Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62011CJ0302

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 18 de outubro de 2012.
Rosanna Valenza e o. contra Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Consiglio di Stato.
Política social ― Diretiva 1999/70/CE ― Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo ― Artigo 4.° ― Contratos de trabalho a termo no setor público ― Autoridade nacional da concorrência ― Procedimento de estabilização ― Recrutamento de trabalhadores contratados a termo como funcionários do quadro permanente, sem concurso público ― Determinação da antiguidade ― Não consideração absoluta dos períodos de serviço cumpridos no âmbito de contratos de trabalho a termo ― Princípio da não discriminação.
Processos apensos C‑302/11 a C‑305/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:646

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

18 de outubro de 2012 ( *1 )

«Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 4.o — Contratos de trabalho a termo no setor público — Autoridade nacional da concorrência — Procedimento de estabilização — Recrutamento de trabalhadores contratados a termo como funcionários do quadro permanente, sem concurso público — Determinação da antiguidade — Não consideração absoluta dos períodos de serviço cumpridos no âmbito de contratos de trabalho a termo — Princípio da não discriminação»

Nos processos apensos C-302/11 a C-305/11,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Consiglio di Stato (Itália), por decisões de 29 de abril de 2011, entrados no Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2011, nos processos

Rosanna Valenza (C-302/11 e C-304/11),

Maria Laura Altavista (C-303/11),

Laura Marsella,

Simonetta Schettini,

Sabrina Tomassini (C-305/11)

contra

Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: U. Lõhmus, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de R. Valenza e M. L. Altavista, por G. Pafundi, avvocato,

em representação de L. Marsella, S. Schettini e S. Tomassini, por G. Arrigo e G. Patrizi, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 4.° e 5.° do Acordo-Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo-quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, respetivamente, R. Valenza, M. L. Altavista, L. Marsella, S. Schettini e S. Tomassini à Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (a seguir «AGCM»), a respeito da recusa desta última de ter em conta, para efeitos da determinação da antiguidade daquelas, aquando do seu recrutamento sem termo como funcionárias do quadro permanente, no âmbito de um procedimento específico de estabilização da sua relação de trabalho, os períodos de serviço cumpridos anteriormente junto dessa mesma autoridade pública, no âmbito de contratos de trabalho a termo.

Quadro jurídico

Regulamentação da União

3

Resulta do considerando 14 da Diretiva 1999/70, baseada no artigo 139.o, n.o 2, CE, que as partes signatárias do acordo-quadro pretenderam, com a sua celebração, melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e estabelecer um quadro para impedir os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

4

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 1999/70, esta tem como objetivo «a aplicação do acordo-quadro […] celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

5

O artigo 2.o, primeiro e terceiro parágrafos, desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 10 de julho de 2001 ou devem certificar-se, até esta data, de que os parceiros sociais puseram em prática as disposições necessárias por via de acordo, devendo os Estados-Membros tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente diretiva. Devem informar imediatamente a Comissão do facto.

[...]

Quando os Estados-Membros aprovarem as disposições referidas no primeiro parágrafo, estas devem incluir uma referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência quando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência serão aprovadas pelos Estados-Membros.»

6

Por força do seu artigo 3.o, a Diretiva 1999/70 entrou em vigor em 10 de julho de 1999, data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

7

Nos termos do artigo 1.o do acordo-quadro, este tem por objetivo:

«a)

Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

b)

Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

8

O artigo 2.o, n.o 1, do acordo-quadro tem a seguinte redação:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado-Membro.»

9

O artigo 3.o do acordo-quadro dispõe:

«1.

Para efeitos do presente acordo, entende-se por ‘trabalhador contratado a termo’ o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.

Para efeitos do presente acordo, entende-se por ‘trabalhador permanente em situação comparável’ um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa, realize um trabalho ou uma atividade idêntica ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências. No caso de não existir nenhum trabalhador permanente em situação comparável na mesma empresa, a comparação deverá efetuar-se com referência à convenção coletiva aplicável ou, na sua falta, em conformidade com a legislação, convenções coletivas ou práticas nacionais.»

10

O artigo 4.o do acordo-quadro, intitulado «Princípio da não discriminação», estipula:

«1.

No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.

[...]

4.

O período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho, deverá ser o mesmo para os trabalhadores contratados sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objetivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação.»

11

O artigo 5.o do acordo-quadro, intitulado «Disposições para evitar os abusos», enuncia:

«1.

Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)

Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)

Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.

Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)

Como sucessivos;

b)

Como celebrados sem termo.»

Regulamentação italiana

12

O artigo 3.o da Constituição da República Italiana enuncia o princípio da igualdade de tratamento.

13

Nos termos do artigo 97.o dessa mesma Constituição:

«O acesso aos empregos na Administração Pública é feito mediante concurso, salvo nos casos estabelecidos na lei.»

14

O artigo 1.o, n.o 519, da Lei n.o 296, que regula a elaboração do orçamento anual e plurianual do Estado (Lei de Finanças para 2007) [legge n.o 296 disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2007)], de 27 de dezembro de 2006 (suplemento ordinário ao GURI n.o 299, de 27 de dezembro de 2006, a seguir «Lei n.o 296/2006»), prevê o seguinte:

«Para o ano de 2007, uma percentagem de 20% do fundo previsto no n.o 513 é destinada à estabilização a pedido do pessoal não diretivo que tenha trabalhado a termo durante pelo menos três anos, mesmo que não consecutivos, ou que preencha este requisito em virtude de contratos celebrados antes de 29 de setembro de 2006, ou que tenha trabalhado pelo menos três anos, mesmo que não consecutivos, nos cinco anos anteriores à data de entrada em vigor da lei, desde que tenha sido admitido através de processos de seleção de natureza concursal ou previstos na lei. Procede-se à estabilização dos membros do pessoal contratados a termo de acordo com vários processos, através da organização de provas seletivas […]»

15

Resulta das informações fornecidas ao Tribunal pelo Governo italiano que essa estabilização, sendo realizada através de uma medida administrativa adotada após um procedimento previsto na lei, confere ao seu beneficiário o estatuto de funcionário, que o distingue dos «trabalhadores empregados por uma Administração Pública» com base num contrato de direito privado.

16

O artigo 75.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 112, que adota disposições urgentes para o desenvolvimento económico, a simplificação, a competitividade, a estabilização das finanças públicas e a equidade fiscal (decreto-legge n.o 112 disposizioni urgenti per lo sviluppo economico, la semplificazione, la competitività, la stabilizzazione della finanza pubblica e la perequazione tributaria), de 25 de junho de 2008 (suplemento ordinário ao GURI n.o 147, de 25 de junho de 2008), tem a seguinte redação:

«No caso dos organismos autónomos, o regime pecuniário do pessoal já envolvido nos procedimentos referidos no artigo 1.o, n.o 519, da Lei [n.o 296/2006] é fixado no nível inicial e sem reconhecimento da antiguidade de serviço adquirida nos contratos a termo ou de especialização, sem custos adicionais e com atribuição de uma prestação ad personam, suscetível de compensação e não atualizável, igual à eventual diferença entre o regime pecuniário alcançado e o que é atribuído no momento da passagem ao quadro permanente.»

17

O artigo 36.o do Decreto Legislativo n.o 165, que estabelece o regime geral relativo à organização do trabalho nas Administrações Públicas (decreto-legislativo n.o 165 norme generali sull’ordinamento del lavoro alle dipendenze delle amministrazioni pubbliche), de 30 de março de 2001 (suplemento ordinário ao GURI n.o 106, de 9 de maio de 2001), dispõe:

«1.   Para as exigências relacionadas com as suas necessidades correntes, as Administrações Públicas contratam exclusivamente através de contratos de trabalho sem termo, de acordo com os procedimentos de recrutamento previstos no artigo 35.o

2.   Para responder a exigências temporárias e excecionais, as Administrações Públicas podem recorrer às formas contratuais flexíveis de recrutamento e de emprego do pessoal, previstas pelo Código Civil e pelas leis relativas às relações de trabalho na empresa, respeitando os procedimentos de recrutamento em vigor. Sem prejuízo da competência das Administrações quanto à definição das necessidades organizacionais de acordo com as disposições legislativas em vigor, as convenções coletivas nacionais regulamentam os contratos de trabalho a termo. […]

[…]

5.   De qualquer modo, a violação de disposições imperativas em matéria de recrutamento ou de emprego de trabalhadores pelas Administrações Públicas não pode conduzir à celebração de contratos de trabalho sem termo com as referidas Administrações Públicas, sem prejuízo da responsabilidade e das sanções em que estas podem incorrer. O trabalhador em causa tem direito à reparação do prejuízo resultante da prestação de trabalho efetuada em violação de disposições imperativas. As Administrações têm a obrigação de recuperar os montantes pagos a este título junto dos dirigentes responsáveis, quando a violação seja intencional ou resulte de uma falta grave […]

[…]»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

18

Na sequência do seu pedido de estabilização apresentado em 27 de janeiro de 2007 ao abrigo da Lei n.o 296/2006, as recorrentes nos processos principais, que eram empregadas da AGCM no âmbito de sucessivos contratos de trabalho a termo, foram contratadas por esta mesma autoridade no âmbito de uma relação laboral sem termo, com incorporação no quadro permanente de funcionários a partir de 17 de maio de 2007.

19

Por decisão de 17 de julho de 2008, a AGCM classificou as recorrentes nos processos principais, com efeitos retroativos a partir de 17 de maio de 2007, no nível inicial da tabela retributiva em que tinham sido colocadas no momento da celebração dos respetivos contratos a termo anteriores, sem reconhecimento da antiguidade adquirida ao abrigo desses contratos, e atribuiu-lhes uma prestação ad personam igual à diferença entre o regime pecuniário de que usufruíam em 17 de maio de 2007 e o resultante da sua estabilização.

20

O Tribunale amministrativo regionale Lazio — Roma negou provimento ao recurso interposto desta decisão pelas recorrentes nos processos principais, designadamente com o fundamento de que, embora o procedimento de estabilização permita uma derrogação à regra do concurso geral, não permite, em contrapartida, o reconhecimento da antiguidade adquirida durante a atividade a termo.

21

As recorrentes nos processos principais interpuseram recurso desta decisão para o Consiglio di Stato. Alegam, a este respeito, uma violação do artigo 4.o do acordo-quadro, na medida em que o regime de estabilização instituído pela Lei n.o 296/2006 priva de efeito a antiguidade adquirida no âmbito da atividade exercida a termo, quando a verdade é que continuam a desempenhar funções idênticas e a sucessão de contratos de trabalho a termo foi abusiva.

22

O Consiglio di Stato salienta que a regulamentação nacional em causa permitiu o recrutamento direto de trabalhadores precários, em derrogação à regra do concurso geral para o acesso ao emprego público, mas com enquadramento no nível inicial da tabela retributiva, sem conservação da antiguidade adquirida durante o trabalho a termo.

23

Segundo este órgão jurisdicional, o legislador nacional não pretendeu, com esta regulamentação, proceder à regularização de admissões a termo ilegais e abusivas, através da conversão de contratos de trabalho a termo numa relação laboral sem termo, devido a uma utilização abusiva de tais contratos em violação do artigo 5.o do acordo-quadro. Em contrapartida, considerou que a antiguidade adquirida na atividade a termo constituía um título que legitimava a instituição de uma relação laboral sem termo, em derrogação da regra do concurso geral para o acesso ao quadro permanente da Administração Pública. A anulação da antiguidade é, neste contexto, justificada pela necessidade de evitar uma discriminação inversa em prejuízo dos trabalhadores que já fazem parte do quadro permanente, recrutados sem termo na sequência de um concurso geral. Com efeito, se os beneficiários da estabilização pudessem conservar a sua antiguidade, ultrapassariam os trabalhadores do quadro permanente com menos antiguidade.

24

O Consiglio di Stato recorda, além disso, que a regra da proibição da conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo se aplica no setor público. Ora, considera que no despacho de 1 de outubro de 2010, Affatato (C-3/10), o Tribunal de Justiça admitiu a licitude desta proibição.

25

Por fim, o Consiglio di Stato salienta que, no seu acórdão n.o 1138, de 23 de fevereiro de 2011, também excluiu a incompatibilidade da regulamentação em causa nos processos principais com o acordo-quadro, com o fundamento de que este só proíbe um tratamento desfavorável do trabalhador contratado a termo, relativamente ao recrutado sem termo, durante a relação laboral a termo. Em contrapartida, este acordo-quadro não impede que seja posto fim à relação laboral a termo, no final do prazo fixado, e que, em seguida, seja estabelecida uma nova relação laboral sem termo, sem ter em conta a antiguidade adquirida anteriormente, na medida em que se trata, justamente, de uma nova relação laboral. Considera assim que o acordo-quadro não é aplicável. Além disso, a proibição de discriminação do trabalhador contratado a termo não pode ter como consequência impor uma discriminação inversa em prejuízo do trabalhador recrutado sem termo. Assim, deve considerar-se que a aplicação de critérios diferentes aos trabalhadores a termo e aos trabalhadores sem termo se justifica por razões objetivas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do acordo-quadro.

26

Todavia, o Consiglio di Stato salienta que o Tribunale del lavoro di Torino, no seu acórdão n.o 4148, de 9 de novembro de 2009, declarou que a observância do artigo 4.o, n.o 4, do acordo-quadro exige a manutenção da antiguidade adquirida, em caso de conversão de uma relação laboral a termo em relação laboral sem termo. Segundo o Consiglio di Stato, daqui resulta uma divergência de interpretação desta disposição, ainda que esta última decisão respeite a circunstâncias diferentes das do caso em apreço. Existe, pois, uma dúvida quanto à compatibilidade do direito nacional em causa nos processos principais com o direito da União.

27

Nestas condições, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 4.o, n.o 4, do [acordo-quadro], que prevê que ‘[o] período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho deverá ser o mesmo para os trabalhadores [recrutados] sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objetivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação’, em conjugação com o artigo 5.o [deste acordo], como já interpretado pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual a regulamentação italiana que proíbe, nas relações laborais de direito público, a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo é lícita, opõe-se à regulamentação nacional de estabilização dos trabalhadores precários (artigo 1.o, n.o 519, da Lei n.o 296/2006) que permitiu a admissão direta sem termo dos trabalhadores já admitidos a termo, em derrogação à regra do concurso público, mas com anulação da antiguidade adquirida durante o período de trabalho a termo, ou, pelo contrário, a perda da antiguidade, prevista pelo legislador nacional, está incluída na derrogação por ‘razões objetivas’, que consistem na exigência de evitar que a integração dos trabalhadores precários no quadro seja feita em detrimento dos trabalhadores que já pertencem ao quadro, o que aconteceria se os trabalhadores precários conservassem a antiguidade anterior?

2)

O referido artigo 4.o, n.o 4, do [acordo-quadro], que prevê que ‘[o] período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho deverá ser o mesmo para os trabalhadores [recrutados] sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objetivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação’, em conjugação com o artigo 5.o [deste acordo], como já interpretado pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual a regulamentação italiana que proíbe, nas relações laborais de direito público, a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo é lícita, opõe-se à regulamentação nacional que, sem prejuízo da antiguidade obtida durante uma relação de trabalho a termo, prevê a cessação do contrato a termo e a celebração de um novo contrato sem termo, diferente do precedente e sem conservação da antiguidade anteriormente adquirida (artigo 1.o, n.o 519, da Lei n.o 296/2006)?»

28

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de julho de 2011, os processos C-302/11 a C-305/11 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

29

Com as suas questões, que há que tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o do acordo-quadro, conjugado com o artigo 5.o do mesmo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que exclui totalmente a tomada em consideração dos períodos de serviço cumpridos por um trabalhador de uma autoridade pública contratado a termo, para efeitos da determinação da antiguidade deste último, por ocasião do seu recrutamento sem termo, por essa mesma autoridade, como funcionário do quadro permanente, no âmbito de um procedimento específico de estabilização da sua relação de trabalho.

Quanto à aplicabilidade do artigo 4.o do acordo-quadro

30

O Governo italiano defende que o artigo 4.o do acordo-quadro não é aplicável aos litígios nos processos principais. Com efeito, considera que esta disposição proíbe apenas qualquer diferença de tratamento entre os trabalhadores sem termo e os trabalhadores precários, unicamente, durante a relação laboral a termo. Ora, os processos principais não suscitam questões relativas à comparação entre estas categorias de trabalhadores, uma vez que o anterior contrato de trabalho a termo é concebido pela regulamentação nacional em causa nos processos principais como um título que legitima a obtenção de um contrato de trabalho sem termo, em derrogação da regra do concurso geral para o acesso aos quadros permanentes da Administração Pública. Este contrato de trabalho a termo constitui assim, unicamente, uma condição para aceder ao procedimento especial com vista a um recrutamento autónomo no âmbito de uma relação sem termo totalmente diferente da anterior. O procedimento de estabilização tem, portanto, por efeito, não a transformação ou a conversão numa relação laboral sem termo de contratos de trabalho a termo celebrados abusivamente em violação do artigo 5.o do acordo-quadro mas a instituição de uma nova relação laboral que acarreta a obrigação de cumprir um período de estágio. Paralelamente, tal estabilização põe fim à relação laboral a termo, implicando a obrigação de resolver todas as situações pendentes e de proceder, nomeadamente, à liquidação da remuneração devida na sequência da cessação da relação laboral e à compensação dos dias de férias não gozados.

31

Com esta argumentação, que, no essencial, vai ao encontro da apreciação efetuada pelo Consiglio di Stato nas decisões de reenvio e no seu acórdão n.o 1138, de 23 de fevereiro de 2011, o Governo italiano alega, pois, em substância, que o artigo 4.o do acordo-quadro é inaplicável em situações como as que estão em causa nos processos principais, uma vez que a diferença de tratamento invocada pelas recorrentes nos processos principais, que, desde 17 de maio de 2007, estão ligadas à AGCM por um contrato de trabalho sem termo, se verifica relativamente a outros trabalhadores recrutados sem termo.

32

A este respeito, cumpre recordar que o acordo-quadro, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou que sejam partes numa relação laboral definida pela lei, pelas convenções coletivas ou pelas práticas vigentes em cada Estado-Membro (acórdão de 8 de setembro de 2011, Rosado Santana, C-177/10, Colet., p. I-7907, n.o 39).

33

O Tribunal de Justiça já declarou que a Diretiva 1999/70 e o acordo-quadro são aplicáveis a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no quadro de uma relação laboral a termo que os liga à sua entidade patronal (acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso, C-307/05, Colet., p. I-7109, n.o 28, e Rosado Santana, já referido, n.o 40).

34

O simples facto de as recorrentes terem adquirido a qualidade de trabalhadoras recrutadas sem termo não exclui que possam, em certas circunstâncias, invocar o princípio da não discriminação enunciado no artigo 4.o do acordo-quadro (v. acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 41, e, neste sentido, v. acórdão de 8 de março de 2012, Huet, C-251/11, n.o 37).

35

Com efeito, nos processos principais, as recorrentes visam essencialmente, na sua qualidade de trabalhadoras recrutadas sem termo, pôr em causa uma diferença de tratamento aquando da ponderação da antiguidade e da experiência profissional adquirida para efeitos de um processo de recrutamento no termo do qual se tornaram funcionárias do quadro permanente. Enquanto os períodos de serviço cumpridos como trabalhadoras recrutadas sem termo seriam tidos em conta na determinação da antiguidade e, logo, na fixação do nível da remuneração, os períodos cumpridos na qualidade de trabalhadoras a termo não o seriam, sem que, em sua opinião, a natureza das tarefas efetuadas e as características inerentes a estas sejam examinadas. Na medida em que a discriminação contrária ao artigo 4.o do acordo-quadro, de que as recorrentes nos processos principais alegam ser vítimas, diz respeito aos períodos de serviço cumpridos enquanto trabalhadoras contratadas a termo, o facto de se terem entretanto tornado trabalhadoras sem termo é irrelevante (v., neste sentido, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 42).

36

Além disso, importa salientar que o artigo 4.o do acordo-quadro prevê, no seu n.o 4, que o período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho deve ser o mesmo para os trabalhadores sem termo e para os trabalhadores a termo, salvo quando razões objetivas justificarem que sejam considerados diferentes períodos. Não resulta do teor desta disposição nem do contexto em que ela se insere que a mesma deixa de ser aplicável quando o trabalhador em causa tenha adquirido o estatuto de trabalhador sem termo. Com efeito, os objetivos prosseguidos pela Diretiva 1999/70 e pelo acordo-quadro, que visam tanto proibir a discriminação como evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, apontam em sentido contrário (acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 43).

37

Excluir à partida a aplicação do acordo-quadro numa situação como a que está em causa nos processos principais equivaleria a reduzir, contrariando o objetivo atribuído ao referido artigo 4.o, o âmbito da proteção contra discriminações concedida às trabalhadoras em causa e conduziria a uma interpretação indevidamente restritiva deste artigo, contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 44 e jurisprudência referida).

38

Atendendo às considerações precedentes, importa assinalar que, contrariamente à interpretação sustentada pelo Governo italiano, nada se opõe à aplicabilidade do artigo 4.o do acordo-quadro ao litígio nos processos principais.

Quanto à interpretação do artigo 4.o do acordo-quadro

39

Há que recordar que o artigo 4.o, n.o 1, do acordo-quadro enuncia, no que respeita às condições de emprego, uma proibição de tratar os trabalhadores a termo de forma menos favorável do que os trabalhadores sem termo, numa situação comparável, pelo simples motivo de terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente. O n.o 4 deste artigo enuncia a mesma proibição no que respeita aos períodos de antiguidade relativos a condições particulares de emprego (acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 64).

40

Segundo jurisprudência assente, o princípio da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado (acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 65 e jurisprudência referida).

41

Importa, pois, num primeiro momento, examinar a comparabilidade das situações em causa e, depois, num segundo momento, examinar a existência de uma eventual justificação objetiva.

Quanto à comparabilidade das situações em causa

42

Para apreciar se as pessoas interessadas exercem um trabalho idêntico ou similar na aceção do acordo-quadro, cumpre, em conformidade com os seus artigos 3.°, n.o 2, e 4.°, n.o 1, averiguar se, atendendo a uma globalidade de fatores, como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições de trabalho, se pode considerar que estas pessoas se encontram numa situação comparável (despacho de 18 de março de 2011, Montoya Medina, C-273/10, n.o 37; acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 66; e despacho de 9 de fevereiro de 2012, Lorenzo Martínez, C-556/11, n.o 43).

43

Incumbe, em princípio, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, quando exerciam as suas funções na AGCM, no âmbito de um contrato de trabalho a termo, as recorrentes nos processos principais se encontravam numa situação comparável à dos funcionários do quadro permanente recrutados sem termo por esta mesma autoridade (v. acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 67, e despacho Lorenzo Martínez, já referido, n.o 44).

44

Com efeito, a natureza das funções exercidas pelas recorrentes nos processos principais, durante os anos em que trabalharam nos serviços da AGCM, no âmbito de contratos de trabalho a termo, e a qualidade da experiência que adquiriram a este título não constituem apenas um dos fatores suscetíveis de justificar objetivamente uma diferença de tratamento em relação aos funcionários do quadro permanente. Figuram igualmente entre o número de critérios que permitem verificar se as interessadas se encontram numa situação comparável à destes últimos (v., neste sentido, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 69).

45

No caso em apreço, verifica-se que as recorrentes nos processos principais, beneficiárias do procedimento de estabilização, não foram aprovadas, ao contrário dos funcionários do quadro permanente, no concurso geral de acesso à função pública. Todavia, essa circunstância, como a Comissão corretamente alegou, não pode implicar que estas se encontrem numa situação diferente, uma vez que as condições da estabilização fixadas pelo legislador nacional na regulamentação em causa nos processos principais, relativas, respetivamente, à duração da relação laboral a termo e à exigência de se ter sido contratado para esse efeito através de um procedimento de seleção sob a forma de concurso ou de um procedimento previsto na lei, se destinam, precisamente, a permitir apenas a estabilização dos trabalhadores a termo cuja situação possa ser equiparada à dos funcionários do quadro permanente.

46

Quanto à natureza das funções exercidas nos processos principais, não resulta de forma clara dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe quais eram as funções exercidas pelas recorrentes nos processos principais, durante os anos em que trabalharam no âmbito de contratos de trabalho a termo na AGCM, nem qual era a relação entre elas e as funções que lhes estavam atribuídas enquanto funcionárias do quadro permanente.

47

Todavia, nas observações escritas que apresentaram ao Tribunal de Justiça, as recorrentes nos processos principais afirmam, o que a Comissão também salienta, que as funções por elas exercidas enquanto funcionárias do quadro permanente, após o procedimento de estabilização, são as mesmas que as exercidas anteriormente, no âmbito de contratos de trabalho a termo. Além disso, resulta das próprias explicações do Governo italiano sobre a razão de ser da regulamentação nacional em causa nos processos principais que esta, ao garantir o recrutamento sem termo dos trabalhadores contratados anteriormente a termo, se destina a valorizar a experiência adquirida por estes na AGCM. No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito.

48

Na hipótese de as funções exercidas na AGCM pelas recorrentes nos processos principais, no âmbito de contratos de trabalho a termo, não corresponderem às exercidas por um funcionário do quadro permanente pertencente à categoria pertinente dessa autoridade, a diferença de tratamento alegada, relativa à tomada em consideração dos períodos de serviço por ocasião do recrutamento das recorrentes como funcionárias do quadro permanente, não seria contrária ao artigo 4.o do acordo-quadro, uma vez que esta diferença de tratamento se refere a situações diferentes (v., por analogia, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 68).

49

Em contrapartida, na hipótese de as funções exercidas na AGCM pelas recorrentes nos processos principais, no âmbito de contratos de trabalho a termo, corresponderem às exercidas por um funcionário do quadro permanente pertencente à categoria pertinente dessa autoridade, importaria então verificar se há uma razão objetiva que justifique que não sejam em absoluto tomados em consideração os períodos de serviço cumpridos no âmbito dos contratos de trabalho a termo, aquando do recrutamento das recorrentes nos processos principais como funcionárias do quadro permanente e, portanto, da sua integração nesse quadro (v., neste sentido, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 71).

Quanto à existência de uma justificação objetiva

50

Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o conceito de «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro, deve ser entendido no sentido de que não permite justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores recrutados sem termo, pelo facto de esta diferença estar prevista numa norma nacional geral e abstrata, como uma lei ou uma convenção coletiva (acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.o 57; acórdão de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, C-444/09 e C-456/09, Colet., p. I-14031, n.o 54; despacho Montoya Medina, já referido, n.o 40; acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 72; e despacho Lorenzo Martínez, já referido, n.o 47).

51

O referido conceito exige que a desigualdade de tratamento em causa seja justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico em que esta se insere e com base em critérios objetivos e transparentes, a fim de verificar se esta desigualdade responde a uma verdadeira necessidade, é adequada a atingir o objetivo prosseguido e necessária para esse efeito. Os referidos elementos podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos a termo foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado-Membro (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Del Cerro Alonso, n.os 53 e 58, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, n.o 55; despacho Montoya Medina, já referido, n.o 41; acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 73; e despacho Lorenzo Martínez, já referido, n.o 48).

52

O recurso apenas à natureza temporária do trabalho do pessoal da Administração Pública não corresponde a estas exigências e, consequentemente, não é suscetível de constituir uma «razão objetiva» na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro. Com efeito, admitir que a mera natureza temporária de uma relação laboral basta para justificar uma diferença de tratamento entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores recrutados sem termo esvaziaria de conteúdo os objetivos da Diretiva 1999/70 e do acordo-quadro e equivaleria a perpetuar a manutenção de uma situação desfavorável aos trabalhadores contratados a termo (acórdão Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, já referido, n.os 56 e 57; despacho Montoya Medina, já referido, n.os 42 e 43; acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 74; e despacho Lorenzo Martínez, já referido, n.os 49 e 50).

53

No caso concreto, para justificar a diferença de tratamento alegada nos processos principais, o Governo italiano invoca a existência de várias diferenças objetivas entre os funcionários do quadro permanente e os trabalhadores contratados a termo, posteriormente recrutados como funcionários do quadro permanente.

54

Salienta, antes de mais, que esse recrutamento no âmbito da regulamentação dita «de estabilização» ocorre no âmbito de um procedimento que não apresenta os elementos característicos do processo de concurso e que, portanto, como derrogação dos procedimentos normais de contratação, não pode constituir uma razão válida para a concessão de uma remuneração superior à prevista para o nível inicial da tabela retributiva aplicável aos funcionários do quadro permanente.

55

Em seguida, o Governo italiano afirma que a referida regulamentação, ao conceber a antiguidade adquirida no âmbito de contratos de trabalho a termo como uma condição para beneficiar da estabilização e não como um elemento que pode ser tido em conta no âmbito da nova relação laboral sem termo, encontra a sua justificação na necessidade de evitar a discriminação inversa em prejuízo dos funcionários já integrados no quadro permanente. Com efeito, se os trabalhadores estabilizados pudessem conservar a referida antiguidade, a sua integração no quadro permanente ocorreria em detrimento dos trabalhadores já recrutados sem termo, na sequência de um concurso geral, mas com menos antiguidade. Com efeito, estes últimos ficariam colocados, no quadro permanente, num nível inferior ao dos beneficiários da estabilização.

56

Por fim, salienta que a tomada em consideração da antiguidade adquirida ao abrigo dos anteriores contratos de trabalho a termo seria contrária, por um lado, ao artigo 3.o da Constituição da República Italiana, lido no sentido de que um tratamento desfavorável não pode ser aplicado a situações que apresentem um mérito mais elevado, e, por outro, ao artigo 97.o desta mesma Constituição, que prevê que o concurso geral, enquanto mecanismo imparcial de seleção técnica e neutra das pessoas mais competentes com base no mérito, constitui a forma genérica de recrutamento para as Administrações Públicas, com a finalidade de satisfazer as exigências de imparcialidade e de eficácia da ação administrativa.

57

A este respeito, há que recordar que, atendendo à margem de apreciação de que dispõem no que respeita à organização das suas próprias Administrações Públicas, os Estados-Membros podem, em princípio, sem contrariar a Diretiva 1999/70 nem o acordo-quadro, prever as condições de acesso à qualidade de funcionários do quadro permanente e as condições de emprego de tais funcionários, nomeadamente quando estes eram anteriormente empregados das Administrações no âmbito de contratos de trabalho a termo (v., neste sentido, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 76).

58

Assim, como a Comissão salientou na audiência, a experiência profissional dos trabalhadores contratados a termo, refletida nos períodos de serviço cumpridos por estes na Administração Pública, no âmbito de contratos de trabalho a termo, pode constituir, como prevê a regulamentação em causa nos processos principais, que subordina a estabilização, nomeadamente, ao cumprimento de um período de serviço de três anos no âmbito de contratos de trabalho a termo, um critério de seleção para efeitos de um procedimento de recrutamento como funcionário.

59

No entanto, não obstante esta margem de apreciação, a aplicação dos critérios que os Estados-Membros estabelecem deve ser efetuada de forma transparente e deve poder ser fiscalizada de modo a impedir o tratamento desfavorável dos trabalhadores contratados a termo apenas com fundamento na duração dos contratos ou das relações laborais que servem de base à sua antiguidade e à sua experiência profissional (v. acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 77).

60

A este propósito, há que reconhecer que certas diferenças invocadas pelo Governo italiano relativas ao recrutamento dos trabalhadores contratados a termo no âmbito de procedimentos de estabilização como os que estão em causa nos processos principais relativamente aos funcionários do quadro permanente recrutados após um concurso geral, às qualificações exigidas e à natureza das tarefas de que devem assumir a responsabilidade poderiam, em princípio, justificar uma diferença de tratamento quanto às suas condições de emprego (v., neste sentido, acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 78).

61

Quando tal tratamento diferenciado resulte da necessidade de ter em conta exigências objetivas relativas ao lugar que o procedimento de recrutamento tem por objeto prover e que são alheias à duração determinada da relação laboral que liga o trabalhador ao seu empregador, o mesmo é suscetível de ser justificado na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro (v. acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 79).

62

No caso em apreço, quanto ao objetivo alegado que consiste em evitar discriminações inversas em prejuízo dos funcionários do quadro permanente recrutados após aprovação num concurso geral, importa observar que, se tal objetivo pode constituir uma «razão objetiva» na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro, o referido objetivo não pode, em caso algum, justificar uma regulamentação nacional desproporcionada como a que está em causa nos processos principais, que exclui totalmente e em qualquer circunstância a tomada em consideração de todos os períodos de serviço cumpridos por trabalhadores, no âmbito de contratos de trabalho a termo, para efeitos da determinação da sua antiguidade aquando do seu recrutamento sem termo e, portanto, do seu nível de remuneração. Com efeito, uma tal exclusão total e absoluta assenta intrinsecamente na premissa geral segundo a qual a duração indeterminada da relação de emprego de certos agentes públicos justifica, em si mesma, uma diferença de tratamento relativamente aos agentes públicos contratados a termo, esvaziando assim da sua substância os objetivos da Diretiva 1999/70 e do acordo-quadro.

63

Quanto à circunstância, reiterada na audiência pelo Governo italiano, segundo a qual o procedimento de estabilização dá lugar, no direito nacional, a uma nova relação laboral, importa recordar que, na verdade, o acordo-quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos de trabalho sem termo e não tem por objetivo harmonizar o conjunto das regras nacionais relativas aos contratos de trabalho a termo. Efetivamente, este acordo-quadro visa unicamente, ao fixar princípios gerais e requisitos mínimos, estabelecer um quadro geral para assegurar a igualdade de tratamento aos trabalhadores a termo, protegendo-os contra a discriminação, e evitar os abusos decorrentes da utilização de relações laborais ou de contratos de trabalho a termo sucessivos (v. acórdão Huet, já referido, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida).

64

Todavia, o poder reconhecido aos Estados-Membros para determinar o conteúdo das suas regras nacionais relativas aos contratos de trabalho não lhes pode permitir pôr em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo-quadro (v., neste sentido, acórdão Huet, já referido, n.o 43 e jurisprudência referida).

65

Ora, o princípio da não discriminação enunciado no artigo 4.o do acordo-quadro ficaria privado de conteúdo se o simples caráter novo de uma relação laboral segundo o direito nacional pudesse constituir uma «razão objetiva», na aceção do referido artigo, suscetível de justificar uma diferença de tratamento, como a invocada nos processos principais, relativa à tomada em consideração, aquando do recrutamento sem termo, por uma autoridade pública, de trabalhadores a termo, da antiguidade adquirida por estes últimos, junto dessa mesma autoridade, no âmbito dos respetivos contratos a termo.

66

Em contrapartida, importa ter em conta a natureza particular das tarefas desempenhadas pelas recorrentes nos processos principais.

67

A este respeito, há que reconhecer que se se provasse, como as recorrentes nos processos principais defenderam no âmbito do presente processo, tal como resulta do n.o 47 do presente acórdão, que as funções por elas exercidas enquanto funcionárias do quadro permanente são idênticas às que desempenhavam anteriormente, no âmbito de contratos de trabalho a termo, e se, como o Governo italiano alegou nas suas observações escritas, a regulamentação nacional em causa tem por objetivo valorizar a experiência adquirida pelos funcionários interinos na AGCM, tais elementos poderiam sugerir que a não tomada em consideração dos períodos de serviço cumpridos pelos trabalhadores a termo é, na realidade, justificada pela simples duração dos seus contratos de trabalho e, logo, que a diferença de tratamento em causa nos processos principais não assenta em justificações ligadas às exigências objetivas dos lugares que foram objeto do procedimento de estabilização, suscetíveis de ser qualificadas de «razões objetivas» na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro.

68

No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, nos processos principais, por um lado, verificar se a situação das recorrentes era, em relação aos períodos de serviço que cumpriram no âmbito de contratos de trabalho a termo, comparável à de outro empregado da AGCM que tenha cumprido os seus períodos de serviço como funcionário nas categorias pertinentes do quadro permanente e, por outro lado, apreciar, atendendo à jurisprudência recordada nos n.os 50 a 52 do presente acórdão, se alguns dos argumentos que lhe foram apresentados pela AGCM constituem «razões objetivas» na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo-quadro (acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 83).

69

Dado que o artigo 5.o do acordo-quadro não é pertinente a este respeito, e que as decisões de reenvio, por outro lado, não contêm nenhuma informação concreta e precisa acerca de uma eventual utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos, não há que se pronunciar sobre a interpretação deste artigo, como as recorrentes nos processos principais afirmaram.

70

Importa, por fim, recordar que o artigo 4.o do acordo-quadro é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado, a partir da data em que expirou o prazo fixado aos Estados-Membros para efetuar a transposição da Diretiva 1999/70, contra o Estado, pelos particulares, perante o juiz nacional (v., neste sentido, acórdão Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, já referido, n.os 78 a 83, 97 e 98; despacho Montoya Medina, já referido, n.o 46; e acórdão Rosado Santana, já referido, n.o 56).

71

Tendo em conta as considerações expostas, há que responder às questões submetidas que o artigo 4.o do acordo-quadro, anexo à Diretiva 1999/70, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais, que exclui totalmente a tomada em consideração dos períodos de serviço cumpridos por um trabalhador de uma autoridade pública contratado a termo, para efeitos da determinação da antiguidade deste último, aquando do seu recrutamento sem termo, por essa mesma autoridade, como funcionário do quadro permanente, no âmbito de um procedimento específico de estabilização da sua relação de trabalho, a não ser que esta exclusão seja justificada por «razões objetivas» na aceção dos n.os 1 e/ou 4 desse artigo. O simples facto de o trabalhador com contrato a termo ter cumprido os referidos períodos de serviço com base num contrato ou numa relação laboral a termo não constitui tal razão objetiva.

Quanto às despesas

72

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 4.o do Acordo-Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais, que exclui totalmente a tomada em consideração dos períodos de serviço cumpridos por um trabalhador de uma autoridade pública contratado a termo, para efeitos da determinação da antiguidade deste último, aquando do seu recrutamento sem termo, por essa mesma autoridade, como funcionário do quadro permanente, no âmbito de um procedimento específico de estabilização da sua relação de trabalho, a não ser que esta exclusão seja justificada por «razões objetivas» na aceção dos n.os 1 e/ou 4 desse artigo. O simples facto de o trabalhador com contrato a termo ter cumprido os referidos períodos de serviço com base num contrato ou numa relação laboral a termo não constitui tal razão objetiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

Top