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Asiakirja 62011CC0628

Conclusões do advogado‑geral. Y. Bot apresentadas em 30 de abril de 2013.
International Jet Management GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Braunschweig.
Reenvio prejudicial — Artigo 18.° TFUE — Proibição de discriminações em razão da nacionalidade — Voos comerciais de um país terceiro com destino a um Estado‑Membro — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que as transportadoras aéreas que não possuam uma licença de exploração emitida por este Estado‑Membro devem obter uma autorização para cada voo proveniente de um país terceiro.
Processo C‑628/11.

Oikeustapauskokoelma – yleinen

ECLI-tunnus: ECLI:EU:C:2013:279

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 30 de abril de 2013 ( 1 )

Processo C‑628/11

Processo penal

contra

International Jet Management GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Braunschweig (Alemanha)]

«Proibição de discriminações em razão da nacionalidade — Voos comerciais de um país terceiro com destino a um Estado‑Membro — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que as transportadoras aéreas que não possuam uma licença de exploração concedida por este Estado‑Membro devem obter uma autorização para cada voo proveniente de um país terceiro»

1. 

Através do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça é convidado a declarar se o artigo 18.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exija às transportadoras aéreas comunitárias, titulares de uma licença de exploração concedida noutro Estado‑Membro em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade ( 2 ), uma autorização de entrada no seu espaço aéreo para voos privados não regulares provenientes de um país terceiro e com destino ao seu território.

2. 

Na realidade, a principal dificuldade no caso vertente reside em determinar se o artigo 18.o TFUE é aplicável a uma situação como a do processo principal, tendo em conta a matéria em causa, a saber, a prestação de serviços aéreos entre um país terceiro e um Estado‑Membro por uma transportadora aérea comunitária.

3. 

Nas presentes conclusões, explicaremos, primeiro, as razões pelas quais entendemos que esta disposição se aplica, de facto, à situação em causa no processo principal.

4. 

Em seguida, indicaremos por que razão, em nosso entender, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exija às transportadoras aéreas comunitárias, titulares de uma licença de exploração concedida noutro Estado‑Membro, uma autorização de entrada no seu espaço aéreo para voos privados não regulares provenientes de um país terceiro e com destino ao seu território.

I — Quadro jurídico

A — Direito da União

1. Regulamento (CE) n.o 847/2004

5.

O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 847/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à negociação e aplicação de acordos de serviços aéreos entre Estados‑Membros e países terceiros ( 3 ), prevê que «[o]s Estados‑Membros não celebrarão novos acordos com países terceiros que reduzam o número de transportadoras comunitárias que, de acordo com os acordos existentes, possam ser designadas para prestar serviços entre os seus territórios e um país terceiro, no que respeita quer à totalidade do mercado do transporte aéreo entre as duas partes quer a certas ligações entre cidades».

6.

O artigo 5.o deste regulamento dispõe que:

«Quando um Estado‑Membro negociar um acordo ou alterações a um acordo ou seus anexos que preveja uma limitação quantitativa da utilização dos direitos de tráfego ou do número das transportadoras comunitárias potencialmente beneficiárias de direitos de tráfego, deverá assegurar a distribuição desses direitos por essas transportadoras comunitárias com base num processo não discriminatório e transparente.»

2. Regulamento n.o 1008/2008

7.

O considerando 10 do Regulamento n.o 1008/2008 estabelece que:

«Para completar o mercado interno da aviação, é necessário suprimir restrições ainda existentes aplicadas entre Estados‑Membros, por exemplo restrições relativas à partilha de códigos em rotas com países terceiros ou à fixação dos preços em rotas com países terceiros com escalas intermédias noutro Estado‑Membro (voos de sexta liberdade).»

8.

O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento enuncia:

«O presente regulamento regula a concessão de licenças às transportadoras aéreas comunitárias, o direito de as transportadoras aéreas comunitárias explorarem serviços aéreos intracomunitários e a tarifação dos serviços aéreos intracomunitários.»

9.

O artigo 2.o do referido regulamento dispõe que:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

‘Licença de exploração’: uma autorização concedida pela autoridade de licenciamento competente a uma empresa, que lhe permite prestar serviços aéreos como indicado na licença;

[…]

4)

‘Serviço aéreo’: um voo ou uma série de voos que transportem passageiros, carga e/ou correio mediante remuneração e/ou em execução de um contrato de fretamento;

[…]

8)

‘Certificado de operador aéreo’ (COA): um certificado emitido para uma empresa atestando que o operador possui a competência profissional e a organização necessárias para garantir a segurança das operações especificadas no certificado, em conformidade com as disposições relevantes do direito comunitário ou do direito interno aplicáveis;

[…]

10)

‘Transportadora aérea’: uma empresa titular de uma licença de exploração válida, ou equivalente;

11)

‘Transportadora aérea comunitária’: uma transportadora aérea titular de uma licença de exploração válida concedida por uma autoridade de licenciamento competente em conformidade com o capítulo II;

[…]

13)

‘Serviço aéreo intracomunitário’: um serviço aéreo explorado no interior da Comunidade;

14)

‘Direito de tráfego’: o direito de explorar um serviço aéreo entre dois aeroportos comunitários

[…]»

10.

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 prevê:

«Só estão autorizadas a efetuar o transporte aéreo de passageiros, de correio e/ou de carga mediante remuneração e/ou em execução de um contrato de fretamento as empresas estabelecidas na Comunidade que sejam titulares de uma licença de exploração adequada.

As empresas que satisfaçam as condições estabelecidas no presente capítulo têm direito à licença de exploração.»

11.

O artigo 4.o deste regulamento dispõe que:

«Uma autoridade de licenciamento competente de um Estado‑Membro só concede uma licença de exploração a uma empresa se:

a)

O seu estabelecimento principal se situar nesse Estado‑Membro;

b)

For titular de um COA válido emitido por uma autoridade nacional do mesmo Estado‑Membro cuja autoridade de licenciamento competente é responsável pela concessão, indeferimento, revogação ou supressão da licença de exploração da transportadora aérea comunitária;

[…]

d)

A sua atividade principal for a exploração de serviços aéreos, em exclusivo ou combinada com quaisquer outras atividades comerciais de exploração de aeronaves ou de reparação e manutenção de aeronaves;

[…]»

12.

O artigo 15.o do Regulamento n.o 1008/2008, com a epígrafe «Prestação de serviços aéreos intracomunitários», que está inserido no capítulo III, intitulado «Acesso às Rotas», prevê que:

«1.   As transportadoras aéreas comunitárias estão autorizadas a explorar serviços aéreos intracomunitários.

2.   Os Estados‑Membros não podem submeter a exploração de serviços aéreos comunitários por uma transportadora aérea comunitária a qualquer licença ou autorização. Os Estados‑Membros não exigem às transportadoras aéreas comunitárias a apresentação de documentos ou informações já fornecidos pelas mesmas à autoridade de licenciamento competente, desde que as informações pertinentes possam ser obtidas atempadamente da autoridade de licenciamento competente.

[…]

5.   Não obstante as disposições de acordos bilaterais entre Estados‑Membros e no respeito das regras de concorrência comunitárias aplicáveis às empresas, as transportadoras aéreas comunitárias são autorizadas pelos Estados‑Membros interessados a combinar serviços aéreos e a celebrar acordos de partilha de código com qualquer transportadora aérea relativamente a serviços aéreos com partida ou destino em qualquer ponto em países terceiros, que cheguem, partam ou façam escala em qualquer aeroporto no seu território.

Um Estado‑Membro pode, no quadro do acordo bilateral sobre serviços aéreos com o país terceiro em causa, impor restrições aos acordos de partilha de códigos entre transportadoras aéreas comunitárias e transportadoras aéreas de um país terceiro, em especial se o país terceiro em causa não proporcionar oportunidades comerciais idênticas às transportadoras aéreas comunitárias que operam a partir do Estado‑Membro interessado. Ao impor tais restrições, os Estados‑Membros asseguram que as restrições impostas ao abrigo desses acordos não restrinjam a concorrência e sejam não discriminatórias entre transportadoras aéreas comunitárias e não sejam mais restritivas que o necessário.»

B — Direito alemão

13.

O § 2, n.o 1, da lei relativa ao tráfego aéreo (Luftverkehrsgesetz), na sua versão publicada em 10 de maio de 2007 (BGB1. 2007 I, p. 698, a seguir «LuftVG»), prevê que as aeronaves alemãs só estão autorizadas a voar quando disponham de uma autorização para este efeito (autorização de voo) e estejam inscritas, quando a regulamentação assim o preveja, no registo das aeronaves alemãs (registo das aeronaves). Além disso, esta disposição estabelece que uma aeronave só está autorizada a voar se o tipo de aparelho estiver homologado, se for apresentado o certificado de segurança de voo previsto no regulamento de controlo técnico das aeronaves, se o proprietário da aeronave tiver subscrito um seguro de responsabilidade civil e se a aeronave estiver equipada de modo a não ultrapassar o limite tecnicamente aceitável em matéria de poluição sonora.

14.

Por força do § 2, n.o 7, desta lei, as aeronaves não registadas e não homologadas no âmbito espacial de aplicação da presente lei só poderão entrar nesse espaço, ou nele serem encaminhadas de qualquer outra forma, para aí voarem, após terem obtido a necessária autorização. Esta autorização não é necessária quando um tratado entre o país de origem e a República Federal da Alemanha ou uma convenção vinculativa para os dois Estados dispuser de outra forma.

15.

O n.o 8 do § 2 indica que a autorização referida nos n.os 6 e 7 pode ser concedida a título geral ou para um caso particular; pode estar condicionada a obrigações ou limitada a um prazo de validade.

16.

Em conformidade com o § 58 da LuftVG, pratica uma infração quem, com dolo ou por negligência, entrar sem a autorização prevista no § 2, n.o 7, por meio de uma aeronave, no âmbito espacial de aplicação da presente lei, ou nele introduzir uma aeronave de qualquer outra forma. Esta infração é punível com uma coima que pode atingir os 10000 euros.

17.

O § 94 do regulamento relativo às licenças de exploração de transportes aéreos (Luftverkehrs‑Zulassungs‑Ordnung), na sua versão publicada em 10 de julho de 2008 (BGB1. 2008 I, p. 1229, a seguir «LuftVZO»), prevê que a autorização de entrada no espaço aéreo da República Federal da Alemanha prevista no § 2, n.o 7, da LuftVG é concedida pelo Bundesministerium für Verkehr, Bau und Stadtentwicklung (Ministério dos Transportes, da Construção e do Desenvolvimento Urbano) ou por outra entidade por este designada.

18.

O § 95, n.o 1, do LuftVZO estabelece que o pedido de autorização deve conter o nome e a morada do proprietário da aeronave, o tipo de aeronave, bem como o seu estado e o número de matrícula; a data e a hora previstas para a chegada, bem como a data provável do voo de regresso ou do voo para outro destino; o aeroporto de partida e o de chegada, bem como, sendo caso disso, os aeroportos de escala no território federal; o número de passageiros, bem como a natureza e a quantidade do frete, o objeto do voo, em particular em caso de transporte de um grupo determinado, bem como a indicação do local onde este grupo se reuniu inicialmente, e, em caso de voo charter, o nome, a morada e a filial do operador. A autoridade que concede a autorização pode exigir outras informações. O Bundesministerium für Verkehr, Bau und Stadtentwicklung, ou qualquer outra entidade por este designada, estabelece os detalhes do procedimento de pedido de autorização sob a forma de disposições administrativas gerais.

19.

Por força do § 95, n.o 2, do LuftVZO, e com ressalva do caso previsto no n.o 3 do mesmo artigo, o pedido de autorização para voos comerciais não regulares (serviços ocasionais) deve ser apresentado junto da autoridade emitente o mais tardar dois dias úteis completos antes da descolagem do voo previsto, e, em caso de uma série de mais de quatro voos, o mais tardar quatro semanas antes da descolagem dos voos previstos.

II — Factos no processo principal

20.

A International Jet Management GmbH ( 4 ) é uma transportadora aérea com sede em Viena‑Schwechat (República da Áustria). Opera em voos privados não regulares provenientes de países terceiros, no caso vertente a Rússia e a Turquia, com destino aos Estados‑Membros da União Europeia.

21.

Esta sociedade é titular de uma licença de exploração emitida pelo Ministério dos Transportes austríaco em conformidade com o Regulamento n.o 1008/2008. Além disso, possui um certificado de operador aéreo, nos termos do artigo 6.o deste regulamento, emitido a seu favor pela Austro Control GmbH, uma sociedade que exerce atividades de serviço público, cujas quotas são detidas pela República da Áustria.

22.

Por decisão de 24 de maio de 2011, o Amtsgericht Braunschweig condenou a International Jet Management a uma coima de 500 euros, por violação por negligência, a quatro coimas de 1890 euros, por violação dolosa, e a seis coimas de 600 euros novamente por violação dolosa. Com efeito, aquele tribunal entendeu que, no período entre 9 de dezembro de 2008 e 15 de março de 2009, a International Jet Management realizou voos provenientes de Moscovo (Rússia) e de Ancara (Turquia) com destino à Alemanha sem dispor da autorização de entrada no espaço aéreo alemão, prevista no § 2, n.o 7, da LuftVG, conjugado com os §§ 94 e seguintes do LuftVZO.

23.

Em três casos, o Luftfahrtbundesamt (Instituto federal da navegação aérea) recusou à International Jet Management autorização de entrada no espaço aéreo alemão devido à falta da declaração de indisponibilidade. Esta declaração faz prova de que a transportadora aérea comunitária, com estabelecimento no território de outro Estado‑Membro, se informou previamente junto das transportadoras aéreas alemãs a fim de se assegurar de que nenhuma delas estava disposta a realizar os voos em causa em condições comparáveis. Nos restantes casos, o Luftfahrtbundesamt ainda não tinha decidido sobre o pedido de autorização quando os voos controvertidos foram realizados.

24.

A International Jet Management interpôs recurso da decisão de 24 de maio de 2011 para a 1.a Secção Criminal do Oberlandesgericht Braunschweig, pedindo a revogação daquela decisão e a sua absolvição. Como fundamento do seu recurso, alega, em primeiro lugar, que as condições da aplicação da coima são incompatíveis com o direito da União e que o Regulamento n.o 1008/2008 já lhe confere o direito à entrada no espaço aéreo europeu sem necessidade de uma autorização. Entende, em seguida, que o princípio da não discriminação constante do artigo 18.o TFUE proíbe a aplicação das referidas coimas. Por fim, defende que a norma nacional alemã é incompatível com o artigo 56.o TFUE, que defende a livre prestação de serviços no interior da União.

25.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação do direito da União e decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça diversas questões prejudiciais.

III — Questões prejudiciais

26.

O Oberlandesgericht Braunschweig submete ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

A proibição de discriminação regulada no artigo 18.o TFUE (anterior artigo [12.° CE]) aplica‑se quando um Estado‑Membro (a saber, a República Federal da Alemanha) exige a uma transportadora aérea que possui uma licença de exploração válida, na aceção dos artigos 3.° e 8.° do Regulamento n.o 1008/2008 […] concedida por outro Estado‑Membro (a saber a República da Áustria), uma autorização de entrada no espaço aéreo para voos [privados] (voos comerciais não regulares) provenientes de países terceiros com destino ao seu território?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, existe desde logo uma violação do artigo 18.o TFUE […] na própria exigência de autorização de entrada no espaço aéreo, [quando] essa autorização, cuja obtenção [é obrigatória] sob pena de coima, [é exigida] para voos provenientes de países terceiros, [no caso de] transportadoras aéreas que obtiveram uma licença de voo (licença de exploração) nos restantes Estados‑Membros, mas não às transportadoras aéreas titulares de uma licença de voo obtida na [Alemanha]?

3)

Caso se aplique o artigo 18.o TFUE […] (primeira questão) mas a própria exigência de licença não seja qualificada de discriminatória (segunda questão), a concessão de uma autorização de entrada para voos […] provenientes de países terceiros com destino à República Federal da Alemanha, cuja obtenção é obrigatória sob pena de coima,] pode ser condicionada, [sem infringir a proibição de discriminação], à [prova, pela] transportadora aérea do outro Estado‑Membro [junto da] autoridade que emite a autorização[, de] que as transportadoras aéreas titulares de uma licença de voo obtida na [Alemanha] não estão em condições de realizar os voos (declaração de indisponibilidade) […]?»

IV — Nossa análise

27.

Através das suas primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 18.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exija às transportadoras aéreas comunitárias, titulares de uma licença de exploração concedida por outro Estado‑Membro, uma autorização de entrada no seu espaço aéreo para realizar voos privados não regulares provenientes de um país terceiro e com destino ao seu território.

28.

A principal dificuldade neste caso reside na questão de saber se a situação em causa no processo principal, a saber, a prestação, por uma transportadora aérea comunitária, de serviços aéreos provenientes de um país terceiro e com destino a um Estado‑Membro, está abrangida pelo âmbito de aplicação do Tratado FUE e pode, assim, ser objeto de aplicação do princípio da não discriminação.

A — Quanto à aplicabilidade do artigo 18.o TFUE à situação em causa no processo principal

29.

O setor dos transportes aéreos ocupa uma posição muito específica no Tratado FUE. Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alínea g), TFUE, os Estados‑Membros e a União dispõem de uma competência partilhada no domínio dos transportes. Nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes, ou seja, o título VI. A livre prestação de serviços em matéria de transportes está, portanto, sujeita a um regime jurídico distinto do direito comum.

30.

Além disso, no título VI, os próprios transportes aéreos, bem como os transportes marítimos, são abordados de uma forma especial e distinguem‑se das outras formas de transporte. Com efeito, estes transportes são subtraídos ao referido título pelo artigo 100.o, n.os 1 e 2, TFUE, enquanto o legislador da União não decidir de outra forma ( 5 ). Portanto, as medidas de liberalização para os transportes aéreos apenas podem ser adotadas com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE.

31.

A este respeito, através da adoção do Regulamento n.o 1008/2008, o legislador da União exerceu a competência que lhe foi atribuída pelo artigo 100.o, n.o 2, TFUE e liberalizou os serviços aéreos para as ligações intracomunitárias. Com efeito, o artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento indica que este regula, designadamente, o direito de as transportadoras aéreas comunitárias explorarem serviços aéreos intracomunitários. Em contrapartida, até à data, o legislador da União não liberalizou o setor das ligações aéreas entre países terceiros e Estados‑Membros.

32.

Assim, embora ainda não estejam liberalizadas, deverão estas ligações estar sujeitas às regras gerais do Tratado FUE, em especial ao princípio da não‑discriminação?

33.

Segundo o Governo alemão, uma vez que, em conformidade com os artigos 1.°, n.o 1, e 15.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1008/2008, este só é aplicável aos serviços aéreos intracomunitários, o legislador da União utilizou a competência que lhe foi atribuída pelo artigo 100.o, n.o 2, TFUE unicamente neste domínio. Assim, o título VI do Tratado FUE regula apenas os serviços aéreos intracomunitários e não se aplica aos serviços aéreos realizados a partir de um país terceiro e com destino a um Estado‑Membro, ficando estes serviços, assim, excluídos do âmbito de aplicação dos Tratados. O artigo 18.o TFUE não é, portanto, aplicável à situação em causa no processo principal.

34.

Dito de outra forma, o Governo alemão entende que, visto não existir um texto de direito derivado, adotado com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE, que regule uma situação como a que está em causa no processo principal, esta situação deve ser excluída do âmbito de aplicação do Tratado FUE.

35.

Não podemos aderir a esta posição. Em nosso entender, o domínio em que se insere esta situação, a saber, a prestação, por uma transportadora aérea comunitária, de serviços aéreos entre um Estado‑Membro e um país terceiro, recai no âmbito de competência do direito da União e está sujeito ao respeito pelo princípio da não‑discriminação.

36.

O Governo alemão engana‑se, em nosso entender, quanto ao sentido e ao alcance que é necessário dar ao artigo 100.o, n.o 2, TFUE, interpretado conjuntamente com o artigo 58.o, n.o 1, TFUE.

37.

Com efeito, a remissão para o artigo 100.o, n.o 2, TFUE, operada pelo artigo 58.o, n.o 1, TFUE, refere‑se apenas à livre prestação de serviços. Indica, assim, que a liberalização dos serviços de transportes não se pode realizar segundo o regime comum, devendo efetuar‑se no âmbito do título VI do Tratado FUE, relativo aos transportes.

38.

O artigo 100.o, n.o 2, TFUE, por seu lado, tem unicamente como finalidade a definição do âmbito de aplicação deste título VI, distinguindo as diferentes formas de transporte e esclarecendo que as disposições inseridas neste título não se aplicam automaticamente aos transportes aéreos e marítimos ( 6 ). Não pretende, portanto, contrariamente ao que defende o Governo alemão, subtrair o transporte aéreo, de qualquer tipo, ao âmbito de aplicação do Tratado FUE enquanto o legislador da União não adotar regulamentação com fundamento nesta disposição ( 7 ).

39.

Assim, o facto de um serviço de transporte não se enquadrar no âmbito de aplicação de uma norma de direito derivado adotada com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE e de estar sujeito à legislação nacional, não isenta os Estados‑Membros de, quando adotam legislação relativa ao referido serviço, o deverem fazer respeitando o artigo 61.o TFUE e as restantes disposições gerais do Tratado FUE ( 8 ).

40.

Se os autores dos Tratados tivessem pretendido afastar a aplicação das regras gerais do Tratado FUE, para além das relativas à livre prestação de serviços, ao setor do transporte aéreo, tê‑lo‑iam feito expressamente através de uma disposição análoga ao artigo 58.o, n.o 1, TFUE ( 9 ).

41.

Por conseguinte, o artigo 18.o TFUE está vocacionado para se aplicar a uma situação que ainda não seja regulada pelo direito derivado adotado com fundamento no artigo 100.o, n.o 2, TFUE.

42.

É ainda necessário averiguar se, atendendo a que a situação em causa no processo principal se refere à prestação, por uma transportadora aérea comunitária, de serviços aéreos provenientes de um país terceiro e com destino a um Estado‑Membro, esta situação está abrangida pelo âmbito de aplicação do Tratado FUE na aceção desta disposição.

43.

Pensamos ser esse o caso.

44.

Desde logo, e dado que esta questão foi suscitada, designadamente, na audiência, entendemos que o facto de a situação em causa no processo principal respeitar a um voo não regular não é relevante para a solução que propomos. Com efeito, a distinção entre os serviços aéreos regulares e os serviços aéreos não regulares tende a esbater‑se ( 10 ). O próprio Regulamento n.o 1008/2008 só algumas vezes refere os serviços aéreos regulares, quando a regularidade dos voos é relevante para efeitos da aplicação dos requisitos de concessão da licença de exploração ( 11 ) ou é importante para garantia das obrigações de serviço público ( 12 ). À parte estas exceções muito particulares, o referido regulamento não faz qualquer distinção entre os voos regulares e os voos não regulares para efeitos da aplicação das suas disposições, o que, atendendo à sua finalidade, que é garantir a boa saúde financeira das transportadoras aéreas e, portanto, a segurança, nos parece acertado.

45.

O Regulamento n.o 1008/2008 não é, de todo, estranho à situação em causa no processo principal. É verdade que o artigo 1.o, n.o 1 deste regulamento refere que o seu objeto consiste na regulação do direito de as transportadoras aéreas comunitárias explorarem serviços aéreos intracomunitários. Contudo, não podemos esquecer que o objeto do referido regulamento é igualmente regular as licenças das transportadoras aéreas comunitárias. Com efeito, no capítulo II, consagrado à licença de exploração, o legislador da União harmonizou, designadamente, as condições de concessão da licença de exploração e estabeleceu normas sobre a validade, a suspensão e a revogação desta licença. A este respeito, o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do mesmo regulamento prevê que as empresas que satisfaçam as condições estabelecidas naquele capítulo podem obter uma licença de exploração. O n.o 2 do artigo 3.o estabelece que a autoridade de licenciamento não concede nem mantém em vigor licenças de exploração, se não forem satisfeitas todas as condições estabelecidas no referido capítulo.

46.

Ora, esta harmonização, que diz respeito ao estatuto de transportadora aérea comunitária, abrange qualquer voo realizado, quer se trate de um voo intracomunitário quer de um voo entre um Estado‑Membro e um país terceiro. Com efeito, o artigo 4.o, alínea d), do referido regulamento estabelece que a autoridade de licenciamento competente de um Estado‑Membro só concede a licença de exploração a uma empresa se esta preencher o requisito que consiste em a sua atividade principal ser a exploração de serviços aéreos, em exclusivo ou conjugada com qualquer outra atividade comercial de exploração de aeronaves ou de reparação e manutenção de aeronaves.

47.

O conceito de «serviço aéreo» é definido no artigo 2.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1008/2008 como «um voo ou uma série de voos que transportem passageiros, carga e/ou correio mediante remuneração e/ou em execução de um contrato de fretamento». Este conceito engloba, portanto, todos os voos, quer sejam intracomunitários ou respeitem a ligações entre um país terceiro e um Estado‑Membro. Este entendimento confirma‑se pelo facto de o legislador da União ter tido o cuidado de distinguir este serviço do serviço aéreo intracomunitário, definido no artigo 2.o, n.o 13, deste regulamento como «um serviço aéreo explorado no interior da Comunidade».

48.

Por conseguinte, para a prestação de serviços aéreos, quaisquer que sejam, uma transportadora aérea comunitária deve ser titular de uma licença de exploração emitida em conformidade com as disposições constantes do capítulo II do Regulamento n.o 1008/2008. Esta licença garante que a transportadora aérea a obteve no respeito das normas comuns, nomeadamente de segurança, e deve, assim, ser reconhecida como válida pelos outros Estados‑Membros. Na realidade, este regulamento, sem o afirmar expressamente, institui um princípio de reconhecimento mútuo das licenças de exploração.

49.

A licença de exploração deve, também, ser encarada como uma condição prévia à prestação, por uma transportadora aérea comunitária, de serviços aéreos, designadamente para as ligações provenientes de países terceiros e com destino a um Estado‑Membro.

50.

Com uma medida nacional como a que está em causa no processo principal, que equivale a não reconhecer a licença de exploração concedida por outro Estado‑Membro, é o próprio estatuto de transportadora aérea comunitária que pode ser afetado.

51.

Em seguida, é indiscutível que outras regulamentações de direito derivado, embora não visem diretamente a prestação, por uma transportadora aérea titular de uma licença de exploração concedida por um Estado‑Membro, de serviços aéreos respeitantes a ligações entre um país terceiro e outro Estado‑Membro, podem ser aplicáveis a uma situação como a que está em causa no processo principal. Assim, por exemplo, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 261/2004, este aplica‑se «aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado [CE] se aplica […], se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária».

52.

De igual modo, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 785/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativo aos requisitos de seguro para transportadoras aéreas e operadores de aeronaves ( 13 ), «[este] aplica‑se a todas as transportadoras aéreas e a todos os operadores de aeronaves que operam voos no interior do, para, a partir do, ou sobre o território de um Estado‑Membro, a que é aplicável o Tratado [CE]».

53.

Além disso, cabe observar que o Regulamento n.o 1107/2006 prevê, no seu artigo 1.o, n.os 2 e 3, que «[as suas disposições se aplicam] às pessoas com deficiência e às pessoas com mobilidade reduzida que utilizem ou pretendam utilizar serviços aéreos comerciais de passageiros, com partida, destino ou trânsito num aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que se aplique o Tratado [CE]. Os artigos 3.°, 4.° e 10.° aplicam‑se igualmente aos passageiros que partem de um aeroporto situado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que se aplique o Tratado [CE], caso a transportadora operadora seja uma transportadora aérea comunitária».

54.

Por fim, e sem ser exaustivo, uma vez que a legislação da União neste domínio é abundante, não podemos ignorar que, na sequência dos acórdãos ditos «céu aberto» ( 14 ), o legislador da União adotou o Regulamento n.o 847/2004, que tem como finalidade instituir entre os Estados‑Membros e a Comissão Europeia um procedimento de cooperação quando estes decidam celebrar acordos de serviços aéreos entre Estados‑Membros e países terceiros ( 15 ) e quando se afigure que a matéria que é objeto de um acordo se inscreve num domínio parcialmente abrangido pela competência da União e parcialmente pela dos Estados‑Membros.

55.

Designadamente, por força do artigo 5.o do Regulamento n.o 847/2004, com a epígrafe «Distribuição dos direitos de tráfego» ( 16 ), «[q]uando um Estado‑Membro negociar um acordo ou alterações a um acordo ou seus anexos que preveja uma limitação quantitativa da utilização dos direitos de tráfego ou do número das transportadoras comunitárias potencialmente beneficiárias de direitos de tráfego, [o referido Estado‑Membro] deverá assegurar a distribuição desses direitos por essas transportadoras comunitárias com base num processo não discriminatório e transparente» ( 17 ).

56.

Consequentemente, entendemos que, visto o legislador da União ter adotado diversas normas que se podem aplicar à situação em causa no processo principal, a prestação, por uma transportadora aérea comunitária, de serviços aéreos provenientes de um país terceiro e com destino a um Estado‑Membro está abrangida pelo âmbito de aplicação do Tratado FUE. Uma norma tão fundamental como a relativa ao princípio da não discriminação — será necessário recordar que, por força do artigo 2.o TUE, a União se funda em valores comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, nomeadamente, pela não discriminação? — deve aplicar‑se ao caso vertente, que apresenta numerosos elementos de conexão com o direito da União.

57.

O Governo francês entende, contudo, que a aplicação do artigo 18.o TFUE a uma situação como a que está em causa no processo principal equivaleria, na realidade, a privar de todo o efeito útil o artigo 58.o, n.o 1, TFUE, porquanto se um Estado‑Membro estivesse obrigado a tratar da mesma forma as transportadoras aéreas comunitárias cuja licença de exploração foi obtida no seu território e as transportadoras aéreas comunitárias que obtiveram a licença no território de um outro Estado‑Membro, isso levaria a alargar a liberdade de prestação de serviços do artigo 56.o TFUE aos serviços de transporte em causa no processo principal. Em apoio da sua posição, o Governo francês refere o acórdão de 13 de dezembro de 1989, Corsica Ferries (France) ( 18 ), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o Tratado CEE, em particular os artigos 59.°, 61.°, 62.° e 84.°, não se opunha, antes da entrada em vigor do Regulamento (CEE) n.o 4055/86 ( 19 ), a que um Estado‑Membro cobrasse, aquando da utilização, por um navio, de instalações portuárias situadas no seu território insular, quando os passageiros vinham de portos situados noutro Estado‑Membro ou se dirigiam para estes, taxas no desembarque e no embarque dos passageiros, ao passo que, no caso de um transporte entre dois portos situados no território nacional, essas taxas só eram cobradas no embarque, à partida do porto insular.

58.

Não partilhamos do ponto de vista do Governo francês.

59.

Em nosso entender, o acórdão Corsica Ferries (France), já referido, não permite pôr em causa a aplicabilidade do artigo 18.o TFUE à situação do processo principal. Com efeito, primeiro, como assinalou corretamente o advogado‑geral P. Mengozzi nas suas conclusões no processo que deu lugar ao acórdão Neukirchinger, já referido, o Tribunal de Justiça não analisou, no acórdão Corsica Ferries (France), já referido, a regulamentação em causa na perspetiva do artigo 7.o do Tratado CEE (atual artigo 18.o TFUE) ( 20 ).

60.

Em seguida, a livre prestação de serviços não assenta apenas na proibição de medidas discriminatórias em razão da nacionalidade do prestador de serviços. Assenta também na eliminação de todas as restrições impostas pelas regulamentações nacionais que, embora aplicáveis de uma forma indistinta, constituam uma restrição à livre circulação de serviços, quando estas regulamentações sejam suscetíveis de impedir, perturbar ou tornar menos atrativa a execução das prestações de serviços por um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro ( 21 ).

61.

Tal significa que, se um setor não estiver liberalizado, os Estados‑Membros podem impor restrições. Foi esta, de resto, a conclusão do Tribunal de Justiça no acórdão Corsica Ferries (France), já referido ( 22 ). Todavia, mesmo quando um setor não está liberalizado, em nosso entender e em qualquer caso, os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da não discriminação.

62.

A este título, parece‑nos que o artigo 15.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1008/2008 ilustra bem estas afirmações. Com efeito, esta disposição prevê, designadamente, que, não obstante as disposições de acordos bilaterais entre Estados‑Membros, as transportadoras aéreas comunitárias são autorizadas pelo ou pelos Estados‑Membros interessados a combinar serviços aéreos e a celebrar acordos de partilha de código ( 23 ) com qualquer transportadora aérea relativamente a serviços aéreos que tenham por aeroporto de destino qualquer aeroporto situado no seu território e que tenham como ponto de partida qualquer ponto situado num país terceiro. Por força do segundo parágrafo da referida disposição, um Estado‑Membro pode impor restrições aos acordos de partilha de códigos entre transportadoras aéreas comunitárias e transportadoras aéreas de um país terceiro. Em qualquer caso, esse Estado‑Membro deve assegurar‑se de que as restrições impostas não limitam a concorrência, não são discriminatórias entre as transportadoras aéreas comunitárias e não são mais restritivas que o necessário.

63.

Esta disposição demonstra bem, em nosso entender, que, apesar de não existir liberalização dos serviços aéreos para as ligações entre um país terceiro e um Estado‑Membro, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar, designadamente, o princípio da não discriminação.

64.

Atendendo a todas as considerações anteriores, entendemos que o artigo 18.o TFUE é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

65.

Importa agora determinar se esta disposição se opõe a que um Estado‑Membro exija às transportadoras aéreas comunitárias, titulares de uma licença de exploração concedida noutro Estado‑Membro, uma autorização de entrada no seu espaço aéreo para realizarem voos privados não regulares provenientes de um país terceiro e com destino ao seu território.

B — Quanto à violação do artigo 18.o TFUE

66.

Como o Tribunal de Justiça recordou no n.o 32 do acórdão Neukirchinger, já referido, é jurisprudência assente que as regras sobre a igualdade de tratamento entre nacionais e não nacionais proíbem não só as discriminações ostensivas baseadas na nacionalidade, ou na sede, no que se refere às sociedades, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado.

67.

No caso vertente, não há dúvidas de que a regulamentação alemã em causa no processo principal introduz um critério de distinção baseado no local da sede social das transportadoras aéreas comunitárias.

68.

Com efeito, por força do § 2, n.o 7, da LuftVG, a autorização de entrada no espaço aéreo é exigida às transportadoras aéreas titulares de uma licença de exploração emitida noutro Estado‑Membro que não a República Federal da Alemanha.

69.

O critério de distinção baseia‑se, portanto, no local de emissão da licença de exploração. Ora, por força do artigo 4.o, alínea a), do Regulamento n.o 1008/2008, a licença de exploração é emitida pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em cujo território se situa o estabelecimento principal da empresa que a requer. Esta regulamentação abrange, portanto, claramente as transportadoras aéreas comunitárias cuja sede social se situe noutro Estado‑Membro. Assim, e estando em causa um critério de distinção baseado no local da sede social, este critério de distinção imposto pela legislação alemã conduz, de facto, ao mesmo resultado que um critério baseado na nacionalidade ( 24 ).

70.

Esta diferença de tratamento só pode ser justificada se se basear em considerações objetivas, independentes da nacionalidade das pessoas em causa e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional ( 25 ). Não nos parece que isso suceda no caso vertente.

71.

No litígio em causa no processo principal, o Generalstaatsanwaltschaft (Ministério Público) entende, com efeito, que esta diferença de tratamento se justifica por razões de protecionismo económico e por imperativos de segurança.

72.

Quanto ao protecionismo económico, temos dificuldade em perceber de que forma, numa União de 27, este objetivo poderia ser considerado legítimo e justificar uma violação do princípio da não‑discriminação. As exceções à proibição de discriminações em razão nacionalidade, porque violam um direito fundamental, devem ser interpretadas de forma estrita. Ora, o Tribunal de Justiça tem repetidamente entendido que um objetivo de natureza económica não constitui uma justificação para uma regulamentação discriminatória ( 26 ). Em qualquer caso, não vemos em que medida se pode considerar que a proteção da economia nacional se baseia em considerações objetivas independentes da nacionalidade das pessoas envolvidas.

73.

Quanto à justificação baseada na segurança alegada pelo Generalstaatsanwaltschaft, embora este objetivo possa, efetivamente, considerar‑se legítimo, pensamos que esta justificação também não pode ser invocada no presente caso.

74.

Com efeito, como vimos, a legislação alemã obriga as transportadoras aéreas comunitárias titulares de uma licença de exploração concedida por outro Estado‑Membro a requererem uma autorização de entrada no seu espaço aéreo. A concessão desta autorização está dependente da apresentação de uma declaração de indisponibilidade e de um certificado de seguro, bem como da verificação de elementos complementares. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece, a este respeito, que os elementos que devem ser controlados no procedimento de autorização em conformidade com o direito alemão são elementos que a própria República da Áustria deve controlar em permanência. A título de exemplo, o COA deve ser apresentado às autoridades alemãs, em conformidade com o § 95, n.o 1, segunda frase, do LuftVZO, para que estas o controlem.

75.

Na realidade, a exigência de uma autorização de entrada no espaço aéreo alemão equivale a controlar, de novo, elementos que já foram objeto de controlo por parte das autoridades nacionais que concederam a licença de exploração com base nas disposições pertinentes do Regulamento n.o 1008/2008.

76.

Por força deste regulamento, apenas a autoridade do Estado‑Membro no qual a transportadora aérea comunitária tem o seu estabelecimento principal é competente para verificar se os requisitos de emissão estabelecidos pelo referido regulamento estão preenchidos ( 27 ). Entre os requisitos a preencher, o artigo 4.o, alínea h), do mesmo regulamento prevê que a autoridade competente de licenciamento de exploração deve verificar se a transportadora aérea cumpre as exigências em matéria de seguros definidas no artigo 11.o e no Regulamento n.o 785/2004. De igual modo, não pode ser concedida uma licença de exploração sem que esta autoridade tenha verificado se a transportadora aérea é titular de um COA válido ( 28 ). A referida autoridade é, também, a única a poder suspender ou revogar esta licença se esses requisitos deixarem de ser satisfeitos ( 29 ).

77.

O respeito dos requisitos de emissão da licença de exploração a que estão sujeitas as transportadoras aéreas tem como finalidade garantir a saúde financeira destas transportadoras, uma vez que o legislador da União entendeu que existe uma relação potencial entre a referida saúde financeira e a segurança ( 30 ).

78.

Dado que os elementos relativos à segurança invocados pelo Generalstaatsanwaltschaft no processo principal já foram tomados em consideração pela autoridade competente de licenciamento de exploração, o controlo, mais uma vez, destes elementos não é proporcional ao objetivo legítimo prosseguido ( 31 ).

79.

É, além disso, interessante observar que o Governo alemão indicou, na audiência, que os elementos exigidos a uma transportadora aérea comunitária que efetua voos privados não regulares provenientes de um país terceiro e com destino à Alemanha não são, em contrapartida, exigidos às transportadoras aéreas comunitárias que efetuam voos não diretos provenientes de um país terceiro. Assim, na audiência, o Governo alemão confirmou que, para um voo proveniente de Moscovo que faça escala em Viena antes de atingir o seu destino final, a saber, Berlim (Alemanha), não é exigida nenhuma autorização de entrada no espaço aéreo da República Federal da Alemanha à transportadora aérea comunitária. Não vemos de que forma, neste caso, a legislação nacional pode ser justificada por razões referentes à segurança aérea.

80.

Resulta daqui que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal constitui, de facto, uma discriminação em razão da nacionalidade, na aceção do artigo 18.o TFUE.

81.

Tendo em conta a resposta dada à primeira e segunda questões, entendemos que não é necessário analisar a terceira questão.

V — Conclusão

82.

Atendendo ao conjunto de considerações anteriores, propomos que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Oberlandesgericht Braunschweig, da forma seguinte:

«O artigo 18.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exija às transportadoras aéreas comunitárias, titulares de uma licença de exploração concedida noutro Estado‑Membro, uma autorização de entrada no seu espaço aéreo para voos privados não regulares provenientes de um país terceiro com destino ao seu território.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 293, p. 3.

( 3 ) JO L 157, p. 7; retificação no JO L 195, p. 3, e no JO 2007, L 204, p. 27.

( 4 ) A seguir «International Jet Management».

( 5 ) V. acórdãos de 4 de abril de 1974, Comissão/França (167/73, Colet., p. 187, n.o 32); de 30 de abril de 1986, Asjes e o. (209/84 a 213/84, Colet., p. 1425, n.o 45); e de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger (C-382/08, Colet., p. I-139, n.o 21).

( 6 ) V. acórdão Asjes e o., já referido (n.os 43 e 44).

( 7 ) V. acórdão Comissão/França, já referido (n.o 31), bem como, no que respeita a transportes marítimos, acórdão de 23 de outubro de 2007, Comissão/Conselho (C-440/05, Colet., p. I-9097, n.o 57 e jurisprudência referida).

( 8 ) V. acórdão de 11 de janeiro de 2007, Comissão/Grécia (C-251/04, Colet., p. I-67, n.o 26), e acórdão Neukirchinger, já referido (n.o 21).

( 9 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/França, já referido (n.o 28).

( 10 ) V., designadamente, considerando 5 do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos, e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO L 46, p. 1), bem como o artigo 2.o, alínea l), do Regulamento (CE) n.o 1107/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo (JO L 204, p. 1; retificação no JO 2013, L 26, p. 34).

( 11 ) V. artigos 5.°, n.o 3, primeiro e segundo parágrafos, e 8.°, n.o 8, primeiro e segundo parágrafos, do referido regulamento.

( 12 ) V. artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008.

( 13 ) JO L 138, p. 1.

( 14 ) Acórdãos de 5 de novembro de 2002, Comissão/Reino Unido (C-466/98, Colet., p. I-9427); Comissão/Dinamarca (C-467/98, Colet., p. I-9519); Comissão/Suécia (C-468/98, Colet., p. I-9575); Comissão/Finlândia (C-469/98, Colet., p. I-9627); Comissão/Bélgica (C-471/98, Colet., p. I-9681); Comissão/Luxemburgo (C-472/98, Colet., p. I-9741); Comissão/Áustria (C-475/98, Colet., p. I-9797); e Comissão/Alemanha (C-476/98, Colet., p. I-9855).

( 15 ) V. artigo 1.o do referido regulamento.

( 16 ) O direito de tráfego pode definir‑se como o direito de explorar um serviço aéreo entre dois aeroportos. V., neste sentido, artigo 2.o, n.o 14, do Regulamento n.o 1008/2008.

( 17 ) Sublinhado nosso.

( 18 ) C-49/89 Colet., p. 4441.

( 19 ) Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e Estados‑Membros para países terceiros (JO L 378, p. 1; retificação no JO 1987, L 30, p. 87; no JO 1987, L 93, p. 17; e no JO 1988, L 117, p. 33).

( 20 ) V. n.o 65 das referidas conclusões.

( 21 ) V., designadamente, acórdãos de 3 de abril de 2008, Rüffert (C-346/06, Colet., p. I-1989, n.o 37), e de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália (C-518/06, Colet., p. I-3491, n.o 62 e jurisprudência referida).

( 22 ) V. n.o 14.

( 23 ) A partilha de códigos é uma prática comercial corrente no setor da navegação aérea. Cada transportadora é identificada por um código composto por um conjunto de duas letras. A prática consiste em uma transportadora aérea comercializar voos com o seu próprio código, embora estes voos sejam realizados por uma outra transportadora. Por exemplo, a Air France SA, cujo código é AF, propõe aos seus clientes voos AF com partida de Toronto (Canadá) e destino a Vancouver (Canadá), mas o voo é efetivamente operado por outra transportadora aérea, em geral uma transportadora aérea regional.

( 24 ) V. acórdão Neukirchinger, já referido (n.o 38).

( 25 ) Ibidem (n.o 35).

( 26 ) V., designadamente, acórdão de 4 de maio de 1993, Distribuidores Cinematográficos (C-17/92, Colet., p. I-2239, n.o 16 e jurisprudência referida), e, a respeito da justificação de uma regulamentação que impõe entraves à livre prestação de serviços, acórdão de 5 de junho de 1997, SETTG (C-398/95, Colet., p. I-3091, n.o 22).

( 27 ) V. artigos 4.°, alínea a), e 8.° do Regulamento n.o 1008/2008. O seu considerando 4 estabelece a este respeito que, devido, designadamente, à necessidade de garantir uma supervisão eficiente das transportadoras aéreas, é necessário que o mesmo Estado‑Membro seja responsável pela supervisão do certificado de operador aéreo e pela licença de exploração.

( 28 ) V. artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento.

( 29 ) V. artigo 9.o do referido regulamento.

( 30 ) V. considerandos 3 e 6 do Regulamento n.o 1008/2008.

( 31 ) V., neste sentido, acórdão Neukirchinger, já referido (n.o 42).

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