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Document 62010TJ0526

Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção) de 25 de abril de 2013  .
Inuit Tapiriit Kanatami e o. contra Comissão Europeia.
Comércio de produtos derivados da foca — Regulamento (CE) n.° 1007/2009 — Regras de aplicação — Regulamento (UE) n.° 737/2010 — Proibição de colocação no mercado dos referidos produtos — Exceção a favor das comunidades inuítes — Exceção de ilegalidade — Base jurídica — Subsidiariedade — Proporcionalidade — Desvio de poder.
Processo T‑526/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2013:215

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo T-526/10,

Inuit Tapiriit Kanatami, com sede em Otava (Canadá),

Nattivak Hunters and Trappers Association, com sede em ikiqtarjuaq (Canadá),

Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, com sede em Pangnirtung (Canadá),

Jaypootie Moesesie, residente em Qikiqtarjuaq,

Allen Kooneeliusie, residente em Qikiqtarjuaq,

Toomasie Newkingnak, residente em Qikiqtarjuaq,

David Kuptana, residente em Ulukhaktok (Canadá),

Karliin Aariak, residente em Iqaluit (Canadá),

Canadian Seal Marketing Group, com sede no Quebeque (Canadá),

Ta Ma Su Seal Products, Inc., com sede em Cap-aux-Meules (Canadá),

Fur Institute of Canada, com sede em Otava,

NuTan Furs, Inc., com sede em Catalina (Canadá),

GC Rieber Skinn AS, com sede em Bergen (Noruega),

Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), com sede em Nuuk, Gronelândia (Dinamarca),

Johannes Egede, residente em Nuuk,

Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), com sede em Nuuk,

William E. Scott & Son, com sede em Edimburgo (Reino Unido),

Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, com sede em Cap-aux-Meules,

Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi, com sede em Istambul (Turquia),

Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, com sede em Fleur-de-Lys (Canadá),

representados por J. Bouckaert e H. Viaene, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por E. White, P. Oliver e K. Mifsud-Bonnici, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado inicialmente por I. Anagnostopoulou e L. Visaggio, e em seguida por M. Visaggio e D. Gauci, na qualidade de agentes,

e

Conselho da União Europeia, representado por M. Moore e K. Michoel, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação do Regulamento (UE) n.° 737/2010 da Comissão, de 10 de agosto de 2010, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.° 1007/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao comércio de produtos derivados da foca (JO L 216, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: A. Dittrich (presidente), I. Wiszniewska-Białecka e M. Prek (relator), juízes,

secretário: J. Weychert, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de outubro de 2012,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

Matéria de facto, tramitação processual e pedidos das partes

1. Em 16 de setembro de 2009, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram o Regulamento (CE) n.° 1007/2009, relativo ao comércio de produtos derivados da foca (JO L 286, p. 36, a seguir «regulamento de base»), que tem por objeto, nos termos do seu artigo 1.°, o estabelecimento de regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca.

2. O artigo 3.°, n.° 1, do regulamento de base prevê o seguinte:

«A colocação no mercado de produtos derivados da foca só é permitida caso se trate de produtos derivados de focas caçadas por métodos tradicionais pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas e que contribuem para a sua subsistência. Estas condições aplicam-se no momento ou no local de importação dos produtos importados.»

3. O considerando 14 do regulamento de base precisa a este respeito que os interesses económicos e sociais fundamentais das comunidades inuítes que se dedicam à caça da foca como meio de garantir a sua subsistência não devem ser afetados. Com efeito, nos termos do referido considerando, essa caça é parte integrante da cultura e da identidade dos membros da sociedade inuíte, e é reconhecida como tal pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. É por este motivo que a colocação no mercado de produtos derivados de focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas para a respetiva subsistência deve ser permitida.

4. Decorre do artigo 3.°, n.° 4, e do artigo 5.°, n.° 3, do regulamento de base que as medidas relativas, nomeadamente, à execução da autorização a favor das comunidades inuítes devem ser adotadas pela Comissão Europeia.

5. Nos termos do artigo 8.° do regulamento de base, este último entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, sendo, porém, o seu artigo 3.° aplicável a partir de 20 de agosto de 2010.

6. Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de janeiro de 2010, a Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, Efstathios Andreas Agathos, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, a Inuit Circumpolar Conference Greenland (ICC), Johannes Egede e a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK) interpuseram um recurso de anulação do regulamento de base. Por despacho do Tribunal Geral de 6 de setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (T-18/10, Colet., p. II-5599), atualmente objeto de recurso, o referido recurso de anulação foi declarado inadmissível.

7. Em 10 de agosto de 2010, a Comissão adotou o Regulamento (UE) n.° 737/2010, que estabelece as normas de execução do regulamento de base (JO L 216, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»). De acordo com o seu artigo 12.°, este regulamento entra em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia .

8. Em 9 de novembro de 2010, os recorrentes, a Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, o Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), Johannes Egede, a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), a William E. Scott & Son, a Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, a Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi e a Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, interpuseram o presente recurso de anulação do regulamento impugnado.

9. Por requerimentos separados, entregues na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 11 e 23 de fevereiro de 2011, o Parlamento e o Conselho pediram autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Os recorrentes e a Comissão não apresentaram observações sobre estes pedidos.

10. Por despacho de 13 de abril de 2011, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral autorizou as intervenções do Parlamento e do Conselho.

11. Em 7 de julho de 2011, o Parlamento e o Conselho apresentaram as suas alegações de intervenção.

12. Em 9 de agosto de 2011, os recorrentes entregaram uma carta que continha modificações dos seus pedidos na parte relativa a despesas. Por decisão do presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral de 29 de agosto de 2011, essa carta foi incorporada no processo. Em 8 e 12 de setembro de 2011, a Comissão e seguidamente o Conselho, bem como o Parlamento, apresentaram as suas observações sobre essas modificações dos pedidos dos recorrentes.

13. Em 13 de setembro de 2011, os recorrentes apresentaram as suas observações sobre as alegações de intervenção do Parlamento e do Conselho.

14. Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾ declarar o recurso admissível;

¾ anular o regulamento impugnado;

¾ declarar inaplicável o regulamento de base em aplicação do artigo 277.° TFUE;

¾ condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

15. A Comissão e o Parlamento concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾ negar provimento ao recurso;

¾ condenar solidariamente os recorrentes nas despesas.

16. O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾ negar provimento ao recurso;

¾ condenar solidariamente os recorrentes nas despesas;

¾ não o condenar na totalidade ou numa parte das despesas.

17. Na carta de 9 de agosto de 2011 (v. n.° 12 supra ) e na audiência, os recorrentes pediram ao Tribunal Geral que condene a Comissão a suportar as suas próprias despesas assim como as despesas deles, e que condene o Parlamento e o Conselho a suportarem as suas próprias despesas.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

18. Nas suas alegações de intervenção, o Conselho afirmou que a maioria dos recorrentes não preenchia os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.° TFUE, no sentido de que nem todos eram diretamente afetados pelo regulamento impugnado.

19. Na réplica e na audiência, a Comissão sustentou que o recurso era admissível no que dizia respeito, pelo menos, a certos recorrentes. Todavia, na audiência, precisou que, em seu entender, nenhum dos argumentos apresentados pelos referidos recorrentes era admissível e não deviam ser tidos em consideração.

20. Importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento ao recurso sem decidir previamente sobre a questão da sua admissibilidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C-23/00 P, Colet., p. I-1873, n. os  51 e 52, e acórdão do Tribunal Geral de 18 de março de 2010, KEK Diavlos/Comissão, T-190/07, não publicado na Coletânea, n.° 32).

21. Nas circunstâncias do caso vertente e tendo em vista a economia do processo, há que começar por examinar os pedidos de anulação dos recorrentes, sem decidir previamente sobre a admissibilidade do recurso no seu conjunto ou de alguns dos argumentos nem sobre a exceção de ilegalidade aduzidos pelos recorrentes, uma vez que, em qualquer dos casos e pelos motivos a seguir expostos, o recurso é desprovido de fundamento.

Quanto ao mérito

22. Como fundamento do seu recurso, os recorrentes invocam, a título principal, a ilegalidade do regulamento de base. Em seu entender, este regulamento é inaplicável ao caso vertente, o que priva o regulamento impugnado de base jurídica e deve conduzir à sua anulação. No quadro do segundo fundamento, invocado a título subsidiário, os recorrentes pedem a anulação do regulamento impugnado em razão de um alegado desvio de poder.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de o regulamento impugnado carecer de base jurídica

23. No quadro do presente fundamento, os recorrentes opõem uma exceção de ilegalidade ao regulamento de base. O fundamento divide-se em três partes.

24. A título preliminar, cabe recordar que, segundo jurisprudência assente, o artigo 277.° TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar a título incidental, com o objetivo de obter a anulação de um ato do qual pode interpor um recurso, a validade de um ato institucional anterior que constitui a base jurídi ca do ato impugnado, se essa parte não dispunha do direito de interpor, nos termos do artigo 263.° TFUE, um recurso direto desse ato, do qual sofreu as consequências sem ter podido requerer a sua anulação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colet., p. 407, n.° 39, e de 19 de janeiro de 1984, Andersen e o./Parlamento, 262/80, Recueil, p. 195, n.° 6).

— Quanto à primeira parte, relativa à escolha errada da base jurídica do regulamento de base

25. O regulamento de base foi adotado com fundamento no artigo 95.° CE. Nos termos do seu artigo 1.°, este regulamento estabelece regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca.

26. No âmbito de uma primeira alegação, os recorrentes sustentam que o Parlamento e o Conselho cometeram um erro de direito ao escolher o artigo 95.° CE como base jurídica para efeitos da adoção do regulamento de base. Resulta da exposição de motivos da Proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo ao comércio de produtos derivados da foca, apresentada pela Comissão [COM (2008) 469 final, de 23 de julho de 2008, a seguir «proposta de regulamento de base»], e dos considerandos do regulamento de base que o objetivo principal deste é a proteção do bem-estar animal e não o funcionamento do mercado interno.

27. A este respeito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência assente, no quadro do sistema de competências da União, a escolha da base jurídica de um ato deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do ato (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2006, Laserdisken, C-479/04, Colet., p. I-8089, n.° 30 e jurisprudência referida).

28. É também jurisprudência assente que as medidas referidas no artigo 95.°, n.° 1, CE devem ter efetivamente por objeto a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno. Se a simples constatação de disparidades entre as regulamentações nacionais e do risco abstrato de obstáculos às liberdades fundamentais ou de distorções de concorrência não for suficiente para justificar a opção pelo artigo 95.° CE como base jurídica, o legislador da União pode recorrer a ele, nomeadamente em caso de divergências entre as regulamentações nacionais, quando estas forem suscetíveis de colocar entraves às liberdades fundamentais e ter, assim, uma influência direta no funcionamento do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C-58/08, Colet., p. I-4999, n.° 32 e jurisprudência referida).

29. O recurso a esta disposição é também possível a fim de prevenir o aparecimento desses obstáculos às trocas comerciais que resultam da evolução heterogénea das legislações nacionais. Contudo, o seu aparecimento deve ser verosímil, e a medida em causa deve ter por objeto a sua prevenção (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.° 28 supra, n.° 33 e jurisprudência referida).

30. Importa, porém, recordar que o recurso ao artigo 95.° CE não se justifica quando o ato a adotar só acessoriamente tiver por efeito harmonizar as condições do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de novembro de 1999, Comissão/Conselho, C-209/97, Colet., p. I-8067, n.° 35 e jurisprudência referida).

31. Resulta do exposto que, quando existam obstáculos às trocas comerciais ou seja verosímil que esses obstáculos irão surgir no futuro, devido ao facto de os Estados-Membros terem tomado ou estarem em vias de tomar, a respeito de um produto ou de uma categoria de produtos, medidas divergentes suscetíveis de assegurarem um nível de proteção diferente e impedirem dessa forma o ou os produtos em questão de circularem livremente na União, o artigo 95.° CE habilita o legislador da União a intervir tomando as medidas adequadas, com observância, por um lado, do n.° 3 do mesmo artigo e, por outro, dos princípios jurídicos mencionados no Tratado ou desenvolvidos pela jurisprudência, nomeadamente o princípio da proporcionalidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C-210/03, Colet., p. I-11893, n.° 33, e Arnold André, C-434/02, Colet., p. I-11825, n.° 34).

32. O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que, através da expressão «medidas relativas à aproximação», que figura no artigo 95.° CE, os autores do Tratado quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente em domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.° 28 supra, n.° 35 e jurisprudência referida).

33. Em função das circunstâncias, essas medidas adequadas podem consistir em obrigar todos os Estados-Membros a autorizarem a comercialização do ou dos produtos em causa, em fazer depender essa obrigação de autorização de determinadas condições, ou mesmo proibir, provisória ou definitivamente, a comercialização de um ou de certos produtos (v. acórdão Swedish Match, referido no n.° 31 supra, n.° 34 e jurisprudência referida).

34. É à luz destas considerações que cabe verificar se estão preenchidas as condições de recurso ao artigo 95.° CE como base jurídica do regulamento de base.

35. No caso vertente, decorre claramente do regulamento de base que o seu objetivo principal não é a proteção do bem-estar dos animais, mas a melhoria do funcionamento do mercado interno.

36. Numa primeira fase, importa salientar a este respeito que, no momento da adoção do regulamento de base, existiam relativamente aos produtos em causa divergências entre as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros.

37. Assim, resulta da proposta de regulamento de base que, para responder às preocupações e às pressões dos cidadãos, diversos Estados-Membros tinham adotado ou estavam em vias de adotar ou de examinar medidas legislativas para limitar ou proibir as atividades relacionadas com a elaboração de produtos derivados da foca e que esta situação devia dar lugar a novas iniciativas legislativas nos Estados-Membros. A Comissão constatou que coexistiam condições comerciais díspares no seio da União, que variavam de um Estado-Membro ou grupo de Estados-Membros para outro, e que daí resultava uma fragmentação do mercado interno, sendo os operadores obrigados a adaptarem as suas práticas às diferentes disposições de cada Estado-Membro.

38. Do mesmo modo, nos considerandos 4 e 5 do regulamento de base é recordado que «[a] caça à foca tem levado à manifestação de sérias preocupações por parte de cidadãos e de entidades governamentais sensíveis a considerações relacionadas com o bem-estar dos animais», e que foi «[e]m resposta às preocupações dos cidadãos e dos consumidores com os aspetos de bem-estar animal […] e [à] possível presença no mercado de produtos obtidos a partir de animais abatidos e esfolados [em] sofrimento [que] diversos Estados-Membros aprovaram ou tencionam aprovar legislação para regulamentar o comércio de produtos derivados da foca, proibindo a sua importação e fabrico, ao passo que, noutros Estados-Membros, não [existiam] restrições ao comércio destes produtos».

39. Ora, nos termos dos considerandos 6 a 8 do regulamento de base, as «diferenças entre os dispositivos nacionais que regem o comércio, a importação, o fabrico e a comercialização de produtos derivados da foca […] afeta[vam] negativamente o funcionamento do mercado interno dos produtos que cont[inham] ou pod[iam] conter produtos derivados da foca e constitu[íam] obstáculos ao comércio desses produtos e [podiam] continuar a dissuadir os consumidores de adquirirem produtos não derivados da foca, mas que não se pod[iam] distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos que pod[iam] conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso [fosse] claramente detetável». O objetivo do regulamento de base era, portanto, «harmonizar as regras aplicáveis na totalidade da [União] às atividades comerciais que têm por objeto produtos derivados da foca e, desse modo, impedir a perturbação do mercado interno desses produtos, incluindo produtos equivalentes ou que podem substituir os produtos derivados da foca».

40. Decorre do exame desses considerandos que, se, em razão das preocupações dos cidadãos e dos consumidores com a questão do bem-estar dos animais, diversos Estados-Membros adotaram ou tinham intenção de adotar medidas que regulavam o comércio de produtos derivados da foca, o legislador da União, quanto a ele, agiu com o objetivo de harmonizar as regras na matéria e evitar assim uma perturbação do mercado interno dos produtos em causa.

41. A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, quando estejam preenchidas as condições de recurso ao artigo 95.° CE como base jurídica, o legislador da União não pode ser impedido de recorrer a esta base jurídica pelo facto de a proteção do bem-estar dos animais ser determinante nas opções a fazer. A mesma situação pode verificar-se, por analogia, no que diz respeito à proteção da saúde pública [acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-376/98, Colet., p. I-8419, n.° 88; de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C-491/01, Colet., p. I-11453, n.° 62; e de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C-154/04 e C-155/04, Colet., p. I-6451, n.° 30], bem como à proteção dos consumidores (acórdão Vodafone e o., referido no n.° 28 supra, n.° 36).

42. Além disso, importa sublinhar que a proteção do bem-estar dos animais constitui um objetivo legítimo de interesse geral cuja importância se traduziu, nomeadamente, na adoção pelos Estados-Membros do Protocolo relativo à proteção e ao bem-estar dos animais, anexo ao Tratado CE (JO 1997, C 340, p. 110, a seguir «protocolo»). Por outro lado, o Tribunal de Justiça reconheceu em diversas ocasiões o interesse que a União atribuía à saúde e à proteção dos animais (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2009, Comissão/Bélgica, C-100/08, não publicado na Coletânea, n.° 91).

43. Como resulta dos considerandos 9 e 10 do regulamento de base, foi nesse quadro que, consciente das necessidades de bem-estar dos animais na definição e aplicação da política do mercado interno nos termos do protocolo, o legislador da União concluiu que, para eliminar a atual fragmentação do mercado interno, era necessário prever regras harmonizadas, atendendo ao mesmo tempo à questão do bem-estar dos animais.

44. Ora, para ser eficaz, a medida a adotar no caso vertente devia constituir uma resposta que tivesse em conta as razões conducentes às regulamentações existentes ou anunciadas nos diferentes Estados-Membros. A este respeito, decorre do considerando 10 do regulamento de base que, a fim de restabelecer a confiança dos consumidores e, ao mesmo tempo, assegurar que as preocupações com o bem-estar dos animais fossem plenamente tidas em consideração, «a colocação no mercado de produtos derivados da foca não [devia], por via de regra, ser permitida». Além disso, o legislador da União considerou que, para responder às inquietações dos cidadãos e dos consumidores relativamente «ao abate e à esfola das focas [eram] igualmente necessárias medidas para reduzir a procura que leva à comercialização de produtos derivados da foca e, consequentemente, a procura económica que impele à caça da foca para fins comerciais».

45. Com efeito, como resulta do considerando 13 do regulamento de base, o legislador da União considerou que o meio mais eficaz para impedir as perturbações existentes e anunciadas no funcionamento do mercado interno dos produtos em causa consistia em tranquilizar os consumidores mediante a garantia de que, regra geral, mais nenhum produto derivado da foca seria comercializado no mercado da União, nomeadamente, através da proibição da importação desses produtos com origem em países terceiros.

46. Não obstante, o legislador da União previu uma exceção a essa proibição no que diz respeito à caça da foca praticada pelas comunidades inuítes e as restantes comunidades indígenas como meio de subsistência. Com efeito, o considerando 14 do regulamento de base precisa que «[o]s interesses económicos e sociais fundamentais das comunidades inuítes que se dedicam à caça da foca como meio de garantir a sua subsistência não deverão ser afetados».

47. Além disso, decorre dos considerandos 3, 7 e 8 do regulamento de base que o objetivo deste regulamento é também suprimir os obstáculos à livre circulação de produtos não derivados da foca, mas que, precisamente em razão da sua natureza, é difícil, ou mesmo impossível, distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou de produtos que podem conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso seja claramente detétavel (v. n.° 39 supra ). Com efeito, ao tranquilizar os consumidores no sentido de que, com exceção dos produtos provenientes da caça tradicional das comunidades indígenas para fins de subsistência, os produtos derivados da foca já não são comercializados na União, a questão da diferenciação entre estes últimos produtos e os que não são derivados da foca deixa de se colocar e todas as categorias dos produtos em causa podem circular livremente no território da União.

48. Neste contexto, a intervenção do legislador da União com fundamento no artigo 95.° CE afigura-se justificada.

49. Esta conclusão não é infirmada pelos diferentes argumentos dos recorrentes através dos quais estes contestam a realidade de várias considerações evocadas nos números precedentes. Nomeadamente, no que respeita à existência de divergências entre as regulamentações nacionais, os recorrentes alegam que resulta da proposta de regulamento de base que apenas dois Estados-Membros já tinham adotado uma legislação que regulamentava o comércio de produtos derivados da foca e que um terceiro Estado-Membro estava prestes a fazê-lo. Além disso, alegam que a afirmação da Comissão segundo a qual «[n]ão [podia ser excluído] que iniciativas semelhantes [fossem] adotadas no futuro por outros Estados-Membros» não era suficiente para demonstrar um entrave ao funcionamento do mercado interno.

50. Primeiro, quanto a esta última afirmação relativa à proposta de regulamento de base, basta sublinhar que a mesma não foi reproduzida no regulamento de base, cujos termos refletem uma situação que entretanto já tinha evoluído. Assim, nos seus considerandos 5 e 6, o regulamento de base menciona que «diversos» Estados-Membros aprovaram ou tencionam aprovar medidas legislativas para regulamentar o comércio de produtos derivados da foca, ao passo que, noutros Estados-Membros, não existem restrições ao comércio destes produtos. A este respeito, a Comissão precisou que, no momento da adoção do regulamento de base, estavam em vigor em três Estados-Membros proibições relativas aos produtos derivados da foca, um outro Estado-Membro tinha adotado uma proibição que ainda não entrara em vigor, dois outros Estados-Membros tinham publicado e transmitido à Comissão projetos legislativos nesse sentido e ainda três outros Estados-Membros tinham comunicado a sua intenção de aplicarem igualmente proibições na falta de medidas adotadas pela União.

51. Segundo, independentemente do número exato de Estados-Membros que já tinham legislado sobre a matéria ou que já tinham manifestado claramente essa intenção no momento da adoção do regulamento de base, impõe-se concluir que essas medidas divergentes podiam constituir obstáculos à livre circulação de produtos derivados da foca. Neste quadro, o facto de um número mínimo de Estados-Membros já ter legislado ou ter a intenção de o fazer num domínio concreto não é suscetível de constituir um critério decisivo relativamente à possibilidade de adoção de uma medida de harmonização a nível da União (v., neste sentido, acórdãos, referidos no n.° 31 supra, Swedish Match, n.° 37, e Arnold André, n.° 38).

52. Por conseguinte, no caso vertente, deve considerar-se que o legislador da União concluiu corretamente que, na falta de ação a nível da União, era provável que, atendendo à adoção pelos Estados-Membros de novas regras que refletiam as preocupações crescentes dos consumidores ligadas à questão do bem-estar das focas, surgissem obstáculos ao comércio de produtos contendo ou suscetíveis de conter produtos derivados da foca (v, neste sentido, acórdão Swedish Match, referido no n.° 31 supra, n.° 39), ou que esses obstáculos até já existissem.

53. Os recorrentes alegam também que, no processo que deu origem ao acórdão Swedish Match, referido no n.° 31 supra, o elemento decisivo tido em conta pelo Tribunal de Justiça residia no facto de o mercado dos produtos do tabaco ser um mercado em que as trocas comerciais entre Estados-Membros eram relativamente importantes. Todavia, esse não é o caso do comércio de produtos derivados da foca, em especial entre os Estados-Membros que já legislaram sobre a matéria.

54. A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o recurso à base jurídica do artigo 95.° CE não pressupunha a existência de uma ligação efetiva com a livre circulação entre os Estados-Membros em cada uma das situações visadas pelo ato baseado nesse artigo. Como o Tribunal de Justiça já salientou, o que é importante para justificar o recurso à base jurídica do artigo 95.° CE é que o ato adotado com esse fundamento tenha efetivamente por objeto melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-380/03, Colet., p. I-11573, n.° 80 e jurisprudência referida).

55. Em qualquer das hipóteses, o argumento dos recorrentes não pode vingar. No que diz respeito à sua afirmação segundo a qual a produção de produtos derivados da foca na União era negligenciável, cabe observar que a importância dessa produção não pode ser útil para efeitos da determinação da importância das trocas comerciais dos produtos em causa entre os Estados-Membros, porquanto, no quadro da referida determinação, se deve ter em conta as trocas comerciais dos produtos importados na União.

56. Além disso, cabe precisar que, segundo os considerandos 7 e 8 do regulamento de base, a existência de dispositivos nacionais divergentes pode continuar a dissuadir «os consumidores de adquirirem produtos não derivados da foca, mas que não se podem distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos que podem conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso seja claramente detetável, como peles, cápsulas de Omega-3 ou óleos e artigos de couro». Com efeito, como já foi acima recordado no n.° 47, basta considerar que o objetivo das medidas de harmonização previstas pelo referido regulamento é evitar uma perturbação do mercado interno dos produtos em causa, incluindo os produtos equivalentes ou substituíveis de produtos derivados da foca. Ora, como decorre da definição de produto derivado da foca tal como figura no artigo 2.° e no considerando 3 do regulamento de base, os produtos derivados da foca assim como os não derivados da foca, mas semelhantes aos primeiros ou que incluem ingredientes derivados da foca, são muito variados e compreendem produtos de grande consumo relativamente aos quais as trocas comerciais entre Estados-Membros não são seguramente negligenciáveis.

57. Neste contexto, a afirmação dos recorrentes de que apenas devem ser tidas em conta as trocas comerciais respeitantes a Estados-Membros que já tenham legislado sobre a matéria também não pode vingar. Com efeito, uma vez que os produtos abrangidos pela medida de harmonização têm uma definição ampla, é evidente que todos os Estados-Membros são afetados pelas trocas comerciais desses produtos.

58. Com base nas considerações precedentes, deve concluir-se que as diferenças, já existentes ou que provavelmente ainda se viriam a agravar, entre as disposições nacionais que regulam o comércio de produtos derivados da foca eram suscetíveis de justificar a intervenção do legislador da União com fundamento no artigo 95.° CE.

59. Com base nesta conclusão, há que verificar, numa segunda fase, se os artigos 1.°, 3.° e 4.° do regulamento de base têm efetivamente por objeto a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado int erno.

60. Nos termos do artigo 1.° do regulamento de base, este «estabelece regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca». Além disso, decorre do seu considerando 15 que o referido regulamento «não prejudica outras regras comunitárias ou nacionais relativas à caça da foca».

61. Assim, o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento de base prevê que «[a] colocação no mercado de produtos derivados da foca só é permitida caso se trate de produtos derivados de focas caçadas por métodos tradicionais pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas e que contribuem para a sua subsistência. Estas condições aplicam-se no momento ou no local de importação dos produtos importados».

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Além disso, para garantir que os produtos autorizados no artigo 3.°, n.° 1, do regulamento de base assim como todos os produtos não derivados da foca, mas que não podem ser facilmente distinguidos de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos suscetíveis de conter elementos ou ingredientes derivados da foca, sem que isso seja claramente detétavel, possam circular livremente no mercado interno da União, o legislador previu, no artigo 4.° do regulamento de base, que «[o]s Estados-Membros não podem impedir a colocação no mercado de produtos derivados da foca que cumpram o […] regulamento [de base]». Deve considerar-se que esta disposição confere ao regulamento de base pleno efeito à luz do seu objetivo de melhoria das condições de funcionamento do mercado interno. Com efeito, o referido artigo proíbe que os Estados-Membros criem obstáculos à circulação de todas essas categorias de produtos na União através, nomeadamente, de disposições mais restritivas que pudessem considerar necessárias para garantir o bem-estar dos animais ou para tranquilizar os consumidores. Assim, o artigo 4.° do regulamento de base exprime o objetivo enunciado no artigo 1.° do referido regulamento.

63. Por último, há que rejeitar o argumento dos recorrentes segundo o qual a Diretiva 83/129/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa à importação nos Estados-Membros de peles de determinados bebés-focas e de produtos derivados (JO L 91, p. 30; EE 15 F4 p. 122), assenta em fundamentos, no mínimo, comparáveis aos do regulamento de base, quando a referida diretiva foi adotada com fundamento no artigo 235.° CEE, que passou, sucessivamente, a artigo 308.° CE e a artigo 352.° TFUE. Segundo a jurisprudência, a determinação da base jurídica de um ato deve ser feita tendo em atenção a sua finalidade e o seu conteúdo próprios, e não à luz da base jurídica escolhida para a adoção de outros atos da União que tenham, eventualmente, características semelhantes (v. acórdão de 8 de setembro de 2009, Comissão/Parlamento e Conselho, C-411/06, Colet., p. I-7585, n.° 77 e jurisprudência referida). Em qualquer das hipóteses, esta diretiva, adotada com base no Tratado CEE, responde a objetivos diferentes dos do regulamento de base.

64. Decorre das considerações precedentes que o regulamento de base tem efetivamente por objeto a melhoria das condições de funcionamento do mercado interno e, portanto, podia ser adotado com fundamento no artigo 95.° CE.

65. No âmbito de uma segunda alegação, aduzida a título subsidiário, os recorrentes sustentam que o artigo 95.° CE não constitui uma base jurídica suficiente para a adoção do regulamento de base, pois, uma vez que, em seu entender, a proibição prevista afeta essencialmente o comércio com países terceiros, teria sido necessário recorrer igualmente ao artigo 133.° CE. Recordam que a proposta de regulamento de base fazia referência às duas disposições e afirmam que as diferenças entre a proposta e o texto que acabou por ser aprovado não justificam o recurso apenas ao artigo 95.° CE. Ora, a proibição da colocação no mercado dos produtos em causa, que são produzidos principalmente fora da União, estabelece de facto uma proibição à importação.

66. Resulta de jurisprudência assente que, se a análise de um ato da União demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma componente dupla, e se uma dessas componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o ato deve ter uma única base jurídica, a saber, a que for exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante [acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.° 41 supra, n.° 94].

67. Excecionalmente, se se demonstrar, em contrapartida, que o ato em causa prossegue simultaneamente vários objetivos ou que tem várias componentes, que se encontram ligados de forma indissociável sem que um seja secundário e indireto relativamente ao outro, esse ato deve assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes (v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, referido no n.° 63 supra, n.° 47 e jurisprudência referida).

68. Por conseguinte, cabe examinar se o regulamento de base prossegue igualmente um objetivo de política comercial comum e contém componentes abrangidas por essa política que se encontram ligadas de forma indissociável a componentes destinadas à melhoria do funcionamento do mercado interno, com uma importância tal que esse ato devesse ter sido adotado numa dupla base jurídica.

69. A este respeito, cabe sublinhar, desde logo, que, contrariamente à sua proposta, o regulamento de base não proíbe, em si mesmo, a importação nem o trânsito ou as exportações de produtos derivados da foca. Com efeito, o artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento proíbe apenas a sua colocação no mercado, precisando que, no que respeita aos produtos importados, essa proibição se deve aplicar no momento ou no local de importação, e isso numa preocupação de eficácia, como decorre do considerando 10 do mesmo regulamento. A este respeito, o artigo 2.°, n.° 5, do regulamento de base define importação como «entrada de mercadorias no território aduaneiro da Comunidade».

70. A importação de produtos derivados da foca é, portanto, proibida unicamente nos casos em que esses produtos se destinam a ser colocados no mercado da União. Além disso, impõe-se observar, à semelhança da Comissão, que, ao proibir a colocação no mercado de produtos derivados da foca, o regulamento de base não impede a entrada, o entreposto, a transformação ou o fabrico de produtos derivados da foca na União, se se destinarem à exportação e nunca forem colocados em livre prática no mercado da União. Além disso, o artigo 3.°, n.° 2, do regulamento de base prevê também que, por um lado, a importação de produtos derivados da foca é permitida se apresentar caráter ocasional e consistir exclusivamente em bens reservados ao uso pessoal e não para fins comerciais e que, por outro, a colocação no mercado para fins não lucrativos de produtos derivados da foca é igualmente permitida quando esses produtos resultem de uma caça regulamentada pela lei nacional e praticada com o único objetivo de garantir a gestão sustentável dos recursos marinhos. Por último, a proibição de colocação no mercado abrange também os produtos derivados da foca originários dos Estados-Membros, embora seja dado assente que a sua quota não é muito significativa.

71. Importa deduzir daqui que a proibição de importação está efetivamente prevista com o objetivo de impedir a colocação no mercado de produtos derivados da foca e, por esse meio, alcançar o objetivo único do regulamento de base, que é a melhoria do funcionamento do mercado interno. Neste quadro, os efeitos do referido regulamento no comércio externo são apenas secundários.

72. Por consequência, deve concluir-se que o único objetivo prosseguido pelo regulamento de base, nomeadamente pela última frase do seu artigo 3.°, n.° 1, é garantir a eficácia das medidas destinadas a aperfeiçoar o funcionamento do mercado interno, sem que seja igualmente prosseguido qualquer objetivo relacionado com a implementação da política comercial comum. Atendendo a esta conclusão e à jurisprudência acima recordada nos n. os  66 e 67, deve concluir-se que o regulamento de base não podia ter concomitantemente por base jurídica os artigos 95.° e 133.° CE.

73. Em qualquer caso, convém recordar a este respeito que, no acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.° 41 supra, n.° 98, o Tribunal de Justiça considerou que, no processo então em causa, a referência, errada, ao artigo 133.° CE como segunda base jurídica da diretiva não implicava, por si só, a sua invalidade. O Tribunal de Justiça considerou que um erro desse tipo no preâmbulo de um ato da União constituía apenas um vício puramente formal, salvo se tivesse ferido de irregularidade o processo de adoção do ato (v. acórdão Swedish Match, referido no n.° 31 supra, n.° 44 e jurisprudência referida).

74. Abordagem idêntica se aplica, por analogia, no caso vertente. Nomeadamente, cabe observar que os artigos 95.° CE e 133.° CE implicam modalidades de voto idênticas no seio do Conselho.

75. Assim, o artigo 95.°, n.° 1, CE prevê que as medidas estabelecidas com base neste preceito sejam adotadas em conformidade com o processo de codecisão previsto no artigo 251.° CE e após consulta do Comité Económico e Social. Recorde-se que, no processo de codecisão previsto no artigo 251.° CE, o Conselho delibera por maioria qualificada, salvo se pretender acolher as alterações à sua posição comum formuladas pelo Parlamento e objeto de parecer negativo da Comissão, caso em que deve deliberar por unanimidade. Quanto ao artigo 133.°, n.° 4, CE, o mesmo prevê que, no exercício das competências que lhe são atribuídas por esta disposição, o Conselho delibera por maioria qualificada.

76. Por conseguinte, o recurso à dupla base jurídica constituída pelos artigos 95.° CE e 133.° CE não teria nenhuma influência nas regras de voto aplicáveis no seio do Conselho. Além disso, o recurso apenas ao artigo 95.° não violou os direitos do Parlamento, pois este artigo remete explicitamente para o processo de codecisão visado no artigo 251.° CE (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 1991, Comissão/Conselho, dito «Dióxido de titânio», C-300/89, Colet., p. I-2867, n. os  17 a 21).

77. Nestas condições, deve concluir-se que, mesmo admitindo que o regulamento de base está igualmente abrangido pelo artigo 133.° CE, o recurso apenas ao artigo 95.° CE como base jurídica não podia ter ferido de irregularidade o processo de adoção do referido regulamento, pelo que este não pode ser invalidado por esse motivo [v., por analogia, acórdãos Swedish Match, referido no n.° 31 supra, n. os  43 a 45, e British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.° 41 supra, n. os  106 a 111].

78. Por conseguinte, a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

— Quanto à segunda parte, relativa à violação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade

79. Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que o objetivo principal, senão único, do regulamento de base é a proteção do bem-estar animal, e que um objetivo desta natureza não é matéria da competência exclusiva da União. Entretanto, as instituições não demonstram em que medida uma legislação destinada a proteger o bem-estar das focas adotada a nível da União é a mais adaptada e necessária.

80. Importa recordar que, quando da adoção do regulamento de base, o princípio da subsidiariedade estava enunciado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE, nos termos do qual, nos domínios que não eram da sua competência exclusiva, a União só intervinha se e na medida em que os objetivos da ação prevista não pudessem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros e pudessem, portanto, em razão da dimensão ou dos efeitos da ação prevista, ser mais adequadamente realizados a nível da União. Este princípio era concretizado pelo Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado CE (JO 1997, C 340, p. 173), que estabelecia igualmente, no seu n.° 5, diretrizes para determinar se estas condições se encontravam preenchidas.

81. No que respeita a atos legislativos, o referido protocolo precisava, nos seus n. os  6 e 7, que a Comunidade devia legislar apenas na medida do necessário e que as medidas tomadas pela Comunidade deviam deixar às instâncias nacionais uma margem de decisão tão ampla quanto possível, desde que compatível com a realização do objetivo da medida e a observância das exigências do Tratado.

82. Além disso, o referido protocolo precisava, no seu n.° 3, que o princípio da subsidiariedade não punha em causa as competências conferidas à Comunidade pelo Tratado, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

83. A este respeito, importa, desde logo, rejeitar a argumentação dos recorrentes que assenta na afirmação, errada, de que o objetivo do regulamento de base é a proteção do bem-estar dos animais. Com efeito, como já foi acima afirmado no n.° 64, o referido regulamento tem por objeto a melhoria das condições de funcionamento do mercado interno tendo em conta a proteção do bem-estar dos animais.

84. Quanto ao artigo 95.° CE, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da subsidiariedade se aplica sempre que o legislador da União recorre a essa base jurídica, na medida em que esta disposição não lhe confere competência exclusiva para regulamentar as atividades económicas no mercado interno, mas apenas uma competência para melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mesmo, através da eliminação de obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços ou pela supressão de distorções da concorrência [acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.° 41 supra, n.° 179].

85. Ora, impõe-se concluir que o objetivo do regulamento de base não pode ser realizado da mesma maneira satisfatória através de uma ação levada a cabo apenas nos Estados-Membros e pressupõe uma ação a nível da União, como demonstra a evolução heterogénea das legislações nacionais no caso vertente (v. n. os  38 e 39 supra ). Daqui decorre que o objetivo da ação prevista podia ser melhor realizado a nível da União.

86. Uma vez que os recorrentes não apresentam nenhum outro elemento em apoio da sua argumentação, esta deve ser rejeitada.

87. Em segundo lugar, no tocante à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cabe recordar que decorre de jurisprudência assente que esse princípio exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2011, Etimine, C-15/10, Colet., p. I-6681, n.° 124 e jurisprudência referida).

88. No que diz respeito à fiscalização jurisdicional do respeito destas condições, o Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador da União, no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas, um amplo poder de apreciação nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza tanto política como económica ou social, e em que é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas. Assim, não se trata de saber se uma medida adotada nesse domínio era a única ou a melhor possível, visto que só o caráter manifestamente inadequado desta, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.° 28 supra, n.° 52 e jurisprudência referida).

89. Todavia, mesmo tendo esse poder, o legislador da União está obrigado a basear a sua opção em critérios objetivos. Além disso, no âmbito da apreciação dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, deve examinar se os objetivos prosseguidos pela medida escolhida são de natureza a justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.° 28 supra, n.° 53 e jurisprudência referida).

90. No caso vertente, decorre dos considerandos 10 a 14 do regulamento de base que este prossegue o objetivo de melhoria do funcionamento do mercado interno dos produtos em causa, assim como a proteção do bem-estar dos animais e a situação especial das comunidades inuítes e outras comunidades indígenas. Além disso, uma comparação entre a proposta de regulamento de base e o próprio regulamento demonstra que o legislador analisou concretamente a situação na União que exige esta medida, e limitou consideravelmente o seu alcance relativamente à proposta da Comissão. Em especial, o regulamento de base prevê unicamente uma proibição de colocação no mercado de produtos em causa e opta por fixar uma regra muito geral de proibição, a que está associada, no essencial, uma única exceção, delegando à Comissão, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do regulamento de base, a adoção das medidas relativas à sua execução. Deve deduzir-se daqui que as medidas previstas foram estritamente limitadas àquilo que o legislador considerou ser necessário para suprimir os obstáculos à livre circulação dos produtos indicados.

91. Primeiro, os argumentos aduzidos pelos recorrentes não podem demonstrar que o regulamento de base é manifestamente inapropriado para alcançar o objetivo prosseguido.

92. Por um lado, os recorrentes não apresentam mais argumentos em apoio da sua afirmação segundo a qual a medida de proibição de produtos derivados da foca prevista pelo regulamento de base não podia contribuir para a promoção do estabelecimento do mercado interno. Por outro lado, tal como na análise da alegada violação do princípio da subsidiariedade (v. n.° 83 supra ), a sua argumentação que assenta na afirmação, errada, de que o objetivo do regulamento de base é a proteção do bem-estar dos animais deve ser rejeitada.

93. Segundo, deve também rejeitar-se o argumento dos recorrentes segundo o qual o regulamento de base vai além do que é necessário para alcançar os seus objetivos. Com efeito, o caráter proporcionado do referido regulamento não pode ser examinado à luz de outos objetivos que não seja o prosseguido por esse regulamento.

94. O argumento dos recorrentes de que a medida de rotulagem é menos restritiva e mais eficaz para alcançar os objetivos do regulamento de base também não pode vingar.

95. Resulta do regulamento de base que a adoção de uma medida que permita a colocação no mercado apenas de produtos derivados da foca que respeitem as exigências relativas ao bem-estar dos animais, bem como, mais particularmente, a medida de rotulagem, foram examinadas e seguidamente afastadas pelo legislador. A este respeito, os considerandos 11 e 12 do referido regulamento enunciam que, «[e]mbora seja possível abater e esfolar focas evitando a dor, a angústia, o medo e outras formas de sofrimento desnecessárias, devido às condições em que a caça à foca é praticada, a coerente verificação e controlo do cumprimento das normas de bem-estar dos animais por parte dos caçadores não é viável na prática ou é, pelo menos, muito difícil de realizar de forma eficaz, como conc luiu a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos em 6 de dezembro de 2007», e que «[é] igualmente claro que outras formas de regras harmonizadas, como os requisitos de rotulagem, não permitiriam obter o mesmo resultado. Além disso, exigir a fabricantes, distribuidores ou retalhistas que procedam à rotulagem de produtos total ou parcialmente derivados da foca imporia um pesado encargo a estes operadores económicos e seria desproporcionadamente oneroso nos casos em que estes produtos representam apenas uma parte menor do produto em causa[, ao passo que, i]nversamente, as medidas contidas no presente regulamento serão mais fáceis de respeitar, servindo igualmente para tranquilizar os consumidores».

96. Impõe-se concluir daqui que, após ter analisado a questão do alcance destas medidas na prática, o legislador considerou que as mesmas não permitiam alcançar o objetivo prosseguido, e que proibir, como regra geral, a colocação no mercado de produtos derivados da foca era a melhor forma de garantir a livre circulação de bens. Nenhum dos argumentos aduzidos pelos recorrentes pode demonstrar que estas considerações são erradas. A este respeito, cabe sublinhar que o facto de, em seu entender, nenhum organismo ainda não ter sido reconhecido nos termos do artigo 6.° do regulamento impugnado e de existir atualmente uma proibição total de colocação no mercado não tem a ver com a validade do regulamento de base, mas do regulamento impugnado.

97. Terceiro, quanto ao caráter proporcionado, na aceção restrita, do regulamento de base, os recorrentes sustentam que este produz efeitos desproporcionados nas comunidades inuítes, no sentido de que tem uma incidência considerável na sobrevivência destas comunidades. A exceção que lhes diz respeito mantém-se letra morta, nomeadamente em razão do facto de que os Inuítes não praticam eles mesmos o comércio de produtos derivados da foca.

98. Para fundamentar esta afirmação, os recorrentes limitam-se a referir pontos específicos da petição inicial. Todavia, importa observar que os referidos pontos descrevem apenas o modo de vida das comunidades inuítes, a caça à foca por estas praticada e as dificuldades de vida e de sobrevivência destas populações. Apenas o ponto 34 da petição inicial trata os efeitos da medida em causa na situação dessas comunidades, afirmando que, em razão do regulamento impugnado, lido em conjugação com o regulamento de base e à luz da interpretação restritiva de que já foi objeto, a maior parte das exportações de produtos derivados da foca para a União tende a desaparecer e que, consequentemente, as exportações para a União de produtos derivados da foca provenientes dos Inuítes serão gravemente afetadas. Concluem que o regulamento impugnado acarretará provavelmente o desaparecimento de um mercado importante, bem como das respetivas infraestruturas. Na audiência, os recorrentes acrescentaram que os Inuítes não tinham outra opção senão recorrerem a empresas comerciais e às suas infraestruturas e suportarem as dificuldades relacionadas com o contestado sistema dos organismos reconhecidos que imitem certificados relativos aos produtos derivados da foca e autorizados no mercado da União. Ora, estas considerações, de resto muito gerais e sem qualquer suporte, não demonstram a existência de um prejuízo sofrido pelas comunidades inuítes que seja desproporcionado relativamente ao objetivo prosseguido pelo regulamento de base.

99. Em terceiro lugar, quanto à crítica do instrumento escolhido, a saber, o regulamento, cabe recordar que o n.° 6 do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade previa que, «[e]m igualdade de circunstâncias, dev[ia] optar-se por diretivas em vez de regulamentos».

100. Importa ler esta disposição no seu contexto, nomeadamente à luz da primeira frase do referido número do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, segundo a qual a forma da ação da União devia ser tão simples quanto o permitissem a realização adequada do objetivo da medida e a necessidade da sua aplicação eficaz. Assim, embora previsse que as diretivas deviam receber a preferência «[e]m igualdade de circunstâncias», há que sublinhar que esta disposição deixava ao legislador uma margem de apreciação quanto à escolha do instrumento a adotar.

101. Na página 16 da proposta de regulamento de base, a Comissão considerou que os instrumentos diferentes do regulamento não teriam sido adequados, porquanto, nomeadamente, uma diretiva exigia medidas de transposição nacionais e aumentava o risco de aplicações divergentes, e que era igualmente indispensável garantir a aplicação uniforme das eventuais derrogações às proibições de comércio em vigor.

102. Perante a medida prevista pelo regulamento de base, que consiste, no essencial, numa proibição acompanhada de uma exceção e em duas exceções, e que requer medidas relativas à sua aplicação a nível da União, deve considerar-se que o legislador da União respeitou essas exigências e que não está provado que uma diretiva tivesse sido mais apropriada. Além disso, ao estabelecer uma regra geral, aplicável a partir do vigésimo dia seguinte ao da publicação no Jornal Oficial da União Europeia, e ao fixar, no seu artigo 8.°, que o seu artigo 3.°, relativo ao conteúdo da medida, era aplicável partir de 20 de agosto de 2010, o regulamento de base garantiu a rápida entrada em vigor do princípio da proibição, ao mesmo tempo que deixou à Comissão o tempo necessário para a adoção das medidas relativas à sua aplicação.

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Por conseguinte, a segunda parte do presente fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

— Quanto à terceira parte, relativa à violação dos direitos fundamentais

104. Segundo os recorrentes, o regulamento de base viola o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o artigo 8.° da CEDH, lido à luz dos artigos 9.° e 10.° desta e conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, bem como o seu direito fundamental a serem ouvidos. Estes direitos deveriam também ser interpretados à luz das disposições de direito internacional relativas à proteção dos povos indígenas, conforme resulta, em especial, do artigo 19.° da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em 13 de setembro de 2007.

105. A título preliminar, cabe salientar que a proteção conferida pelos artigos da CEDH invocados pelos recorrentes é aplicada, no direito da União, pelos artigos, respetivamente, 17.°, 7.°, 10.° e 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 389). Por conseguinte, estão apenas em causa estas últimas disposições (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C-386/10 P, Colet., p. I-13085, n.° 51).

106. Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que o regulamento de base não tem em conta o seu direito de propriedade, no sentido de que afeta o direito dos recorrentes de explorarem comercialmente na União os produtos derivados da foca, fonte importante dos seus rendimentos, e, consequentemente, a saúde e o bem-estar das populações inuítes. Uma restrição desta natureza ao exercício do direito de propriedade dos recorrentes apenas se justifica se for proporcionada relativamente ao objetivo prosseguido. Os recorrentes afirmam que as conclusões do acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C-402/05 P e C-415/05 P, Colet., p. I-6351), lhes são aplicáveis, pois essa proibição implica uma restrição considerável do exercício do seu direito de propriedade.

107. Desde logo, cabe observar que os factos no presente processo são muitos diferentes dos do processo que deu origem ao acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.° 106 supra, o qual dizia respeito a uma medida de congelamento de fundos relativamente à qual o Tribunal de Justiça considerou que, embora constituísse uma medida conservatória que não se destinava a privar as referidas pessoas da sua propriedade, comportava incontestavelmente uma restrição ao exercício do direito de propriedade do recorrente nesse processo, restrição que, além disso, devia ser qualificada de considerável comparativamente ao alcance geral da medida de congelamento e tendo em conta a data desde a qual lhe tinha sido aplicada. No presente processo, os recorrentes invocam, no essencial, uma violação do seu direito de propriedade no que respeita às focas caçadas.

108. Importa recordar que o regulamento de base não proíbe a colocação no mercado de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas para fins de subsistência. Os recorrentes sustentam que esta disposição é uma «concha vazia». Todavia, mesmo considerando que as conclusões do acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.° 106 supra, possam ser transpostas para o presente processo, os recorrentes não apresentam elementos de prova que demonstrem que, apenas em razão desta disposição do regulamento de base, o seu direito de propriedade é violado. Como foi acima observado no n.° 98, as explicações fornecidas nos pontos da petição inicial que os recorrentes referem a este respeito não podem ser úteis neste sentido.

109. Por outro lado, uma vez que têm origens muito diversificadas e, na sua maioria, não fazem parte das comunidades inuítes, os recorrentes deveriam ter demonstrado a existência de efeitos sobre o seu direito de propriedade relativamente às diferentes categorias a que pertencem. A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça precisou que não se podem alargar as garantias conferidas pelo direito de propriedade à proteção de meros interesses ou possibilidades de índole comercial, cujo caráter aleatório é inerente à própria essência da atividade económica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C-120/06 P e C-121/06 P, Colet., p. I-6513, n.° 185). Por conseguinte, a argumentação dos recorrentes acerca deste aspeto não pode ser acolhida.

110. Em segundo lugar, relativamente à alegada violação do seu direito a serem ouvidos, os recorrentes alegam que, segundo a jurisprudência, em caso de restrição considerável do direito de propriedade de um indivíduo, os procedimentos aplicáveis devem oferecer à pessoa em questão uma ocasião adequada para expor a sua causa às autoridades competentes. Além disso, esse direito deve ser interpretado à luz do artigo 19.° da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

111. Esta argumentação não pode vingar. Desde logo, no que respeita ao direito de uma pessoa a ser ouvida antes de o seu direito de propriedade ser limitado, cabe recordar que os recorrentes não demonstraram a existência de qualquer violação do seu direito de propriedade (v. n. os  106 a 109 supra ).

112. Em seguida, cabe recordar que as competências da União devem ser exercidas no respeito do direito internacional, tendo o Tribunal de Justiça já precisado que um ato adotado ao abrigo dessas competências devia ser interpretado, e o seu âmbito de aplicação circunscrito, à luz das regras pertinentes do direito internacional (v. acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.° 106 supra, n.° 291 e jurisprudência referida). Ora, o texto invocado pelos recorrentes é o de uma declaração e não tem, portanto, a força vinculativa de um Tratado. Não se pode considerar que essa declaração seja suscetível de conceder aos Inuítes direitos autónomos e adicionais relativamente aos previstos pelos direitos da União.

113. A este respeito, convém recordar que, segundo a jurisprudência, no quadro de um procedimento de adoção de um ato da União baseado num artigo do Tratado, as únicas obrigações de consulta que se impõem ao legislador da União são as que constam do artigo em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C-104/97 P, Colet., p. I-6983, n.° 38). Ora, o artigo 95.° CE não impunha ao legislador uma obrigação especial de consulta dos recorrentes.

114. Em qualquer hipótese, a Comissão, apoiada pelo Parlamento e o Conselho, sustenta que as comunidades inuítes foram amplamente consultadas, e em diversas ocasiões, quando da elaboração quer do regulamento de base quer das respetivas medidas de aplicação. Os recorrentes contestam a pertinência e a utilidade de algumas das reuniões mencionadas. Todavia, não é contestado que a exceção respeitante aos Inuítes foi introduzida após a reunião de 21 de janeiro de 2009, na qual as comunidades inuítes estiveram representadas.

115. Por último, decorre do considerando 14 do regulamento de base que o legislador da União teve realmente em conta a situação especial das comunidades inuítes conforme mencionada na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e que foi por esse motivo que considerou a necessidade de autorizar uma exceção para os produtos provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas por essas comunidades para fins de subsistência.

116. Em terceiro lugar, segundo os recorrentes, ao adotar o regulamento de base, o legislador não alcançou o justo equilíbrio na ponderação dos interesses dos Inuítes e dos interesses prosseguidos pelo referido regulamento, o que afeta consideravelmente as condições de vida dos recorrentes e, de uma forma mais geral, as condições de vida das populações inuítes.

117. Esta argumentação deve ser rejeitada. Com efeitos, os recorrentes não apresentam argumentos nem elementos de prova que demonstrem a alegada violação do artigo 8.° da CEDH. Como foi acima observado nos n. os  98 e 108, as explicações dadas nos pontos da petição inicial a que os recorrentes fazem referência a este respeito não fornecem mais elementos neste sentido. Quanto aos artigos 9.° e 10.° da CEDH, bem como aos artigos 10.° e 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os recorrentes reconhecem que estas disposições não foram diretamente violadas pelo regulamento de base.

118. Para todos os efeitos práticos, importa recordar que decorre do considerando 15 do regulamento de base que este último não afeta as regras da União nem as normas nacionais que regulam a caça à foca e que, nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1, o referido regulamento autoriza a colocação no mercado de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas para fins de subsistência.

119. Por conseguinte, a terceira parte do presente fundamento e, consequentemente, todo o fundamento devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um desvio de poder

120. No que diz respeito a este fundamento, aduzido a título subsidiário, os recorrentes sustentam que a Comissão utilizou os seus poderes tendo em vista uma finalidade diferente daquela para a qual os mesmos lhe foram conferidos. Com efeito, em vez de estabelecer uma exceção efetiva respeitante aos Inuítes, a Comissão agiu com o objetivo de bloquear todas as colocações no mercado da União de produtos derivados da foca, incluindo os produtos provenientes das formas de caça praticadas pelos Inuítes,

121. Tal como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, um ato só está viciado por desvio de poder se, com base em indícios objetivos, relevantes e concordantes, se verificar que foi adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diferentes dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para obviar às circunstâncias do caso concreto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colet., p. I-4023, n.° 24, e de 22 de novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C-110/97, Colet., p. I-8763, n.° 137).

122. Os considerandos pertinentes do regulamento impugnado enunciam o seguinte:

«(1) O Regulamento [de base] permite a colocação no mercado de produtos derivados das focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas e que contribuam para a respetiva subsistência. […]

(2) Assim, para uma aplicação uniforme do Regulamento [de base], é necessário definir as condições de colocação no mercado da União dos produtos derivados da foca.

(3) A colocação no mercado de produtos derivados de focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas e que contribuam para a respetiva subsistência deve ser permitida quando se tratar de formas de caça que façam parte integrante do património cultural da comunidade e quando os produtos derivados da foca sejam utilizados, consumidos ou transformados, pelo menos parcialmente, nas comunidades de acordo com as suas tradições.

[…]

(5) Neste quadro excecional, deve ser introduzido um mecanismo eficaz que garanta uma verificação adequada do preenchimento destas condições. Esse mecanismo não deve ser mais restritivo para o comércio do que o necessário.

[…]

(12) Uma vez que o presente regulamento contém medidas de execução do artigo 3.° do Regulamento [de base] e este é aplicável a partir de 20 de agosto de 2010, deve entrar em vigor com urgência.»

123. Assim, nos termos do artigo 3.° do regulamento impugnado:

«1. Os produtos derivados da foca resultantes de caçadas praticadas por comunidades inuítes ou por outras comunidades indígenas só podem ser colocados no mercado se for possível demonstrar que resultam de caçadas à foca que satisfazem todas as seguintes condições:

a) São praticadas por comunidades inuítes ou por outras comunidades indígenas que têm uma tradição de caça de focas na comunidade e na região geográfica;

b) Os produtos derivados das caçadas são utilizados, consumidos ou transformados, pelo menos parcialmente, nas comunidades de acordo com as suas tradições;

c) São praticadas para fins de subsistência da comunidade.

2. Quando da sua colocação no mercado, o produto derivado da foca deve ser acompanhado do certificado previsto no artigo 7.°, n.° 1.»

124. Nos termos dos artigos 6.° e 7.° do regulamento impugnado, os certificados que estabelecem que os produtos derivados da foca preenchem os requisitos fixados são emitidos por «organismos reconhecidos».

125. Por último, o artigo 12.° do referido regulamento prevê a sua entrada em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

126. Os recorrentes invocam duas séries de argumentos. Primeiro, o regulamento impugnado não foi adotado num prazo razoável antes do início da aplicação da proibição de colocação no mercado. A Comissão tardou a preparar a aplicação da «exceção inuíte».

127. Segundo, o regulamento impugnado, conforme adotado e interpretado pela Comissão, priva a «exceção inuíte» de todo o efeito útil. Em es pecial, o regulamento impugnado proíbe, em violação deste artigo, a colocação no mercado da União de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes, mas que são seguidamente transformados ou vendidos por comunidades não inuítes.

128. Impõe-se concluir que nenhuma destas afirmações, na maioria delas não fundamentadas, pode demonstrar que, no caso vertente, a Comissão utilizou o seu poder para fins diversos daquele que é enunciado no considerando 2 do regulamento impugnado.

129. Primeiro, no que diz respeito ao momento em que o regulamento impugnado foi adotado, impõe-se observar que o mesmo foi adotado em 10 de agosto de 2010, publicado em 17 de agosto de 2010 e, nos termos do seu artigo 12.°, entrou em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 20 de agosto de 2010, isto é, no dia do início da aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento de base. Ora, este facto não permite, em si mesmo, considerar que a Comissão agiu no intuito de impedir a realização do objetivo fixado. Por outro lado, não se pode criticar a Comissão por ter consultado as diferentes partes interessadas, incluindo as organizações de defesa dos direitos dos animais. As considerações expostas pelos recorrentes têm a ver com críticas ao processo de consulta realizado pela Comissão, mas não podem constituir elementos de um desvio de poder. Pelo contrário, o facto de a Comissão ter consultado essas diferentes partes, incluindo os representantes das comunidades inuítes, pode apenas indicar que pretendeu efetivamente tomar conhecimento de todos os elementos pertinentes da problemática a regular. Por outro lado, a Comissão indica, sem ter sido contrariada pelos recorrentes, que vários recorrentes estavam presentes na reunião de 18 de novembro de 2009, durante a qual foi distribuída, discutida e imediatamente colocada na Internet uma nota de informação sobre o texto previsto. Acresce que a Comissão publicou o projeto de regulamento impugnado na Internet em 2 de junho de 2010.

130. Segundo, no que diz respeito à argumentação relativa ao facto de a Comissão ter interpretado de uma forma demasiado lata a proibição e demasiado estrita as suas derrogações, cabe observar que, com a referida argumentação, os recorrentes criticam, na realidade, o conteúdo e os efeitos das medidas previstas pelo regulamento impugnado que, em seu entender, não são conformes com o objetivo desse regulamento, como predefinido pelo regulamento de base. Os recorrentes sustentam que o conteúdo do regulamento impugnado, como interpretado pela Comissão, demonstra que o verdadeiro objetivo prosseguido pela Comissão era diferente daquele para o qual o regulamento de base lhe conferiu poderes. Em apoio destas alegações, apresentam declarações contendo interpretações da Comissão e de autoridades nacionais relativas à aplicação prática das normas previstas. Ora, nada nesta argumentação nem nos autos permite demonstrar que a produção desses efeitos, alegadamente negativos para o comércio dos produtos em causa, era o objetivo prosseguido pela Comissão quando da adoção do regulamento impugnado. A argumentação dos recorrentes reclama, em vez disso, uma verificação da conformidade das declarações mencionadas com o regulamento de base.

131. Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

132. Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento ao pedido de anulação e, portanto, ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

133. Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená-los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

134. O Conselho e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, o Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), Johannes Egede, a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), a William E. Scott & Son, a Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, a Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi e a Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, são condenados a suportar as suas próprias despesas assim como as da Comissão Europeia.

3) O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

25 de abril de 2013 ( *1 )

«Comércio de produtos derivados da foca — Regulamento (CE) n.o 1007/2009 — Regras de aplicação — Regulamento (UE) n.o 737/2010 — Proibição de colocação no mercado dos referidos produtos — Exceção a favor das comunidades inuítes — Exceção de ilegalidade — Base jurídica — Subsidiariedade — Proporcionalidade — Desvio de poder»

No processo T-526/10,

Inuit Tapiriit Kanatami, com sede em Otava (Canadá),

Nattivak Hunters and Trappers Association, com sede em ikiqtarjuaq (Canadá),

Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, com sede em Pangnirtung (Canadá),

Jaypootie Moesesie, residente em Qikiqtarjuaq,

Allen Kooneeliusie, residente em Qikiqtarjuaq,

Toomasie Newkingnak, residente em Qikiqtarjuaq,

David Kuptana, residente em Ulukhaktok (Canadá),

Karliin Aariak, residente em Iqaluit (Canadá),

Canadian Seal Marketing Group, com sede no Quebeque (Canadá),

Ta Ma Su Seal Products, Inc., com sede em Cap-aux-Meules (Canadá),

Fur Institute of Canada, com sede em Otava,

NuTan Furs, Inc., com sede em Catalina (Canadá),

GC Rieber Skinn AS, com sede em Bergen (Noruega),

Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), com sede em Nuuk, Gronelândia (Dinamarca),

Johannes Egede, residente em Nuuk,

Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), com sede em Nuuk,

William E. Scott & Son, com sede em Edimburgo (Reino Unido),

Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, com sede em Cap-aux-Meules,

Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi, com sede em Istambul (Turquia),

Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, com sede em Fleur-de-Lys (Canadá),

representados por J. Bouckaert e H. Viaene, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por E. White, P. Oliver e K. Mifsud-Bonnici, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado inicialmente por I. Anagnostopoulou e L. Visaggio, e em seguida por M. Visaggio e D. Gauci, na qualidade de agentes,

e

Conselho da União Europeia, representado por M. Moore e K. Michoel, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação do Regulamento (UE) n.o 737/2010 da Comissão, de 10 de agosto de 2010, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1007/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao comércio de produtos derivados da foca (JO L 216, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: A. Dittrich (presidente), I. Wiszniewska-Białecka e M. Prek (relator), juízes,

secretário: J. Weychert, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de outubro de 2012,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto, tramitação processual e pedidos das partes

1

Em 16 de setembro de 2009, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram o Regulamento (CE) n.o 1007/2009, relativo ao comércio de produtos derivados da foca (JO L 286, p. 36, a seguir «regulamento de base»), que tem por objeto, nos termos do seu artigo 1.o, o estabelecimento de regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca.

2

O artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de base prevê o seguinte:

«A colocação no mercado de produtos derivados da foca só é permitida caso se trate de produtos derivados de focas caçadas por métodos tradicionais pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas e que contribuem para a sua subsistência. Estas condições aplicam-se no momento ou no local de importação dos produtos importados.»

3

O considerando 14 do regulamento de base precisa a este respeito que os interesses económicos e sociais fundamentais das comunidades inuítes que se dedicam à caça da foca como meio de garantir a sua subsistência não devem ser afetados. Com efeito, nos termos do referido considerando, essa caça é parte integrante da cultura e da identidade dos membros da sociedade inuíte, e é reconhecida como tal pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. É por este motivo que a colocação no mercado de produtos derivados de focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas para a respetiva subsistência deve ser permitida.

4

Decorre do artigo 3.o, n.o 4, e do artigo 5.o, n.o 3, do regulamento de base que as medidas relativas, nomeadamente, à execução da autorização a favor das comunidades inuítes devem ser adotadas pela Comissão Europeia.

5

Nos termos do artigo 8.o do regulamento de base, este último entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, sendo, porém, o seu artigo 3.o aplicável a partir de 20 de agosto de 2010.

6

Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de janeiro de 2010, a Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, Efstathios Andreas Agathos, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, a Inuit Circumpolar Conference Greenland (ICC), Johannes Egede e a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK) interpuseram um recurso de anulação do regulamento de base. Por despacho do Tribunal Geral de 6 de setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (T-18/10, Colet., p. II-5599), atualmente objeto de recurso, o referido recurso de anulação foi declarado inadmissível.

7

Em 10 de agosto de 2010, a Comissão adotou o Regulamento (UE) n.o 737/2010, que estabelece as normas de execução do regulamento de base (JO L 216, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»). De acordo com o seu artigo 12.o, este regulamento entra em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

8

Em 9 de novembro de 2010, os recorrentes, a Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, o Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), Johannes Egede, a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), a William E. Scott & Son, a Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, a Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi e a Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, interpuseram o presente recurso de anulação do regulamento impugnado.

9

Por requerimentos separados, entregues na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 11 e 23 de fevereiro de 2011, o Parlamento e o Conselho pediram autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Os recorrentes e a Comissão não apresentaram observações sobre estes pedidos.

10

Por despacho de 13 de abril de 2011, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral autorizou as intervenções do Parlamento e do Conselho.

11

Em 7 de julho de 2011, o Parlamento e o Conselho apresentaram as suas alegações de intervenção.

12

Em 9 de agosto de 2011, os recorrentes entregaram uma carta que continha modificações dos seus pedidos na parte relativa a despesas. Por decisão do presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral de 29 de agosto de 2011, essa carta foi incorporada no processo. Em 8 e 12 de setembro de 2011, a Comissão e seguidamente o Conselho, bem como o Parlamento, apresentaram as suas observações sobre essas modificações dos pedidos dos recorrentes.

13

Em 13 de setembro de 2011, os recorrentes apresentaram as suas observações sobre as alegações de intervenção do Parlamento e do Conselho.

14

Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso admissível;

anular o regulamento impugnado;

declarar inaplicável o regulamento de base em aplicação do artigo 277.o TFUE;

condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

15

A Comissão e o Parlamento concluem pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar solidariamente os recorrentes nas despesas.

16

O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar solidariamente os recorrentes nas despesas;

não o condenar na totalidade ou numa parte das despesas.

17

Na carta de 9 de agosto de 2011 (v. n.o 12 supra) e na audiência, os recorrentes pediram ao Tribunal Geral que condene a Comissão a suportar as suas próprias despesas assim como as despesas deles, e que condene o Parlamento e o Conselho a suportarem as suas próprias despesas.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

18

Nas suas alegações de intervenção, o Conselho afirmou que a maioria dos recorrentes não preenchia os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o TFUE, no sentido de que nem todos eram diretamente afetados pelo regulamento impugnado.

19

Na réplica e na audiência, a Comissão sustentou que o recurso era admissível no que dizia respeito, pelo menos, a certos recorrentes. Todavia, na audiência, precisou que, em seu entender, nenhum dos argumentos apresentados pelos referidos recorrentes era admissível e não deviam ser tidos em consideração.

20

Importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento ao recurso sem decidir previamente sobre a questão da sua admissibilidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C-23/00 P, Colet., p. I-1873, n.os 51 e 52, e acórdão do Tribunal Geral de 18 de março de 2010, KEK Diavlos/Comissão, T-190/07, não publicado na Coletânea, n.o 32).

21

Nas circunstâncias do caso vertente e tendo em vista a economia do processo, há que começar por examinar os pedidos de anulação dos recorrentes, sem decidir previamente sobre a admissibilidade do recurso no seu conjunto ou de alguns dos argumentos nem sobre a exceção de ilegalidade aduzidos pelos recorrentes, uma vez que, em qualquer dos casos e pelos motivos a seguir expostos, o recurso é desprovido de fundamento.

Quanto ao mérito

22

Como fundamento do seu recurso, os recorrentes invocam, a título principal, a ilegalidade do regulamento de base. Em seu entender, este regulamento é inaplicável ao caso vertente, o que priva o regulamento impugnado de base jurídica e deve conduzir à sua anulação. No quadro do segundo fundamento, invocado a título subsidiário, os recorrentes pedem a anulação do regulamento impugnado em razão de um alegado desvio de poder.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de o regulamento impugnado carecer de base jurídica

23

No quadro do presente fundamento, os recorrentes opõem uma exceção de ilegalidade ao regulamento de base. O fundamento divide-se em três partes.

24

A título preliminar, cabe recordar que, segundo jurisprudência assente, o artigo 277.o TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar a título incidental, com o objetivo de obter a anulação de um ato do qual pode interpor um recurso, a validade de um ato institucional anterior que constitui a base jurídica do ato impugnado, se essa parte não dispunha do direito de interpor, nos termos do artigo 263.o TFUE, um recurso direto desse ato, do qual sofreu as consequências sem ter podido requerer a sua anulação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colet., p. 407, n.o 39, e de 19 de janeiro de 1984, Andersen e o./Parlamento, 262/80, Recueil, p. 195, n.o 6).

— Quanto à primeira parte, relativa à escolha errada da base jurídica do regulamento de base

25

O regulamento de base foi adotado com fundamento no artigo 95.o CE. Nos termos do seu artigo 1.o, este regulamento estabelece regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca.

26

No âmbito de uma primeira alegação, os recorrentes sustentam que o Parlamento e o Conselho cometeram um erro de direito ao escolher o artigo 95.o CE como base jurídica para efeitos da adoção do regulamento de base. Resulta da exposição de motivos da Proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo ao comércio de produtos derivados da foca, apresentada pela Comissão [COM (2008) 469 final, de 23 de julho de 2008, a seguir «proposta de regulamento de base»], e dos considerandos do regulamento de base que o objetivo principal deste é a proteção do bem-estar animal e não o funcionamento do mercado interno.

27

A este respeito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência assente, no quadro do sistema de competências da União, a escolha da base jurídica de um ato deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do ato (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2006, Laserdisken, C-479/04, Colet., p. I-8089, n.o 30 e jurisprudência referida).

28

É também jurisprudência assente que as medidas referidas no artigo 95.o, n.o 1, CE devem ter efetivamente por objeto a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno. Se a simples constatação de disparidades entre as regulamentações nacionais e do risco abstrato de obstáculos às liberdades fundamentais ou de distorções de concorrência não for suficiente para justificar a opção pelo artigo 95.o CE como base jurídica, o legislador da União pode recorrer a ele, nomeadamente em caso de divergências entre as regulamentações nacionais, quando estas forem suscetíveis de colocar entraves às liberdades fundamentais e ter, assim, uma influência direta no funcionamento do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C-58/08, Colet., p. I-4999, n.o 32 e jurisprudência referida).

29

O recurso a esta disposição é também possível a fim de prevenir o aparecimento desses obstáculos às trocas comerciais que resultam da evolução heterogénea das legislações nacionais. Contudo, o seu aparecimento deve ser verosímil, e a medida em causa deve ter por objeto a sua prevenção (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.o 28 supra, n.o 33 e jurisprudência referida).

30

Importa, porém, recordar que o recurso ao artigo 95.o CE não se justifica quando o ato a adotar só acessoriamente tiver por efeito harmonizar as condições do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de novembro de 1999, Comissão/Conselho, C-209/97, Colet., p. I-8067, n.o 35 e jurisprudência referida).

31

Resulta do exposto que, quando existam obstáculos às trocas comerciais ou seja verosímil que esses obstáculos irão surgir no futuro, devido ao facto de os Estados-Membros terem tomado ou estarem em vias de tomar, a respeito de um produto ou de uma categoria de produtos, medidas divergentes suscetíveis de assegurarem um nível de proteção diferente e impedirem dessa forma o ou os produtos em questão de circularem livremente na União, o artigo 95.o CE habilita o legislador da União a intervir tomando as medidas adequadas, com observância, por um lado, do n.o 3 do mesmo artigo e, por outro, dos princípios jurídicos mencionados no Tratado ou desenvolvidos pela jurisprudência, nomeadamente o princípio da proporcionalidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C-210/03, Colet., p. I-11893, n.o 33, e Arnold André, C-434/02, Colet., p. I-11825, n.o 34).

32

O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que, através da expressão «medidas relativas à aproximação», que figura no artigo 95.o CE, os autores do Tratado quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente em domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.o 28 supra, n.o 35 e jurisprudência referida).

33

Em função das circunstâncias, essas medidas adequadas podem consistir em obrigar todos os Estados-Membros a autorizarem a comercialização do ou dos produtos em causa, em fazer depender essa obrigação de autorização de determinadas condições, ou mesmo proibir, provisória ou definitivamente, a comercialização de um ou de certos produtos (v. acórdão Swedish Match, referido no n.o 31 supra, n.o 34 e jurisprudência referida).

34

É à luz destas considerações que cabe verificar se estão preenchidas as condições de recurso ao artigo 95.o CE como base jurídica do regulamento de base.

35

No caso vertente, decorre claramente do regulamento de base que o seu objetivo principal não é a proteção do bem-estar dos animais, mas a melhoria do funcionamento do mercado interno.

36

Numa primeira fase, importa salientar a este respeito que, no momento da adoção do regulamento de base, existiam relativamente aos produtos em causa divergências entre as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros.

37

Assim, resulta da proposta de regulamento de base que, para responder às preocupações e às pressões dos cidadãos, diversos Estados-Membros tinham adotado ou estavam em vias de adotar ou de examinar medidas legislativas para limitar ou proibir as atividades relacionadas com a elaboração de produtos derivados da foca e que esta situação devia dar lugar a novas iniciativas legislativas nos Estados-Membros. A Comissão constatou que coexistiam condições comerciais díspares no seio da União, que variavam de um Estado-Membro ou grupo de Estados-Membros para outro, e que daí resultava uma fragmentação do mercado interno, sendo os operadores obrigados a adaptarem as suas práticas às diferentes disposições de cada Estado-Membro.

38

Do mesmo modo, nos considerandos 4 e 5 do regulamento de base é recordado que «[a] caça à foca tem levado à manifestação de sérias preocupações por parte de cidadãos e de entidades governamentais sensíveis a considerações relacionadas com o bem-estar dos animais», e que foi «[e]m resposta às preocupações dos cidadãos e dos consumidores com os aspetos de bem-estar animal […] e [à] possível presença no mercado de produtos obtidos a partir de animais abatidos e esfolados [em] sofrimento [que] diversos Estados-Membros aprovaram ou tencionam aprovar legislação para regulamentar o comércio de produtos derivados da foca, proibindo a sua importação e fabrico, ao passo que, noutros Estados-Membros, não [existiam] restrições ao comércio destes produtos».

39

Ora, nos termos dos considerandos 6 a 8 do regulamento de base, as «diferenças entre os dispositivos nacionais que regem o comércio, a importação, o fabrico e a comercialização de produtos derivados da foca […] afeta[vam] negativamente o funcionamento do mercado interno dos produtos que cont[inham] ou pod[iam] conter produtos derivados da foca e constitu[íam] obstáculos ao comércio desses produtos e [podiam] continuar a dissuadir os consumidores de adquirirem produtos não derivados da foca, mas que não se pod[iam] distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos que pod[iam] conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso [fosse] claramente detetável». O objetivo do regulamento de base era, portanto, «harmonizar as regras aplicáveis na totalidade da [União] às atividades comerciais que têm por objeto produtos derivados da foca e, desse modo, impedir a perturbação do mercado interno desses produtos, incluindo produtos equivalentes ou que podem substituir os produtos derivados da foca».

40

Decorre do exame desses considerandos que, se, em razão das preocupações dos cidadãos e dos consumidores com a questão do bem-estar dos animais, diversos Estados-Membros adotaram ou tinham intenção de adotar medidas que regulavam o comércio de produtos derivados da foca, o legislador da União, quanto a ele, agiu com o objetivo de harmonizar as regras na matéria e evitar assim uma perturbação do mercado interno dos produtos em causa.

41

A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, quando estejam preenchidas as condições de recurso ao artigo 95.o CE como base jurídica, o legislador da União não pode ser impedido de recorrer a esta base jurídica pelo facto de a proteção do bem-estar dos animais ser determinante nas opções a fazer. A mesma situação pode verificar-se, por analogia, no que diz respeito à proteção da saúde pública [acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-376/98, Colet., p. I-8419, n.o 88; de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C-491/01, Colet., p. I-11453, n.o 62; e de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C-154/04 e C-155/04, Colet., p. I-6451, n.o 30], bem como à proteção dos consumidores (acórdão Vodafone e o., referido no n.o 28 supra, n.o 36).

42

Além disso, importa sublinhar que a proteção do bem-estar dos animais constitui um objetivo legítimo de interesse geral cuja importância se traduziu, nomeadamente, na adoção pelos Estados-Membros do Protocolo relativo à proteção e ao bem-estar dos animais, anexo ao Tratado CE (JO 1997, C 340, p. 110, a seguir «protocolo»). Por outro lado, o Tribunal de Justiça reconheceu em diversas ocasiões o interesse que a União atribuía à saúde e à proteção dos animais (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2009, Comissão/Bélgica, C-100/08, não publicado na Coletânea, n.o 91).

43

Como resulta dos considerandos 9 e 10 do regulamento de base, foi nesse quadro que, consciente das necessidades de bem-estar dos animais na definição e aplicação da política do mercado interno nos termos do protocolo, o legislador da União concluiu que, para eliminar a atual fragmentação do mercado interno, era necessário prever regras harmonizadas, atendendo ao mesmo tempo à questão do bem-estar dos animais.

44

Ora, para ser eficaz, a medida a adotar no caso vertente devia constituir uma resposta que tivesse em conta as razões conducentes às regulamentações existentes ou anunciadas nos diferentes Estados-Membros. A este respeito, decorre do considerando 10 do regulamento de base que, a fim de restabelecer a confiança dos consumidores e, ao mesmo tempo, assegurar que as preocupações com o bem-estar dos animais fossem plenamente tidas em consideração, «a colocação no mercado de produtos derivados da foca não [devia], por via de regra, ser permitida». Além disso, o legislador da União considerou que, para responder às inquietações dos cidadãos e dos consumidores relativamente «ao abate e à esfola das focas [eram] igualmente necessárias medidas para reduzir a procura que leva à comercialização de produtos derivados da foca e, consequentemente, a procura económica que impele à caça da foca para fins comerciais».

45

Com efeito, como resulta do considerando 13 do regulamento de base, o legislador da União considerou que o meio mais eficaz para impedir as perturbações existentes e anunciadas no funcionamento do mercado interno dos produtos em causa consistia em tranquilizar os consumidores mediante a garantia de que, regra geral, mais nenhum produto derivado da foca seria comercializado no mercado da União, nomeadamente, através da proibição da importação desses produtos com origem em países terceiros.

46

Não obstante, o legislador da União previu uma exceção a essa proibição no que diz respeito à caça da foca praticada pelas comunidades inuítes e as restantes comunidades indígenas como meio de subsistência. Com efeito, o considerando 14 do regulamento de base precisa que «[o]s interesses económicos e sociais fundamentais das comunidades inuítes que se dedicam à caça da foca como meio de garantir a sua subsistência não deverão ser afetados».

47

Além disso, decorre dos considerandos 3, 7 e 8 do regulamento de base que o objetivo deste regulamento é também suprimir os obstáculos à livre circulação de produtos não derivados da foca, mas que, precisamente em razão da sua natureza, é difícil, ou mesmo impossível, distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou de produtos que podem conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso seja claramente detétavel (v. n.o 39 supra). Com efeito, ao tranquilizar os consumidores no sentido de que, com exceção dos produtos provenientes da caça tradicional das comunidades indígenas para fins de subsistência, os produtos derivados da foca já não são comercializados na União, a questão da diferenciação entre estes últimos produtos e os que não são derivados da foca deixa de se colocar e todas as categorias dos produtos em causa podem circular livremente no território da União.

48

Neste contexto, a intervenção do legislador da União com fundamento no artigo 95.o CE afigura-se justificada.

49

Esta conclusão não é infirmada pelos diferentes argumentos dos recorrentes através dos quais estes contestam a realidade de várias considerações evocadas nos números precedentes. Nomeadamente, no que respeita à existência de divergências entre as regulamentações nacionais, os recorrentes alegam que resulta da proposta de regulamento de base que apenas dois Estados-Membros já tinham adotado uma legislação que regulamentava o comércio de produtos derivados da foca e que um terceiro Estado-Membro estava prestes a fazê-lo. Além disso, alegam que a afirmação da Comissão segundo a qual «[n]ão [podia ser excluído] que iniciativas semelhantes [fossem] adotadas no futuro por outros Estados-Membros» não era suficiente para demonstrar um entrave ao funcionamento do mercado interno.

50

Primeiro, quanto a esta última afirmação relativa à proposta de regulamento de base, basta sublinhar que a mesma não foi reproduzida no regulamento de base, cujos termos refletem uma situação que entretanto já tinha evoluído. Assim, nos seus considerandos 5 e 6, o regulamento de base menciona que «diversos» Estados-Membros aprovaram ou tencionam aprovar medidas legislativas para regulamentar o comércio de produtos derivados da foca, ao passo que, noutros Estados-Membros, não existem restrições ao comércio destes produtos. A este respeito, a Comissão precisou que, no momento da adoção do regulamento de base, estavam em vigor em três Estados-Membros proibições relativas aos produtos derivados da foca, um outro Estado-Membro tinha adotado uma proibição que ainda não entrara em vigor, dois outros Estados-Membros tinham publicado e transmitido à Comissão projetos legislativos nesse sentido e ainda três outros Estados-Membros tinham comunicado a sua intenção de aplicarem igualmente proibições na falta de medidas adotadas pela União.

51

Segundo, independentemente do número exato de Estados-Membros que já tinham legislado sobre a matéria ou que já tinham manifestado claramente essa intenção no momento da adoção do regulamento de base, impõe-se concluir que essas medidas divergentes podiam constituir obstáculos à livre circulação de produtos derivados da foca. Neste quadro, o facto de um número mínimo de Estados-Membros já ter legislado ou ter a intenção de o fazer num domínio concreto não é suscetível de constituir um critério decisivo relativamente à possibilidade de adoção de uma medida de harmonização a nível da União (v., neste sentido, acórdãos, referidos no n.o 31 supra, Swedish Match, n.o 37, e Arnold André, n.o 38).

52

Por conseguinte, no caso vertente, deve considerar-se que o legislador da União concluiu corretamente que, na falta de ação a nível da União, era provável que, atendendo à adoção pelos Estados-Membros de novas regras que refletiam as preocupações crescentes dos consumidores ligadas à questão do bem-estar das focas, surgissem obstáculos ao comércio de produtos contendo ou suscetíveis de conter produtos derivados da foca (v, neste sentido, acórdão Swedish Match, referido no n.o 31 supra, n.o 39), ou que esses obstáculos até já existissem.

53

Os recorrentes alegam também que, no processo que deu origem ao acórdão Swedish Match, referido no n.o 31 supra, o elemento decisivo tido em conta pelo Tribunal de Justiça residia no facto de o mercado dos produtos do tabaco ser um mercado em que as trocas comerciais entre Estados-Membros eram relativamente importantes. Todavia, esse não é o caso do comércio de produtos derivados da foca, em especial entre os Estados-Membros que já legislaram sobre a matéria.

54

A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o recurso à base jurídica do artigo 95.o CE não pressupunha a existência de uma ligação efetiva com a livre circulação entre os Estados-Membros em cada uma das situações visadas pelo ato baseado nesse artigo. Como o Tribunal de Justiça já salientou, o que é importante para justificar o recurso à base jurídica do artigo 95.o CE é que o ato adotado com esse fundamento tenha efetivamente por objeto melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-380/03, Colet., p. I-11573, n.o 80 e jurisprudência referida).

55

Em qualquer das hipóteses, o argumento dos recorrentes não pode vingar. No que diz respeito à sua afirmação segundo a qual a produção de produtos derivados da foca na União era negligenciável, cabe observar que a importância dessa produção não pode ser útil para efeitos da determinação da importância das trocas comerciais dos produtos em causa entre os Estados-Membros, porquanto, no quadro da referida determinação, se deve ter em conta as trocas comerciais dos produtos importados na União.

56

Além disso, cabe precisar que, segundo os considerandos 7 e 8 do regulamento de base, a existência de dispositivos nacionais divergentes pode continuar a dissuadir «os consumidores de adquirirem produtos não derivados da foca, mas que não se podem distinguir facilmente de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos que podem conter elementos ou ingredientes obtidos da foca sem que isso seja claramente detetável, como peles, cápsulas de Omega-3 ou óleos e artigos de couro». Com efeito, como já foi acima recordado no n.o 47, basta considerar que o objetivo das medidas de harmonização previstas pelo referido regulamento é evitar uma perturbação do mercado interno dos produtos em causa, incluindo os produtos equivalentes ou substituíveis de produtos derivados da foca. Ora, como decorre da definição de produto derivado da foca tal como figura no artigo 2.o e no considerando 3 do regulamento de base, os produtos derivados da foca assim como os não derivados da foca, mas semelhantes aos primeiros ou que incluem ingredientes derivados da foca, são muito variados e compreendem produtos de grande consumo relativamente aos quais as trocas comerciais entre Estados-Membros não são seguramente negligenciáveis.

57

Neste contexto, a afirmação dos recorrentes de que apenas devem ser tidas em conta as trocas comerciais respeitantes a Estados-Membros que já tenham legislado sobre a matéria também não pode vingar. Com efeito, uma vez que os produtos abrangidos pela medida de harmonização têm uma definição ampla, é evidente que todos os Estados-Membros são afetados pelas trocas comerciais desses produtos.

58

Com base nas considerações precedentes, deve concluir-se que as diferenças, já existentes ou que provavelmente ainda se viriam a agravar, entre as disposições nacionais que regulam o comércio de produtos derivados da foca eram suscetíveis de justificar a intervenção do legislador da União com fundamento no artigo 95.o CE.

59

Com base nesta conclusão, há que verificar, numa segunda fase, se os artigos 1.°, 3.° e 4.° do regulamento de base têm efetivamente por objeto a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno.

60

Nos termos do artigo 1.o do regulamento de base, este «estabelece regras harmonizadas para a colocação no mercado de produtos derivados da foca». Além disso, decorre do seu considerando 15 que o referido regulamento «não prejudica outras regras comunitárias ou nacionais relativas à caça da foca».

61

Assim, o artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de base prevê que «[a] colocação no mercado de produtos derivados da foca só é permitida caso se trate de produtos derivados de focas caçadas por métodos tradicionais pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas e que contribuem para a sua subsistência. Estas condições aplicam-se no momento ou no local de importação dos produtos importados».

62

Além disso, para garantir que os produtos autorizados no artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de base assim como todos os produtos não derivados da foca, mas que não podem ser facilmente distinguidos de produtos semelhantes derivados da foca, ou produtos suscetíveis de conter elementos ou ingredientes derivados da foca, sem que isso seja claramente detétavel, possam circular livremente no mercado interno da União, o legislador previu, no artigo 4.o do regulamento de base, que «[o]s Estados-Membros não podem impedir a colocação no mercado de produtos derivados da foca que cumpram o […] regulamento [de base]». Deve considerar-se que esta disposição confere ao regulamento de base pleno efeito à luz do seu objetivo de melhoria das condições de funcionamento do mercado interno. Com efeito, o referido artigo proíbe que os Estados-Membros criem obstáculos à circulação de todas essas categorias de produtos na União através, nomeadamente, de disposições mais restritivas que pudessem considerar necessárias para garantir o bem-estar dos animais ou para tranquilizar os consumidores. Assim, o artigo 4.o do regulamento de base exprime o objetivo enunciado no artigo 1.o do referido regulamento.

63

Por último, há que rejeitar o argumento dos recorrentes segundo o qual a Diretiva 83/129/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa à importação nos Estados-Membros de peles de determinados bebés-focas e de produtos derivados (JO L 91, p. 30; EE 15 F4 p. 122), assenta em fundamentos, no mínimo, comparáveis aos do regulamento de base, quando a referida diretiva foi adotada com fundamento no artigo 235.o CEE, que passou, sucessivamente, a artigo 308.o CE e a artigo 352.o TFUE. Segundo a jurisprudência, a determinação da base jurídica de um ato deve ser feita tendo em atenção a sua finalidade e o seu conteúdo próprios, e não à luz da base jurídica escolhida para a adoção de outros atos da União que tenham, eventualmente, características semelhantes (v. acórdão de 8 de setembro de 2009, Comissão/Parlamento e Conselho, C-411/06, Colet., p. I-7585, n.o 77 e jurisprudência referida). Em qualquer das hipóteses, esta diretiva, adotada com base no Tratado CEE, responde a objetivos diferentes dos do regulamento de base.

64

Decorre das considerações precedentes que o regulamento de base tem efetivamente por objeto a melhoria das condições de funcionamento do mercado interno e, portanto, podia ser adotado com fundamento no artigo 95.o CE.

65

No âmbito de uma segunda alegação, aduzida a título subsidiário, os recorrentes sustentam que o artigo 95.o CE não constitui uma base jurídica suficiente para a adoção do regulamento de base, pois, uma vez que, em seu entender, a proibição prevista afeta essencialmente o comércio com países terceiros, teria sido necessário recorrer igualmente ao artigo 133.o CE. Recordam que a proposta de regulamento de base fazia referência às duas disposições e afirmam que as diferenças entre a proposta e o texto que acabou por ser aprovado não justificam o recurso apenas ao artigo 95.o CE. Ora, a proibição da colocação no mercado dos produtos em causa, que são produzidos principalmente fora da União, estabelece de facto uma proibição à importação.

66

Resulta de jurisprudência assente que, se a análise de um ato da União demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma componente dupla, e se uma dessas componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o ato deve ter uma única base jurídica, a saber, a que for exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante [acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.o 41 supra, n.o 94].

67

Excecionalmente, se se demonstrar, em contrapartida, que o ato em causa prossegue simultaneamente vários objetivos ou que tem várias componentes, que se encontram ligados de forma indissociável sem que um seja secundário e indireto relativamente ao outro, esse ato deve assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes (v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, referido no n.o 63 supra, n.o 47 e jurisprudência referida).

68

Por conseguinte, cabe examinar se o regulamento de base prossegue igualmente um objetivo de política comercial comum e contém componentes abrangidas por essa política que se encontram ligadas de forma indissociável a componentes destinadas à melhoria do funcionamento do mercado interno, com uma importância tal que esse ato devesse ter sido adotado numa dupla base jurídica.

69

A este respeito, cabe sublinhar, desde logo, que, contrariamente à sua proposta, o regulamento de base não proíbe, em si mesmo, a importação nem o trânsito ou as exportações de produtos derivados da foca. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento proíbe apenas a sua colocação no mercado, precisando que, no que respeita aos produtos importados, essa proibição se deve aplicar no momento ou no local de importação, e isso numa preocupação de eficácia, como decorre do considerando 10 do mesmo regulamento. A este respeito, o artigo 2.o, n.o 5, do regulamento de base define importação como «entrada de mercadorias no território aduaneiro da Comunidade».

70

A importação de produtos derivados da foca é, portanto, proibida unicamente nos casos em que esses produtos se destinam a ser colocados no mercado da União. Além disso, impõe-se observar, à semelhança da Comissão, que, ao proibir a colocação no mercado de produtos derivados da foca, o regulamento de base não impede a entrada, o entreposto, a transformação ou o fabrico de produtos derivados da foca na União, se se destinarem à exportação e nunca forem colocados em livre prática no mercado da União. Além disso, o artigo 3.o, n.o 2, do regulamento de base prevê também que, por um lado, a importação de produtos derivados da foca é permitida se apresentar caráter ocasional e consistir exclusivamente em bens reservados ao uso pessoal e não para fins comerciais e que, por outro, a colocação no mercado para fins não lucrativos de produtos derivados da foca é igualmente permitida quando esses produtos resultem de uma caça regulamentada pela lei nacional e praticada com o único objetivo de garantir a gestão sustentável dos recursos marinhos. Por último, a proibição de colocação no mercado abrange também os produtos derivados da foca originários dos Estados-Membros, embora seja dado assente que a sua quota não é muito significativa.

71

Importa deduzir daqui que a proibição de importação está efetivamente prevista com o objetivo de impedir a colocação no mercado de produtos derivados da foca e, por esse meio, alcançar o objetivo único do regulamento de base, que é a melhoria do funcionamento do mercado interno. Neste quadro, os efeitos do referido regulamento no comércio externo são apenas secundários.

72

Por consequência, deve concluir-se que o único objetivo prosseguido pelo regulamento de base, nomeadamente pela última frase do seu artigo 3.o, n.o 1, é garantir a eficácia das medidas destinadas a aperfeiçoar o funcionamento do mercado interno, sem que seja igualmente prosseguido qualquer objetivo relacionado com a implementação da política comercial comum. Atendendo a esta conclusão e à jurisprudência acima recordada nos n.os 66 e 67, deve concluir-se que o regulamento de base não podia ter concomitantemente por base jurídica os artigos 95.° e 133.° CE.

73

Em qualquer caso, convém recordar a este respeito que, no acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.o 41 supra, n.o 98, o Tribunal de Justiça considerou que, no processo então em causa, a referência, errada, ao artigo 133.o CE como segunda base jurídica da diretiva não implicava, por si só, a sua invalidade. O Tribunal de Justiça considerou que um erro desse tipo no preâmbulo de um ato da União constituía apenas um vício puramente formal, salvo se tivesse ferido de irregularidade o processo de adoção do ato (v. acórdão Swedish Match, referido no n.o 31 supra, n.o 44 e jurisprudência referida).

74

Abordagem idêntica se aplica, por analogia, no caso vertente. Nomeadamente, cabe observar que os artigos 95.° CE e 133.° CE implicam modalidades de voto idênticas no seio do Conselho.

75

Assim, o artigo 95.o, n.o 1, CE prevê que as medidas estabelecidas com base neste preceito sejam adotadas em conformidade com o processo de codecisão previsto no artigo 251.o CE e após consulta do Comité Económico e Social. Recorde-se que, no processo de codecisão previsto no artigo 251.o CE, o Conselho delibera por maioria qualificada, salvo se pretender acolher as alterações à sua posição comum formuladas pelo Parlamento e objeto de parecer negativo da Comissão, caso em que deve deliberar por unanimidade. Quanto ao artigo 133.o, n.o 4, CE, o mesmo prevê que, no exercício das competências que lhe são atribuídas por esta disposição, o Conselho delibera por maioria qualificada.

76

Por conseguinte, o recurso à dupla base jurídica constituída pelos artigos 95.° CE e 133.° CE não teria nenhuma influência nas regras de voto aplicáveis no seio do Conselho. Além disso, o recurso apenas ao artigo 95.o não violou os direitos do Parlamento, pois este artigo remete explicitamente para o processo de codecisão visado no artigo 251.o CE (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 1991, Comissão/Conselho, dito «Dióxido de titânio», C-300/89, Colet., p. I-2867, n.os 17 a 21).

77

Nestas condições, deve concluir-se que, mesmo admitindo que o regulamento de base está igualmente abrangido pelo artigo 133.o CE, o recurso apenas ao artigo 95.o CE como base jurídica não podia ter ferido de irregularidade o processo de adoção do referido regulamento, pelo que este não pode ser invalidado por esse motivo [v., por analogia, acórdãos Swedish Match, referido no n.o 31 supra, n.os 43 a 45, e British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.o 41 supra, n.os 106 a 111].

78

Por conseguinte, a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

— Quanto à segunda parte, relativa à violação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade

79

Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que o objetivo principal, senão único, do regulamento de base é a proteção do bem-estar animal, e que um objetivo desta natureza não é matéria da competência exclusiva da União. Entretanto, as instituições não demonstram em que medida uma legislação destinada a proteger o bem-estar das focas adotada a nível da União é a mais adaptada e necessária.

80

Importa recordar que, quando da adoção do regulamento de base, o princípio da subsidiariedade estava enunciado no artigo 5.o, segundo parágrafo, CE, nos termos do qual, nos domínios que não eram da sua competência exclusiva, a União só intervinha se e na medida em que os objetivos da ação prevista não pudessem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros e pudessem, portanto, em razão da dimensão ou dos efeitos da ação prevista, ser mais adequadamente realizados a nível da União. Este princípio era concretizado pelo Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado CE (JO 1997, C 340, p. 173), que estabelecia igualmente, no seu n.o 5, diretrizes para determinar se estas condições se encontravam preenchidas.

81

No que respeita a atos legislativos, o referido protocolo precisava, nos seus n.os 6 e 7, que a Comunidade devia legislar apenas na medida do necessário e que as medidas tomadas pela Comunidade deviam deixar às instâncias nacionais uma margem de decisão tão ampla quanto possível, desde que compatível com a realização do objetivo da medida e a observância das exigências do Tratado.

82

Além disso, o referido protocolo precisava, no seu n.o 3, que o princípio da subsidiariedade não punha em causa as competências conferidas à Comunidade pelo Tratado, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

83

A este respeito, importa, desde logo, rejeitar a argumentação dos recorrentes que assenta na afirmação, errada, de que o objetivo do regulamento de base é a proteção do bem-estar dos animais. Com efeito, como já foi acima afirmado no n.o 64, o referido regulamento tem por objeto a melhoria das condições de funcionamento do mercado interno tendo em conta a proteção do bem-estar dos animais.

84

Quanto ao artigo 95.o CE, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da subsidiariedade se aplica sempre que o legislador da União recorre a essa base jurídica, na medida em que esta disposição não lhe confere competência exclusiva para regulamentar as atividades económicas no mercado interno, mas apenas uma competência para melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mesmo, através da eliminação de obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços ou pela supressão de distorções da concorrência [acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, referido no n.o 41 supra, n.o 179].

85

Ora, impõe-se concluir que o objetivo do regulamento de base não pode ser realizado da mesma maneira satisfatória através de uma ação levada a cabo apenas nos Estados-Membros e pressupõe uma ação a nível da União, como demonstra a evolução heterogénea das legislações nacionais no caso vertente (v. n.os 38 e 39 supra). Daqui decorre que o objetivo da ação prevista podia ser melhor realizado a nível da União.

86

Uma vez que os recorrentes não apresentam nenhum outro elemento em apoio da sua argumentação, esta deve ser rejeitada.

87

Em segundo lugar, no tocante à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cabe recordar que decorre de jurisprudência assente que esse princípio exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2011, Etimine, C-15/10, Colet., p. I-6681, n.o 124 e jurisprudência referida).

88

No que diz respeito à fiscalização jurisdicional do respeito destas condições, o Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador da União, no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas, um amplo poder de apreciação nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza tanto política como económica ou social, e em que é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas. Assim, não se trata de saber se uma medida adotada nesse domínio era a única ou a melhor possível, visto que só o caráter manifestamente inadequado desta, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.o 28 supra, n.o 52 e jurisprudência referida).

89

Todavia, mesmo tendo esse poder, o legislador da União está obrigado a basear a sua opção em critérios objetivos. Além disso, no âmbito da apreciação dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, deve examinar se os objetivos prosseguidos pela medida escolhida são de natureza a justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores (v. acórdão Vodafone e o., referido no n.o 28 supra, n.o 53 e jurisprudência referida).

90

No caso vertente, decorre dos considerandos 10 a 14 do regulamento de base que este prossegue o objetivo de melhoria do funcionamento do mercado interno dos produtos em causa, assim como a proteção do bem-estar dos animais e a situação especial das comunidades inuítes e outras comunidades indígenas. Além disso, uma comparação entre a proposta de regulamento de base e o próprio regulamento demonstra que o legislador analisou concretamente a situação na União que exige esta medida, e limitou consideravelmente o seu alcance relativamente à proposta da Comissão. Em especial, o regulamento de base prevê unicamente uma proibição de colocação no mercado de produtos em causa e opta por fixar uma regra muito geral de proibição, a que está associada, no essencial, uma única exceção, delegando à Comissão, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, do regulamento de base, a adoção das medidas relativas à sua execução. Deve deduzir-se daqui que as medidas previstas foram estritamente limitadas àquilo que o legislador considerou ser necessário para suprimir os obstáculos à livre circulação dos produtos indicados.

91

Primeiro, os argumentos aduzidos pelos recorrentes não podem demonstrar que o regulamento de base é manifestamente inapropriado para alcançar o objetivo prosseguido.

92

Por um lado, os recorrentes não apresentam mais argumentos em apoio da sua afirmação segundo a qual a medida de proibição de produtos derivados da foca prevista pelo regulamento de base não podia contribuir para a promoção do estabelecimento do mercado interno. Por outro lado, tal como na análise da alegada violação do princípio da subsidiariedade (v. n.o 83 supra), a sua argumentação que assenta na afirmação, errada, de que o objetivo do regulamento de base é a proteção do bem-estar dos animais deve ser rejeitada.

93

Segundo, deve também rejeitar-se o argumento dos recorrentes segundo o qual o regulamento de base vai além do que é necessário para alcançar os seus objetivos. Com efeito, o caráter proporcionado do referido regulamento não pode ser examinado à luz de outos objetivos que não seja o prosseguido por esse regulamento.

94

O argumento dos recorrentes de que a medida de rotulagem é menos restritiva e mais eficaz para alcançar os objetivos do regulamento de base também não pode vingar.

95

Resulta do regulamento de base que a adoção de uma medida que permita a colocação no mercado apenas de produtos derivados da foca que respeitem as exigências relativas ao bem-estar dos animais, bem como, mais particularmente, a medida de rotulagem, foram examinadas e seguidamente afastadas pelo legislador. A este respeito, os considerandos 11 e 12 do referido regulamento enunciam que, «[e]mbora seja possível abater e esfolar focas evitando a dor, a angústia, o medo e outras formas de sofrimento desnecessárias, devido às condições em que a caça à foca é praticada, a coerente verificação e controlo do cumprimento das normas de bem-estar dos animais por parte dos caçadores não é viável na prática ou é, pelo menos, muito difícil de realizar de forma eficaz, como concluiu a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos em 6 de dezembro de 2007», e que «[é] igualmente claro que outras formas de regras harmonizadas, como os requisitos de rotulagem, não permitiriam obter o mesmo resultado. Além disso, exigir a fabricantes, distribuidores ou retalhistas que procedam à rotulagem de produtos total ou parcialmente derivados da foca imporia um pesado encargo a estes operadores económicos e seria desproporcionadamente oneroso nos casos em que estes produtos representam apenas uma parte menor do produto em causa[, ao passo que, i]nversamente, as medidas contidas no presente regulamento serão mais fáceis de respeitar, servindo igualmente para tranquilizar os consumidores».

96

Impõe-se concluir daqui que, após ter analisado a questão do alcance destas medidas na prática, o legislador considerou que as mesmas não permitiam alcançar o objetivo prosseguido, e que proibir, como regra geral, a colocação no mercado de produtos derivados da foca era a melhor forma de garantir a livre circulação de bens. Nenhum dos argumentos aduzidos pelos recorrentes pode demonstrar que estas considerações são erradas. A este respeito, cabe sublinhar que o facto de, em seu entender, nenhum organismo ainda não ter sido reconhecido nos termos do artigo 6.o do regulamento impugnado e de existir atualmente uma proibição total de colocação no mercado não tem a ver com a validade do regulamento de base, mas do regulamento impugnado.

97

Terceiro, quanto ao caráter proporcionado, na aceção restrita, do regulamento de base, os recorrentes sustentam que este produz efeitos desproporcionados nas comunidades inuítes, no sentido de que tem uma incidência considerável na sobrevivência destas comunidades. A exceção que lhes diz respeito mantém-se letra morta, nomeadamente em razão do facto de que os Inuítes não praticam eles mesmos o comércio de produtos derivados da foca.

98

Para fundamentar esta afirmação, os recorrentes limitam-se a referir pontos específicos da petição inicial. Todavia, importa observar que os referidos pontos descrevem apenas o modo de vida das comunidades inuítes, a caça à foca por estas praticada e as dificuldades de vida e de sobrevivência destas populações. Apenas o ponto 34 da petição inicial trata os efeitos da medida em causa na situação dessas comunidades, afirmando que, em razão do regulamento impugnado, lido em conjugação com o regulamento de base e à luz da interpretação restritiva de que já foi objeto, a maior parte das exportações de produtos derivados da foca para a União tende a desaparecer e que, consequentemente, as exportações para a União de produtos derivados da foca provenientes dos Inuítes serão gravemente afetadas. Concluem que o regulamento impugnado acarretará provavelmente o desaparecimento de um mercado importante, bem como das respetivas infraestruturas. Na audiência, os recorrentes acrescentaram que os Inuítes não tinham outra opção senão recorrerem a empresas comerciais e às suas infraestruturas e suportarem as dificuldades relacionadas com o contestado sistema dos organismos reconhecidos que imitem certificados relativos aos produtos derivados da foca e autorizados no mercado da União. Ora, estas considerações, de resto muito gerais e sem qualquer suporte, não demonstram a existência de um prejuízo sofrido pelas comunidades inuítes que seja desproporcionado relativamente ao objetivo prosseguido pelo regulamento de base.

99

Em terceiro lugar, quanto à crítica do instrumento escolhido, a saber, o regulamento, cabe recordar que o n.o 6 do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade previa que, «[e]m igualdade de circunstâncias, dev[ia] optar-se por diretivas em vez de regulamentos».

100

Importa ler esta disposição no seu contexto, nomeadamente à luz da primeira frase do referido número do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, segundo a qual a forma da ação da União devia ser tão simples quanto o permitissem a realização adequada do objetivo da medida e a necessidade da sua aplicação eficaz. Assim, embora previsse que as diretivas deviam receber a preferência «[e]m igualdade de circunstâncias», há que sublinhar que esta disposição deixava ao legislador uma margem de apreciação quanto à escolha do instrumento a adotar.

101

Na página 16 da proposta de regulamento de base, a Comissão considerou que os instrumentos diferentes do regulamento não teriam sido adequados, porquanto, nomeadamente, uma diretiva exigia medidas de transposição nacionais e aumentava o risco de aplicações divergentes, e que era igualmente indispensável garantir a aplicação uniforme das eventuais derrogações às proibições de comércio em vigor.

102

Perante a medida prevista pelo regulamento de base, que consiste, no essencial, numa proibição acompanhada de uma exceção e em duas exceções, e que requer medidas relativas à sua aplicação a nível da União, deve considerar-se que o legislador da União respeitou essas exigências e que não está provado que uma diretiva tivesse sido mais apropriada. Além disso, ao estabelecer uma regra geral, aplicável a partir do vigésimo dia seguinte ao da publicação no Jornal Oficial da União Europeia, e ao fixar, no seu artigo 8.o, que o seu artigo 3.o, relativo ao conteúdo da medida, era aplicável partir de 20 de agosto de 2010, o regulamento de base garantiu a rápida entrada em vigor do princípio da proibição, ao mesmo tempo que deixou à Comissão o tempo necessário para a adoção das medidas relativas à sua aplicação.

103

Por conseguinte, a segunda parte do presente fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

— Quanto à terceira parte, relativa à violação dos direitos fundamentais

104

Segundo os recorrentes, o regulamento de base viola o artigo 1.o do Protocolo adicional n.o 1 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o artigo 8.o da CEDH, lido à luz dos artigos 9.° e 10.° desta e conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, bem como o seu direito fundamental a serem ouvidos. Estes direitos deveriam também ser interpretados à luz das disposições de direito internacional relativas à proteção dos povos indígenas, conforme resulta, em especial, do artigo 19.o da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em 13 de setembro de 2007.

105

A título preliminar, cabe salientar que a proteção conferida pelos artigos da CEDH invocados pelos recorrentes é aplicada, no direito da União, pelos artigos, respetivamente, 17.°, 7.°, 10.° e 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 389). Por conseguinte, estão apenas em causa estas últimas disposições (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C-386/10 P, Colet., p. I-13085, n.o 51).

106

Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que o regulamento de base não tem em conta o seu direito de propriedade, no sentido de que afeta o direito dos recorrentes de explorarem comercialmente na União os produtos derivados da foca, fonte importante dos seus rendimentos, e, consequentemente, a saúde e o bem-estar das populações inuítes. Uma restrição desta natureza ao exercício do direito de propriedade dos recorrentes apenas se justifica se for proporcionada relativamente ao objetivo prosseguido. Os recorrentes afirmam que as conclusões do acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C-402/05 P e C-415/05 P, Colet., p. I-6351), lhes são aplicáveis, pois essa proibição implica uma restrição considerável do exercício do seu direito de propriedade.

107

Desde logo, cabe observar que os factos no presente processo são muitos diferentes dos do processo que deu origem ao acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.o 106 supra, o qual dizia respeito a uma medida de congelamento de fundos relativamente à qual o Tribunal de Justiça considerou que, embora constituísse uma medida conservatória que não se destinava a privar as referidas pessoas da sua propriedade, comportava incontestavelmente uma restrição ao exercício do direito de propriedade do recorrente nesse processo, restrição que, além disso, devia ser qualificada de considerável comparativamente ao alcance geral da medida de congelamento e tendo em conta a data desde a qual lhe tinha sido aplicada. No presente processo, os recorrentes invocam, no essencial, uma violação do seu direito de propriedade no que respeita às focas caçadas.

108

Importa recordar que o regulamento de base não proíbe a colocação no mercado de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas para fins de subsistência. Os recorrentes sustentam que esta disposição é uma «concha vazia». Todavia, mesmo considerando que as conclusões do acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.o 106 supra, possam ser transpostas para o presente processo, os recorrentes não apresentam elementos de prova que demonstrem que, apenas em razão desta disposição do regulamento de base, o seu direito de propriedade é violado. Como foi acima observado no n.o 98, as explicações fornecidas nos pontos da petição inicial que os recorrentes referem a este respeito não podem ser úteis neste sentido.

109

Por outro lado, uma vez que têm origens muito diversificadas e, na sua maioria, não fazem parte das comunidades inuítes, os recorrentes deveriam ter demonstrado a existência de efeitos sobre o seu direito de propriedade relativamente às diferentes categorias a que pertencem. A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça precisou que não se podem alargar as garantias conferidas pelo direito de propriedade à proteção de meros interesses ou possibilidades de índole comercial, cujo caráter aleatório é inerente à própria essência da atividade económica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C-120/06 P e C-121/06 P, Colet., p. I-6513, n.o 185). Por conseguinte, a argumentação dos recorrentes acerca deste aspeto não pode ser acolhida.

110

Em segundo lugar, relativamente à alegada violação do seu direito a serem ouvidos, os recorrentes alegam que, segundo a jurisprudência, em caso de restrição considerável do direito de propriedade de um indivíduo, os procedimentos aplicáveis devem oferecer à pessoa em questão uma ocasião adequada para expor a sua causa às autoridades competentes. Além disso, esse direito deve ser interpretado à luz do artigo 19.o da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

111

Esta argumentação não pode vingar. Desde logo, no que respeita ao direito de uma pessoa a ser ouvida antes de o seu direito de propriedade ser limitado, cabe recordar que os recorrentes não demonstraram a existência de qualquer violação do seu direito de propriedade (v. n.os 106 a 109 supra).

112

Em seguida, cabe recordar que as competências da União devem ser exercidas no respeito do direito internacional, tendo o Tribunal de Justiça já precisado que um ato adotado ao abrigo dessas competências devia ser interpretado, e o seu âmbito de aplicação circunscrito, à luz das regras pertinentes do direito internacional (v. acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, referido no n.o 106 supra, n.o 291 e jurisprudência referida). Ora, o texto invocado pelos recorrentes é o de uma declaração e não tem, portanto, a força vinculativa de um Tratado. Não se pode considerar que essa declaração seja suscetível de conceder aos Inuítes direitos autónomos e adicionais relativamente aos previstos pelos direitos da União.

113

A este respeito, convém recordar que, segundo a jurisprudência, no quadro de um procedimento de adoção de um ato da União baseado num artigo do Tratado, as únicas obrigações de consulta que se impõem ao legislador da União são as que constam do artigo em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C-104/97 P, Colet., p. I-6983, n.o 38). Ora, o artigo 95.o CE não impunha ao legislador uma obrigação especial de consulta dos recorrentes.

114

Em qualquer hipótese, a Comissão, apoiada pelo Parlamento e o Conselho, sustenta que as comunidades inuítes foram amplamente consultadas, e em diversas ocasiões, quando da elaboração quer do regulamento de base quer das respetivas medidas de aplicação. Os recorrentes contestam a pertinência e a utilidade de algumas das reuniões mencionadas. Todavia, não é contestado que a exceção respeitante aos Inuítes foi introduzida após a reunião de 21 de janeiro de 2009, na qual as comunidades inuítes estiveram representadas.

115

Por último, decorre do considerando 14 do regulamento de base que o legislador da União teve realmente em conta a situação especial das comunidades inuítes conforme mencionada na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e que foi por esse motivo que considerou a necessidade de autorizar uma exceção para os produtos provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas por essas comunidades para fins de subsistência.

116

Em terceiro lugar, segundo os recorrentes, ao adotar o regulamento de base, o legislador não alcançou o justo equilíbrio na ponderação dos interesses dos Inuítes e dos interesses prosseguidos pelo referido regulamento, o que afeta consideravelmente as condições de vida dos recorrentes e, de uma forma mais geral, as condições de vida das populações inuítes.

117

Esta argumentação deve ser rejeitada. Com efeitos, os recorrentes não apresentam argumentos nem elementos de prova que demonstrem a alegada violação do artigo 8.o da CEDH. Como foi acima observado nos n.os 98 e 108, as explicações dadas nos pontos da petição inicial a que os recorrentes fazem referência a este respeito não fornecem mais elementos neste sentido. Quanto aos artigos 9.° e 10.° da CEDH, bem como aos artigos 10.° e 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os recorrentes reconhecem que estas disposições não foram diretamente violadas pelo regulamento de base.

118

Para todos os efeitos práticos, importa recordar que decorre do considerando 15 do regulamento de base que este último não afeta as regras da União nem as normas nacionais que regulam a caça à foca e que, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, o referido regulamento autoriza a colocação no mercado de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes e outras comunidades indígenas para fins de subsistência.

119

Por conseguinte, a terceira parte do presente fundamento e, consequentemente, todo o fundamento devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um desvio de poder

120

No que diz respeito a este fundamento, aduzido a título subsidiário, os recorrentes sustentam que a Comissão utilizou os seus poderes tendo em vista uma finalidade diferente daquela para a qual os mesmos lhe foram conferidos. Com efeito, em vez de estabelecer uma exceção efetiva respeitante aos Inuítes, a Comissão agiu com o objetivo de bloquear todas as colocações no mercado da União de produtos derivados da foca, incluindo os produtos provenientes das formas de caça praticadas pelos Inuítes,

121

Tal como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, um ato só está viciado por desvio de poder se, com base em indícios objetivos, relevantes e concordantes, se verificar que foi adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diferentes dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para obviar às circunstâncias do caso concreto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colet., p. I-4023, n.o 24, e de 22 de novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C-110/97, Colet., p. I-8763, n.o 137).

122

Os considerandos pertinentes do regulamento impugnado enunciam o seguinte:

«(1)

O Regulamento [de base] permite a colocação no mercado de produtos derivados das focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas e que contribuam para a respetiva subsistência. […]

(2)

Assim, para uma aplicação uniforme do Regulamento [de base], é necessário definir as condições de colocação no mercado da União dos produtos derivados da foca.

(3)

A colocação no mercado de produtos derivados de focas caçadas pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes e de outras comunidades indígenas e que contribuam para a respetiva subsistência deve ser permitida quando se tratar de formas de caça que façam parte integrante do património cultural da comunidade e quando os produtos derivados da foca sejam utilizados, consumidos ou transformados, pelo menos parcialmente, nas comunidades de acordo com as suas tradições.

[…]

(5)

Neste quadro excecional, deve ser introduzido um mecanismo eficaz que garanta uma verificação adequada do preenchimento destas condições. Esse mecanismo não deve ser mais restritivo para o comércio do que o necessário.

[…]

(12)

Uma vez que o presente regulamento contém medidas de execução do artigo 3.o do Regulamento [de base] e este é aplicável a partir de 20 de agosto de 2010, deve entrar em vigor com urgência.»

123

Assim, nos termos do artigo 3.o do regulamento impugnado:

«1.   Os produtos derivados da foca resultantes de caçadas praticadas por comunidades inuítes ou por outras comunidades indígenas só podem ser colocados no mercado se for possível demonstrar que resultam de caçadas à foca que satisfazem todas as seguintes condições:

a)

São praticadas por comunidades inuítes ou por outras comunidades indígenas que têm uma tradição de caça de focas na comunidade e na região geográfica;

b)

Os produtos derivados das caçadas são utilizados, consumidos ou transformados, pelo menos parcialmente, nas comunidades de acordo com as suas tradições;

c)

São praticadas para fins de subsistência da comunidade.

2.   Quando da sua colocação no mercado, o produto derivado da foca deve ser acompanhado do certificado previsto no artigo 7.o, n.o 1.»

124

Nos termos dos artigos 6.° e 7.° do regulamento impugnado, os certificados que estabelecem que os produtos derivados da foca preenchem os requisitos fixados são emitidos por «organismos reconhecidos».

125

Por último, o artigo 12.o do referido regulamento prevê a sua entrada em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

126

Os recorrentes invocam duas séries de argumentos. Primeiro, o regulamento impugnado não foi adotado num prazo razoável antes do início da aplicação da proibição de colocação no mercado. A Comissão tardou a preparar a aplicação da «exceção inuíte».

127

Segundo, o regulamento impugnado, conforme adotado e interpretado pela Comissão, priva a «exceção inuíte» de todo o efeito útil. Em especial, o regulamento impugnado proíbe, em violação deste artigo, a colocação no mercado da União de produtos derivados da foca provenientes das formas de caça tradicionalmente praticadas pelas comunidades inuítes, mas que são seguidamente transformados ou vendidos por comunidades não inuítes.

128

Impõe-se concluir que nenhuma destas afirmações, na maioria delas não fundamentadas, pode demonstrar que, no caso vertente, a Comissão utilizou o seu poder para fins diversos daquele que é enunciado no considerando 2 do regulamento impugnado.

129

Primeiro, no que diz respeito ao momento em que o regulamento impugnado foi adotado, impõe-se observar que o mesmo foi adotado em 10 de agosto de 2010, publicado em 17 de agosto de 2010 e, nos termos do seu artigo 12.o, entrou em vigor no terceiro dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 20 de agosto de 2010, isto é, no dia do início da aplicação do artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de base. Ora, este facto não permite, em si mesmo, considerar que a Comissão agiu no intuito de impedir a realização do objetivo fixado. Por outro lado, não se pode criticar a Comissão por ter consultado as diferentes partes interessadas, incluindo as organizações de defesa dos direitos dos animais. As considerações expostas pelos recorrentes têm a ver com críticas ao processo de consulta realizado pela Comissão, mas não podem constituir elementos de um desvio de poder. Pelo contrário, o facto de a Comissão ter consultado essas diferentes partes, incluindo os representantes das comunidades inuítes, pode apenas indicar que pretendeu efetivamente tomar conhecimento de todos os elementos pertinentes da problemática a regular. Por outro lado, a Comissão indica, sem ter sido contrariada pelos recorrentes, que vários recorrentes estavam presentes na reunião de 18 de novembro de 2009, durante a qual foi distribuída, discutida e imediatamente colocada na Internet uma nota de informação sobre o texto previsto. Acresce que a Comissão publicou o projeto de regulamento impugnado na Internet em 2 de junho de 2010.

130

Segundo, no que diz respeito à argumentação relativa ao facto de a Comissão ter interpretado de uma forma demasiado lata a proibição e demasiado estrita as suas derrogações, cabe observar que, com a referida argumentação, os recorrentes criticam, na realidade, o conteúdo e os efeitos das medidas previstas pelo regulamento impugnado que, em seu entender, não são conformes com o objetivo desse regulamento, como predefinido pelo regulamento de base. Os recorrentes sustentam que o conteúdo do regulamento impugnado, como interpretado pela Comissão, demonstra que o verdadeiro objetivo prosseguido pela Comissão era diferente daquele para o qual o regulamento de base lhe conferiu poderes. Em apoio destas alegações, apresentam declarações contendo interpretações da Comissão e de autoridades nacionais relativas à aplicação prática das normas previstas. Ora, nada nesta argumentação nem nos autos permite demonstrar que a produção desses efeitos, alegadamente negativos para o comércio dos produtos em causa, era o objetivo prosseguido pela Comissão quando da adoção do regulamento impugnado. A argumentação dos recorrentes reclama, em vez disso, uma verificação da conformidade das declarações mencionadas com o regulamento de base.

131

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

132

Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento ao pedido de anulação e, portanto, ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

133

Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená-los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

134

O Conselho e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas, em conformidade com o artigo 87.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Inuit Tapiriit Kanatami, a Nattivak Hunters and Trappers Association, a Pangnirtung Hunters’ and Trappers’ Association, Jaypootie Moesesie, Allen Kooneeliusie, Toomasie Newkingnak, David Kuptana, Karliin Aariak, o Canadian Seal Marketing Group, a Ta Ma Su Seal Products, Inc., o Fur Institute of Canada, a NuTan Furs, Inc., a GC Rieber Skinn AS, o Inuit Circumpolar Council Greenland (ICC-Greenland), Johannes Egede, a Kalaallit Nunaanni Aalisartut Piniartullu Kattuffiat (KNAPK), a William E. Scott & Son, a Association des chasseurs de phoques des Îles-de-la-Madeleine, a Hatem Yavuz Deri Sanayi iç Ve Diş Ticaret Ltd Şirketi e a Northeast Coast Sealers’ Co-Operative Society, Ltd, são condenados a suportar as suas próprias despesas assim como as da Comissão Europeia.

 

3)

O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

 

Dittrich

Wiszniewska-Białecka

Prek

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de abril de 2013.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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