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Document 62011CJ0369

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Outubro de 2013.
Comissão Europeia contra República Italiana.
Incumprimento de Estado - Transporte - Diretiva 2001/14/CE - Artigos 4.º, n.º 1, e 30.º, n.º 3 - Repartição das capacidades da infraestrutura ferroviária - Tarifação - Taxas de infraestrutura - Independência do gestor da infraestrutura.
Processo C-369/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:636

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

3 de outubro de 2013 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Transporte — Diretiva 2001/14/CE — Artigos 4.°, n.o 1, e 30.°, n.o 3 — Repartição das capacidades da infraestrutura ferroviária — Tarificação — Taxas de infraestrutura — Independência do gestor da infraestrutura»

No processo C‑369/11,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, apresentada em 12 de julho de 2011,

Comissão Europeia, representada por E. Montaguti e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por:

República Checa, representada por M. Smolek, na qualidade de agente,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet (relator), E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de abril de 2013,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não adotar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 6.o, n.o 3, e ao anexo II da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25; retificação no JO L 271, p. 70), conforme alterada pela Diretiva 2006/103/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 344, a seguir «Diretiva 91/440»), bem como aos artigos 4.°, n.os 1 e 2, 14.°, n.o 2, e 30.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO L 315, p. 44, a seguir «Diretiva 2001/14»), a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

Quadro jurídico

Direito da União

2

Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 91/440, que figura na secção II da mesma, intitulada «Independência de gestão»:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto de autonomia em matéria de direção, gestão, administração e controlo administrativo, económico e contabilístico interno, por força do qual disponham, nomeadamente, de um património, um orçamento e uma contabilidade separados do[s] dos Estados.

2.   O gestor da infraestrutura é responsável pela sua própria gestão, administração e controlo interno, no respeito do quadro e das regras específicas de tarificação e de repartição fixados pelos Estados‑Membros.»

3

Os considerandos 11 e 16 da Diretiva 2001/14 estão redigidos da seguinte forma:

«(11)

Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem proporcionar a todas as empresas um acesso equitativo e não discriminatório e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

[…]

(16)

Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários.»

4

O artigo 4.o da referida diretiva, intitulado «Fixação, determinação e cobrança de taxas», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440/CEE.

Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados‑Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura.

2.   Se o gestor da infraestrutura não for independente das empresas de transporte ferroviário, no plano jurídico, organizativo e decisório, as funções descritas no presente capítulo, com exceção da cobrança de taxas, serão desempenhadas por um organismo de tarificação independente, no plano jurídico, organizativo e decisório, das empresas de transporte ferroviário.»

5

O artigo 30.o da Diretiva 2001/14, intitulado «Entidade reguladora», está redigido da seguinte forma:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6 do artigo 21.o, os Estados‑Membros devem instituir uma entidade reguladora. Esta entidade, que pode ser o Ministério dos Transportes ou outra instância, será independente, a nível de organização, de financiamento das decisões e a nível jurídico e decisório, de qualquer gestor da infraestrutura, organismo de tarificação, organismo de repartição ou candidato. Será também funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de um contrato de serviço público. A referida entidade deve exercer as suas funções segundo os princípios enunciados no presente artigo, nos termos do qual as funções de recurso e de regulamentação podem ser atribuídas a instâncias distintas.

[…]

3.   A entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias. A negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor da infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora. A entidade reguladora deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na presente diretiva.»

Direito italiano

6

A Diretiva 91/440, a Diretiva 2001/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, que altera a Diretiva 95/18/CE do Conselho relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário (JO L 75, p. 26), e a Diretiva 2001/14 (a seguir, em conjunto, «primeiro pacote ferroviário»), foram transpostas para o direito interno italiano através do Decreto Legislativo n.o 188, de 8 de julho de 2003, que implementa as Diretivas 2001/12/CE, 2001/13/CE e 2001/14/CE em matéria de transporte ferroviário (suplemento ordinário ao GURI n.o 170, de 24 de julho de 2003, a seguir «Decreto Legislativo n.o 188/2003»).

7

Em Itália, as «funções essenciais» previstas no anexo II da Diretiva 91/440 encontram‑se repartidas entre a Rete Ferroviaria Italiana SpA (a seguir «RFI»), qualificada de «gestor da infraestrutura» com base numa concessão do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes (a seguir «Ministério»), e este Ministério. A RFI, igualmente dotada de personalidade jurídica autónoma, faz parte do grupo Ferrovie dello Stato Italiane (a seguir «grupo FS»), que inclui também a principal empresa ferroviária que opera no mercado italiano, a saber, a Trenitalia SpA (a seguir «Trenitalia»).

8

Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 188/2003:

«O gestor da infraestrutura ferroviária é uma pessoa autónoma e independente, no plano jurídico, organizativo ou decisório, das empresas que operam no setor dos transportes.»

9

No que diz respeito ao exercício das funções essenciais, a RFI é responsável pelo cálculo das taxas de acesso à rede de cada operador e pela respetiva cobrança, com base em tarifas fixadas pelo Ministro das Infraestruturas e dos Transportes (a seguir «Ministro»), conforme resulta do artigo 17.o do Decreto Legislativo n.o 188/2003, cujos n.os 1 e 2 dispõem:

«1.   Para efeitos do acesso e da utilização equitativa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária pelas associações internacionais de empresas de transporte ferroviário e pelas empresas de transporte ferroviário, a taxa devida pelo acesso à infraestrutura ferroviária nacional é estabelecida por decreto do [Ministro], com base num relatório fundamentado do gestor da infraestrutura ferroviária, com o prévio parecer do comité interministerial da programação económica e de acordo com a conferência permanente das relações entre o Estado, as regiões e as províncias autónomas de Trento e de Bolzano para os serviços da sua competência. O decreto é publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana e no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

2.   Com base no disposto no n.o 1, o gestor da infraestrutura ferroviária procede ao cálculo da taxa devida pelas associações internacionais de empresas de transporte ferroviário e pelas empresas de transporte ferroviário pela utilização da infraestrutura, bem como à respetiva cobrança.»

10

O artigo 17.o, n.o 11, do referido decreto legislativo recorda o papel do Ministro, nos seguintes termos:

«O quadro aplicável ao acesso à infraestrutura bem como os princípios e o procedimento de repartição das capacidades previsto no artigo 27.o e de cálculo da taxa pela utilização da infraestrutura ferroviária e dos montantes correspondentes pelo fornecimento dos serviços previstos no artigo 20.o são definidos por decreto do [Ministro], publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana. O mesmo decreto define as regras aplicáveis aos serviços previstos no artigo 20.o»

11

O artigo 37.o do mesmo decreto legislativo é suposto transpor o artigo 30.o da Diretiva 2001/14 e define as funções da «entidade reguladora». Esse artigo foi alterado pelo Decreto‑Lei n.o 98, de 6 de julho de 2011 (a seguir «Decreto‑Lei n.o 98/2011»), a fim de introduzir um novo procedimento de nomeação dos dirigentes do Ufficio per la Regolazione dei Servizi Ferroviari (Instituto Regulador dos Serviços Ferroviários, a seguir «URSF»), que é a entidade reguladora.

12

O artigo 21.o, n.o 4, do Decreto‑Lei n.o 98/2011 reformulou efetivamente o n.o 1‑bis do artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 188/2003, do seguinte modo:

«Para efeitos do n.o 1, o serviço do [Ministério] responsável pelas funções de entidade reguladora dispõe de autonomia organizativa e contabilística nos limites dos recursos económicos e financeiros que lhe são atribuídos. Este serviço apresenta anualmente ao Parlamento um relatório de atividade.»

13

Além disso, o Decreto‑Lei n.o 98/2011 introduziu igualmente um n.o 1‑ter no referido artigo 37.o, que está redigido da seguinte forma:

«O responsável pelo serviço previsto no n.o 1‑bis será escolhido de entre pessoas de indiscutíveis qualidades morais e independência e de elevado e reconhecido profissionalismo e competência no setor ferroviário; será nomeado por decreto do Presidente do Conselho de Ministros, sob proposta do [Ministro], nos termos do artigo 19.o, n.os 4, 5‑bis e 6, do Decreto Legislativo n.o 165, de 30 de março de 2001, conforme alterado. Esta proposta é previamente submetida ao parecer das competentes comissões parlamentares, que se pronunciam no prazo de 20 dias a contar do pedido. Estas comissões podem proceder à audição da pessoa designada. O responsável pelo serviço mencionado no n.o 1‑bis é nomeado por três anos, sendo o mandato renovável uma só vez. A função de responsável pelo serviço mencionado no n.o 1‑bis não é compatível com mandatos político‑eleitorais, e não pode ser nomeado para o cargo quem tiver interesses, de qualquer natureza, contrários às funções do serviço. Sob pena de destituição, o responsável pelo serviço mencionado no n.o 1‑bis não pode exercer, direta ou indiretamente, nenhuma atividade profissional ou de consulta, ser administrador ou trabalhador assalariado de organismos públicos ou privados, nem exercer outras responsabilidades públicas nem ter interesses, diretos ou indiretos, nas empresas que operam no setor. O atual diretor do serviço permanece em funções até ao termo do seu mandato.»

Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

14

Em 10 de maio e 21 de novembro de 2007, a Comissão enviou questionários às autoridades italianas, para recolher informações sobre o quadro jurídico nacional do setor ferroviário. A República Italiana respondeu, respetivamente, em 13 de agosto de 2007 e 18 de janeiro de 2008.

15

Com base nas informações assim recolhidas, a Comissão deu início a um procedimento por infração contra a República Italiana, por incompatibilidade entre a legislação desta última em matéria de transporte ferroviário e as diretivas que constituem o primeiro pacote ferroviário. Em 26 de junho de 2008, a Comissão enviou a este Estado‑Membro uma notificação para cumprir, que reproduzia os elementos da legislação italiana considerados não conformes com este primeiro pacote ferroviário e o convidava a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

16

A República Italiana respondeu à referida notificação por carta de 13 de agosto de 2008, na qual se comprometia a dar início a uma reflexão sobre a situação do mercado e o quadro jurídico em Itália, a fim de avaliar os problemas de independência decisória dos gestores da infraestrutura e propor ajustamentos.

17

Tendo os serviços da Comissão pedido novos esclarecimentos à República Italiana, esta respondeu a esse pedido por cartas de 22 de dezembro de 2008 e de 21 de janeiro e 23 de março de 2009.

18

Em 1 de outubro de 2009, as autoridades italianas notificaram à Comissão o texto do Decreto‑Lei n.o 135, de 25 de setembro de 2009, que aprova as disposições urgentes para o cumprimento das obrigações comunitárias e a execução de acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (GURI n.o 223, de 25 de setembro de 2009, p. 2), assinalando, em especial, o seu artigo 2.o, bem como o texto de uma alteração ao artigo 15.o do Estatuto da RFI, que prevê a incompatibilidade entre a qualidade de administrador desta empresa e a de administrador da sociedade‑mãe, a saber, o grupo FS, ou de outras empresas, controladas por este último, que operam no setor do transporte ferroviário.

19

Por carta de 8 de outubro de 2009, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado à República Italiana, no qual sustentava que a regulamentação desta relativa ao dito setor não era conforme com as Diretivas 91/440 e 2001/14, fixando a este Estado‑Membro o prazo de dois meses para adotar as medidas necessárias a fim de dar cumprimento a este parecer.

20

A República Italiana respondeu ao referido parecer fundamentado, por cartas de 23 de dezembro de 2009 e 26 de abril de 2010. Além disso, em 2 de dezembro de 2009, este Estado‑Membro notificou à Comissão o texto da Lei n.o 166, de 20 de novembro de 2009, que converte em lei, incluindo as modificações, o Decreto‑Lei n.o 135, de 25 de setembro de 2009.

21

Após ter detetado um erro material na versão italiana do parecer fundamentado e no intuito de esclarecer a sua posição tendo em conta os elementos que lhe tinham sido comunicados pela República Italiana, a Comissão adotou, em 24 de novembro de 2010, um parecer fundamentado complementar, notificado a este Estado‑Membro na mesma data, no qual o convidava a dar‑lhe cumprimento no prazo de um mês a contar da sua notificação.

22

Em 10 de janeiro de 2011 a República Italiana respondeu ao parecer fundamentado complementar.

23

Não tendo ficado satisfeita com a resposta das autoridades italianas, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

24

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 2011, foi admitida a intervenção da República Checa em apoio do pedido formulado pela República Italiana.

25

Em 11 de abril de 2013, teve lugar a audiência no Tribunal de Justiça, na qual a Comissão informou o Tribunal de que desistia da primeira acusação da sua ação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 3, e do anexo II da Diretiva 91/440.

Quanto à ação

Quanto à acusação relativa à tarificação do acesso à infraestrutura

Argumentos das partes

26

Desde logo, a Comissão sustenta que a regulamentação italiana não respeita a exigência da independência de gestão do gestor da infraestrutura, conforme prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

27

Segundo a Comissão, este artigo prevê que a determinação dos direitos ou, por outras palavras, a escolha da tarificação é da competência do gestor da infraestrutura. Trata‑se de uma independência de gestão que permite ao gestor cobrar as receitas suficientes para executar as suas missões sem ingerência do Estado. Em contrapartida, ao reservar‑se o direito de fixar o nível das taxas, o Estado priva o gestor de um instrumento de gestão essencial.

28

A Comissão considera que esta leitura do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 é corroborada por uma interpretação sistemática da mesma. O artigo 30.o, n.o 3, desta diretiva submete as decisões do gestor em matéria de tarificação à supervisão do organismo previsto para o efeito, e essa supervisão só faz sentido se esse gestor tiver competência decisória para determinar as taxas.

29

Ora, em Itália, de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 188/2003, é o Ministro quem determina os direitos de acesso à rede. O gestor da infraestrutura pode formular uma proposta nesta matéria, denominada «relatório fundamentado», mas é o Ministro quem decide, por decreto, fixar o nível desses direitos. Incumbe seguidamente ao gestor, de acordo com o n.o 2 do mesmo artigo, calcular as taxas efetivamente devidas por cada empresa de transporte ferroviário pela utilização de canais horários individuais e proceder à cobrança dessas taxas.

30

Segundo a Comissão, se a competência for atribuída ao Ministro, a entidade reguladora não pode verificar as taxas nem as modalidades de cálculo das mesmas, baseadas nas diferentes categorias de custo, uma vez que esta entidade não tem poder algum sobre o Ministro.

31

A Comissão acrescenta que outras disposições da Diretiva 2001/14 pressupõem necessariamente que as funções de gestor da infraestrutura não estão limitadas à simples liquidação e à cobrança das taxas devidas num caso específico, mas estendem‑se à determinação do nível das taxas aplicáveis.

32

A Comissão considera que o facto de o Ministro fixar o nível das taxas a fim de garantir o equilíbrio orçamental do gestor da infraestrutura não é conforme com os mecanismos instituídos pela Diretiva 2001/14. É verdade que o Estado pode ter interesse em controlar as receitas do gestor da infraestrutura, uma vez que lhe incumbe, por força do artigo 6.o, n.o 1, da mesma, garantir que as contas desse gestor apresentem pelo menos um equilíbrio entre, por um lado, as receitas obtidas com as taxas de utilização da infraestrutura, os excedentes retirados de outras atividades comerciais e o financiamento pelo Estado e, por outro, as despesas de infraestrutura. Ora, esta diretiva permite ao Estado influenciar as contas do gestor, não mediante a fixação do nível das taxas mas sim através das modalidades previstas no n.o 2 deste artigo 6.o, a saber, através de incentivos à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura e do nível das taxas de acesso. A redução do custo da infraestrutura permite que, pelo menos em parte, o Estado realize economias nos fundos destinados a ela.

33

Segundo a Comissão, a letra do artigo 17.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 188/2003 é muito explícita sobre quem detém o papel decisório e quem deve apresentar propostas. Além disso, as avaliações efetuadas pelo Ministro no quadro do processo decisório excedem o âmbito do conteúdo do relatório fundamentado do gestor. Com efeito, o Ministro verifica a conformidade da proposta não só em função dos critérios previstos no artigo 17.o, n.o 3, deste decreto legislativo mas também em função das exigências do equilíbrio contabilístico do gestor.

34

A República Italiana recorda que a entidade reguladora pode exercer a sua atividade de supervisão — no que se refere à aplicação dos níveis de taxas que são ou parecem ser restritivos da concorrência ou discriminatórios para com as empresas — por iniciativa própria ou na sequência de um pedido das empresas de transporte ferroviário, quer no decorrer da fase das negociações da taxa com o gestor da infraestrutura quer após a fixação dessa taxa, nomeadamente no que se refere aos canais horários individuais.

35

Com efeito, de acordo com o artigo 37.o, n.o 6‑bis, do Decreto Legislativo n.o 188/2003, a entidade reguladora pode, «caso se verifiquem infrações à regulamentação em matéria de acesso e de utilização da infraestrutura ferroviária e dos serviços conexos», aplicar uma coima até ao limite de 1% do volume de negócios relativo às receitas do mercado, num limite máximo de 1000000 euros.

36

Segundo a República Italiana, dado que a aprovação ministerial não põe o gestor da infraestrutura ao abrigo de uma sanção, é evidente que, perante uma acusação aduzida pela entidade reguladora, o gestor terá de proceder à alteração da sua proposta sobre as taxas ou, se estas já estiverem fixadas, formular uma nova proposta. Caso contrário, a entidade reguladora pode dar início a um processo suscetível de levar à aplicação de uma coima.

37

Segundo o referido Estado‑Membro, este sistema de supervisão responde às disposições da Diretiva 2001/14. Além disso, tendo em conta o facto de que, nos termos da mesma diretiva, não incumbe à entidade reguladora proceder diretamente à alteração das taxas, é difícil discernir outra forma de conceber as funções da entidade reguladora que não seja mediante a atribuição, por um lado, de poder para intervir durante as negociações que se desenrolam entre os candidatos e o gestor e, por outro, de poder para aplicar sanções caso o gestor infrinja os critérios legais de determinação das taxas.

38

No que se refere à questão fundamental suscitada no âmbito da acusação relativa à tarificação, a República Italiana sustenta que, de acordo com uma aplicação correta do artigo 17.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 188/2003, não foi atribuída ao Ministro nenhuma função de controlo substantivo do nível das taxas, as quais são determinadas com base no relatório fundamentado do gestor da infraestrutura. Assim, o Ministro é competente unicamente para verificar, no quadro de uma estrita fiscalização da legalidade, a observância das «regras específicas» que cabe aos Estados‑Membros estabelecer por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

Apreciação do Tribunal de Justiça

39

Com a sua acusação relativa à tarificação do acesso à infraestrutura, a Comissão sustenta que a República Italiana violou os artigos 4.°, n.o 1, e 30.°, n.o 3, da Diretiva 2001/14, na medida em que as modalidades previstas na legislação italiana para a fixação do montante das taxas não respeitam, no seu entender, «a independência de gestão» do gestor da infraestrutura. Com efeito, o Ministro fixa as taxas de acesso à rede por decreto.

40

A Comissão e o referido Estado‑Membro divergem quanto à questão de saber quando é possível considerar que o gestor da infraestrutura gere, de forma independente, a fixação do montante das taxas.

41

Por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, os Estados‑Membros devem fixar um quadro para a tarificação e podem igualmente aprovar regras de tarificação específicas, respeitando a independência do gestor da infraestrutura. De acordo com esta disposição, incumbe a este último, por um lado, determinar a taxa de utilização da infraestrutura e, por outro, proceder à sua cobrança (v., nomeadamente, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, n.o 39).

42

O mesmo artigo 4.o estabelece uma repartição de competências entre os Estados‑Membros e o gestor da infraestrutura, no que se refere aos regimes de tarificação. Com efeito, compete aos Estados‑Membros definir um quadro para a tarificação, ao passo que a determinação das taxas e a sua cobrança incumbem ao gestor da infraestrutura (acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.o 41).

43

A este respeito, importa recordar os objetivos da Diretiva 2001/14. Com efeito, em primeiro lugar, um dos objetivos prosseguidos pelo regime de tarificação instituído por esta diretiva é assegurar a independência de gestão do gestor da infraestrutura. Por outras palavras, este deve utilizar o regime de tarificação como instrumento de gestão. Resulta assim do considerando 12 desta diretiva que os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem incentivar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizarem a utilização da infraestrutura no quadro definido pelos Estados‑Membros. Ora, esses gestores não podem atingir essa otimização através do regime de tarificação, se a sua função se limitar a calcular o montante da taxa em cada caso específico, aplicando uma fórmula previamente fixada por despacho ministerial. Os ditos gestores devem, portanto, dispor de uma certa margem de manobra na fixação do montante das taxas (v. acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.o 44).

44

A este respeito, a República Italiana alega que o Ministro procede a uma mera fiscalização da legalidade da proposta do gestor da infraestrutura e, por conseguinte, não exerce nenhuma influência sobre a independência deste último. Contudo, como sustenta a Comissão, esta prática não assenta em nenhuma norma suscetível de lhe conferir caráter incontestável. Assim, uma prática desta natureza não pode ser considerada conforme com os objetivos da Diretiva 2001/14.

45

Além disso, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, «[a] determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura». Ora, resulta claramente dos termos do Decreto Legislativo n.o 188/2003, nomeadamente do seu artigo 17.o, que a determinação da taxa deve ser feita em concertação com o Ministro, podendo a decisão deste último vincular o gestor.

46

É verdade que, como alega a República Italiana, o Ministro exerce uma mera fiscalização da legalidade nesta matéria. Todavia, de acordo com o sistema instituído pela Diretiva 2001/14, essa fiscalização da legalidade deve caber à entidade reguladora, neste caso, o URSF, e não ao Ministro. Consequentemente, uma vez que a decisão do Ministro sobre a fixação das taxas de acesso à infraestrutura vincula o gestor da infraestrutura, há que concluir daí que a legislação italiana não permite assegurar a independência deste último. Por conseguinte, esta legislação não cumpre, a este respeito, as exigências do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva.

47

Por fim, no que diz respeito ao artigo 30.o, n.o 3, da Diretiva 2001/14, é verdade que o facto de o Ministro poder fiscalizar o projeto de tributação estabelecido pelo gestor da infraestrutura não impede o URSF de cumprir a sua missão, procedendo aos controlos inerentes ao exercício da mesma. Todavia, esse regime não basta, enquanto tal, para demonstrar a independência do gestor como pretendida pelo legislador da União.

48

Resulta das considerações precedentes que a acusação da Comissão relativa à tarificação do acesso à infraestrutura deve ser considerada procedente.

Quanto à acusação relativa à independência da entidade reguladora

Argumentos das partes

49

A Comissão considera que a plena e necessária independência da entidade reguladora em relação a todas as empresas de transporte ferroviário não está garantida pela legislação italiana, na medida em que o pessoal da entidade reguladora é constituído por funcionários do Ministério e que este continua a exercer uma influência decisiva sobre o grupo FS, que inclui a principal empresa italiana de transporte ferroviário, a saber, a Trenitalia, e, por conseguinte, também sobre esta última.

50

Segundo a Comissão, o URSF, ou seja, a entidade reguladora, faz parte do Ministério. Além disso, o principal operador de transporte ferroviário no mercado italiano, ou seja, a Trenitalia, além de pertencer ao mesmo grupo de empresas que o gestor da infraestrutura, é uma sociedade do Estado na qual o Ministério, embora já não exerça os poderes de um acionista, tem, apesar de tudo, uma influência determinante.

51

Com efeito, a Comissão sustenta que o pessoal da entidade reguladora é constituído por funcionários do Ministério que continuam a exercer uma influência determinante sobre o grupo FS e sobre a Trenitalia e que está plenamente integrado na hierarquia deste Ministério. Além disso, em virtude do papel de apoio do Ministério da Economia no exercício das suas funções de acionista do grupo FS, o Ministério continua a ter interesse em que o mesmo grupo tenha uma evolução positiva.

52

Segundo a Comissão, esta situação cria um conflito de interesses para os funcionários do Ministério que operam na estrutura da entidade reguladora e que, por essa razão, têm o dever de garantir um tratamento não discriminatório dos concorrentes da empresa pública de transporte ferroviário. Com efeito, no quadro da sua atividade de fiscalização, são levados a ter em conta os interesses comerciais da empresa.

53

A Comissão explica que não pretende sustentar que a Diretiva 2001/14 não permite, em caso algum, que a entidade reguladora faça parte de um Ministério. Todavia, no seu entender, esta possibilidade não deve interferir com a condição de independência, nomeadamente decisória, das empresas de transporte ferroviário destinatárias das medidas adotadas por esta entidade. A possibilidade, expressamente prevista no artigo 30.o, n.o 1, desta diretiva, de a entidade reguladora fazer parte de um Ministério não pode ser isolada, no entender da Comissão, do resto da disposição e, designadamente, da exigência de independência que ela prevê. Por conseguinte, tal possibilidade deve ser excluída quando a integração da entidade reguladora num Ministério for realizada em detrimento da independência desta entidade.

54

A título subsidiário, no que toca a outras garantias de independência do URSF prestadas pela República Italiana, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a sua argumentação não tem a ver com as atribuições do Conselho de Ministros, mas com as relações no interior de um Ministério, a saber, o das Infraestruturas e dos Transportes. Além disso, quanto aos poderes dos dirigentes do URSF, a Comissão mantém que estes dependem do Ministro, o qual mantém uma margem de decisão em matéria de nomeação, de disponibilidade dos recursos e de rescisão eventual dos contratos desses dirigentes.

55

A este respeito, a Comissão está ciente de que, na sequência da apresentação da sua petição inicial, o artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 188/2003 foi alterado com efeitos a partir de 6 de julho de 2011. Fora qualquer consideração sobre a pertinência desta alteração, tardia para o presente processo, a Comissão considera que o seu alcance efetivo face à eventual eliminação da infração fica por esclarecer.

56

A Comissão precisa, em seguida, que não ficou convencida com a resposta ao parecer fundamentado, da qual não decorre que o Ministério não dispunha de uma margem de apreciação, designadamente no que se refere à rescisão dos contratos celebrados com os dirigentes do URSF. A resposta de 23 de dezembro de 2009 ao parecer fundamentado de 8 de outubro de 2009 limita‑se a indicar que o URSF não se inscreve na estrutura dos departamentos do Ministério e, por conseguinte, não está sujeito à fiscalização do chefe do departamento de que faz parte a direção do transporte ferroviário. A resposta complementar de 26 de abril de 2010 ao mesmo parecer não contém mais nenhuma referência à questão. Tais elementos não infirmam a tese da Comissão segundo a qual o pessoal do URSF é composto por funcionários do Ministério subordinados ao Ministro encarregado de apoiar o acionista do grupo FS.

57

Por fim, a Comissão recorda que o artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 exige que a entidade reguladora atue com total independência face não só às empresas de transporte ferroviário mas também aos organismos de tarificação da infraestrutura. Assim, no entender da Comissão, a taxa de acesso à infraestrutura é determinada pelo Ministro de que o URSF depende inteiramente. É a razão pela qual esta entidade reguladora não goza de independência decisória, organizativa, jurídica e financeira, na medida em que apenas uma entidade, a saber, o Ministério, é responsável concomitantemente pela tarificação e a respetiva fiscalização, na sua qualidade de regulador.

58

A República Italiana recorda que a Diretiva 2001/14 não proíbe que a entidade reguladora faça parte de um Ministério, desde que este não participe no exercício dos direitos de acionista do grupo FS. Este Estado‑Membro alega que o Decreto‑Lei n.o 98/2011 criou uma situação de autonomia decisória em relação ao Ministério e que garante ao URSF uma situação em que este pode de jure dispor de forma plenamente autónoma dos recursos que lhe são atribuídos por lei.

59

No que diz respeito à questão da independência do URSF relativamente ao Ministério, a República Italiana alega que o Decreto‑Lei n.o 98/2011, em vigor desde 6 de julho de 2011, permitiu afastar as dúvidas da Comissão, ao subtrair o URSF à influência do Ministério, nomeadamente conferindo ao seu diretor uma posição fora da hierarquia deste último. Este Estado‑Membro acrescenta ainda que o regime em vigor à data da apresentação da petição inicial também não era contrário ao artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

60

Além disso, na sua tréplica, a República Italiana faz igualmente referência à Lei n.o 27, de 24 de março de 2012, que converte em lei, com modificações, o Decreto‑Lei n.o 1, de 24 de janeiro de 2012, relativo a disposições urgentes sobre a concorrência, o desenvolvimento das infraestruturas e a competitividade (suplemento ordinário ao GURI n.o 71, de 24 de março de 2012), que prevê, no seu artigo 36.o, a criação da Autorità di regolazione dei trasporti (Autoridade Reguladora dos Transportes), que substitui o URSF e completa as funções exercidas por este último. Este Estado‑Membro alega que a criação desta nova autoridade não resulta do facto de o URSF ter sido considerado insuficientemente autónomo, mas deve‑se à opção do legislador italiano, no contexto de uma intervenção mais alargada, destinada a assegurar a liberalização dos mercados, de confiar a uma única pessoa autónoma a supervisão de todas as modalidades de transporte e já não só das modalidades do transporte ferroviário.

Apreciação do Tribunal de Justiça

61

Com a sua acusação relativa à independência da entidade reguladora, a Comissão critica a legislação italiana por não respeitar o artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que o URSF, devido ao facto de ser constituído por funcionários do Ministério, não pode ser considerado independente, e isso principalmente porque este Ministério continua a ter influência no grupo FS, que detém a maior companhia ferroviária italiana, a saber, a Trenitalia.

62

A este respeito, importa reconhecer que, com as suas sucessivas intervenções legislativas, as autoridades italianas influenciaram diretamente a constituição da entidade reguladora, ao redefinirem em cada fase legislativa a sua autonomia organizativa e contabilística. É o que sucede com o Decreto‑Lei n.o 98/2011 e, sobremaneira, com a Lei n.o 27, de 24 de março de 2012, que institui uma nova autoridade reguladora dos transportes.

63

Todavia, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, e que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de outubro de 2001, Comissão/Áustria, C-111/00, Colet., p. I-7555, n.o 13, e de 9 de junho de 2011, Comissão/França, C-383/09, Colet., p. I-4869, n.o 22).

64

Quanto ao argumento relativo à compatibilidade da legislação italiana em vigor à data da apresentação da petição inicial com o artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, basta recordar que, de acordo com esta disposição, a entidade reguladora pode ser o Ministério responsável pelos transportes. Decorre daqui que a Comissão não se pode apoiar no mero facto de o URSF fazer parte deste Ministério, para concluir que o mesmo não é independente.

65

É verdade que, como sustenta acertadamente a Comissão, os funcionários do Ministério estão numa situação delicada, uma vez que trabalham na entidade reguladora, embora sejam hierarquicamente dependentes deste Ministério. Além disso, a Comissão alega com razão que o objeto do artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 consiste em assegurar a independência da entidade reguladora e que este objetivo deve primar sobre o facto de esta última poder pertencer a um Ministério.

66

Importa salientar que, na sua versão anterior à que resulta do Decreto‑Lei n.o 98/2011, o artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 188/2003 enunciava que «o serviço do [Ministério] responsável pelas funções de entidade reguladora dispõe dos recursos humanos, materiais e financeiros necessários ao cumprimento da sua missão no âmbito dos recursos inscritos no orçamento previsional do referido Ministério». Todavia, no entender da Comissão, tal redação não pode ser considerada de natureza a garantir que a entidade reguladora possa agir com total independência, já que os seus recursos financeiros dependem do orçamento do Ministério.

67

A este respeito, importa referir que todos os argumentos invocados pela Comissão em apoio da sua terceira acusação revestem caráter geral e, no essencial, estão focados no facto de o URSF ser uma entidade que pertence ao Ministério, quando essa pertença não é proibida pela Diretiva 2001/14. A Comissão não invoca, por outro lado, mais nenhum argumento circunstanciado como fundamento da sua acusação.

68

Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, incumbe à Comissão provar a existência do alegado incumprimento. Compete‑lhe, portanto, fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por parte deste, da existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda, C-494/01, Colet., p. I-3331, n.o 41; de 6 de outubro de 2009, Comissão/Finlândia, C-335/07, Colet., p. I-9459, n.o 46; e de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, n.o 66).

69

Por conseguinte, a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 não pode ser acolhida.

70

Consequentemente, há que, por um lado, declarar que, ao não garantir a independência do gestor da infraestrutura na fixação da tarificação do acesso à infraestrutura e na repartição das capacidades da infraestrutura ferroviária, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.o 1, e 30.°, n.o 3, da Diretiva 2001/14 e, por outro lado, julgar improcedente a ação quanto ao restante.

Quanto às despesas

71

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. O artigo 141.o, n.o 1, deste regulamento dispõe, por outro lado, que a parte que desistir é condenada nas despesas se a outra parte o tiver requerido nas suas observações sobre a desistência.

72

No presente caso, a Comissão desistiu da primeira acusação invocada como fundamento da sua ação, relativa à falta de independência da entidade que exerce as funções essenciais na aceção do artigo 6.o, n.o 3, e do anexo II da Diretiva 91/440.

73

Todavia, uma vez que, por outro lado, a Comissão e a República Italiana foram vencidas num ou em vários pedidos, cada uma suportará as suas próprias despesas.

74

Em aplicação do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, segundo o qual os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, a República Checa suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

Ao não garantir a independência do gestor da infraestrutura na fixação da tarificação do acesso à infraestrutura e na repartição das capacidades da infraestrutura ferroviária, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.o 1, e 30.°, n.o 3, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

A Comissão Europeia, a República Italiana e a República Checa suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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