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Document 62011CC0638

Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 25 de Abril de 2013.
Conselho da União Europeia contra Gul Ahmed Textile Mills Ltd.
Recurso de decisão do Tribunal Geral - Dumping - Importações de roupa de cama de algodão originária do Paquistão - Regulamento (CE) n.º 384/96 - Artigo 3.º, n.º 7 - Conceito de ‘outros fatores’.
Processo C-638/11 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:277

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 25 de abril de 2013 ( 1 )

Processo C‑638/11 P

Conselho da União Europeia

contra

Gul Ahmed Textile Mills Ltd

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de roupas de cama de algodão originárias do Paquistão — Nexo de causalidade entre o dumping e o prejuízo — Outros fatores conhecidos que causam prejuízo, que não as importações objeto de dumping — Imputação ou não imputação do prejuízo às importações objeto de dumping»

1. 

Antes de 2002, as importações de roupas de cama originárias do Paquistão estavam sujeitas a um direito aduaneiro, nos últimos tempos de 12%. A partir de 1997, também estavam sujeitas, com algumas exceções, a um direito antidumping entre 6% e 7% ( 2 ). Em janeiro de 2002, esses dois direitos foram suprimidos ( 3 ). Em novembro de 2002, o Eurocoton ( 4 ), agindo em nome de produtores que representavam uma parte substancial da produção comunitária, apresentou uma queixa junto da Comissão. Na sequência do inquérito, foi imposto em 2004 um novo direito antidumping de 13,1% ( 5 ).

2. 

A Gul Ahmed Textile Mills Ltd (a seguir «Gul Ahmed») é uma produtora paquistanesa cujos produtos exportados não tinham estado sujeitos ao anterior direito antidumping ( 6 ). Esta interpôs um recurso perante o Tribunal Geral contestando o regulamento impugnado pelo facto de, nomeadamente, a determinação do prejuízo não ter tido em conta o facto de que as importações terem aumentado em resultado da supressão de anteriores direitos, o que era um fator conhecido, que não as importações objeto de dumping, que causava um prejuízo à indústria comunitária, na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96 (a seguir «regulamento de base») ( 7 ).

3. 

O Tribunal Geral deu provimento ao recurso com base nesse fundamento ( 8 ).

4. 

O Conselho recorreu do acórdão do Tribunal Geral e, apoiado pela Comissão argumenta, no essencial, que o efeito da supressão dos anteriores direitos não podia ser separado ou distinguido do relativo às importações objeto de dumping quando da determinação da causa do prejuízo para a indústria comunitária. A sua supressão não constituiu portanto «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping». A questão é, assim, apenas uma: deve o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, ter uma interpretação ampla ou restritiva?

Legislação relevante

Regulamento de base

5.

Como se refere no seu preâmbulo, o regulamento de base foi adotado tendo em vista adaptar as regras comunitárias às alterações decorrentes de acordos internacionais, em particular ao Código antidumping da OMC ( 9 ).

6.

O artigo 1.o, n.o 1, do regulamento de base, estabelece o princípio de que pode ser aplicado um direito antidumping a qualquer produto objeto de dumping cuja introdução em livre prática na Comunidade cause prejuízo. O artigo 1.o, n.o 2, define produto objeto de dumping como aquele cujo preço de exportação para a Comunidade é inferior ao preço comparável de um produto similar, no decurso de operações comerciais normais, estabelecido para o país de exportação.

7.

O artigo 2.o estabelece os princípios e regras que regulam a determinação do dumping. No essencial, para um determinado produto exportado de um país terceiro, são determinados um valor normal no mercado interno e um preço de exportação para a Comunidade, e é feita uma comparação equitativa entre os dois, tendo em conta vários fatores que podem influenciar diferenças entre eles. Se uma comparação entre as médias ponderadas demonstrar que o valor normal excede o preço de exportação, a respetiva diferença é a margem de dumping.

8.

O artigo 3.o (com a epígrafe «Determinação da existência de prejuízo») dispõe, em especial:

«[...]

2.   A determinação da existência de prejuízo deve basear‑se em elementos de prova positivos e incluir um exame objetivo a) do volume das importações objeto de dumping e do seu efeito nos preços dos produtos similares no mercado comunitário e b) da repercussão dessas importações na indústria comunitária.

3.   Verificar‑se‑á se houve um aumento significativo do volume das importações objeto de dumping quer em termos absolutos, quer em relação à produção ou ao consumo na Comunidade. Relativamente aos efeitos nos preços das importações objeto de dumping, verificar‑se‑á se houve uma subcotação importante dos preços provocada pelas importações objeto de dumping em relação aos preços de um produto similar da indústria comunitária ou se, por outro lado, essas importações tiveram como efeito depreciar significativamente os preços ou impedir aumentos significativos de preços que, de outro modo, teriam ocorrido. Nenhum destes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, constitui necessariamente uma indicação determinante.

[…]

5.   O exame da repercussão das importações objeto de dumping na indústria comunitária em causa incluirá uma avaliação de todos os fatores e índices económicos pertinentes que influenciem a situação dessa indústria, nomeadamente: o facto de a indústria se encontrar ainda num processo de recuperação dos efeitos de situações de dumping ou de subvenções ocorridas no passado, a amplitude da margem de dumping efetiva, a diminuição efetiva e potencial das vendas, lucros, produção, parte de mercado, produtividade, rentabilidade ou utilização das capacidades; fatores que afetam os preços comunitários; os efeitos negativos, efetivos e potenciais, sobre o cash‑flow, existências, emprego, salários, crescimento e possibilidade de obter capitais ou investimentos. Esta lista não é exaustiva e nenhum destes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, constitui necessariamente uma indicação determinante.

6.   É necessário demonstrar, através de todos os elementos de prova relevantes apresentados em conformidade com o n.o 2, que as importações objeto de dumping estão a causar prejuízo na aceção do presente regulamento. Concretamente, tal facto implicará a demonstração de que o volume e/ou os níveis de preços identificados nos termos do n.o 3 se repercutem na indústria comunitária conforme disposto no n.o 5 e de que esta repercussão pode ser classificada de importante.

7.   Outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping, que simultaneamente estejam a causar um prejuízo à indústria comunitária, serão igualmente examinados para que os prejuízos por eles causados não sejam atribuídos às importações objeto de dumping nos termos do n.o 6. Os fatores eventualmente relevantes para o efeito compreendem, nomeadamente, o volume e os preços das importações não vendidas a preços de dumping, a contração da procura ou alterações nos padrões de consumo, as práticas comerciais restritivas dos produtores de países terceiros e comunitários e a concorrência entre eles, a evolução tecnológica, bem como os resultados das exportações e a produtividade da indústria comunitária.

[…]» ( 10 )

Regulamento impugnado

9.

O considerando 19 do preâmbulo do regulamento impugnado refere que o período de inquérito sobre o dumping e o prejuízo decorreu de 1 de outubro de 2001 até 30 de setembro de 2002 e que a análise das tendências relevantes para efeitos da avaliação do prejuízo abrangeu o período compreendido entre 1999 e o final do período de inquérito ( 11 ).

10.

Tendo sido determinada a existência de dumping por todos os produtores exportadores paquistaneses e o prejuízo para a indústria comunitária nos considerandos 30 a 102 desse preâmbulo, a causa foi examinada nos considerandos 103 a 118. Concluiu‑se no considerando 107 que, tanto em termos de volume como de preços, as importações do Paquistão exerceram uma pressão significativa para a baixa na indústria comunitária e que havia uma coincidência temporal entre essas importações e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária. Nos considerandos 108 a 115, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, foram examinados os efeitos de outros seis fatores: as importações objeto de subvenções originárias da Índia, as importações originárias de países terceiros, excluindo a Índia e o Paquistão, a contração da procura, as importações da indústria comunitária, os resultados das exportações da indústria comunitária e a produtividade da indústria comunitária. Nos considerandos 116 a 118, concluiu‑se que nenhum desses fatores quebrou o nexo de causalidade entre as importações do Paquistão e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária.

11.

O artigo 1.o do regulamento impugnado instituiu um direito antidumping definitivo de 13,1% sobre as importações de roupas de cama de fibras de algodão, puras ou combinadas com fibras sintéticas ou artificiais ou com linho (não o sendo o linho a fibra dominante), branqueadas, tintas ou estampadas, originárias do Paquistão e classificada em códigos específicos na Nomenclatura Combinada ( 12 ).

Acórdão recorrido

12.

O Tribunal Geral apreciou apenas a terceira parte do quinto fundamento invocado pela Gul Ahmed, relativo ao erro de direito de aferir cometido pelo Conselho por não ter examinado se a supressão do anterior direito antidumping sobre produtos do Paquistão e a aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas a favor do Paquistão no início de 2002 quebrou o nexo de causalidade entre as importações do Paquistão e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária ( 13 ).

13.

No n.o 53 do seu acórdão, o Tribunal Geral fez notar que os efeitos prejudiciais das importações objeto de dumping devem ser corretamente separados e distinguidos dos efeitos prejudiciais dos «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping, que simultaneamente causem um prejuízo à indústria comunitária». Sem essa separação e distinção, a Comissão e o Conselho não teriam uma base racional para concluir que as importações objeto de dumping causavam efetivamente o prejuízo. Essa separação requer uma análise concreta da natureza e da importância dos fatores em questão, que não pode ser baseada na simples hipótese de que os outros fatores, que não as importações objeto de dumping, não causam o prejuízo e não contribuem para o mesmo.

14.

Nos n.os 55 a 59, o Tribunal Geral rejeitou a distinção entre desenvolvimentos ou conduta relativos ao mercado (que o Conselho considerou constituírem outros fatores) e as alterações do quadro legislativo do mercado (que não considerou dessa forma). Essa distinção não decorria do artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base ou do artigo 3.5 do Código antidumping da OMC, nem podia ser deduzida de quaisquer características comuns apresentadas pelos outros fatores conhecidos enunciados nessas disposições.

15.

Em primeiro lugar, a enumeração desses fatores era explicitamente indicativa, não exaustiva. Em segundo lugar, as duas disposições procuravam evitar uma proteção desnecessária da indústria interna assegurando que os efeitos negativos de outros fatores que influenciam o prejuízo não são atribuídos às importações em causa. Em terceiro lugar, se o aumento das importações de um produto na sequência da eliminação de restrições quantitativas pode ser tido em conta na avaliação da existência de prejuízo ( 14 ), o mesmo deve valer para a avaliação da causa em conformidade com o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base. Consequentemente, a abolição dos anteriores direitos antidumping e dos direitos aduaneiros comuns constituíam outros fatores conhecidos que as instituições da União Europeia devem ter em conta na avaliação do nexo de causalidade entre as importações em causa e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária. Uma conclusão contrária tornaria ineficaz a obrigação prevista no artigo 3.o, n.o 7, quando, como no caso em apreço, os efeitos das alterações do quadro legislativo tinha sido claramente suscitada no procedimento administrativo.

16.

No n.o 84 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou:

«[…] da análise realizada pelas instituições da União Europeia neste processo não resulta, nem sob a forma de uma simples estimativa, qual teria sido o prejuízo sofrido pela indústria comunitária na ausência de qualquer dumping, o que equivale a dizer, qual teria sido o prejuízo decorrente apenas da entrada em vigor do sistema de preferências pautais generalizadas e da abolição dos anteriores direitos antidumping, em termos de perda de quota de mercado, de redução de rentabilidade ou da produtividade da indústria, fatores acima referidos, renuncia a segmentos mais baixos do mercado ou de qualquer outro indicador económico relevante. Tornava‑se ainda mais necessário analisar o impacto das medidas em questão dado que decorre de diversas passagens do regulamento impugnado que a concorrência nos preços tinha sido ‘feroz’, pelo que uma diminuição dos preços das importações do Paquistão na sequência das referidas alterações legislativas não poderia, com toda a probabilidade, ter continuado sem um impacto no estado do mercado.»

17.

Dado que não foi possível excluir que, sem o erro de direito em questão, o Conselho não teria determinado a existência de um nexo de causalidade entre as importações que constituem o objeto do procedimento antidumping e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária, o Tribunal Geral anulou o regulamento impugnado na parte em que dizia respeito à Gul Ahmed e, de facto, remeteu o processo ao Conselho uma vez que não podia substituir a sua própria avaliação pela do Conselho. O Tribunal Geral considerou desnecessário apreciar quaisquer outros fundamentos e argumentos da Gul Ahmed.

Resumo dos argumentos do recurso

18.

Em apoio do seu único fundamento de recurso, a saber, que o Tribunal Geral violou o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, o Conselho alega que, em primeiro lugar, os «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping» não estão, por definição, relacionados com essas importações — por exemplo, importações originárias de outros países terceiros, ineficácia dos custos, contração da procura e concorrência entre produtores da União Europeia. No caso em apreço, a supressão do anterior direito antidumping e a aplicação do sistema de preferências pautais sobre importações do produto em causa estavam intimamente relacionadas com as importações objeto de dumping originárias do Paquistão. Este fator pode ter favorecido um aumento dessas importações, mas o prejuízo que resulta de um aumento das importações objeto de dumping resulta das próprias importações e não de outros fatores que favoreçam o aumento ( 15 ).

19.

Em segundo lugar, o entendimento do Tribunal Geral não está livre de escrutínio.

20.

Não é relevante afirmar que o elenco referido no artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base não é exaustivo. O Conselho tinha apenas alegado que os dois fatores controvertidos não constituíam outros fatores na aceção dessa disposição.

21.

O n.o 57 do acórdão recorrido não responde a alegação do Conselho de que as alterações do quadro legislativo importam apenas na medida em que produzam um efeito no mercado; e de que os dois fatores em questão podiam ter tido um efeito nas importações objeto de dumping, mas não no desempenho da indústria da União Europeia.

22.

É verdade que todos os outros fatores conhecidos devem ser tidos em conta e que o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, procura assegurar que o prejuízo causado por outros fatores não seja imputado às importações objeto de dumping. No entanto, a afirmação do Tribunal Geral de que o artigo 3.o, n.o 7, não distingue entre os desenvolvimentos ou a conduta relativos ao mercado e as alterações do quadro legislativo não reconhece que essas alterações podem produzir um efeito prejudicial apenas na medida em que produzam efeitos no mercado. O único efeito alegado dos dois fatores controvertidos foi o de que podem ter favorecido as importações objeto de dumping; que qualquer prejuízo causado pelas importações objeto de dumping foi causado por elas próprias e não pelos fatores que as possam ter favorecido e que, por conseguinte, os dois fatores controvertidos, não eram «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping» na aceção do artigo 3.o, n.o 7.

23.

Com efeito, o acórdão Foshan Golden Step apoia a interpretação do Conselho. Nesse processo, o Tribunal Geral rejeitou a alegação de que a abolição da quota quantitativa distorcia os dados relativos ao prejuízo e considerou que foi com razão que o Conselho teve em conta, na sua avaliação do prejuízo, o aumento das importações na sequência da abolição da quota. Por outras palavras, na medida em que o prejuízo consista num aumento das importações objeto de dumping, as instituições podem atribuir a totalidade do prejuízo às importações objeto de dumping e não necessitam de separar e distinguir os efeitos da abolição da quota.

24.

Em terceiro lugar, no essencial, o Tribunal Geral interpretou incorretamente o artigo 3.o, n.os 6 e 7, do regulamento de base. No n.o 84 do seu acórdão, considerou que, para poderem impor medidas, as instituições têm que estabelecer um nexo de causalidade entre o dumping e o prejuízo sofrido. Contudo, resulta de forma clara da redação do artigo 3.o, n.os 6 e 7 e da jurisprudência constante ( 16 ) que o nexo de causalidade a ser estabelecido é entre as importações objeto de dumping e o prejuízo sofrido, não entre o dumping e o prejuízo sofrido.

25.

Por último, a decisão do Tribunal Geral conduz a resultados absurdos e inaceitáveis. Se os direitos antidumping caducam porque a indústria da União Europeia não solicita uma revisão do prazo de caducidade ou porque as instituições concluem que não estão reunidas as condições para a renovação, e se as importações objeto de dumping originárias do país em causa aumentam massivamente e tomam uma parte significativa do mercado da indústria da União Europeia, então, segundo o Tribunal Geral, as instituições devem examinar que parte do aumento das importações objeto de dumping se deve à caducidade dos anteriores direitos e devem «separar e distinguir» o prejuízo causado por esse aumento do prejuízo causado pelas importações objeto de dumping. Isso equivaleria a aceitar que a caducidade dos direitos antidumping justifica o dumping no futuro e limita a capacidade das instituições de proteger a indústria da União Europeia dos seus efeitos prejudiciais. Se, após a supressão de direitos antidumping, o dumping é retomado ou continua, e se a indústria da União Europeia sofre um prejuízo em resultado do volume e dos preços das importações objeto de dumping, então esse prejuízo é causado pelas importações objeto de dumping e não pela ausência de proteção. O mesmo vale no que respeita à aplicação de um sistema de preferências pautais. O sistema de preferências pautais favorece as importações, mas o seu objetivo é favorecer importações a preços justos e não importações objeto de dumping prejudiciais.

26.

A Gul Ahmed defende que os fundamentos invocados no recurso são inexatos, irrelevantes e incorretos do ponto de vista jurídico.

27.

Em primeiro lugar, o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, não limita os fatores cujos efeitos prejudiciais devem ser tidos em conta. Mas, ainda que o fizesse, não se poderia dizer que a supressão dos anteriores direitos em 2002 estava intimamente relacionada com as importações objeto de dumping. Essa medida, foi antes o resultado de ações soberanas das instituições da União Europeia. Além disso, o sistema de preferências pautais generalizadas não estava especificamente relacionado com as roupas de cama.

28.

Em segundo lugar, é irrelevante afirmar que qualquer prejuízo resultante de um aumento das importações objeto de dumping não resulta dos fatores que favorecem o aumento das importações objeto de dumping. O relatório EU — Calçado (China) referido pelo Conselho não fornece um fundamento adequado, mas faz a afirmação contraditória de que um «facto exógeno» — nesse caso, o levantamento de uma quota — pode estar «intimamente relacionado» com as importações objeto de dumping. Os fatores em questão no presente processo reduziram diretamente o peso dos direitos da União Europeia sobre todas as importações de roupas de cama do Paquistão, influenciando dessa forma diretamente os níveis de preços dessas importações no mercado da União Europeia, não tendo apenas contribuído para aumentar o volume das importações objeto de dumping.

29.

Em terceiro lugar, os fatores em questão tiveram efetivamente um impacto direto no mercado da União Europeia. Trata‑se de atos intencionais de governo em resultado direto dos quais, sem qualquer alteração aos preços f.o.b. (free on board) dos produtores paquistaneses, os produtores da União Europeia se viram confrontados com importações a entrar no mercado da União Europeia a preços substancialmente inferiores. Por outras palavras, os fatores em questão afetaram de forma direta e independente os níveis de preços comunitários num grau considerável.

30.

Em quarto lugar, o Conselho não explica porque é que o nexo de causalidade deve existir entre as importações objeto de dumping e o prejuízo sofrido, e não entre o dumping e o prejuízo. Quer os dois fatores em questão e os seus efeitos sejam considerados em relação ao dumping ou às importações objeto de dumping, continuam a ser atos soberanos das instituições da União Europeia que por si próprios produziram efeitos diretos nos indicadores económicos considerados na avaliação do prejuízo e da sua causa.

31.

Por último, o recurso interpreta de forma errada as implicações do acórdão do Tribunal Geral ao caracterizar incorretamente as alterações do quadro legislativo. A supressão do anterior direito antidumping não se deveu à sua caducidade, mas à correção da sua imposição infundada depois de ter concluído de que na realidade não tinha havido dumping. A concessão de preferências pautais especiais também não favoreceu apenas as importações — mas baixou diretamente os níveis de preços das importações no mercado da União Europeia, independentemente de qualquer ação dos produtores exportadores paquistaneses.

32.

O acórdão do Tribunal Geral não implica de forma alguma que a caducidade dos direitos antidumping justifique, no futuro, o dumping prejudicial e limite a capacidade das instituições de proteger a indústria da União Europeia contra os efeitos desse dumping. Exige apenas que o efeito de alterações soberanas deliberadas no quadro legislativo da União Europeia seja considerado um outro fator distinto na avaliação dos indicadores económicos do prejuízo para a indústria da União Europeia. Isso não constitui de modo nenhum um juízo antecipado do resultado da avaliação.

33.

Em apoio dos fundamentos do Conselho, a Comissão analisa a estrutura e lógica do artigo 3.o, em especial dos seus n.os 6 e 7, do regulamento de base.

34.

A questão crucial no artigo 3.o, n.o 6, é a de saber se as «importações objeto de dumping» — expressão usada ao longo do artigo 3.o — causam prejuízo, e especificamente se o seu volume e/ou níveis de preços são responsáveis por um impacto na indústria comunitária. O artigo 3.o, n.os 2 e 3, confirma a exigência de uma análise objetiva. No que se refere ao preço, o que importa são os níveis de preços em si e não as considerações que levaram a que os mesmos sejam assim fixados. No presente processo, o nível de direitos aduaneiros da União Europeia e o de outras taxas sobre a importação foram fatores que influenciaram a escolha do nível dos preços (tendo o exportador aparentemente optado por não aumentar o seu preço de fábrica, beneficiando dos direitos reduzidos). Se tanto o preço como as considerações que o influenciam fossem ambos fatores causais, isso constituiria uma forma de dupla contagem.

35.

No artigo 3.o, n.o 7, a frase «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping» deve por isso referir‑se a fatores diferentes do volume e/ou níveis de preços dessas importações ou dos fatores ou considerações que os influenciaram. Isso é confirmado pelos exemplos dados desses fatores, nenhum dos quais respeita às importações objeto de dumping ou ao preço ou volume dessas importações. Ainda que os exemplos sejam ilustrativos e não exaustivos, o elenco referido demonstra uma intenção deliberada de evitar matérias relativas às próprias importações objeto de dumping.

Apreciação

36.

O procedimento que culmina com uma decisão de impor um direito antidumping em conformidade com o regulamento de base e o Código antidumping da OMC segue uma abordagem gradual, com uma lógica interna clara. Primeiro, deve determinar‑se que existe dumping. Para o efeito, devem completar‑se várias etapas, uma a uma. Deve determinar‑se o valor normal do produto em questão, depois o preço de exportação, devendo os dois ser comparados para determinar se existe dumping e, se for esse o caso, qual é a margem de dumping. Esse processo é descrito de forma detalhada no artigo 2.o do regulamento de base. Quando se conclui que existe dumping, o artigo 3.o estabelece depois um procedimento que visa determinar o prejuízo. Devem ser examinados vários fatores por forma a determinar se o volume e/ou níveis de preços das importações objeto de dumping são responsáveis por um impacto importante na indústria comunitária. Se forem, é necessário considerar se outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping, também estão a causar prejuízo à indústria comunitária e ter essas conclusões em conta quando da fixação do nível de qualquer direito antidumping. Assim, só quando se concluiu que existe dumping e que o volume e/ou níveis de preços das importações objeto de dumping foram responsáveis por um impacto importante na indústria comunitária devem ser examinados outros fatores.

37.

No seu recurso na primeira instância, a Gul Ahmed criticou um certo número de aspetos do processo anteriores à fase em tinham que ser analisados os outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping. O Tribunal Geral não apreciou esses aspetos porque entendeu que não ter em consideração se a supressão dos anteriores direitos constituía um outro fator conhecido, que não as importações objeto de dumping, que também estava a causar um prejuízo à indústria comunitária, era suficiente para justificar a anulação ( 17 ). Portanto, mesmo no pressuposto de que a investigação foi corretamente iniciada, que o valor normal foi corretamente determinado e comparado equitativamente com os preços de exportação por forma a estabelecer uma margem de dumping de confiança, e que o prejuízo importante causado pelas importações objeto de dumping foi corretamente determinado, a não consideração da supressão de anteriores direitos como outro fator conhecido que causa prejuízo e o facto de a não ter examinado enquanto tal, foi, no entendimento do Tribunal Geral, fatal para a validade do regulamento impugnado.

38.

Essa limitação de âmbito do acórdão recorrido delimita o próprio recurso. O Tribunal de Justiça deve também continuar a sua análise no pressuposto de que a existência de dumping (por todos os produtores exportadores paquistaneses) foi corretamente determinada em conformidade com o artigo 2.o do regulamento de base e que foi devidamente demonstrado que as importações objeto de dumping causaram um prejuízo importante à indústria comunitária em conformidade com o disposto no artigo 3.o, n.os 2, 3, 5 e 6, desse regulamento.

39.

Sublinharia, contudo, que essas presunções devem ser feitas apenas para os efeitos do presente recurso. Se — como irei propor — o Tribunal de Justiça decidir dar provimento ao recurso do Conselho e remeter o processo ao Tribunal Geral, essas questões deverão ser apreciadas e pode suceder que o regulamento impugnado tenha que ser anulado com base num ou mais dos outros fundamentos invocados pela Gul Ahmed.

40.

Além disso, deve presumir‑se para os efeitos do recurso — a fortiori, dado que se trata de aspetos que não foram postos em causa pela Gul Ahmed na primeira instância — que o Conselho examinou corretamente esses outros fatores, que não as importações objeto de dumping, que os teve em consideração em conformidade com o artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, e que corretamente chegou à conclusão de que nenhum deles quebrou o nexo de causalidade entre as importações do Paquistão e o prejuízo importante causado por essas importações à indústria comunitária. Os fatores examinados compreendiam os efeitos das importações objeto de subvenções originárias da Índia, importações originárias de países terceiros, excluindo a Índia e o Paquistão, e importações da indústria comunitária.(Uma vez que o regulamento impugnado já tinha chegado à conclusão de que existia dumping por parte de todos os produtores exportadores paquistaneses ( 18 ), não existia, nesse pressuposto, importações não objeto de dumping originários do Paquistão que pudessem também ser examinadas.) Esses efeitos foram também influenciados, em graus diferentes, pela supressão dos anteriores direitos.

41.

Por conseguinte, nessa medida, a declaração do Tribunal Geral no n.o 84 do seu acórdão de que a análise realizada pelas instituições da União Europeia não demonstrou que prejuízo teria sido sofrido pela indústria comunitária na ausência de qualquer dumping, apenas em resultado da supressão dos anteriores direitos, não se afigura plenamente justificada.

42.

Por um lado, o prejuízo (ou a sua falta) resultante de outras circunstâncias também afetadas pela supressão foi examinado e concluiu‑se que não quebrou o nexo de causalidade em questão.

43.

Por outro lado, o exame de outros fatores que não as importações objeto de dumping só tem lugar quando já se determinou que existe dumping e que as importações objeto de dumping causam prejuízo à indústria comunitária. A existência de dumping e de prejuízo causado pelas importações objeto de dumping é um pré‑requisito para esse exame, que respeita a fatores que estão a causar prejuízo ao mesmo tempo que as importações objeto de dumping, de modo a separar e distinguir os seus efeitos. De nada serve, nesse contexto, considerar fatores que possam ter causado prejuízo na ausência de dumping e de importações objeto de dumping.

44.

Contudo, o Conselho admite que, ainda que a supressão de anteriores direitos tenha sido indiretamente tida em conta no exame de fatores que não as importações objeto de dumping a mesma não foi examinada diretamente como um fator separado. É a necessidade de realizar esse exame direto e separado que o Conselho contesta.

45.

Além disso, é pacífico, que os efeitos prejudiciais das importações objeto de dumping devem ser corretamente separados e distinguidos dos outros fatores conhecidos que estão a causar prejuízo à indústria comunitária ao mesmo tempo e que, sem essa separação e distinção, não haveria uma base objetiva para concluir que as importações objeto de dumping estavam de facto a causar (todo) o prejuízo ( 19 ).

46.

A questão é a de saber se é correto separar e distinguir os efeitos da supressão dos anteriores direitos dos efeitos dos produtos objeto de dumping ou se, em vez disso, é correto considerar os dois conjuntos de efeitos como estando tão intimamente relacionados que a separação e a distinção seriam inadequadas.

47.

O Conselho e a Comissão sublinharam a diferença entre «dumping» e «importações objeto de dumping» no contexto do regulamento de base. Concordo que a diferença é importante.

48.

O dumping, tal como é definido no artigo 2.o, tanto do Código antidumping da OMC como do regulamento de base, implica uma escolha estratégica feita por um exportador. Dito de forma simples, este decide vender produtos destinados a um ou mais mercados de exportação a um preço consideravelmente inferior ao que normalmente cobraria no seu mercado interno, na esperança de obter uma vantagem comercial. Obviamente, o preço do exportador será calculado — pelo menos, inicialmente — de forma a assegurar que o preço no mercado do território de importação será vantajoso. Terá por isso em conta todos os direitos sobre a importação aplicáveis. Se os direitos sobre a importação são suprimidos, o exportador poderá ajustar a sua estratégia para retirar o máximo benefício da nova margem de manobra. Contudo, isso não influencia a questão de saber se existe dumping ou não.

49.

Os produtos vendidos dessa forma tornam‑se importações objeto de dumping no território de importação. Se o preço a que podem ser aí adquiridos é consideravelmente mais baixo do que o preço a que a indústria interna pode vender produtos similares, e se o volume de importações é significativo, é provável que a indústria interna sofra um prejuízo importante, conforme definido no artigo 3.o tanto do Código antidumping da OMC como do regulamento de base.

50.

Consequentemente, é possível existir dumping sem prejuízo ou prejuízo sem dumping. O dumping pode fazer baixar de forma significativa os preços internos no território de importação, mas o volume de importações objeto de dumping pode ser demasiado pequeno para causar um prejuízo importante; ou um exportador pode vender a um preço de custo invulgarmente baixo tendo em vista ganhar uma posição num mercado de exportação em particular, mas os custos de transporte podem ser tão elevados que a sua vantagem competitiva nesse mercado não é suficiente para ter um impacto significativo na indústria interna. Inversamente, os custos de produção no país de exportação (e os custos de transporte para o território de importação) podem ser tão baixos que um produto pode ser vendido para exportação a um «valor normal» e ainda assim causar um prejuízo importante à indústria interna no território de importação.

51.

No entanto, um direito antidumping só pode ser imposto se for demonstrado a existência do dumping e do prejuízo. Os dois devem ser determinados separadamente, por procedimentos separados, e não se podem confundir.

52.

Como o Conselho e a Comissão salientaram, a causa direta de qualquer prejuízo para a indústria interna é a combinação do preço (no território de importação) e do volume das importações objeto de dumping. Resulta de forma clara de todo o artigo 3.o, do Código antidumping da OMC e do regulamento de base, que tem que ser estabelecido um nexo de causalidade entre as importações objeto de dumping e o prejuízo. O dumping em si mesmo (venda para exportação a um preço consideravelmente inferior ao preço normal no país de exportação) é um (talvez o mais importante) dos fatores que determinam o preço das importações objeto de dumping no território de importação. Outro fator óbvio é o custo de transporte dos produtos. E um terceiro é a presença ou a ausência (e, se presente, o nível) de quaisquer direitos impostos sobre os produtos no território de importação. Todos estes fatores (e pode haver outros) têm uma influência direta no preço a que as importações objeto de dumping são vendidas no território de importação, o qual é em si mesmo uma causa direta do prejuízo em questão. Por isso mesmo, esses fatores são apenas causas indiretas desse prejuízo, que operam sobre o mesmo.

53.

Seria absurdo se, após ter sido demonstrado em conformidade com o artigo 3.o, n.o 6, do regulamento de base, que o volume e/ou níveis de preços das importações objeto de dumping são responsáveis por um impacto na indústria comunitária, o exame nos termos do artigo 3.o, n.o 7, de «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping» devesse incluir o dumping em si mesmo entre esses fatores. Da mesma forma, pareceria perverso considerar os baixos custos de transporte ou a mera ausência de direitos sobre as importações como fazendo parte desses outros fatores.

54.

Não vejo que a análise possa ser diferente se os custos de transporte forem subitamente reduzidos, ou se um direito anteriormente imposto for suprimido. Tais factos estão um passo atrás da causa direta, mas fazem intrinsecamente parte da sua génese. Se a decisão de um produtor de cortar no seu preço de custo para as vendas de exportação cerca de (por exemplo) 10%, de forma a vender com um lucro mínimo ou mesmo com uma perda, não pode ser vista como um outro fator «que não as importações objeto de dumping», cujos efeitos prejudiciais podem ser «separados e distinguidos» dos efeitos das importações objeto de dumping, o mesmo vale para uma decisão da autoridade competente do território de importação de suprimir um direito aduaneiro de 12% anteriormente aplicável.

55.

Dito de forma mais simples, quer um direito sobre as importações seja maior ou menor, não pode ter qualquer efeito negativo na indústria interna em causa a não ser que os produtos sejam efetivamente importados. O mesmo é verdade em relação à supressão ou à redução de um direito. Não pode existir uma situação em que a supressão de um direito sobre as importações possa causar um prejuízo importante à indústria interna na ausência de importações. Qualquer que seja o seu efeito, está intrinsecamente ligado ao efeito das importações cujo preço influencia, quer essas importações sejam objeto de dumping ou não. Quando são examinados os efeitos de todas as importações conhecidas objeto ou não de dumping, é também examinado o efeito de qualquer aplicação ou supressão de um direito que influencie o preço dessas importações.

56.

No caso em apreço, as instituições examinaram as importações do Paquistão, e que, concluíram que foram todas objeto de dumping ( 20 ). Deve‑se presumir que esta conclusão esteja correta, para efeitos do presente recurso. Examinaram também os efeitos de importações objeto de subvenções originárias da Índia, de importações originárias de países terceiros, excluindo a Índia e o Paquistão, e de importações da indústria comunitária. A Gul Ahmed não alegou que deviam ter sido examinados os efeitos de quaisquer outras importações. Parece‑me, portanto, que não havia margem possível para que as instituições examinassem a supressão dos anteriores direitos de forma independente, como um eventual fator separado que estivesse ao mesmo tempo a causar prejuízo à indústria comunitária.

57.

O ponto essencial é que o efeito da supressão de um direito é medido através do que acontece depois aos preços e aos volumes das importações, que podem ser objeto de dumping ou não. Não pode ser avaliado de forma independente ( 21 ).

58.

Tenho consciência da atração pelo entendimento oposto. É claro que uma decisão do legislador da União Europeia de suprimir, quase simultaneamente, um direito aduaneiro e um direito antidumping, que anteriormente afetavam uma certa categoria de produtos, é um fator alheio a qualquer controlo por parte dos fabricantes desses produtos. Deve, por isso, ser considerada um «outro fator, que não» qualquer dumping que tenham feito.

59.

Contudo, tal decisão é um outro fator que não o dumping, mas que ao mesmo tempo influencia o preço — e por isso possivelmente o volume — das importações objeto de dumping. Não é um outro fator, que não as importações objeto de dumping, que ao mesmo tempo está a prejudicar a indústria comunitária.

60.

Deve‑se recordar que um direito antidumping não é uma sanção concebida para punir um exportador que pratica dumping pelo seu comportamento. Trata‑se antes (por muito impreciso que seja) de um mecanismo concebido para corrigir, tanto quanto possível, um desequilíbrio considerado injusto para a indústria interna. Visto a essa luz, o facto de a supressão de anteriores direitos ser alheio à conduta de qualquer exportador que pratique dumping, pode ser visto como não tendo relevância no momento de decidir se os seus efeitos devem ser separados e distinguidos dos efeitos das importações objeto de dumping.

61.

Por último, gostaria de recordar que, no presente processo, a supressão dos anteriores direitos influenciou não apenas o preço das importações objeto de dumping mas também o de outras importações que não foram objeto de dumping. Concluiu‑se que as importações objeto de dumping causaram prejuízo, as outras não.

62.

Por conseguinte, entendo que, com base na análise dos princípios e do procedimento que regem a imposição de direitos antidumping, o Tribunal Geral errou ao considerar que a supressão de anteriores direitos devia ter sido examinada como um outro fator separado que não as importações objeto de dumping, no contexto do artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base.

63.

Esse entendimento deve, todavia, ser confrontado com outras considerações específicas referidas pelo Tribunal Geral no seu acórdão ou feitas pelas partes no âmbito do recurso.

64.

Em primeiro lugar, pode retirar‑se alguma conclusão do elenco ilustrativo de «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping» do artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base?

65.

Os fatores elencados são: volume e preços das importações não vendidas a preços de dumping; contração da procura; alterações nos padrões de consumo; práticas comerciais restritivas dos produtores de países terceiros e comunitários e a concorrência entre eles; evolução tecnológica; resultados das exportações e produtividade da indústria comunitária.

66.

Com exceção discutível da «evolução tecnológica», nenhum destes fatores parece suscetível de causar os efeitos das importações objeto de dumping. Em especial, não influenciam o preço a que essas importações estão disponíveis na União Europeia, que é o fator que causa prejuízo à indústria comunitária.

67.

É verdade que as evoluções tecnológicas que tornam a indústria exportadora mais produtiva podem influenciar esse preço. Contudo, dado que a produtividade da indústria comunitária (comparada, necessariamente, com a da indústria exportadora) figura no ponto seguinte do elenco ilustrativo, esse não pode ser o aspeto da evolução tecnológica que aqui é referido. Concordo, por isso, com a opinião da Comissão segundo a qual a expressão «evolução tecnológica» não deve ser interpretada como referindo‑se às evoluções que influenciam os níveis de preços pela melhoria da produtividade, mas antes em relação àquelas que, independentemente desses níveis, melhoram a atratividade — e, assim, aumentam as vendas — de um produto mais avançado em relação a uma anterior versão. Um exemplo óbvio é dado pelas sucessivas «gerações» de tecnologia de telefonia móvel.

68.

A natureza dos fatores elencados no artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base, apoia assim o meu entendimento de que o tipo de fator visado é o que causa prejuízo à indústria comunitária de uma forma que não está relacionada com as importações objeto de dumping e, em especial, não influencia os seus níveis de preços.

69.

Em segundo lugar, o acórdão Foshan Golden Step ( 22 ) apoia o entendimento contrário?

70.

Penso que não. Pelo contrário, concordo com o Conselho no sentido de que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral parece ter interpretado incorretamente a sua anterior jurisprudência. No processo Foshan Golden Step, o prejuízo sofrido pela indústria comunitária tinha sido determinado ao longo de um período durante o qual tinha sido suprimida uma anterior restrição quantitativa. O recorrente argumentou que o aumento no volume das importações que resultou inevitavelmente dessa supressão não devia ser tido em conta na determinação do prejuízo causado pelas importações objeto de dumping durante o respetivo período. O Tribunal Geral considerou que «quando as instituições reconhecem que as importações de um produto que até então tinha estado sujeito a restrições quantitativas aumentam após a extração das referidas restrições, podem ter em conta esse aumento para efeitos da sua apreciação do prejuízo sofrido pela indústria comunitária». Se, como parece razoável, essa lógica for transposta para o efeito nos níveis de preços da supressão de anteriores direitos, o resultado deve ser o de que qualquer queda nos preços devida a essa supressão pode ser tida em conta na avaliação do prejuízo — e não que deva ser considerada um fator separado que também causa prejuízo. O mesmo raciocínio e a mesma conclusão podem encontrar‑se no relatório UE — Calçado (China) ( 23 ).

71.

Em terceiro lugar, faz alguma diferença o facto de, como salienta a Gul Ahmed, a supressão dos anteriores direitos ter sido um «ato soberano» das instituições da União Europeia?

72.

Novamente, julgo que não, e expliquei as minhas razões em especial nos n.os 59 e 60 supra. O ato soberano das instituições da União Europeia foi sem dúvida um outro fator que não o dumping que influenciou o preço das importações objeto de dumping. Não foi um outro fator, que não as importações objeto de dumping, que de forma independente causou prejuízo à indústria comunitária.

73.

Por último, como refere o Conselho, o acórdão recorrido conduziria a resultados absurdos e inaceitáveis se fosse confirmado?

74.

O Conselho alega, no essencial, que se a supressão de um anterior direito devesse ser considerada um outro fator que não as importações objeto de dumping, que causa um prejuízo à indústria comunitária ao mesmo tempo que essas importações, a capacidade da União Europeia de impor um direito antidumping posterior sobre produtos em relação aos quais tinha caducado um anterior direito antidumping seria limitada, porque se teria que considerar que a caducidade do anterior direito afeta o nexo de causalidade entre as importações objeto de dumping e o prejuízo.

75.

Não estou inteiramente convencido por esse argumento. O resultado não seria necessariamente, em termos jurídicos, tão drástico como o quadro apresentado pelo Conselho. Se a caducidade de um anterior direito antidumping tivesse que ser tida em conta na avaliação do nexo de causalidade entre as importações objeto de dumping e o prejuízo causado à indústria comunitária, isso não significaria que o nexo de causalidade tivesse que ser sempre quebrado pela caducidade. Tudo dependeria de uma correta avaliação dos factos e de uma correta imputação da causalidade, que poderia levar — nesse caso — a uma eventual redução de qualquer novo direito.

76.

No entanto, o facto de não considerar convincente este argumento do Conselho, não põe de forma alguma em causa o entendimento a que cheguei com base noutros fundamentos. Aliás, creio que seria prudente o Tribunal de Justiça ter presente esse argumento no caso de ser favorável ao entendimento oposto. Se a Comissão e o Conselho tivessem dúvidas quanto à sua capacidade de voltar a impor um direito antidumping no caso de ocorrer novo dumping na sequência da caducidade de um anterior direito, provavelmente estariam significativamente menos dispostos a permitir desde logo a caducidade dos direitos, a não ser que fossem obrigados a isso.

77.

Mantenho, portanto, o entendimento de que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que a supressão dos anteriores direitos devia ter sido examinada como um outro fator separado que não as importações objeto de dumping, no contexto do artigo 3.o, n.o 7, do regulamento de base.

78.

Em consequência, considero que o acórdão recorrido devia ser anulado. Nesse caso, o estado do processo permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie definitivamente sobre a terceira parte do quinto fundamento invocado pela Gul Ahmed em primeira instância, que portanto, deve ser julgada improcedente. Todavia, o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar sobre qualquer dos outros fundamentos ou argumentos que não foram apreciados em primeira instância. O processo deve, por isso, ser remetido ao Tribunal Geral para decisão sobre esses outros fundamentos e argumentos.

Despesas

79.

Se o Tribunal de Justiça concordar com a minha análise do recurso, então, em conformidade com os artigos 137.°, 138.°, 140.° e 184.° do Regulamento de Processo, lidos em conjunto, a Gul Ahmed, a parte vencida, deve ser condenada a pagar as despesas do Conselho, ao passo que a Comissão, enquanto interveniente, deverá suportar as suas próprias despesas. Porém, a decisão sobre as despesas em primeira instância deve ser tomada de novo pelo Tribunal Geral à luz da sua decisão sobre as matérias remetidas.

Conclusão

80.

Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve:

anular o acórdão do Tribunal Geral no processo T‑199/04;

julgar improcedente a terceira parte do quinto fundamento invocado pela Gul Ahmed nesse processo;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida sobre os restantes fundamentos invocados Gul Ahmed;

condenar a Gul Ahmed no pagamento das despesas do Conselho e a Comissão no pagamento das suas próprias despesas, no presente recurso; e

reservar para final a decisão sobre as despesas quanto ao restante.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) V. Regulamento (CE) n.o 2398/97 do Conselho, de 28 de novembro de 1997, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de roupas de cama de algodão originárias do Egito, da Índia e do Paquistão (JO 1997, L 332, p. 1), conforme alteração.

( 3 ) V. Regulamento (CE) n.o 2501/2001 do Conselho, de 10 de dezembro de 2001, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2004 (JO 2001, L 346, p. 1) e Regulamento (CE) n.o 160/2002 do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que altera o Regulamento (CE) n.o 2398/97 do Conselho, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de roupas de cama de algodão originárias do Egito, da Índia e do Paquistão, e que encerra o processo no que respeita às importações originárias do Paquistão (JO 2002, L 26, p. 1). No que se refere ao último regulamento, um novo cálculo demonstrou que não houve dumping por parte de qualquer das empresas objeto da amostra no Paquistão durante o período de inquérito (v. considerando 13 do preâmbulo); na realidade, foram também suprimidos direitos antidumping no que respeita às importações do Egito (v. artigo 1.o, n.o 2).

( 4 ) Comité das Indústrias Têxteis de Algodão e Fibras Afins das Comunidades Europeias.

( 5 ) Através do Regulamento (CE) n.o 397/2004 do Conselho, de 2 de março de 2004, que institui um direito antidumping definitivo sobre importações de roupas de cama de algodão originárias do Paquistão (JO 2004, L 66, p. 1; a seguir «regulamento impugnado»).

( 6 ) V. artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2398/97, e considerando 29 do preâmbulo. Mais exatamente, foram sujeitos ao direito a uma taxa de 0.0%.

( 7 ) Regulamento (CE) n.o 384/96 do Conselho, de 22 de dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), agora revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (versão codificada) (JO 2009, L 343, p. 51).

( 8 ) Acórdão de 27 de setembro de 2011, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho (T‑199/04) («acórdão recorrido»).

( 9 ) Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 («GATT») (JO 1994, L 336, p. 103), constante do Anexo 1A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio («OMC») (JO 1994, L 336, p. 1).

( 10 ) O artigo 3.o, n.os 2, 3 e 5 do regulamento de base corresponde aos artigos 3.1, 3.2 e 3.4 do Código antidumping da OMC; o artigo 3.o, n.os 6 e 7 corresponde ao artigo 3.5.

( 11 ) O período de inquérito para o anterior direito antidumping tinha sido de 1 de julho de 1995 até 30 de junho de 1996 [v. considerando 10 do preâmbulo do Regulamento (CE) n.o 1069/97 da Comissão, de 12 de junho de 1997, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de roupas de cama de algodão originárias do Egito, da Índia e do Paquistão (JO 1997, L 156, p. 11)].

( 12 ) Ao contrário do anterior direito antidumping, a taxa era a mesma para todos os produtores exportadores. Subsequentemente, após uma revisão intercalar parcial, o Regulamento (CE) n.o 695/2006 do Conselho, de 5 de maio de 2006, que alterou o Regulamento (CE) n.o 397/2004 (JO 2006, L 121, p. 23) fez variar a taxa para os diferentes produtores de acordo com as suas diferentes margens de dumping. Esse regulamento, contudo, não reapreciou o prejuízo ou a sua causa.

( 13 ) A Gul Ahmed contestou também a regularidade da abertura do inquérito, o cálculo do valor normal, a comparação entre o valor normal e o preço de exportação e a determinação da existência de um prejuízo importante. Esses aspetos não foram apreciados pelo Tribunal Geral e não estão em questão neste recurso.

( 14 ) No caso em apreço, no n.o 58 do seu acórdão, o Tribunal Geral citou o acórdão de 4 de março de 2010, Foshan City Nanhai Golden Step Industrial/Conselho (T-410/06, Colet., p. II-879, n.os 130 a 135) (a seguir «Foshan Golden Step»).

( 15 ) O Conselho cita o Relatório do Júri da OMC, European UnionAntidumping duties on certain footwear from China (União Europeia — Direitos antidumping sobre determinado calçado originário da China) [WT/DS405/R, adotado em 22 de fevereiro de 2012; «UECalçado (China)»], no qual a China argumentou que a União Europeia não tinha tido em conta a supressão da anterior quota de importação sobre importações da China como uma causa do prejuízo. O grupo considerou no n.o 7.527 que «um facto exógeno, como a supressão de uma quota de importação, que permite um aumento do volume de importações objeto de dumping, não é em si mesmo um fator que cause prejuízo».

( 16 ) O Conselho cita: acórdão de 14 de março de 2007, Aluminium Silicon Mill Products/Conselho (T‑I07/04, Colet., p. II‑669, n.os 41 a 46); Relatório do Grupo do GATT, Imposition of Anti‑Dumping Duties on Imports of Fresh and Chilled Atlantic Salmon from Norway (Imposição de direitos antidumping sobre importações de salmão do Atlântico fresco e congelado da Noruega), ADP/87, adotado em 17 de abril de 1994, n.os 562 a 572; acórdão de 25 de outubro de 2011, CHEMK e KF/Conselho (T-190/08, Colet., p. II-7359, n.os 134 a 152); e Relatório do Órgão de Recurso da OMC, United StatesAntidumping measures on certain hot‑rolled steel products from Japan (Estados‑Unidos — Medidas antidumping aplicadas a determinados produtos de aço laminados a quente do Japão) (WT/DS184/R, adotado em 23 de agosto de 2001 e modificado pelo Relatório do Órgão de Recurso WT/DS184/AB/R; «EUAAço laminado a quente»), n.os 216 a 236.

( 17 ) N.os 84 e 85 do acórdão recorrido.

( 18 ) V. considerando 70 do preâmbulo.

( 19 ) N.o 53 do acórdão recorrido; v. também EUAAço laminado a quente, referido na nota de rodapé n.o 16, n.o 223.

( 20 ) Acrescento que, se tivesse havido importações não objeto de dumping do Paquistão, o efeito da supressão dos anteriores direitos podia, de facto, ter sido o de essas importações poderem ser vendidas a preços (ainda) mais baixos, o que podia ter causado prejuízo à indústria comunitária. A supressão de direitos não teria, porém, transformado essas importações em importações objeto de dumping. Nem, por conseguinte, podia ter fornecido uma base para impor um direito antidumping.

( 21 ) V., também, Relatório do Órgão de Recurso da OMC em JapanCountervailing Duties on Dynamic Random Access Memories from Korea (Japão — Direitos compensatórios sobre memórias dinâmicas de acesso aleatório da Coreia) (WT/DS336/AB/R, adotado em 17 de dezembro de 2007, n.os 261 e segs.), relativo ao artigo 15.o, n.o 5, do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (JO 1994, L 336, p. 156), cujos termos refletem os do artigo 3.o, n.os 6 e 7 do regulamento de base. O relatório rejeitou o entendimento de que os efeitos dos subsídios devem ser distinguidos dos das importações objeto de subsídio, salientando que aquilo que não deve ser atribuído a essas importações eram «quaisquer outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de subsídio» (n.o 267, sublinhado no original).

( 22 ) Referido na nota de rodapé n.o 14, em especial no n.o 134.

( 23 ) Referido na nota de rodapé n.o 15.

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