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Document 62011CJ0367

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 25 de outubro de 2012.
Déborah Prete contra Office national de l’emploi.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation Bélgica.
Livre circulação de pessoas ― Artigo 39.° CE ― Cidadão de um Estado‑Membro à procura de emprego noutro Estado‑Membro ― Igualdade de tratamento ― Subsídios de inserção a favor de jovens à procura do primeiro emprego ― Atribuição subordinada à condição de ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos no Estado de acolhimento.
Processo C‑367/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:668

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

25 de outubro de 2012 ( *1 )

«Livre circulação de pessoas — Artigo 39.o CE — Cidadão de um Estado-Membro à procura de emprego noutro Estado-Membro — Igualdade de tratamento — Subsídios de inserção a favor de jovens à procura do primeiro emprego — Atribuição subordinada à condição de ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos no Estado de acolhimento»

No processo C-367/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Cour de cassation (Bélgica), por decisão de 27 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2011, no processo

Déborah Prete

contra

Office national de l’emploi,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J.-C. Bonichot, C. Toader, A. Prechal (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de D. Prete, por J. Oosterbosch, avocate,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por P. A. Foriers, avocat,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e G. Rozet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 19 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 12.° CE, 17.° CE, 18.° CE e 39.° CE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. Prete ao Office national de l’emploi (Instituto Nacional de Emprego, a seguir «ONEM»), a respeito da decisão deste último que recusou atribuir à interessada o direito a beneficiar dos subsídios de inserção previstos na legislação belga.

Legislação belga

3

A legislação belga prevê a atribuição, aos jovens que concluíram os seus estudos e que estão à procura do primeiro emprego, de subsídios destinados a facilitar a sua passagem do ensino para o mercado de trabalho, designados pela expressão «subsídios de inserção».

4

O artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Decreto Real de 25 de novembro de 1991, que institui a regulamentação do desemprego (arrêté royal du 25 novembre 1991 portant réglementation du chômage) (Moniteur belge de 31 de dezembro de 1991, p. 29888), conforme alterado pelo Decreto Real de 11 de fevereiro de 2003 (arrêté royal du 11 février 2003) (Moniteur belge de 19 de fevereiro de 2003, p. 8026, a seguir «decreto real»), dispõe:

«Para poder beneficiar dos subsídios de inserção, o jovem trabalhador deve preencher as seguintes condições:

[…]

2.°

a)

ou ter terminado estudos completos do ciclo secundário superior ou o terceiro ano completo do ensino secundário técnico, artístico ou profissional num estabelecimento de ensino criado, subvencionado ou reconhecido por uma Comunidade;

b)

ou ter obtido perante o júri competente de uma Comunidade um diploma ou um certificado de estudos para os estudos referidos na alínea a);

[…]

h)

ou ter efetuado estudos ou uma formação noutro Estado do Espaço Económico Europeu, se estiverem preenchidas simultaneamente as seguintes condições:

o jovem apresentar documentos que demonstrem que os estudos ou a formação são do mesmo nível e equivalentes aos referidos nas alíneas precedentes;

no momento da apresentação do pedido dos subsídios, o jovem tiver a qualidade de filho a cargo de um trabalhador migrante, na aceção do artigo [39.° CE], que resida na Bélgica.

[…]

j)

ou ter obtido um título emitido por uma Comunidade que certifique a equivalência com o certificado referido na alínea b) ou um título que dê acesso ao ensino superior; esta alínea só se aplica na condição de ter prosseguido previamente, durante pelo menos seis anos, estudos num estabelecimento de ensino criado, reconhecido ou subvencionado por uma Comunidade.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5

D. Prete, de nacionalidade francesa, efetuou os seus estudos secundários em França, onde obteve, em julho de 2000, um baccalauréat profissional (diploma de fim de estudos secundários do ensino profissional) de secretariado. Em junho de 2001, D. Petre casou com um cidadão belga e foi residir com este para Tournai (Bélgica).

6

Em 1 de fevereiro de 2002, D. Prete inscreveu-se como candidata a emprego no ONEM. Em 1 de junho de 2003, apresentou ao ONEM um pedido de subsídios de inserção.

7

Por decisão de 11 de setembro de 2003, o ONEM indeferiu este pedido por D. Prete não ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos num estabelecimento de ensino na Bélgica antes de obter o seu diploma de estudos secundários, como exigido pelo artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, 2°, alínea j), do decreto real.

8

O recurso que D. Prete interpôs desta decisão no tribunal du travail de Tournai foi julgado procedente por sentença de 19 de dezembro de 2008, que reconheceu o direito de a interessada receber os subsídios de inserção.

9

Tendo o ONEM interposto recurso, a dita sentença foi revogada por acórdão de 25 de fevereiro de 2010 da cour du travail de Mons. Este órgão jurisdicional declarou que D. Prete não tinha direito aos subsídios de inserção, precisando nomeadamente, a este respeito, que o direito invocado pela interessada não assenta no artigo 39.o CE nem no artigo 18.o CE.

10

Em apoio do recurso que interpôs do referido acórdão na Cour de cassation, D. Prete alegou nomeadamente que esta instância violou os direitos consagrados nos artigos 12.° CE, 17.° CE assim como 18.° CE, e, em parte, no artigo 39.o CE, a favor dos cidadãos da União Europeia.

11

A Cour de cassation sublinha que o acórdão recorrido enuncia que a condição prevista no artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, 2°, alínea j), do decreto real foi introduzida neste último para garantir a existência de uma ligação real entre o requerente de subsídios de inserção e o mercado geográfico de trabalho em causa. Por outro lado, refere que o Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade de tal objetivo, nomeadamente no seu acórdão de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C-224/98, Colet., p. I-6191).

12

No seu recurso, D. Prete alega no entanto que, atendendo ao seu caráter demasiado genérico e exclusivo, a referida condição excede o que é necessário relativamente ao dito objetivo, pelo que devia, nas circunstância do caso concreto, ter sido afastada pela cour du travail de Mons. O mesmo órgão jurisdicional, ao qual incumbia verificar se a inscrição de D. Prete no serviço de emprego como candidata a emprego e a respetiva deslocação de residência para a Bélgica na sequência do seu casamento com um nacional belga eram suscetíveis de provar a existência da procurada conexão ao mercado de trabalho belga, concluiu erradamente que tal não sucedia e recusou atribuir os subsídios de inserção a D. Prete. Esta exclusão do direito de D. Prete receber os referidos subsídios não tem nenhuma relação com o objetivo de evitar deslocações efetuadas apenas com a intenção de beneficiar desses subsídios e viola tanto o direito da interessada ao respeito da sua vida familiar como o princípio do direito comunitário que exige que qualquer Estado-Membro assegure condições ótimas de integração da família do trabalhador comunitário.

13

Foi neste contexto que a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 12.° [CE], 17.° [CE], 18.° [CE] e, na medida em que seja necessário, o artigo 39.o [CE] opõem-se a uma disposição do direito nacional que, como o artigo 36.o, n.o 1, [primeiro parágrafo, 2°,] alínea j), do [decreto real], subordina o direito aos subsídios de inserção de um jovem, cidadão da União […], que não é um trabalhador na aceção do artigo 39.o [CE], que realizou os seus estudos secundários na União […], mas não num estabelecimento de ensino criado, subvencionado ou reconhecido por uma das Comunidades [do Reino] da Bélgica, e que obteve um título emitido por uma dessas Comunidades que atesta a equivalência desses estudos ao certificado de estudos emitido pelo júri competente de uma dessas Comunidades para os estudos realizados nesses estabelecimentos de ensino belgas, ou um título que dê acesso ao ensino superior, à condição de esse jovem ter previamente frequentado seis anos de estudos num estabelecimento de ensino criado, reconhecido ou subvencionado por uma das Comunidades [do Reino] da Bélgica, se essa condição for exclusiva e absoluta?

2)

Em caso de resposta afirmativa, as circunstâncias descritas na primeira questão, de o jovem, que não frequentou seis anos de estudos num estabelecimento de ensino belga, residir na Bélgica com o seu cônjuge belga e estar inscrito como candidato a emprego no serviço belga de emprego, são elementos a ter em consideração para apreciar a ligação do jovem com o mercado de trabalho belga, para os efeitos dos artigos 12.° [CE], 17.° [CE], 18.° [CE] e, se for caso disso, 39.° [CE]? Em que medida deve ser tida em consideração a duração desses períodos de residência, de casamento e de inscrição como candidato a emprego?»

Quanto às questões prejudiciais

14

Com as suas duas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 12.° CE, 17.° CE, 18.° CE ou, eventualmente, 39.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição como a que está em causa no processo principal, que subordina o direito aos subsídios de inserção de que beneficiam os jovens à procura do primeiro emprego à condição de o interessado ter efetuado os seus estudos durante pelo menos seis anos num estabelecimento de ensino do Estado-Membro de acolhimento, atendendo ao caráter demasiado exclusivo de tal condição, nomeadamente por constituir um obstáculo à possibilidade de atribuir os referidos subsídios a uma jovem mulher, nacional de outro Estado-Membro, que, embora não tenha seguido estudos em tal estabelecimento, se encontra na situação de se ter casado com um nacional do Estado-Membro de acolhimento, de residir com ele no dito Estado e de estar inscrita como candidata a emprego num serviço de emprego desse Estado. A este respeito, o mesmo órgão jurisdicional pretende nomeadamente saber se as circunstâncias que caracterizam assim a referida situação devem efetivamente ser tomadas em consideração para verificar a existência de uma ligação real entre a interessada e o mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento.

Observações preliminares

15

A título preliminar, há que referir que o litígio no processo principal tem por objeto uma decisão de 11 de setembro de 2003 que indeferiu o pedido, apresentado por D. Prete, de concessão de subsídios de inserção a partir de 1 de junho de 2003.

16

Daqui resulta que as disposições dos Tratados a que se faz referência no presente caso são as do Tratado CE, na sua versão resultante do Tratado de Nice.

17

Há também que referir que, nas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio menciona os artigos 12.° CE, 17.° CE e 18.° CE e, na medida do necessário, o artigo 39.o CE.

18

A este respeito, há que recordar desde já que, de acordo com jurisprudência constante, o artigo 12.o CE, que estabelece um princípio geral de proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, só deve ser aplicado autonomamente a situações reguladas pelo direito da União para as quais o Tratado não preveja regras específicas de não discriminação (v., designadamente, acórdãos de 30 de maio de 1989, Comissão/Grécia, 305/87, Colet., p. 1461, n.o 13; de 12 de maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colet., p. I-2793, n.o 37; de 26 de novembro de 2002, Oteiza Olazabal, C-100/01, Colet., p. I-10981, n.o 25; e de 15 de setembro de 2011, Schulz-Delzers e Schulz, C-240/10, Colet., p. I-8531, n.o 29).

19

Ora, o princípio da não discriminação foi implementado, no âmbito da livre circulação dos trabalhadores, pelo artigo 39.o CE e por atos de direito derivado, em especial pelo Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77) (v., designadamente, acórdãos Comissão/Grécia, já referido, n.o 12; Gilly, já referido, n.o 38; de 23 de março de 2004, Collins, C-138/02, Colet., p. I-2703, n.o 55; e Schulz-Delzers e Schulz, já referido, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

20

Relativamente ao artigo 18.o CE, que enuncia de modo genérico o direito de qualquer cidadão da União de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, é também jurisprudência constante que esta disposição tem uma expressão específica no artigo 39.o CE no que respeita à livre circulação de trabalhadores (v., designadamente, acórdãos Oteiza Olazabal, já referido, n.o 26; de 11 de setembro de 2007, Hendrix, C-287/05, Colet., p. I-6909, n.o 61; e Schulz-Delzers e Schulz, já referido, n.o 30).

Quanto à aplicabilidade do artigo 39.o CE

21

O artigo 39.o, n.o 2, CE, dispõe que a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

22

O artigo 39.o, n.o 3, CE atribui nomeadamente aos nacionais dos Estados-Membros o direito de circularem livremente no território dos outros Estados-Membros e de aí residirem para procurar emprego. Deste modo, os nacionais de um Estado-Membro que procuram emprego noutro Estado-Membro são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 39.o CE e beneficiam, por conseguinte, do direito à igualdade de tratamento previsto no n.o 2 desta disposição (v., designadamente, acórdão Collins, já referido, n.os 56 e 57).

23

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar o âmbito do direito à igualdade de tratamento para as pessoas que procuram um emprego, há que interpretar este princípio à luz de outras disposições do direito da União, nomeadamente do artigo 12.o CE (acórdão Collins, já referido, n.o 60).

24

Com efeito, os cidadãos da União que residam legalmente no território do Estado-Membro de acolhimento podem invocar o artigo 12.o CE em todas as situações que caibam no âmbito de aplicação ratione materiae do direito da União. O estatuto de cidadão da União tem vocação para se tornar no estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros, permitindo que aqueles que, de entre estes últimos, se encontrem na mesma situação obtenham, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico (v., designadamente, acórdão Collins, já referido, n.o 61 e jurisprudência aí referida).

25

O Tribunal de Justiça precisou assim a este respeito que, atendendo à instituição da cidadania da União e à interpretação jurisprudencial do direito à igualdade de tratamento de que gozam os cidadãos da União, deixou de ser possível excluir do âmbito de aplicação do artigo 39.o, n.o 2, CE, que é um enunciado do princípio fundamental da igualdade de tratamento garantido pelo artigo 12.o CE, uma prestação de natureza financeira destinada a facilitar o acesso ao emprego no mercado de trabalho de um Estado-Membro (v. acórdãos Collins, já referido, n.o 63, e de 15 de setembro de 2005, Ioannidis, C-258/04, Colet., p. I-8275, n.o 22).

26

Ora, é facto assente que os subsídios de inserção previstos na legislação nacional em causa no processo principal são prestações de caráter social que têm por objetivo facilitar aos jovens a passagem do ensino para o mercado de trabalho (v., designadamente, acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.o 38, e Ioannidis, n.o 23).

27

É igualmente facto assente que, à data da apresentação do seu pedido de subsídios de inserção, D. Prete tinha a qualidade de nacional de um Estado-Membro que, tendo concluído os seus estudos, estava à procura de emprego noutro Estado-Membro.

28

Nestas condições, a interessada pode invocar em seu benefício o artigo 39.o CE para sustentar que não pode ser objeto de discriminação em razão da nacionalidade no que diz respeito à atribuição dos subsídios de inserção (v., neste sentido, acórdão Ioannidis, já referido, n.o 25).

Quanto à existência de uma diferença de tratamento

29

Segundo jurisprudência constante, a regra da igualdade de tratamento constante do artigo 39.o CE proíbe não apenas as discriminações ostensivas, em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que através da aplicação de outros critérios de distinção conduzam, na prática, ao mesmo resultado (v., designadamente, acórdão Ioannidis, já referido, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

30

A legislação em causa no processo principal introduz uma diferença de tratamento consoante os jovens à procura de um primeiro emprego possam ou não provar que efetuaram os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino belga durante pelo menos seis anos.

31

Ora, uma condição relativa à necessidade de ter estudado num estabelecimento de ensino do Estado-Membro de acolhimento é pela sua própria natureza suscetível de ser mais facilmente preenchida por cidadãos nacionais e pode, deste modo, prejudicar principalmente os nacionais de outros Estados-Membros (v., por analogia, acórdão Ioannidis, já referido, n.o 28).

Quanto à justificação da diferença de tratamento

32

Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma diferença de tratamento como a que foi identificada no presente processo só pode ser justificada se se basear em considerações objetivas independentes da nacionalidade das pessoas em causa e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v., designadamente, acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.o 36; Collins, n.o 66; e Ioannidis, n.o 29).

33

A este respeito, e no que se refere a subsídios como os que estão em causa no processo principal, que têm por objetivo facilitar aos jovens a passagem dos estudos para o mercado de trabalho, o Tribunal de Justiça reconheceu que é legítimo que o legislador nacional tenha pretendido assegurar-se da existência de uma ligação real entre o requerente dos referidos subsídios e o mercado geográfico de trabalho em causa (v., designadamente, acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.o 38; Collins, n.os 67 e 69; e Ioannidis, n.o 30).

34

Quanto ao requisito da proporcionalidade, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que uma condição única referente ao local em que foi obtido o diploma de fim de estudos secundários, como a constante do artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, 2°, alínea a), do decreto real, tinha um caráter demasiado genérico e exclusivo por privilegiar indevidamente um elemento que não é necessariamente representativo do grau real e efetivo de conexão entre o requerente dos subsídios de inserção e o mercado geográfico de trabalho, excluindo qualquer outro elemento representativo. Daqui o Tribunal de Justiça concluiu que a referida condição excedia assim o que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido (v. acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.o 39, e Ioannidis, n.o 31).

35

Resulta de decisão de reenvio que foi para remediar esta situação que foi introduzida no artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, 2°, alínea j), do decreto real a condição controvertida, alternativa à condição relativa ao local da obtenção do diploma, e que se refere à exigência de ter estudado durante pelo menos seis anos num estabelecimento de ensino criado, subvencionado ou reconhecido por uma das Comunidade belgas.

36

Nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo belga confirma que a condição controvertida visa assegurar a existência de uma ligação real entre o requerente dos referidos subsídios e o mercado de trabalho belga e sustenta que essa condição respeita as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, alegando nomeadamente, a este respeito, que o número de anos de estudos exigido pela mesma não excede o que é necessário para alcançar o referido objetivo.

37

No presente caso, não é no entanto necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a questão de saber se a referida condição viola, eventualmente, o princípio da proporcionalidade devido à duração dos estudos assim exigida.

38

Com efeito, como resulta das circunstâncias do processo principal, D. Prete nunca efetuou os seus estudos na Bélgica, sendo certo que o seu pedido para beneficiar dos subsídios de inserção também teria sido indeferido se a condição controvertida tivesse exigido que a interessada provasse ter efetuado os seus estudos num estabelecimento de ensino belga durante menos de seis anos, qualquer que fosse, aliás, esta duração.

39

Deste modo, o Tribunal de Justiça tem apenas de examinar a questão de saber se uma eventual constatação de incompatibilidade da legislação nacional em causa no litígio no processo principal com o artigo 39.o CE é suscetível de decorrer da circunstância de, ao prever uma condição relativa à necessidade de ter efetuado estudos num estabelecimento belga, a referida legislação excluir que sejam tomadas em consideração circunstâncias que, embora não estejam relacionadas com o local em que os estudos foram efetuados, também são, no entanto, representativas da existência de uma ligação real entre a pessoa interessada e o mercado geográfico de trabalho em causa.

40

A este respeito, relativamente às circunstâncias específicas do processo principal, há que recordar que este se refere a uma nacional de um Estado-Membro que reside, há cerca de dois anos, no Estado-Membro de acolhimento, na sequência do seu casamento com um nacional deste último Estado-Membro, e que está inscrita, há dezasseis meses, como candidata a emprego num serviço de emprego deste mesmo Estado-Membro, tendo levado a cabo, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, iniciativas ativas efetivas para aí encontrar emprego.

41

O Governo belga alega, a respeito destas diferentes questões, que o casamento celebrado com um nacional do Estado-Membro de acolhimento e a subsequente deslocação da residência para este Estado constituem acontecimentos da vida privada que não têm relação com o mercado de trabalho deste. A inscrição como candidata a emprego constitui uma simples formalidade administrativa que pode ser facilmente preenchida. Por conseguinte, não resulta destas circunstâncias, no que respeita em especial a uma pessoa que, à semelhança de D. Prete, se fixa numa região fronteiriça do Estado-Membro no qual efetuou os seus estudos e que assim está naturalmente mais preparada para aceder ao mercado de trabalho deste último, que a interessada só se possa direcionar para o mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento.

42

No âmbito da repartição de competências previstas no artigo 267.o TFUE, cabe em princípio ao órgão jurisdicional nacional zelar pelo respeito do princípio da proporcionalidade (v., designadamente, acórdão de 19 de março de 2002, Lommers, C-476/99, Colet., p. I-2891, n.o 40). Do mesmo modo, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, neste contexto, verificar se das circunstâncias específicas de um caso concreto resulta a existência de uma ligação real com o mercado de trabalho em causa (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C-22/08 e C-23/08, Colet., p. I-4585, n.o 41).

43

No entanto, resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação decorrentes do direito da União que possam permitir-lhe apreciar a compatibilidade de uma medida nacional com este direito para julgar o processo que lhe é submetido. No presente caso, acresce que o órgão jurisdicional de reenvio formulou diversas interrogações precisas às quais deve ser dada resposta (v., neste sentido, designadamente, acórdão Lommers, já referido, n.o 40).

44

Neste contexto, há que constatar que, como acaba de ser recordado, sem prejuízo de apreciações factuais definitivas que são da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, as circunstâncias como as descritas no n.o 40 do presente acórdão, como também foi sublinhado pelo advogado-geral nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, são efetivamente suscetíveis de permitir provar a existência de uma ligação real com o mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento, ainda que a interessada não tenha efetuado os seus estudos num estabelecimento de ensino deste último.

45

A este respeito, há que afastar, desde logo, a argumentação desenvolvida pelo Governo belga segundo a qual uma pessoa como D. Prete, pelo facto, em especial, de ter a sua residência em zona próxima da fronteira do Estado-Membro no qual efetuou os seus estudos, tem naturalmente mais vocação para aceder ao mercado de trabalho do referido Estado, com o qual apresenta um vínculo de conexão. Por um lado, há que referir que os conhecimentos adquiridos por um estudante durante os seus estudos não o destinam em geral a um determinado mercado geográfico de trabalho (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2005, Bidar, C-209/03, Colet., p. I-2119, n.o 58). Por outro, impõe-se constatar que as circunstâncias apresentadas pelo Governo belga para justificar a eventual existência de uma ligação entre a interessada e o mercado de trabalho francês de modo nenhum são suscetíveis de impedir que se crie, de outra forma, essa ligação com o mercado de trabalho belga em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

46

Em seguida, há que recordar, a respeito desta última questão, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de uma ligação real com o mercado de trabalho de um Estado-Membro pode ser verificada, nomeadamente, através da constatação de que a pessoa em causa, durante um período de tempo razoável, procurou efetiva e realmente um emprego no Estado-Membro em questão (acórdãos, já referidos, Collins, n.o 70, e Vatsouras e Koupatantze, n.o 39).

47

O Tribunal de Justiça também reconheceu que o facto de residir num Estado-Membro é, também ele, suscetível de eventualmente garantir uma ligação real ao mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento, precisando por outro lado que, embora seja exigido um período de residência para que a referida condição seja preenchida, este período não deve exceder o necessário para que as autoridades nacionais se possam assegurar de que o interessado procura realmente emprego no mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento (acórdão Collins, já referido, n.o 72).

48

Por último, para apreciar se D. Prete apresenta uma ligação real com o mercado de trabalho do referido Estado-Membro, também não pode ser ignorada a circunstância de a recorrente no processo principal, exercendo a liberdade de circulação garantida aos cidadãos da União pelo artigo 18.o CE, se ter deslocado para o Estado-Membro de acolhimento para aí estabelecer a sua residência conjugal, depois de se ter casado com um nacional do referido Estado.

49

Neste contexto, há com efeito que recordar, por um lado, como foi já sublinhado no n.o 25 do presente acórdão, que foi atendendo à instituição da cidadania da União e à interpretação jurisprudencial do direito à igualdade de tratamento de que gozam os cidadãos da União que o Tribunal de Justiça considerou que já não é possível excluir do âmbito de aplicação do artigo 39.o, n.o 2, CE uma prestação de natureza financeira destinada a facilitar o acesso ao emprego no mercado de trabalho de um Estado-Membro.

50

Por outro lado, elementos resultantes do contexto familiar em que se encontre o requerente dos subsídios de inserção também são suscetíveis de contribuir para demonstrar a existência de uma ligação real entre o requerente e o Estado-Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão de 21 de julho de 2011, Stewart, C-503/09, Colet., p. I-6497, n.o 100). A este respeito, a existência de ligações estreitas, nomeadamente de natureza pessoal, criadas com o Estado-Membro de acolhimento no qual a interessada, na sequência do seu casamento com um nacional do referido Estado, se instalou e passou a residir de forma permanente é suscetível de contribuir para o surgimento de uma ligação duradoura entre a interessada e o seu novo Estado-Membro de residência, incluindo com o mercado de trabalho deste último (v., neste sentido, acórdão de 22 de setembro de 1988, Bergemann, 236/87, Colet., p. 5125, n.os 20 a 22).

51

Decorre do exposto que as circunstâncias que caracterizam assim o processo principal oferecem uma ilustração concreta de que, na medida em que impede que sejam tomados em consideração outros elementos potencialmente representativos do grau real de conexão do requerente dos subsídios de inserção ao mercado geográfico de trabalho em causa, uma condição como a que é imposta pelo artigo 36.o, n.o 1, primeiro parágrafo, 2°, alínea j), do decreto real excede o que é necessário para alcançar o objetivo que prossegue.

52

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 39.o CE se opõe a uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina o direito aos subsídios de inserção de que beneficiam os jovens à procura do primeiro emprego à condição de o interessado ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos num estabelecimento de ensino do Estado-Membro de acolhimento, na medida em que a referida condição impede que sejam tomados em consideração outros elementos representativos adequados para provar a existência de uma ligação real entre o requerente de subsídios e o mercado geográfico de trabalho em causa e excede, deste modo, o que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido pela referida disposição, que consiste em garantir a existência dessa ligação.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 39.o CE opõe-se a uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina o direito aos subsídios de inserção de que beneficiam os jovens à procura do primeiro emprego à condição de o interessado ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos num estabelecimento de ensino do Estado-Membro de acolhimento, na medida em que a referida condição impede que sejam tomados em consideração outros elementos representativos adequados para provar a existência de uma ligação real entre o requerente de subsídios e o mercado geográfico de trabalho em causa e excede, deste modo, o que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido pela referida disposição, que consiste em garantir a existência dessa ligação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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