltung 31 (1998), 335.

    ( 45 ) Ebbesson, J., Public Participation, in: Bodansky D. e o. (ed.), The Oxford Handbook of International Environmental Law, Oxford, OUP, 2007, p. 681.

    ( 46 ) Clément, M., Droit Européen de l’Environnement, Bruxelles, Larcier, 2.a edição 2012, p. 119.

    ( 47 ) Considerandos 7 e 8 da Convenção de Aarhus.

    ( 48 ) Acórdão Trianel (já referido na nota 2, n.os 40 e 42).

    ( 49 ) O conceito de cidadão como guardião da observância do direito não é de modo algum estranho ao direito europeu. Acórdão de 5 de fevereiro de 1963, van Gend & Loos (26/62, Colet., p. 205). V. Weiler, J. H. H., The Transformation of Europe, in: The Constitution of Europe, CUP, Cambridge, 1999, 10, 20.

    ( 50 ) Acórdão Trianel (já referido na nota 2, n.o 45).

    ( 51 ) V. o artigo 15.o, da Convenção de Aarhus, que prevê a avaliação não conflituosa, não judicial e consultiva do cumprimento do disposto na convenção, bem como Meeting of the Parties, Decision I/7, Review of Compliance, UN Doc. ECE/MP.PP/2/Add.8 de 2 abril de 2004.

    ( 52 ) Economic Commission for Europe, Findings and recommendations with regard to communication ACCC/C/2010/48 concerning compliance by Austria. Adopted by the Compliance Committee on 16 December 2011, UN Doc.ECE/MP.PP/C.1/2012/4 de 17 de abril de 2012, p. 14. Devido à falta de informações suficientes, o Committee não concluiu pela existência de uma violação e argumentou em termos hipotéticos.

    ( 53 ) V., a este respeito, Danwitz, T., Europäisches Verwaltungsrecht, Springer, Berlim, 2008, p. 541.

    ( 54 ) Acórdão de 29 de outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho (138/79, Recueil, p. 3333, n.o 33).

    ( 55 ) Em sentido divergente quanto ao efeito exigido em concreto, acórdãos de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, 3125, n.o 47), de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C-194/99 P, Colet., p. I-10821, n.o 31).

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