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Document 62011CJ0376
Judgment of the Court (Second Chamber), 19 July 2012.#Pie Optiek SPRL v Bureau Gevers SA and European Registry for Internet Domains ASBL.#Reference for a preliminary ruling from the cour d’appel de Bruxelles.#Internet — .eu Top Level Domain — Regulation (EC) No 874/2004 — Domain names — Phased registration — Article 12(2) — Concept of ‘licensees of prior rights’ — Person authorised by the proprietor of a trade mark to register, in his own name but on behalf of that proprietor, a domain name identical or similar to that trade mark — No authorisation for other uses of the sign as a trade mark.#Case C‑376/11.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de julho de 2012.
Pie Optiek SPRL contra Bureau Gevers SA e European Registry for Internet Domains ASBL.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Bruxelles.
Internet — Domínio de topo.eu — Regulamento (CE) n.° 874/2004 — Nomes de domínio — Registo por etapas — Artigo 12.°, n.° 2 — Conceito de ‘titulares de direitos ou licenças anteriores’ — Pessoa autorizada pelo titular de uma marca a registar, em seu próprio nome, mas por conta desse titular, um nome de domínio idêntico ou semelhante à referida marca — Inexistência de autorização para outras utilizações do sinal enquanto marca.
Processo C‑376/11.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de julho de 2012.
Pie Optiek SPRL contra Bureau Gevers SA e European Registry for Internet Domains ASBL.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Bruxelles.
Internet — Domínio de topo.eu — Regulamento (CE) n.° 874/2004 — Nomes de domínio — Registo por etapas — Artigo 12.°, n.° 2 — Conceito de ‘titulares de direitos ou licenças anteriores’ — Pessoa autorizada pelo titular de uma marca a registar, em seu próprio nome, mas por conta desse titular, um nome de domínio idêntico ou semelhante à referida marca — Inexistência de autorização para outras utilizações do sinal enquanto marca.
Processo C‑376/11.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:502
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
19 de julho de 2012 ( *1 )
«Internet — Domínio de topo.eu — Regulamento (CE) n.o 874/2004 — Nomes de domínio — Registo por etapas — Artigo 12.o, n.o 2 — Conceito de ‘titulares de direitos ou licenças anteriores’ — Pessoa autorizada pelo titular de uma marca a registar, em seu próprio nome, mas por conta desse titular, um nome de domínio idêntico ou semelhante à referida marca — Inexistência de autorização para outras utilizações do sinal enquanto marca»
No processo C-376/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela cour d’appel de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 29 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de julho de 2011, no processo
Pie Optiek SPRL
contra
Bureau Gevers SA,
European Registry for Internet Domains ASBL,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, U. Lõhmus (relator), A. Rosas, A. Ó Caoimh e A. Arabadjiev, juízes,
advogado-geral: V. Trstenjak,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2012,
vistas as observações apresentadas:
— |
em representação da Pie Optiek SPRL, por E. Wéry e T. van Innis, avocats, |
— |
em representação da Bureau Gevers SA, por B. Docquir e B. Michaux, avocats, |
— |
em representação da European Registry for Internet Domains ASBL, por G. Glas e H. Haouideg, avocats, |
— |
em representação da Comissão Europeia, por F. Bulst e C. Vrignon, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 3 de maio de 2012,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 12.°, n.o 2, e 21.°, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 874/2004 da Comissão, de 28 de abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo (JO L 162, p. 40). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de dois litígios que opõem a Pie Optiek SPRL (a seguir «Pie Optiek»), por um lado, à Bureau Gevers SA (a seguir «Bureau Gevers») e, por outro lado, à European Registry for Internet Domains ASBL (a seguir «EURid») a respeito do registo do nome de domínio www.lensworld.eu pela Bureau Gevers, em seu próprio nome, mas por conta da Walsh Optical Inc. (a seguir «Walsh Optical»), uma sociedade americana que é titular da marca à qual corresponde esse nome de domínio. |
Quadro jurídico
Regulamento (CE) n.o 733/2002
3 |
Os considerandos 6 e 16 do Regulamento (CE) n.o 733/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de abril de 2002, relativo à implementação do domínio de topo.eu (JO L 113, p. 1), enunciam:
[…]
|
4 |
Em conformidade com o seu artigo 1.o, o referido regulamento fixa as condições para a implementação do domínio de topo.eu, incluindo a designação de um registo, e estabelece o quadro de política geral em que o registo funcionará. |
5 |
O artigo 4.o, n.o 2, do mesmo regulamento dispõe: «O registo: [...]
|
6 |
O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 733/2002 prevê: «A Comissão […] adotará regras [incluindo, nomeadamente]: [...]
|
7 |
Em cumprimento da referida disposição, a Comissão adotou o Regulamento n.o 874/2004. |
Regulamento n.o 874/2004
8 |
O considerando 12 do Regulamento n.o 874/2004 enuncia: «Para salvaguardar os direitos anteriores reconhecidos pelo direito comunitário ou pelo direito nacional, deve instituir-se um procedimento para o registo por etapas. Tal registo deve ser efetuado em duas fases, com vista a garantir que os titulares de direitos anteriores disponham de oportunidades adequadas para registarem os nomes sobre os quais têm direitos anteriores. […]» |
9 |
Nos termos do artigo 2.o, primeiro a terceiro parágrafos, deste regulamento: «Os interessados elegíveis enumerados no n.o 2, alínea b), do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 733/2002 podem registar um ou mais nomes de domínio no TLD.eu. Sem prejuízo do disposto no capítulo IV, um nome de domínio específico será atribuído ao interessado elegível que primeiro apresente o pedido ao registo de maneira tecnicamente correta e de acordo com o presente regulamento. Para efeitos do presente regulamento, este critério será adiante designado por princípio do ‘atendimento por ordem de chegada’. Uma vez registado, um nome de domínio ficará indisponível para novo registo até ter terminado o período de registo sem que tenha havido renovação, ou até à anulação do nome de domínio.» |
10 |
O capítulo IV do Regulamento n.o 874/2004, que inclui os respetivos artigos 10.° a 14.°, diz respeito ao processo de registo por etapas. O artigo 10.o, n.o 1, primeiro e segundo parágrafos, deste regulamento tem a seguinte redação: «Os titulares de direitos anteriores reconhecidos ou estabelecidos pelo direito nacional e/ou comunitário e os organismos públicos são elegíveis para requererem o registo de nomes de domínio durante um período de registo por etapas, antes de se iniciar o registo geral do domínio.eu. Nos ‘direitos anteriores’ estão incluídos, inter alia, as marcas comerciais nacionais registadas, as marcas comerciais comunitárias registadas […]» |
11 |
O artigo 12.o, n.o 2, primeiro a terceiro parágrafo, do referido regulamento dispõe: «O período de registo por etapas terá uma duração de quatro meses. O registo geral de nomes de domínio não terá início antes de terminado o período de registo por etapas. O registo por etapas compreenderá duas fases, cada uma com uma duração de dois meses. Durante a primeira fase do registo por etapas, só as marcas nacionais e comunitárias registadas, as indicações geográficas e os nomes e acrónimos mencionados no n.o 3 do artigo 10.o podem ser objeto de pedidos de registo pelos titulares de direitos ou licenças anteriores e pelos organismos públicos mencionados no n.o 1 do artigo 10.o» |
12 |
O artigo 21.o do Regulamento n.o 874/2004, sob a epígrafe «Registos especulativos e abusivos», prevê no seu n.o 1: «Um nome de domínio registado será objeto de anulação, no seguimento de um procedimento extrajudicial ou judicial adequado, se o nome de domínio for idêntico ou suscetível de ser confundido com um nome em relação ao qual a legislação nacional e/ou comunitária reconheça ou estabeleça um direito, como os direitos mencionados no n.o 1 do artigo 10.o, e se esse nome de domínio:
|
Primeira Diretiva 89/104/CEE
13 |
A Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), incluía um artigo 5.o, sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», que dispunha, nos seus n.os 1 e 2: «1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:
2. Qualquer Estado-Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado-Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.» |
14 |
O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Licenças», tem a seguinte redação: «1. Uma marca pode ser objeto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tenha sido registada e para a totalidade ou parte do território de um Estado-Membro. As licenças podem ser exclusivas ou não exclusivas. 2. O titular de uma marca pode invocar os direitos conferidos por essa marca em oposição a um licenciado que infrinja uma das disposições do contrato de licença, em especial no que respeite ao seu prazo de validade, à forma abrangida pelo registo sob que a marca pode ser usada, à natureza dos produtos ou serviços para os quais foi concedida a licença, ao território no qual a marca pode ser aposta ou à qualidade dos produtos fabricados ou dos serviços fornecidos pelo licenciado.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
15 |
A Pie Optiek é uma sociedade belga ativa no setor da venda por Internet de lentes de contacto, óculos e outros produtos para os olhos. É titular da marca figurativa Benelux, que inclui o sinal nominativo «Lensworld» e um planisfério estilizado, depositada em 8 de dezembro de 2005 e registada em 4 de janeiro de 2006 para produtos e serviços das classes 5, 9 e 44 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado. Explora o sítio Internet www.lensworld.be. |
16 |
A Bureau Gevers é uma sociedade belga que exerce atividade de consultoria em propriedade intelectual. |
17 |
A Walsh Optical é igualmente ativa no setor da venda por Internet de lentes de contacto e outros artigos óticos. Explora o sítio Internet www.lensworld.com desde 1998 e era titular da marca Benelux Lensworld, depositada em 20 de outubro de 2005 e registada em 26 de outubro de 2005 para produtos e serviços da classe 35 do referido Acordo de Nice. Esta marca foi cancelada em 30 de outubro de 2006. |
18 |
Em 18 de novembro de 2005, a Walsh Optical assinou um contrato denominado «License Agreement» («contrato de licença», a seguir «contrato em causa no processo principal») com a Bureau Gevers. |
19 |
Nos termos da cláusula 1 do referido contrato, a sua única finalidade é autorizar o licenciado a registar um nome de domínio em seu nome, mas por conta do licenciante, definir os direitos e as obrigações de cada uma das partes durante a sua vigência e regular o procedimento segundo o qual o licenciado transmite o(s) nome(s) de domínio.eu para o licenciante ou para a pessoa por este designada. |
20 |
Em conformidade com a cláusula 2 do contrato em causa no processo principal, intitulada «Direitos do outorgante da licença», este pode pedir a qualquer momento que o licenciado suprima o(s) nome(s) de domínio reproduzidos no anexo 1 do referido contrato ou transfira o nome de domínio, rapidamente e sem encargos, para o outorgante da licença ou para um terceiro por este designado. |
21 |
Segundo a cláusula 3 do mesmo contrato, o outorgante da licença obriga-se ao pagamento dos honorários do licenciado, na falta do qual os nomes de domínio não podem ser registados, mantidos ou renovados. |
22 |
Na cláusula 4 do contrato em causa no processo principal, que contém os direitos do licenciado, precisa-se que este faturará os seus serviços ao outorgante da licença. |
23 |
As obrigações do licenciado, tal como figuram na cláusula 5 do referido contrato, incluem fazer esforços razoáveis para apresentar um pedido.eu e obter um registo.eu para um ou vários nomes de domínio. O licenciado reconhece, por outro lado, que no ato de registo o nome de domínio será propriedade exclusiva do outorgante da licença e confirma que não utilizará o nome de domínio de alguma forma incompatível com os termos contratuais. |
24 |
Resulta das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça pela EURid que a primeira fase do registo por etapas de acordo com o capítulo IV do Regulamento n.o 874/2004 começou em 7 de dezembro de 2005. |
25 |
Nessa mesma data, a Bureau Gevers depositou, junto da EURid, um pedido de registo do nome de domínio «lensworld.eu» em seu nome, mas por conta da Walsh Optical. Este nome de domínio foi atribuído em 10 de julho de 2006 à Bureau Gevers. |
26 |
Em 17 de janeiro de 2006, a Pie Optiek também solicitou o registo do nome de domínio «lensworld.eu», o qual lhe foi recusado em razão do pedido anterior da Bureau Gevers. |
27 |
O pedido apresentado pela Pie Optiek no Tribunal Arbitral da República Checa, organismo responsável pela resolução extrajudicial dos litígios relativos aos nomes de domínio.eu, no sentido de contestar a atribuição do referido nome de domínio à Bureau Gevers, foi indeferido por uma decisão de 12 de março de 2007. A ação intentada pela Pie Optiek, junto do tribunal de première instance de Bruxelles, foi também julgada improcedente por acórdão deste de 14 de dezembro de 2007. |
28 |
Perante o órgão jurisdicional de reenvio, chamado a conhecer do recurso desse acórdão, a Pie Optiek alegou, nomeadamente, que o contrato em causa no processo principal não confere à Bureau Gevers a qualidade de titular de direitos ou licenças anteriores, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004, e que esta sociedade também não dispõe de um direito ou interesse legítimo na aceção do artigo 21.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento. |
29 |
Segundo a Bureau Gevers, o objeto de um contrato de licença de marca não está necessariamente limitado à autorização de explorar os produtos ou serviços registados sob essa marca, mas pode referir-se a todas ou algumas das prerrogativas do titular da marca em causa, incluindo a autorização de registar um nome de domínio. |
30 |
Foi nestas circunstâncias que a cour d’appel de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
|
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
31 |
A primeira questão tem por objeto o conceito de «titular de direitos ou licenças anteriores», tal como figura no artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004. |
32 |
Embora se precise, no artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, do referido regulamento, que os termos «direitos […] anteriores» incluem, inter alia, as marcas comerciais nacionais e comunitárias registadas, o termo «titular» não está definido no mesmo regulamento. Este último regulamento também não contém uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros no que diz respeito a essa definição. |
33 |
Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados, em toda a União Europeia, de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.o 11; de 19 de setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colet., p. I-6917, n.o 43; e de 22 de março de 2012, Génesis, C-190/10, n.o 40). |
34 |
Por outro lado, um regulamento de execução deve, se possível, ser objeto de interpretação conforme com as disposições do regulamento de base (acórdãos de 24 de junho de 1993, Dr. Tretter, C-90/92, Colet., p. I-3569, n.o 11, e de 26 de fevereiro de 2002, Comissão/Boehringer, C-32/00 P, Colet., p. I-1917, n.o 53). |
35 |
Sendo o Regulamento n.o 874/2004 um regulamento de execução, adotado em aplicação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 733/2002, importa ter em conta os objetivos e disposições deste último a fim de dar ao conceito de «titular» uma interpretação autónoma e uniforme na União. |
36 |
A este respeito, decorre do considerando 6 do Regulamento n.o 733/2002 que o domínio de topo.eu foi criado com o objetivo de aumentar a visibilidade do mercado interno no mercado visual baseado na Internet, ao estabelecer uma ligação claramente identificada com a União, o quadro jurídico que lhe está associado e o mercado europeu, bem como ao permitir às empresas, organizações e pessoas singulares da União registarem-se num domínio específico que tornará evidente essa ligação. |
37 |
É à luz deste objetivo que o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 733/2002 prevê que os nomes de domínio pedidos por qualquer empresa que tenha a sua sede, administração central ou principal local de estabelecimento principal na União, qualquer organização estabelecida nesta, assim como qualquer pessoa singular residente na União, devem ser registados no domínio de topo.eu, sem prejuízo do direito nacional aplicável. Essas empresas, organizações e pessoas singulares constituem, nos termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004, partes elegíveis para requererem o registo de um ou mais nomes de domínios no referido domínio de topo. |
38 |
Por outro lado, resulta dos considerandos 16 do Regulamento n.o 733/2002 e 12 do Regulamento n.o 874/2004, bem como do artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, deste regulamento, que, durante o período de registo por etapas, apenas estão autorizados a pedir o registo de nomes de domínio os «titulares de direitos anteriores reconhecidos ou estabelecidos pelo direito nacional e/ou comunitário», incluindo marcas nacionais ou comunitárias registadas, assim como os organismos públicos. |
39 |
Daqui decorre que, em princípio, apenas os titulares de direitos anteriores que tenham a sua sede, administração central ou principal local ou residência na União são elegíveis para registar, durante esse período, um ou mais nomes de domínio de topo. |
40 |
Daqui resulta igualmente que, na medida em que o artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004 alarga o círculo de pessoas elegíveis durante a primeira fase de registo por etapas aos titulares de direitos ou licenças anteriores, estes devem, simultaneamente, satisfazer o critério da presença no território da União e dispor em vez do titular, pelo menos parcial e/ou temporariamente, do direito anterior em causa. |
41 |
Com efeito, seria contrário aos objetivos dos Regulamentos n.os 733/2002 e 874/2004 permitir a um titular de um direito anterior que dispõe da plena titularidade deste direito, mas que não satisfaz o critério da presença no território da União, obter, através de uma pessoa que satisfaz o referido critério da presença, mas não dispõe, nem sequer parcial ou temporariamente, do referido direto, um nome de domínio.eu em seu benefício. |
42 |
Estas observações são corroboradas por atos do direito da União e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que fornecem, sem definir explicitamente os termos «licenciado» e «licença» em matéria de marcas, indicações quanto ao alcance destes termos. |
43 |
Em primeiro lugar, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 89/104 prevê que uma marca pode ser objeto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tenha sido registada. Assim, o legislador da União pretendeu que essa licença pudesse, nomeadamente, ser atribuída para a utilização de uma marca na comercialização de produtos ou serviços pelo licenciado. |
44 |
Em conformidade com o n.o 2 do referido artigo, o titular de uma marca pode invocar os direitos conferidos por essa marca em oposição a um licenciado que infrinja uma das cláusulas do contrato de licença. Resulta dessa disposição que essas cláusulas podem visar, para além da duração do contrato, a forma sob a qual a marca pode ser usada, a natureza dos produtos ou serviços para os quais foi concedida a licença, o território no qual a marca pode ser aposta ou a qualidade dos produtos fabricados ou dos serviços fornecidos pelo licenciado sob essa marca. |
45 |
A este respeito, é precisado no artigo 5.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva que o titular dispõe de um direito exclusivo que o habilita a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial, ou seja, faça uma utilização comercial (v., neste sentido, acórdão de 29 de março de 2011, Anheuser-Busch/Budějovický Budvar, C-96/09 P, Colet., p. I-2131, n.o 144), de um sinal idêntico ou semelhante para certos produtos e serviços e em certas condições. |
46 |
O Tribunal de Justiça já declarou que o referido direito exclusivo foi atribuído a fim de permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos enquanto titular dessa marca, ou seja, assegurar que esta última possa cumprir as suas funções próprias e que, assim, o exercício deste direito deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro prejudica ou é suscetível de prejudicar as funções da marca. Entre estas funções figuram não apenas a função essencial da marca, que é garantir aos consumidores a proveniência do produto ou do serviço, mas igualmente as suas outras funções, como, designadamente, garantir a qualidade desse produto ou serviço, ou as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade (v. acórdãos de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C-487/07, Colet., p. I-5185, n.o 58, e de 23 de março de 2010, Google France e Google, C-236/08 a C-238/08, Colet., p. I-2417, n.os 75 e 77). |
47 |
Consequentemente, há que referir que, através da atribuição de uma licença, o titular de uma marca concede ao licenciado, dentro dos limites estipulados pelas cláusulas do contrato de licença, o direito de utilizar essa marca para os fins que decorrem do domínio do direito exclusivo conferido pela referida marca, ou seja, a utilização comercial desta em conformidade com as suas funções próprias, em particular a função essencial de garantir aos consumidores a proveniência do produto ou do serviço em causa. |
48 |
Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça teve oportunidade, no acórdão de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C-533/07, Colet., p. I-3327), de analisar a diferenças entre um contrato de serviços e um contrato de licença no âmbito do direito da propriedade intelectual. A este respeito, observou, nos n.os 29 e 30 do referido acórdão, que, embora o conceito de serviços implique, pelo menos, que a parte que os presta efetue uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração, o contrato mediante o qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu cocontratante a faculdade de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração não implica tal atividade. |
49 |
Daqui resulta que um contrato, como o que está em causa no processo principal, através do qual o cocontratante, denominado «licenciado», se obriga, mediante remuneração, a empreender esforços razoáveis para depositar um pedido e obter um registo para um nome de domínio.eu assemelha-se mais a um contrato de serviços que a um contrato de licença. |
50 |
Esse é sobretudo o caso se esse contrato não concede ao referido licenciado nenhum direito de utilizar comercialmente a marca correspondente a esse nome de domínio em conformidade com as suas funções próprias, mas reconhece que o nome de domínio que regista em conformidade com as suas obrigações continuará propriedade exclusiva do outorgante da licença e admite que não utilizará este nome de domínio de alguma forma incompatível com os termos contratuais. |
51 |
Pouco importa a esse respeito que tal contrato precise que tem, nomadamente, por objeto permitir ao licenciado registar um nome de domínio em seu nome, mas por conta do outorgante da licença, se essa faculdade apenas serve o propósito de permitir ao cocontratante cumprir a sua obrigação de registar o(s) nome(s) de domínio em questão mediante remuneração e é, portanto, meramente acessória dessa obrigação. Por outro lado, como salientou a advogada-geral nos n.os 49 e 53 das suas conclusões, a autorização para registar uma marca enquanto nome de domínio.eu não implica de modo nenhum que o titular dessa marca tenha concedido ao seu cocontratante o direito de utilizar comercialmente a mesma em conformidade com as suas funções próprias. |
52 |
Daqui resulta que um contrato como o que está em causa no processo principal não pode ser considerado um contrato de licença no âmbito do direito das marcas. Por conseguinte, um cocontratante que tenha por missão registar um nome de domínio.eu para o titular da marca em questão não pode ser qualificado de «titular de direitos ou licenças anteriores», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004. |
53 |
À luz das considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que o direito anterior em causa é um direito de marca, a expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores» não abrange uma pessoa que tenha sido unicamente autorizada pelo titular da marca em causa a registar, em seu próprio nome, mas por conta deste titular, um nome de domínio idêntico ou semelhante à referida marca, sem, no entanto, essa pessoa estar autorizada a usar comercialmente a mesma em conformidade com as suas funções próprias. |
Quanto à segunda questão
54 |
Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. |
Quanto às despesas
55 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara: |
O artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 874/2004 da Comissão, de 28 de abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que o direito anterior em causa é um direito de marca, a expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores» não abrange uma pessoa que tenha sido unicamente autorizada pelo titular da marca em causa a registar, em seu próprio nome, mas por conta deste titular, um nome de domínio idêntico ou semelhante à referida marca, sem, no entanto, essa pessoa estar autorizada a usar comercialmente a mesma em conformidade com as suas funções próprias. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.