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Document 62010CJ0483

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 28 de Fevereiro de 2013.
    Comissão Europeia contra Reino de Espanha.
    Incumprimento de Estado - Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários - Diretiva 2001/14/CE - Repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária - Tarificação - Taxas - Independência de gestão.
    Processo C-483/10.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:114

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    28 de fevereiro de 2013 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários — Diretiva 2001/14/CE — Repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária — Tarificação — Taxas — Independência de gestão»

    No processo C-483/10,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 6 de outubro de 2010,

    Comissão Europeia, representada por H. Støvlbæk e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta e B. Plaza Cruz, na qualidade de agentes,

    demandado,

    apoiado por:

    República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller e J. Očková, na qualidade de agentes,

    República Francesa, representada por G. de Bergues e M. Perrot, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), E. Levits, J.-J. Kasel e M. Berger, juízes,

    advogado-geral: N. Jääskinen,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 23 de maio de 2012,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas para dar cumprimento:

    aos artigos 4.°, n.o 1, 11.°, 13.°, n.o 2, 14.°, n.o 1, e 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro 2007 (JO L 315, p. 44, a seguir «Diretiva 2001/14»), e

    ao artigo 10.o, n.o 7, da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 2006/103/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 344, a seguir «Diretiva 91/440»),

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    2

    Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 91/440, que figura na secção II desta diretiva, intitulada «Independência de gestão»:

    «1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo em matéria de gestão, administração e controlo administrativo, económico e contabilístico interno, por força do qual disponham, nomeadamente, de um património, um orçamento e uma contabilidade separados dos do Estado.

    2.   O gestor da infraestrutura é responsável pela sua própria gestão, administração e controlo interno, no respeito do quadro e das regras específicas de tarificação e de repartição fixados pelos Estados-Membros.»

    3

    Os considerandos 11 a 13 e 34 da Diretiva 2001/14 têm a seguinte redação:

    «(11)

    Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem proporcionar a todas as empresas um acesso equitativo e não discriminatório e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

    (12)

    No quadro estabelecido pelos Estados-Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem encorajar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizar a utilização da sua infraestrutura.

    (13)

    Os regimes de repartição de capacidade devem proporcionar às empresas de transporte ferroviário indicações claras e consistentes que lhes permitam tomar decisões racionais.

    […]

    (34)

    O investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem proporcionar incentivos a que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes.»

    4

    O artigo 4.o da Diretiva 2001/14, intitulado «Fixação, determinação e cobrança de taxas», dispõe, no n.o 1:

    «Os Estados-Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440/CEE.

    Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados-Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura.»

    5

    O artigo 11.o da Diretiva 2001/14, intitulado «Regime de melhoria do desempenho», prevê, no n.o 1:

    «Os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizar as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária, através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Esse regime pode incluir sanções para atos que perturbem o funcionamento da rede, compensações para as empresas afetadas pelas perturbações e prémios para os desempenhos superiores às previsões.»

    6

    O artigo 13.o da referida diretiva, intitulado «Direitos de capacidade», enuncia, no n.o 2:

    «O direito de utilização de uma capacidade de infraestrutura específica na forma de um traçado pode ser concedido aos candidatos por um período máximo correspondente ao período de vigência de um horário de serviço.

    O gestor da infraestrutura e um candidato podem celebrar um acordo-quadro, conforme previsto no artigo 17.o, para a utilização da capacidade na infraestrutura ferroviária em causa, de duração superior ao período de vigência de um horário de serviço.»

    7

    Sob o título «Repartição da capacidade», o artigo 14.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

    «Os Estados-Membros podem definir um quadro para a repartição da capacidade de infraestrutura, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440/CEE. Devem ser fixadas regras específicas de repartição da capacidade. O gestor da infraestrutura deve cumprir os procedimentos de repartição da capacidade e garantir em especial que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito comunitário.»

    Direito espanhol

    8

    A Lei 39/2003, relativa ao setor ferroviário (Ley 39/2003 del Setor Ferroviario), de 17 de novembro de 2003 (BOE n.o 276, de 18 de novembro de 2003, p. 40532, a seguir «LSF»), enumera, no artigo 21.o, as competências e as funções do gestor da infraestrutura ferroviária, entre as quais figura a cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária.

    9

    Por força do artigo 73.o, n.o 5, da LSF, é possível ter em conta, para a fixação do montante das taxas ferroviárias, de acordo com a exploração eficaz da rede ferroviária de interesse geral, considerações que refletem o nível de congestionamento da infraestrutura, o desenvolvimento de novos serviços de transporte ferroviário e a necessidade de incentivar a utilização de linhas subutilizadas, garantindo, em quaisquer circunstâncias, uma concorrência ótima entre as empresas de transporte ferroviário.

    10

    O artigo 76.o da LSF dispõe, nos n.os 1 e 2:

    «1.   A gestão das taxas pela utilização da infraestrutura ferroviária incumbe ao gestor desta, que pode exigir, no que se refere à taxa pela utilização das estações e de outras instalações ferroviárias, a apresentação de todos os documentos necessários para proceder às liquidações adequadas.

    2.   As taxas podem ser liquidadas de forma individualizada ou conjunta, nos termos previstos no despacho ministerial que estabelece as modalidades de liquidação e fixa os prazos e meios que permitem a cobrança efetiva dos montantes exigíveis.»

    11

    O artigo 77.o, n.o 1, da LSF prevê que a fixação dos montantes da taxa de utilização das linhas de caminhos de ferro pertencentes à rede ferroviária de interesse geral e da taxa de exploração das estações e outras instalações ferroviárias é efetuada por despacho ministerial.

    12

    O artigo 81.o, n.o 1, alínea j), da LSF prevê, designadamente, que a fixação ou, se for o caso, a alteração do montante das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária são da competência do Ministério do Equipamento e dos Transportes.

    13

    Os artigos 88.° e 89.° da LSF qualificam respetivamente de infrações administrativas muito graves ou graves, suscetíveis de dar lugar à aplicação de sanções, determinados comportamentos das empresas de transporte ferroviário relacionados com as perturbações do funcionamento da rede.

    14

    O Decreto Real n.o 2395/2004, de 30 de dezembro de 2004, que aprova o Estatuto da empresa pública Administrador de Infraestructuras Ferroviarias (BOE n.o 315, de 31 de dezembro de 2004, p. 42785), comporta, em anexo, o Estatuto desta empresa pública (a seguir «ADIF»), cujo artigo 1.o precisa que esta empresa é um organismo público, equiparável à categoria das empresas públicas previstas no artigo 43.o, n.o 1, alínea b), da Lei 6, de 14 de abril de 1997, relativa à organização e ao funcionamento da Administração Geral do Estado. A ADIF é tutelada pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes, que é responsável, em conformidade com o n.o 2 do mesmo artigo 43.o, pela direção estratégica, pela avaliação e pelo controlo da sua atividade.

    15

    O estatuto da ADIF enumera, no seu artigo 3.o, n.o 1, as competências e as funções desta entidade, entre as quais figura a cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária.

    16

    O Decreto Real n.o 2396/2004, de 30 de dezembro de 2004, que aprova o Estatuto da empresa pública RENFE-Operadora (BOE n.o 315, de 31 de dezembro de 2004, p. 42797), dispõe que a RENFE-Operadora é uma empresa pública tutelada pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes, que é responsável pela direção estratégica, pela avaliação e pelo controlo da sua atividade.

    17

    O Despacho Ministerial FOM/898/2005, de 8 de abril de 2005 (BOE n.o 85, de 9 de abril de 2005, p. 12331), fixa os montantes das taxas de utilização, por um lado, das linhas de caminho de ferro pertencentes à rede ferroviária de interesse geral e, por outro, das estações e outras instalações ferroviárias.

    18

    O Despacho Ministerial FOM/897/2005, de 7 de abril de 2005, relativo à declaração sobre a rede e ao processo de repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária (BOE n.o 85, de 9 de abril de 2005, p. 12324, a seguir «Despacho Ministerial 897/2005»), prevê, no seu artigo 11.o:

    «O gestor da infraestrutura ferroviária reparte a capacidade da infraestrutura, do seguinte modo:

    […]

    b)

    Se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede tiver sido declarada congestionada, serão tomadas em consideração as seguintes prioridades para a repartição, por ordem decrescente:

    1.   As eventualmente fixadas pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes para os diferentes tipos de serviços em cada linha, tendo especialmente em conta os serviços de transporte de mercadorias;

    […]

    4.   A repartição e utilização efetiva, pelo requerente, de horários de serviço anteriores aos canais horários cuja utilização é requerida.

    […]»

    Procedimento pré-contencioso e processo no Tribunal de Justiça

    19

    Em 15 de junho de 2007, a Comissão enviou às autoridades espanholas um questionário relativo à aplicação, nomeadamente, das Diretivas 91/440 e 2001/14.

    20

    Na sequência de uma troca de correspondência com as referidas autoridades, a Comissão, por carta de 27 de junho de 2008, enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir, manifestando-lhe dúvidas sobre a compatibilidade de determinados aspetos da regulamentação espanhola em matéria ferroviária com essas diretivas.

    21

    Por carta de 16 de outubro de 2008, o referido Estado-Membro respondeu à notificação para cumprir. Além disso, forneceu informações complementares à Comissão, por cartas de 5 de fevereiro e 13 de julho de 2009.

    22

    Por carta de 9 de outubro de 2009, a Comissão enviou ao Reino de Espanha um parecer fundamentado no qual declarava que a regulamentação espanhola em matéria ferroviária não estava em conformidade com as Diretivas 91/440 e 2001/14 e o convidava a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer no prazo de dois meses contados a partir da sua notificação. Por carta de 16 de dezembro de 2009, este Estado-Membro respondeu ao referido parecer.

    23

    Não satisfeita com a resposta do Reino de Espanha ao parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente ação, que se baseia em cinco acusações.

    24

    Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro e 8 de setembro de 2011, respetivamente, foram admitidas as intervenções da República Checa e da República Francesa em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

    25

    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de março de 2012, a Comissão informou este Tribunal de que, na sequência da adoção, pelo Reino de Espanha, da Lei 2/2011, relativa à economia sustentável (Ley 2/2011, de Economía Sostenible), de 4 de março de 2011 (BOE n.o 55, de 5 de março de 2011, p. 25033), desistia da terceira e quarta acusações da sua ação, relativas, respetivamente, ao artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 e ao artigo 10.o, n.o 7, da Diretiva 91/440.

    Quanto à ação

    Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14

    Argumentos das partes

    26

    A Comissão alega que a legislação espanhola não é compatível com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que o montante das taxas é inteiramente determinado por despacho ministerial, com a consequência de a única função atribuída ao gestor da infraestrutura, a saber a ADIF, ser a cobrança das taxas. Com efeito, esta limita-se a calcular o montante da taxa em cada caso concreto, aplicando uma fórmula previamente fixada e de maneira exaustiva pela autoridade ministerial. Assim, esta entidade não dispõe de nenhuma margem de discricionariedade para adaptar o montante da taxa em cada caso concreto.

    27

    Segundo a Comissão, a regulamentação espanhola também não cumpre a exigência relativa à autonomia de gestão do gestor da infraestrutura, uma vez que, ao atribuir em exclusivo à autoridade ministerial a fixação do montante das taxas, priva o referido gestor de um instrumento de gestão essencial.

    28

    Na opinião da Comissão, a interpretação do termo «determinação» que figura no artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, preconizada pelo Reino de Espanha, é excessivamente restritiva, tanto no que se refere ao sentido corrente deste termo como à exigência, enunciada no primeiro parágrafo do mesmo número, de que deve ser respeitada a autonomia de gestão do gestor da infraestrutura. Este artigo 4.o prevê que a determinação da taxa de utilização da infraestrutura é da responsabilidade do gestor da infraestrutura, sem fazer distinção entre os diferentes tipos de determinação invocados por este Estado-Membro.

    29

    Além disso, a Comissão considera que a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, invocada pelo referido Estado-Membro, não é compatível com as outras disposições desta diretiva, que pressupõem obrigatoriamente que as funções do gestor da infraestrutura não se limitam à liquidação e à cobrança das taxas.

    30

    O Reino de Espanha sustenta que as taxas foram definidas como impostos. Segundo a legislação espanhola, trata-se, portanto, de impostos cujo facto gerador é a utilização privada do domínio público ferroviário. Assim, os elementos essenciais destas taxas devem ser regulados por lei e, por sua vez, o seu montante concreto deve ser fixado por uma norma administrativa geral, a saber, pelo menos, um despacho ministerial.

    31

    Este Estado-Membro refere que a ADIF é uma empresa pública que, segundo a legislação nacional, deve necessariamente ser tutelada por um Ministério e, consequentemente, não está habilitada a adotar disposições legislativas, dado que esta competência pertence ao Ministério que a tutela. O artigo 76.o da LSF atribui à ADIF a gestão das ditas taxas, o que implica certas funções de controlo, de liquidação e de fixação da taxa devida em cada caso concreto, bem como a sua cobrança. A ADIF pode, além disso, propor ao Ministério do Equipamento e dos Transportes que sejam aplicados outros tipos de taxas quando da reclassificação de uma linha ou de uma estação ferroviária.

    32

    O Reino de Espanha considera que o termo «determinação», mencionado no artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, não exige necessariamente a fixação do montante das taxas. Na sua opinião, há que entender que esta disposição se refere unicamente à fixação da taxa concreta devida a título da utilização da infraestrutura, em cada caso específico, e à sua cobrança.

    33

    Consequentemente, a legislação espanhola faz uma distinção entre, por um lado, a determinação das taxas em geral, ao estabelecer o quadro e o regime de tarificação correspondentes às mesmas, e a determinação dos regimes de tarificação da infraestrutura, que são da responsabilidade do Ministro do Equipamento e dos Transportes, e, por outro, a fixação da taxa concreta correspondente a cada caso específico, que incumbe à ADIF.

    34

    Baseando-se nesta disposição, o referido Estado-Membro considera que a interpretação que faz do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 é compatível com as outras disposições desta diretiva.

    35

    O Reino de Espanha salienta também que a interpretação proposta pela Comissão é dificilmente compatível com o quadro atual da legislação espanhola, a não ser que a regulamentação administrativa e fiscal nacional seja radicalmente alterada.

    36

    O Governo checo salienta que, ao instituir o quadro para a tarificação, os Estados-Membros devem assegurar «que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo» e não o responsável da infraestrutura ferroviária. Daí conclui que a intervenção do Estado-Membro em causa, através da fixação das tarificações específicas, é um instrumento aceitável à luz das exigências da Diretiva 2001/14.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    37

    Com a sua primeira acusação, a Comissão sustenta que a legislação espanhola não está em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que, por um lado, atribui ao Ministério do Equipamento e dos Transportes a fixação do montante das taxas através de despacho ministerial, pelo que a ADIF, que é o gestor da infraestrutura, está apenas encarregada da cobrança das taxas, e, por outro, não é compatível com a exigência da autonomia de gestão do gestor.

    38

    A este respeito, a Comissão e o Reino de Espanha não estão de acordo quanto à questão de saber qual a interpretação que deve ser dada à expressão «[a] determinação das taxas» que figura no artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14. Segundo este Estado-Membro, essa expressão refere-se apenas à fixação da taxa concreta devida pela utilização da infraestrutura em cada caso específico, e não à determinação do montante das taxas com base no quadro de tarificação fixado pelos Estados-Membros. Com efeito, em Espanha, essa taxa é de natureza fiscal e a sua determinação cabe exclusivamente ao Estado.

    39

    Por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, os Estados-Membros devem instituir um quadro para a tarificação e podem igualmente aprovar regras de tarificação específicas, respeitando a independência de gestão do gestor da infraestrutura. Nos termos desta disposição, cabe a este último, por um lado, determinar a taxa de utilização da infraestrutura e, por outro, proceder à sua cobrança.

    40

    Antes de mais, há que observar que o referido artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14 fala unicamente de «determinação das taxas», sem mais esclarecimentos e sem estabelecer uma distinção entre diferentes tipos ou níveis de determinação das taxas, contrariamente ao que prevê a legislação espanhola pertinente.

    41

    Seguidamente, deve salientar-se que o mesmo artigo 4.o estabelece uma repartição de competências entre os Estados-Membros e o gestor da infraestrutura, no que se refere aos regimes de tarificação. Com efeito, cabe aos Estados-Membros definir um quadro para a tarificação, ao passo que a determinação das taxas e a sua cobrança incumbem ao gestor da infraestrutura.

    42

    Para respeitar essa repartição de competências e como referiu o advogado-geral no n.o 45 das suas conclusões, é necessário dar ao termo «determinação» um sentido mais amplo do que ao de «liquidação» que é referido no artigo 76.o, n.o 1, da LSF. Com efeito, a liquidação mais não é do que uma etapa do procedimento de cobrança das taxas, como indica a Comissão, devendo, portanto, ser considerada abrangida pelo termo «cobrança» que figura no artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14.

    43

    Por último, esta interpretação é confirmada pelos objetivos da referida diretiva e pelo contexto regulamentar em que se insere o seu artigo 4.o, n.o 1.

    44

    Com efeito, em primeiro lugar, um dos objetivos prosseguidos pelo regime de tarificação instituído pela Diretiva 2001/14 é assegurar a independência de gestão do gestor da infraestrutura. Por outras palavras, este deve utilizar o regime de tarificação como instrumento de gestão, como refere o advogado-geral no n.o 50 das suas conclusões. Resulta assim do considerando 12 desta diretiva que, no quadro estabelecido pelos Estados-Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem incentivar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizarem a utilização da sua infraestrutura. Ora, esses gestores não podem atingir essa otimização através do regime de tarificação, se a sua função se limitar a calcular o montante da taxa em cada caso específico, aplicando uma fórmula previamente fixada por despacho ministerial. Os ditos gestores devem, portanto, dispor de uma certa margem de manobra na fixação do montante das taxas.

    45

    Do mesmo modo, o considerando 34 da referida diretiva enuncia que o investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e que os regimes de tarificação devem proporcionar incentivos para que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes. Os gestores não podem ser incentivados a investir na infraestrutura, se não dispuserem de uma certa margem de manobra no quadro do regime de tarificação.

    46

    Em segundo lugar, outras disposições da Diretiva 2001/14 apoiam uma interpretação mais ampla da expressão «determinação das taxas» que figura no artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva do que a que é preconizada pelo Reino de Espanha. Com efeito, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva, o gestor da infraestrutura terá acesso a incentivos conducentes à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura e do nível das taxas de acesso à mesma. O artigo 8.o, n.o 2, da mesma diretiva dispõe que o gestor da infraestrutura pode fixar ou manter taxas mais elevadas com base nos custos a longo prazo de certos projetos de investimento. O artigo 9.o da dita diretiva autoriza o gestor da infraestrutura a instituir regimes de descontos nas taxas pagas pelos operadores.

    47

    Do mesmo modo, decorre do artigo 30.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/14 que as decisões tomadas pelo gestor da infraestrutura, no que se refere ao regime de tarificação ou ao nível ou à estrutura das taxas de utilização da infraestrutura, podem ser objeto de recurso para a entidade reguladora. Ora, a existência do próprio controlo dessas decisões não teria sentido se a função do gestor se limitasse, como pretende o Reino de Espanha, à fixação da taxa concreta pela aplicação de uma fórmula previamente estabelecida por despacho ministerial.

    48

    Além disso, em conformidade com a regulamentação espanhola pertinente, é o Ministério do Equipamento e dos Transportes que atua como entidade reguladora. Ora, se é verdade que o artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 autoriza a designação do Ministério encarregado das questões relacionadas com os transportes como entidade reguladora, a mesma disposição exige, em contrapartida, que esta entidade seja independente dos organismos de tarificação. Não se pode, portanto, considerar que esse Ministério exerce a sua função de tutela em conformidade com a referida disposição, na medida em que, concomitantemente com esta função de tutela, determina também os montantes das taxas.

    49

    Resulta das considerações que precedem que, para garantir o objetivo de independência de gestão do gestor da infraestrutura, este deve dispor, no quadro da tarificação como definido pelos Estados-Membros, de uma certa margem de manobra para a determinação do montante das taxas, de maneira a permitir-lhe utilizá-la como instrumento de gestão.

    50

    No caso em apreço, decorre dos autos que a ADIF não dispõe da independência de gestão necessária para o exercício das suas competências, uma vez que estas se limitam à fixação da taxa concreta em cada caso específico, mediante a aplicação de uma fórmula previamente estabelecida por despacho ministerial. Consequentemente, há que concluir que a legislação espanhola não está, a este respeito, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva de 2001/14.

    51

    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelas dificuldades que o Reino de Espanha alega ter encontrado na adaptação da legislação nacional às exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14. Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e dos prazos fixados por uma diretiva (v., nomeadamente, acórdãos de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, C-369/07, Colet., p. I-5703, n.o 45, e de 25 de fevereiro de 2010, Comissão/Espanha, C-295/09, n.o 10).

    52

    Resulta destas considerações que a primeira acusação da Comissão em apoio da sua ação deve ser julgada procedente.

    Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 11.o da Diretiva 2001/14

    Argumentos das partes

    53

    A Comissão critica a legislação espanhola por não conter nenhuma medida suscetível de aplicar o artigo 11.o da Diretiva 2001/14, que prevê o estabelecimento de um regime de melhoria do desempenho.

    54

    Com efeito, os artigos 88.° e 89.° da LSF, que qualificam determinadas infrações à regulamentação ferroviária, respetivamente, de muito graves e graves, não fazem parte do «regime de tarificação». As coimas a que essas infrações podem dar lugar permitem aplicar sanções às empresas de transporte ferroviário, e não ao gestor da infraestrutura.

    55

    A Comissão considera também que o artigo 73.o, n.o 5, da LSF não basta, em si, para aplicar o regime de melhoria do desempenho previsto no artigo 11.o da Diretiva 2001/14, na medida em que se limita a prever a possibilidade de instituir esse regime. Ora, a instituição desse regime não é uma prerrogativa cujo exercício seja deixado à discricionariedade dos Estados-Membros, mas sim uma exigência imposta por esta diretiva.

    56

    A Comissão observa também que, no ponto 6.2.5 da declaração relativa à rede ferroviária para 2010, intitulado «Regime de medidas de melhoria de desempenho», a ADIF apresenta a instituição do regime de medidas de incentivo como uma mera possibilidade, e não como uma obrigação imposta pelo artigo 11.o da Diretiva 2001/14.

    57

    O Reino de Espanha contesta a alegação de que a legislação nacional não contém disposições com vista à transposição do artigo 11.o da Diretiva 2001/14.

    58

    Em primeiro lugar, o referido Estado-Membro alega que o artigo 73.o, n.o 5, da LSF prevê a possibilidade de se ter em conta, para a fixação do montante das taxas ferroviárias, considerações que reflitam o nível de congestionamento da infraestrutura, o desenvolvimento de novos serviços de transporte ferroviário e a necessidade de incentivar a utilização de linhas subutilizadas, garantindo, em quaisquer circunstâncias, uma concorrência ótima entre as empresas de transporte ferroviário.

    59

    Em segundo lugar, os artigos 88.° e 89.° da LSF qualificam de infrações administrativas determinados comportamentos relacionados com as perturbações da rede, que são objeto de sanção mediante a aplicação de coimas.

    60

    Em terceiro lugar, o Reino de Espanha alega que, em conformidade com o ponto 6.2.5 da declaração relativa à rede ferroviária para 2010, a ADIF pretende fidelizar as empresas de transporte ferroviário que assegurem um amplo respeito dos critérios na capacidade da infraestrutura atribuída. O referido ponto prossegue indicando, nomeadamente, que o artigo 11.o da Diretiva 2001/14 prevê também a «possibilidade de incentivar», através de um regime de melhoria do desempenho, a redução ao mínimo das perturbações e de, assim, melhorar o funcionamento da rede ferroviária.

    61

    Em quarto lugar, o referido Estado-Membro sustenta que qualquer empresa de transporte ferroviário que requeira um canal horário e o obtenha deve pagar uma taxa de reserva no momento da sua atribuição, antes da utilização efetiva desse canal. O pagamento desta taxa implica um compromisso por parte da empresa de transporte ferroviário de proceder à utilização da rede que solicitou, sob pena de perder a taxa paga.

    62

    Na audiência, a República Francesa alegou que o artigo 11.o da Diretiva 2001/14 deve ser interpretado no sentido de que fixa um objetivo e impõe aos Estados-Membros uma obrigação de meios a aplicar para tentar alcançar esse objetivo. Como o Reino de Espanha, considera que esta diretiva não impõe que as medidas adotadas se inscrevam necessariamente no quadro de um regime independente de melhoria do desempenho.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    63

    Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, os regimes de tarificação da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizar as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Segundo esta mesma disposição, esse regime pode incluir sanções, compensações e prémios.

    64

    Daqui decorre, por um lado, que os Estados-Membros devem incluir nos regimes de tarificação da infraestrutura um regime de melhoria do desempenho para incentivar tanto as empresas de transporte ferroviário como o gestor da infraestrutura a melhorar o desempenho da rede. Por outro lado, no que respeita às medidas de incentivo suscetíveis de ser postas em prática pelos Estados-Membros, estes continuam a dispor de liberdade para escolher as medidas concretas que fazem parte do referido regime, desde que constituam um conjunto coerente e transparente que possa ser qualificado de «regime de melhoria do desempenho», como observou o advogado-geral nos n.os 69 e 70 das suas conclusões.

    65

    Para examinar a procedência da segunda acusação suscitada pela Comissão, há que verificar, portanto, se as medidas que a legislação espanhola prevê a este respeito estão em conformidade com as exigências do artigo 11.o da Diretiva 2001/14.

    66

    No que se refere à possibilidade prevista no artigo 73.o, n.o 5, da LSF, de ter em conta considerações relativas à melhoria do desempenho da rede e ao desenvolvimento da mesma para fixar o montante das taxas, há que observar que, embora esta disposição faça parte do regime de tarificação, a mera possibilidade de introduzir um regime de melhoria do desempenho não basta para executar o artigo 11.o da Diretiva 2001/14. Com efeito, como declarado no n.o 64 do presente acórdão, este artigo exige que os Estados-Membros instituam um regime de melhoria do desempenho no regime de tarificação. De igual modo, há que julgar improcedente, pelo mesmo motivo, o argumento do Reino de Espanha respeitante à declaração relativa à rede ferroviária para 2010.

    67

    No que se refere às sanções previstas nos artigos 88.° e 89.° da LSF, deve salientar-se que estas não fazem parte do regime de tarificação, uma vez que figuram no título VII da LSF, intitulado «Regime de sanções e de fiscalização». Além disso, estas sanções punem certas infrações relacionadas com as perturbações da rede que são causadas apenas pelas empresas de transporte ferroviário, e não pelo gestor da infraestrutura.

    68

    Por último, no que diz respeito à taxa de reserva prevista na legislação espanhola, importa observar que a possibilidade de o gestor da infraestrutura cobrar essa taxa a título da capacidade ferroviária solicitada, mas não utilizada, como prevista no artigo 12.o da Diretiva 2001/14, tem uma finalidade mais limitada do que a de incentivar a redução das perturbações e a melhoria do desempenho da rede, isto é, a de utilizar de modo eficiente a capacidade.

    69

    Resulta das considerações que precedem que a segunda acusação da Comissão deve ser acolhida.

    Quanto à quinta acusação, relativa à violação dos artigos 13.°, n.o 2, e 14.°, n.o 1, da Diretiva 2001/14

    Argumentos das partes

    70

    A Comissão alega que a prioridade de repartição de capacidade da infraestrutura referida no artigo 11.o, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 (a seguir «primeira prioridade de repartição») é contrária ao artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que deixa ao Ministro do Equipamento e dos Transportes uma apreciação discricionária, apesar de o referido artigo 14.o dispor que devem ser fixadas regras específicas de repartição de capacidade.

    71

    A Comissão sustenta igualmente que a prioridade de repartição de capacidade da infraestrutura referida no artigo 11.o, alínea b), ponto 4, do referido despacho ministerial (a seguir «quarta prioridade de repartição) é, por um lado, contrária ao artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, na medida em que, na prática, pode levar a que uma empresa de transporte ferroviário beneficie do direito de utilizar indefinidamente um canal horário, privando assim de efeito útil a proibição, estabelecida nesta disposição, segundo a qual os canais horários não podem ser concedidos por uma duração superior ao simples período de vigência do horário de serviço.

    72

    Por outro lado, a Comissão considera que a quarta prioridade de repartição não respeita o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que, na prática, pode impedir o acesso a canais horários mais atrativos para os novos utilizadores, geralmente empresas estabelecidas em Estados-Membros que não o Reino de Espanha, e manter as vantagens dos utilizadores habituais, que são geralmente empresas espanholas, o que é discriminatório.

    73

    O Reino de Espanha contesta que a primeira prioridade de repartição seja contrária ao artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14. Com efeito, o critério de repartição aí enunciado deixa em aberto a possibilidade de, em circunstâncias especiais ou excecionais, dar prioridade a outro tipo de serviços, diferente dos serviços de transporte de mercadorias, a fim de evitar um congestionamento da rede ferroviária. Especifica que, desde a entrada em vigor do Despacho Ministerial 897/2005, o Ministério do Equipamento e dos Transportes nunca utilizou esta possibilidade, o que demonstra a ausência de qualquer exercício de poder discricionário na matéria.

    74

    O referido Estado-Membro contesta também que a quarta prioridade de repartição seja contrária aos artigos 13.°, n.o 2, e 14.°, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

    75

    Com efeito, o critério previsto no artigo 11.o, alínea b), ponto 4, do referido despacho ministerial é um mero critério, entre outros, que permite repartir a capacidade quando esta não for suficiente ou quando haja vários pedidos para um mesmo canal horário. Segundo o Reino de Espanha, este critério implica uma discriminação racional e justa, na medida em que é razoável ter em conta o histórico de utilização efetiva da capacidade dos operadores, a fim de otimizar a utilização da rede ferroviária.

    76

    O referido Estado-Membro remete para o artigo 22.o, n.o 4, da Diretiva 2001/14, segundo o qual, em caso de congestionamento da infraestrutura, os critérios de prioridade têm em conta a importância do serviço para a sociedade, em relação a qualquer outro serviço que seja excluído em virtude do primeiro.

    77

    Segundo o mesmo Estado-Membro, o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14 não proíbe de maneira absoluta que uma empresa goze indefinidamente de um canal horário. Esta interpretação é confirmada pelo facto de esta disposição prever, no segundo parágrafo, a possibilidade de celebrar acordos-quadro relativos à utilização da capacidade da infraestrutura ferroviária em causa, por uma duração superior a um único período de vigência do horário de serviço.

    78

    Na réplica, a Comissão alega, no que diz respeito à primeira prioridade de repartição, que o artigo 11.o, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 não faz nenhuma referência à existência de circunstâncias excecionais ou específicas como as referidas pelo Reino de Espanha. Acrescenta que a simples existência da primeira prioridade constitui, em si, uma fonte de insegurança jurídica para os operadores.

    79

    No que se refere à quarta prioridade de repartição, a Comissão salienta que o artigo 12.o da Diretiva 2001/14 prevê expressamente a possibilidade de os gestores da infraestrutura aplicarem uma taxa de reserva, a fim de rentabilizar ao máximo a exploração do sistema ferroviário.

    80

    A referida instituição especifica que o artigo 22.o da Diretiva 2001/14 só é aplicável no caso de uma infraestrutura congestionada, ao passo que o artigo 11.o, alínea b), ponto 4, do Despacho Ministerial 897/2005 é aplicável não só neste caso mas também, de maneira geral, desde que haja sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário. Em qualquer caso, nenhuma das disposições deste artigo 22.o permite aos Estados-Membros adotarem um critério de repartição como o que é objeto da presente acusação.

    81

    A Comissão sustenta que a possibilidade, prevista no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, de celebrar acordos-quadro constitui uma exceção à regra geral, e a aplicação desta exceção está subordinada às condições previstas no artigo 17.o da Diretiva 2001/14.

    82

    Na tréplica, o Reino de Espanha alega que, no que respeita à primeira prioridade de repartição, embora o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 não preveja de forma explícita a situação em que circunstâncias excecionais impõem que se modifiquem as prioridades previamente fixadas, também não proíbe que essa situação seja tida em conta.

    83

    No que diz respeito à quarta prioridade de repartição, o referido Estado-Membro considera que o facto de tomar em consideração canais horários equivalentes, quando é tido em conta o histórico de utilização, acrescenta um elemento de insegurança jurídica, na medida em que a natureza equivalente destes não está definida.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    84

    Em primeiro lugar, no que respeita à argumentação da Comissão relativa à não conformidade da primeira prioridade de repartição com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, importa recordar que o artigo 11.o, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 prevê que se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede estiver congestionada, o Ministro do Equipamento e dos Transportes pode, se for caso disso, fixar prioridades de repartição para os diferentes tipos de serviços em cada linha, tendo especialmente em conta os serviços de transporte de mercadorias.

    85

    O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 prevê expressamente que os Estados-Membros devem fixar regras específicas de repartição da capacidade. Segundo esta disposição, estes Estados podem também definir um quadro para a repartição da capacidade, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440.

    86

    Importa salientar que, segundo o considerando 13 da Diretiva 2001/14, os regimes de repartição de capacidade devem proporcionar indicações claras e consistentes que permitam às empresas de transporte ferroviário tomar decisões racionais.

    87

    Daqui resulta que as regras específicas de repartição da capacidade previstas no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 não podem ser interpretadas no sentido de que conferem um poder discricionário ao Ministério do Equipamento e dos Transportes para atribuir as capacidades da infraestrutura, como observou o advogado-geral no n.o 91 das suas conclusões.

    88

    Esta constatação é confirmada pelo artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, que dispõe que só o gestor da infraestrutura pode dar prioridade a serviços específicos, mas unicamente nos casos visados nos artigos 22.° e 24.° desta diretiva, relativos, respetivamente, ao congestionamento da infraestrutura e à infraestrutura especializada.

    89

    Daí decorre que não se pode considerar que o artigo 11.o, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 respeita a exigência prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, de que devem ser fixadas regras específicas de repartição de capacidade.

    90

    Esta constatação não é posta em causa pela interpretação que o Reino de Espanha faz da primeira prioridade de repartição, segundo a qual esta deixa em aberto a possibilidade de, em circunstâncias especiais ou excecionais, dar prioridade a outro tipo de serviço, diferente do de transporte de mercadorias. Com efeito, a redação do artigo 11.o, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 não faz nenhuma referência à existência de «circunstâncias especiais ou excecionais», uma vez que o único critério mencionado nesta disposição é o que consiste em ter em especial consideração os serviços de transporte de mercadorias. Também, o facto de esta mesma disposição nunca ter sido aplicada até agora pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes não anula de modo algum a possibilidade de este fixar, se for caso disso, prioridades de repartição suplementares nos termos da referida disposição. A mera existência desta primeira prioridade de repartição constitui, em si, uma fonte de insegurança jurídica para os operadores, como observa a Comissão, e não se pode considerar que respeita a exigência prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

    91

    Em segundo lugar, no que se refere, por um lado, à alegada não conformidade da quarta prioridade de repartição com o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, há que recordar, a este respeito, que, por força do primeiro parágrafo desta disposição, o período máximo de utilização de uma capacidade de infraestrutura específica sob a forma de canais horários corresponde a um único período de horário de serviço. O segundo parágrafo da mesma disposição prevê que uma empresa ferroviária pode, por força de um acordo-quadro, conforme previsto no artigo 17.o dessa diretiva, utilizar a capacidade de infraestrutura ferroviária por uma duração superior a um único período de vigência do horário de serviço.

    92

    Como decorre, nomeadamente, do considerando 11 da Diretiva 2001/14, um dos objetivos desta é assegurar um acesso equitativo e não discriminatório das empresas de transporte ferroviário à rede ferroviária. À luz deste objetivo, a proibição de utilizar a capacidade de infraestrutura por uma duração superior ao período de vigência do horário de serviço, prevista no artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta diretiva, destina-se a evitar que uma empresa beneficie do direito de utilizar indefinidamente um canal horário. Contudo, o segundo parágrafo do mesmo número admite uma exceção a essa proibição, desde que tenha sido celebrado um acordo-quadro entre o gestor da infraestrutura e a empresa de transporte ferroviário, conforme previsto no artigo 17.o da mesma diretiva.

    93

    A este respeito, há que observar que a legislação espanhola pertinente, a saber, o artigo 11.o, alínea b), ponto 4, do Despacho Ministerial 897/2005, prevê, se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede estiver congestionada, a tomada em consideração da repartição e da utilização efetiva, pelo requerente, de horários de serviço anteriores aos canais horários cuja utilização é requerida, sem que esta tomada em consideração esteja subordinada à celebração de um acordo-quadro.

    94

    Por outro lado, no que se refere ao argumento da Comissão relativo ao alegado caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição, há que recordar que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 dispõe que o gestor da infraestrutura deve garantir, em especial, que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito da União.

    95

    A este respeito, há que salientar, como o próprio Reino de Espanha, aliás, reconhece, que o critério de utilização efetiva da rede, enquanto critério de repartição de capacidade da infraestrutura, é discriminatório na medida em que, quando haja sobreposição de pedidos para um mesmo canal ou quando a rede esteja congestionada, conduz à manutenção de vantagens para os utilizadores habituais e ao bloqueio do acesso dos novos utilizadores aos canais horários mais atrativos.

    96

    O referido Estado-Membro justifica este caráter discriminatório com a prossecução do objetivo que consiste em garantir uma utilização mais eficiente das infraestruturas.

    97

    Contudo, mesmo admitindo que esse objetivo seja suscetível de justificar o caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição, basta referir que, para o atingir, não é de forma alguma necessário que a medida em causa provoque uma discriminação entre os operadores da rede nem que bloqueie o acesso de novos utilizadores à mesma.

    98

    Com efeito, a Diretiva 2001/14 contém disposições específicas que visam incentivar a utilização eficiente da capacidade da infraestrutura, sem deixar de garantir um acesso equitativo e não discriminatório à rede ferroviária, como observou o advogado-geral no n.o 97 das suas conclusões. A título de exemplo, o artigo 27.o, n.o 2, desta diretiva prevê a possibilidade de o gestor da infraestrutura definir as condições em que serão tidos em conta os anteriores níveis de utilização dos canais horários, ao determinar as prioridades para o processo de repartição de capacidade. De igual modo, o artigo 12.o da mesma diretiva dispõe que o gestor da infraestrutura pode aplicar uma taxa de reserva sobre a capacidade pedida, mas que não foi utilizada, para incentivar a utilização eficiente da capacidade da infraestrutura.

    99

    Além disso, o caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição não pode ser justificado pela sua alegada conformidade com o artigo 22.o, n.o 4, da Diretiva 2001/14, segundo o qual, em caso de congestionamento da infraestrutura, os critérios de prioridade têm em conta a importância do serviço para a sociedade, em relação a qualquer outro serviço que seja excluído. Com efeito, a este respeito, basta referir que esta disposição não prevê nenhum critério de repartição como o visado pela quarta prioridade de repartição, na medida em que, em conformidade com o segundo parágrafo da dita disposição, em caso de infraestrutura congestionada, a repartição de capacidade da infraestrutura deve ser efetuada «em condições não discriminatórias».

    100

    Resulta das considerações que precedem, que a quinta acusação da presente ação deve ser acolhida. Por conseguinte, há que julgar procedente na íntegra a ação da Comissão.

    101

    Consequentemente, há que declarar que o Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 4.°, n.o 1, 11.°, 13.°, n.o 2, e 14.°, n.o 1, da Diretiva 2001/14, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

    Quanto às despesas

    102

    Por força do disposto no artigo 138,°, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que o condenar nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a República Checa e a República Francesa, que intervieram no processo, suportarão as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    O Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 4.°, n.o 1, 11.°, 13.°, n.o 2, e 14.°, n.o 1, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

     

    2)

    O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

     

    3)

    A República Checa e a República Francesa suportam as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Parte decisória

    Partes

    No processo C-483/10,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 6 de outubro de 2010,

    Comissão Europeia, representada por H. Støvlbæk e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta e B. Plaza Cruz, na qualidade de agentes,

    demandado,

    apoiado por:

    República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller e J. Očková, na qualidade de agentes,

    República Francesa, representada por G. de Bergues e M. Perrot, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), E. Levits, J.-J. Kasel e M. Berger, juízes,

    advogado-geral: N. Jääskinen,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 23 de maio de 2012,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão

    1. Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas para dar cumprimento:

    ¾ aos artigos 4.°, n.° 1, 11.°, 13.°, n.° 2, 14.°, n.° 1, e 30.º, n.° 1, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro 2007 (JO L 315, p. 44, a seguir «Diretiva 2001/14»), e

    ¾ ao artigo 10.°, n.° 7, da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 2006/103/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 344, a seguir «Diretiva 91/440»),

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    2. Nos termos do artigo 4.° da Diretiva 91/440, que figura na secção II desta diretiva, intitulada «Independência de gestão»:

    «1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo em matéria de gestão, administração e controlo administrativo, económico e contabilístico interno, por força do qual disponham, nomeadamente, de um património, um orçamento e uma contabilidade separados dos do Estado.

    2. O gestor da infraestrutura é responsável pela sua própria gestão, administração e controlo interno, no respeito do quadro e das regras específicas de tarificação e de repartição fixados pelos Estados-Membros.»

    3. Os considerandos 11 a 13 e 34 da Diretiva 2001/14 têm a seguinte redação:

    «(11) Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem proporcionar a todas as empresas um acesso equitativo e não discriminatório e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

    (12) No quadro estabelecido pelos Estados-Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem encorajar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizar a utilização da sua infraestrutura.

    (13) Os regimes de repartição de capacidade devem proporcionar às empresas de transporte ferroviário indicações claras e consistentes que lhes permitam tomar decisões racionais.

    […]

    (34) O investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem proporcionar incentivos a que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes.»

    4. O artigo 4.° da Diretiva 2001/14, intitulado «Fixação, determinação e cobrança de taxas», dispõe, no n.° 1:

    «Os Estados-Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.° da Diretiva 91/440/CEE.

    Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados-Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura.»

    5. O artigo 11.º da Diretiva 2001/14, intitulado «Regime de melhoria do desempenho», prevê, no n.° 1:

    «Os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizar as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária, através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Esse regime pode incluir sanções para atos que perturbem o funcionamento da rede, compensações para as empresas afetadas pelas perturbações e prémios para os desempenhos superiores às previsões.»

    6. O artigo 13.° da referida diretiva, intitulado «Direitos de capacidade», enuncia, no n.° 2:

    «O direito de utilização de uma capacidade de infraestrutura específica na forma de um traçado pode ser concedido aos candidatos por um período máximo correspondente ao período de vigência de um horário de serviço.

    O gestor da infraestrutura e um candidato podem celebrar um acordo-quadro, conforme previsto no artigo 17.°, para a utilização da capacidade na infraestrutura ferroviária em causa, de duração superior ao período de vigência de um horário de serviço.»

    7. Sob o título «Repartição da capacidade», o artigo 14.°, n.° 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

    «Os Estados-Membros podem definir um quadro para a repartição da capacidade de infraestrutura, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.° da Diretiva 91/440/CEE. Devem ser fixadas regras específicas de repartição da capacidade. O gestor da infraestrutura deve cumprir os procedimentos de repartição da capacidade e garantir em especial que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito comunitário.»

    Direito espanhol

    8. A Lei 39/2003, relativa ao setor ferroviário (Ley 39/2003 del Setor Ferroviario), de 17 de novembro de 2003 (BOE n.° 276, de 18 de novembro de 2003, p. 40532, a seguir «LSF»), enumera, no artigo 21.°, as competências e as funções do gestor da infraestrutura ferroviária, entre as quais figura a cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária.

    9. Por força do artigo 73.°, n.° 5, da LSF, é possível ter em conta, para a fixação do montante das taxas ferroviárias, de acordo com a exploração eficaz da rede ferroviária de interesse geral, considerações que refletem o nível de congestionamento da infraestrutura, o desenvolvimento de novos serviços de transporte ferroviário e a necessidade de incentivar a utilização de linhas subutilizadas, garantindo, em quaisquer circunstâncias, uma concorrência ótima entre as empresas de transporte ferroviário.

    10. O artigo 76.° da LSF dispõe, nos n. os  1 e 2:

    «1. A gestão das taxas pela utilização da infraestrutura ferroviária incumbe ao gestor desta, que pode exigir, no que se refere à taxa pela utilização das estações e de outras instalações ferroviárias, a apresentação de todos os documentos necessários para proceder às liquidações adequadas.

    2. As taxas podem ser liquidadas de forma individualizada ou conjunta, nos termos previstos no despacho ministerial que estabelece as modalidades de liquidação e fixa os prazos e meios que permitem a cobrança efetiva dos montantes exigíveis.»

    11. O artigo 77.°, n.° 1, da LSF prevê que a fixação dos montantes da taxa de utilização das linhas de caminhos de ferro pertencentes à rede ferroviária de interesse geral e da taxa de exploração das estações e outras instalações ferroviárias é efetuada por despacho ministerial.

    12. O artigo 81.°, n.° 1, alínea j), da LSF prevê, designadamente, que a fixação ou, se for o caso, a alteração do montante das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária são da competência do Ministério do Equipamento e dos Transportes.

    13. Os artigos 88.° e 89.° da LSF qualificam respetivamente de infrações administrativas muito graves ou graves, suscetíveis de dar lugar à aplicação de sanções, determinados comportamentos das empresas de transporte ferroviário relacionados com as perturbações do funcionamento da rede.

    14. O Decreto Real n.° 2395/2004, de 30 de dezembro de 2004, que aprova o Estatuto da empresa pública Administrador de Infraestructuras Ferroviarias (BOE n.° 315, de 31 de dezembro de 2004, p. 42785), comporta, em anexo, o Estatuto desta empresa pública (a seguir «ADIF»), cujo artigo 1.° precisa que esta empresa é um organismo público, equiparável à categoria das empresas públicas previstas no artigo 43.°, n.° 1, alínea b), da Lei 6, de 14 de abril de 1997, relativa à organização e ao funcionamento da Administração Geral do Estado. A ADIF é tutelada pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes, que é responsável, em conformidade com o n.° 2 do mesmo artigo 43.°, pela direção estratégica, pela avaliação e pelo controlo da sua atividade.

    15. O estatuto da ADIF enumera, no seu artigo 3.°, n.º 1, as competências e as funções desta entidade, entre as quais figura a cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária.

    16. O Decreto Real n.° 2396/2004, de 30 de dezembro de 2004, que aprova o Estatuto da empresa pública RENFE-Operadora (BOE n.° 315, de 31 de dezembro de 2004, p. 42797), dispõe que a RENFE-Operadora é uma empresa pública tutelada pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes, que é responsável pela direção estratégica, pela avaliação e pelo controlo da sua atividade.

    17. O Despacho Ministerial FOM/898/2005, de 8 de abril de 2005 (BOE n.° 85, de 9 de abril de 2005, p. 12331), fixa os montantes das taxas de utilização, por um lado, das linhas de caminho de ferro pertencentes à rede ferroviária de interesse geral e, por outro, das estações e outras instalações ferroviárias.

    18. O Despacho Ministerial FOM/897/2005, de 7 de abril de 2005, relativo à declaração sobre a rede e ao processo de repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária (BOE n.° 85, de 9 de abril de 2005, p. 12324, a seguir «Despacho Ministerial 897/2005»), prevê, no seu artigo 11.°:

    «O gestor da infraestrutura ferroviária reparte a capacidade da infraestrutura, do seguinte modo:

    […]

    b) Se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede tiver sido declarada congestionada, serão tomadas em consideração as seguintes prioridades para a repartição, por ordem decrescente:

    1. As eventualmente fixadas pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes para os diferentes tipos de serviços em cada linha, tendo especialmente em conta os serviços de transporte de mercadorias;

    […]

    4. A repartição e utilização efetiva, pelo requerente, de horários de serviço anteriores aos canais horários cuja utilização é requerida.

    […]»

    Procedimento pré-contencioso e processo no Tribunal de Justiça

    19. Em 15 de junho de 2007, a Comissão enviou às autoridades espanholas um questionário relativo à aplicação, nomeadamente, das Diretivas 91/440 e 2001/14.

    20. Na sequência de uma troca de correspondência com as referidas autoridades, a Comissão, por carta de 27 de junho de 2008, enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir, manifestando-lhe dúvidas sobre a compatibilidade de determinados aspetos da regulamentação espanhola em matéria ferroviária com essas diretivas.

    21. Por carta de 16 de outubro de 2008, o referido Estado-Membro respondeu à notificação para cumprir. Além disso, forneceu informações complementares à Comissão, por cartas de 5 de fevereiro e 13 de julho de 2009.

    22. Por carta de 9 de outubro de 2009, a Comissão enviou ao Reino de Espanha um parecer fundamentado no qual declarava que a regulamentação espanhola em matéria ferroviária não estava em conformidade com as Diretivas 91/440 e 2001/14 e o convidava a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer no prazo de dois meses contados a partir da sua notificação. Por carta de 16 de dezembro de 2009, este Estado-Membro respondeu ao referido parecer.

    23. Não satisfeita com a resposta do Reino de Espanha ao parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente ação, que se baseia em cinco acusações.

    24. Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro e 8 de setembro de 2011, respetivamente, foram admitidas as intervenções da República Checa e da República Francesa em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

    25. Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de março de 2012, a Comissão informou este Tribunal de que, na sequência da adoção, pelo Reino de Espanha, da Lei 2/2011, relativa à economia sustentável (Ley 2/2011, de Economía Sostenible), de 4 de março de 2011 (BOE n.° 55, de 5 de março de 2011, p. 25033), desistia da terceira e quarta acusações da sua ação, relativas, respetivamente, ao artigo 30.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 e ao artigo 10.°, n.° 7, da Diretiva 91/440.

    Quanto à ação

    Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 200 1/14

    Argumentos das partes

    26. A Comissão alega que a legislação espanhola não é compatível com o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que o montante das taxas é inteiramente determinado por despacho ministerial, com a consequência de a única função atribuída ao gestor da infraestrutura, a saber a ADIF, ser a cobrança das taxas. Com efeito, esta limita-se a calcular o montante da taxa em cada caso concreto, aplicando uma fórmula previamente fixada e de maneira exaustiva pela autoridade ministerial. Assim, esta entidade não dispõe de nenhuma margem de discricionariedade para adaptar o montante da taxa em cada caso concreto.

    27. Segundo a Comissão, a regulamentação espanhola também não cumpre a exigência relativa à autonomia de gestão do gestor da infraestrutura, uma vez que, ao atribuir em exclusivo à autoridade ministerial a fixação do montante das taxas, priva o referido gestor de um instrumento de gestão essencial.

    28. Na opinião da Comissão, a interpretação do termo «determinação» que figura no artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, preconizada pelo Reino de Espanha, é excessivamente restritiva, tanto no que se refere ao sentido corrente deste termo como à exigência, enunciada no primeiro parágrafo do mesmo número, de que deve ser respeitada a autonomia de gestão do gestor da infraestrutura. Este artigo 4.° prevê que a determinação da taxa de utilização da infraestrutura é da responsabilidade do gestor da infraestrutura, sem fazer distinção entre os diferentes tipos de determinação invocados por este Estado-Membro.

    29. Além disso, a Comissão considera que a interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, invocada pelo referido Estado-Membro, não é compatível com as outras disposições desta diretiva, que pressupõem obrigatoriamente que as funções do gestor da infraestrutura não se limitam à liquidação e à cobrança das taxas.

    30. O Reino de Espanha sustenta que as taxas foram definidas como impostos. Segundo a legislação espanhola, trata-se, portanto, de impostos cujo facto gerador é a utilização privada do domínio público ferroviário. Assim, os elementos essenciais destas taxas devem ser regulados por lei e, por sua vez, o seu montante concreto deve ser fixado por uma norma administrativa geral, a saber, pelo menos, um despacho ministerial.

    31. Este Estado-Membro refere que a ADIF é uma empresa pública que, segundo a legislação nacional, deve necessariamente ser tutelada por um Ministério e, consequentemente, não está habilitada a adotar disposições legislativas, dado que esta competência pertence ao Ministério que a tutela. O artigo 76.° da LSF atribui à ADIF a gestão das ditas taxas, o que implica certas funções de controlo, de liquidação e de fixação da taxa devida em cada caso concreto, bem como a sua cobrança. A ADIF pode, além disso, propor ao Ministério do Equipamento e dos Transportes que sejam aplicados outros tipos de taxas quando da reclassificação de uma linha ou de uma estação ferroviária.

    32. O Reino de Espanha considera que o termo «determinação», mencionado no artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, não exige necessariamente a fixação do montante das taxas. Na sua opinião, há que entender que esta disposição se refere unicamente à fixação da taxa concreta devida a título da utilização da infraestrutura, em cada caso específico, e à sua cobrança.

    33. Consequentemente, a legislação espanhola faz uma distinção entre, por um lado, a determinação das taxas em geral, ao estabelecer o quadro e o regime de tarificação correspondentes às mesmas, e a determinação dos regimes de tarificação da infraestrutura, que são da responsabilidade do Ministro do Equipamento e dos Transportes, e, por outro, a fixação da taxa concreta correspondente a cada caso específico, que incumbe à ADIF.

    34. Baseando-se nesta disposição, o referido Estado-Membro considera que a interpretação que faz do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 é compatível com as outras disposições desta diretiva.

    35. O Reino de Espanha salienta também que a interpretação proposta pela Comissão é dificilmente compatível com o quadro atual da legislação espanhola, a não ser que a regulamentação administrativa e fiscal nacional seja radicalmente alterada.

    36. O Governo checo salienta que, ao instituir o quadro para a tarificação, os Estados-Membros devem assegurar «que as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo» e não o responsável da infraestrutura ferroviária. Daí conclui que a intervenção do Estado-Membro em causa, através da fixação das tarificações específicas, é um instrumento aceitável à luz das exigências da Diretiva 2001/14.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    37. Com a sua primeira acusação, a Comissão sustenta que a legislação espanhola não está em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que, por um lado, atribui ao Ministério do Equipamento e dos Transportes a fixação do montante das taxas através de despacho ministerial, pelo que a ADIF, que é o gestor da infraestrutura, está apenas encarregada da cobrança das taxas, e, por outro, não é compatível com a exigência da autonomia de gestão do gestor.

    38. A este respeito, a Comissão e o Reino de Espanha não estão de acordo quanto à questão de saber qual a interpretação que deve ser dada à expressão «[a] determinação das taxas» que figura no artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14. Segundo este Estado-Membro, essa expressão refere-se apenas à fixação da taxa concreta devida pela utilização da infraestrutura em cada caso específico, e não à determinação do montante das taxas com base no quadro de tarificação fixado pelos Estados-Membros. Com efeito, em Espanha, essa taxa é de natureza fiscal e a sua determinação cabe exclusivamente ao Estado.

    39. Por força do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, os Estados-Membros devem instituir um quadro para a tarificação e podem igualmente aprovar regras de tarificação específicas, respeitando a independência de gestão do gestor da infraestrutura. Nos termos desta disposição, cabe a este último, por um lado, determinar a taxa de utilização da infraestrutura e, por outro, proceder à sua cobrança.

    40. Antes de mais, há que observar que o referido artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14 fala unicamente de «determinação das taxas», sem mais esclarecimentos e sem estabelecer uma distinção entre diferentes tipos ou níveis de determinação das taxas, contrariamente ao que prevê a legislação espanhola pertinente.

    41. Seguidamente, deve salientar-se que o mesmo artigo 4.° estabelece uma repartição de competências entre os Estados-Membros e o gestor da infraestrutura, no que se refere aos regimes de tarificação. Com efeito, cabe aos Estados-Membros definir um quadro para a tarificação, ao passo que a determinação das taxas e a sua cobrança incumbem ao gestor da infraestrutura.

    42. Para respeitar essa repartição de competências e como referiu o advogado-geral no n.° 45 das suas conclusões, é necessário dar ao termo «determinação» um sentido mais amplo do que ao de «liquidação» que é referido no artigo 76.°, n.° 1, da LSF. Com efeito, a liquidação mais não é do que uma etapa do procedimento de cobrança das taxas, como indica a Comissão, devendo, portanto, ser considerada abrangida pelo termo «cobrança» que figura no artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14.

    43. Por último, esta interpretação é confirmada pelos objetivos da referida diretiva e pelo contexto regulamentar em que se insere o seu artigo 4.°, n.° 1.

    44. Com efeito, em primeiro lugar, um dos objetivos prosseguidos pelo regime de tarificação instituído pela Diretiva 2001/14 é assegurar a independência de gestão do gestor da infraestrutura. Por outras palavras, este deve utilizar o regime de tarificação como instrumento de gestão, como refere o advogado-geral no n.° 50 das suas conclusões. Resulta assim do considerando 12 desta diretiva que, no quadro estabelecido pelos Estados-Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem incentivar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizarem a utilização da sua infraestrutura. Ora, esses gestores não podem atingir essa otimização através do regime de tarificação, se a sua função se limitar a calcular o montante da taxa em cada caso específico, aplicando uma fórmula previamente fixada por despacho ministerial. Os ditos gestores devem, portanto, dispor de uma certa margem de manobra na fixação do montante das taxas.

    45. Do mesmo modo, o considerando 34 da referida diretiva enuncia que o investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e que os regimes de tarificação devem proporcionar incentivos para que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes. Os gestores não podem ser incentivados a investir na infraestrutura, se não dispuserem de uma certa margem de manobra no quadro do regime de tarificação.

    46. Em segundo lugar, outras disposições da Diretiva 2001/14 apoiam uma interpretação mais ampla da expressão «determinação das taxas» que figura no artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva do que a que é preconizada pelo Reino de Espanha. Com efeito, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, desta diretiva, o gestor da infraestrutura terá acesso a incentivos conducentes à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura e do nível das taxas de acesso à mesma. O artigo 8.°, n.° 2, da mesma diretiva dispõe que o gestor da infraestrutura pode fixar ou manter taxas mais elevadas com base nos custos a longo prazo de certos projetos de investimento. O artigo 9.° da dita diretiva autoriza o gestor da infraestrutura a instituir regimes de descontos nas taxas pagas pelos operadores.

    47. Do mesmo modo, decorre do artigo 30.°, n. os  2 e 3, da Diretiva 2001/14 que as decisões tomadas pelo gestor da infraestrutura, no que se refere ao regime de tarificação ou ao nível ou à estrutura das taxas de utilização da infraestrutura, podem ser objeto de recurso para a entidade reguladora. Ora, a existência do próprio controlo dessas decisões não teria sentido se a função do gestor se limitasse, como pretende o Reino de Espanha, à fixação da taxa concreta pela aplicação de uma fórmula previamente estabelecida por despacho ministerial.

    48. Além disso, em conformidade com a regulamentação espanhola pertinente, é o Ministério do Equipamento e dos Transportes que atua como entidade reguladora. Ora, se é verdade que o artigo 30.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 autoriza a designação do Ministério encarregado das questões relacionadas com os transportes como entidade reguladora, a mesma disposição exige, em contrapartida, que esta entidade seja independente dos organismos de tarificação. Não se pode, portanto, considerar que esse Ministério exerce a sua função de tutela em conformidade com a referida disposição, na medida em que, concomitantemente com esta função de tutela, determina também os montantes das taxas.

    49. Resulta das considerações que precedem que, para garantir o objetivo de independência de gestão do gestor da infraestrutura, este deve dispor, no quadro da tarificação como definido pelos Estados-Membros, de uma certa margem de manobra para a determinação do montante das taxas, de maneira a permitir-lhe utilizá-la como instrumento de gestão.

    50. No caso em apreço, decorre dos autos que a ADIF não dispõe da independência de gestão necessária para o exercício das suas competências, uma vez que estas se limitam à fixação da taxa concreta em cada caso específico, mediante a aplicação de uma fórmula previamente estabelecida por despacho ministerial. Consequentemente, há que concluir que a legislação espanhola não está, a este respeito, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva de 2001/14.

    51. Esta conclusão não pode ser posta em causa pelas dificuldades que o Reino de Espanha alega ter encontrado na adaptação da legislação nacional às exigências do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14. Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e dos prazos fixados por uma diretiva (v., nomeadamente, acórdãos de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, C-369/07, Colet., p. I-5703, n.° 45, e de 25 de fevereiro de 2010, Comissão/Espanha, C-295/09, n.° 10).

    52. Resulta destas considerações que a primeira acusação da Comissão em apoio da sua ação deve ser julgada procedente.

    Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 11.° da Diretiva 2001/14

    Argumentos das partes

    53. A Comissão critica a legislação espanhola por não conter nenhuma medida suscetível de aplicar o artigo 11.° da Diretiva 2001/14, que prevê o estabelecimento de um regime de melhoria do desempenho.

    54. Com efeito, os artigos 88.° e 89.° da LSF, que qualificam determinadas infrações à regulamentação ferroviária, respetivamente, de muito graves e graves, não fazem parte do «regime de tarificação». As coimas a que essas infrações podem dar lugar permitem aplicar sanções às empresas de transporte ferroviário, e não ao gestor da infraestrutura.

    55. A Comissão considera também que o artigo 73.°, n.° 5, da LSF não basta, em si, para aplicar o regime de melhoria do desempenho previsto no artigo 11.° da Diretiva 2001/14, na medida em que se limita a prever a possibilidade de instituir esse regime. Ora, a instituição desse regime não é uma prerrogativa cujo exercício seja deixado à discricionariedade dos Estados-Membros, mas sim uma exigência imposta por esta diretiva.

    56. A Comissão observa também que, no ponto 6.2.5 da declaração relativa à rede ferroviária para 2010, intitulado «Regime de medidas de melhoria de desempenho», a ADIF apresenta a instituição do regime de medidas de incentivo como uma mera possibilidade, e não como uma obrigação imposta pelo artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

    57. O Reino de Espanha contesta a alegação de que a legislação nacional não contém disposições com vista à transposição do artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

    58. Em primeiro lugar, o referido Estado-Membro alega que o artigo 73.°, n.° 5, da LSF prevê a possibilidade de se ter em conta, para a fixação do montante das taxas ferroviárias, considerações que reflitam o nível de congestionamento da infraestrutura, o desenvolvimento de novos serviços de transporte ferroviário e a necessidade de incentivar a utilização de linhas subutilizadas, garantindo, em quaisquer circunstâncias, uma concorrência ótima entre as empresas de transporte ferroviário.

    59. Em segundo lugar, os artigos 88.° e 89.° da LSF qualificam de infrações administrativas determinados comportamentos relacionados com as perturbações da rede, que são objeto de sanção mediante a aplicação de coimas.

    60. Em terceiro lugar, o Reino de Espanha alega que, em conformidade com o ponto 6.2.5 da declaração relativa à rede ferroviária para 2010, a ADIF pretende fidelizar as empresas de transporte ferroviário que assegurem um amplo respeito dos critérios na capacidade da infraestrutura atribuída. O referido ponto prossegue indicando, nomeadamente, que o artigo 11.° da Diretiva 2001/14 prevê também a «possibilidade de incentivar», através de um regime de melhoria do desempenho, a redução ao mínimo das perturbações e de, assim, melhorar o funcionamento da rede ferroviária.

    61. Em quarto lugar, o referido Estado-Membro sustenta que qualquer empresa de transporte ferroviário que requeira um canal horário e o obtenha deve pagar uma taxa de reserva no momento da sua atribuição, antes da utilização efetiva desse canal. O pagamento desta taxa implica um compromisso por parte da empresa de transporte ferroviário de proceder à utilização da rede que solicitou, sob pena de perder a taxa paga.

    62. Na audiência, a República Francesa alegou que o artigo 11.° da Diretiva 2001/14 deve ser interpretado no sentido de que fixa um objetivo e impõe aos Estados-Membros uma obrigação de meios a aplicar para tentar alcançar esse objetivo. Como o Reino de Espanha, considera que esta diretiva não impõe que as medidas adotadas se inscrevam necessariamente no quadro de um regime independente de melhoria do desempenho.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    63. Em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, os regimes de tarificação da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizar as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Segundo esta mesma disposição, esse regime pode incluir sanções, compensações e prémios.

    64. Daqui decorre, por um lado, que os Estados-Membros devem incluir nos regimes de tarificação da infraestrutura um regime de melhoria do desempenho para incentivar tanto as empresas de transporte ferroviário como o gestor da infraestrutura a melhorar o desempenho da rede. Por outro lado, no que respeita às medidas de incentivo suscetíveis de ser postas em prática pelos Estados-Membros, estes continuam a dispor de liberdade para escolher as medidas concretas que fazem parte do referido regime, desde que constituam um conjunto coerente e transparente que possa ser qualificado de «regime de melhoria do desempenho», como observou o advogado-geral nos n. os  69 e 70 das suas conclusões.

    65. Para examinar a procedência da segunda acusação suscitada pela Comissão, há que verificar, portanto, se as medidas que a legislação espanhola prevê a este respeito estão em conformidade com as exigências do artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

    66. No que se refere à possibilidade prevista no artigo 73.°, n.° 5, da LSF, de ter em conta considerações relativas à melhoria do desempenho da rede e ao desenvolvimento da mesma para fixar o montante das taxas, há que observar que, embora esta disposição faça parte do regime de tarificação, a mera possibilidade de introduzir um regime de melhoria do desempenho não basta para executar o artigo 11.° da Diretiva 2001/14. Com efeito, como declarado no n.° 64 do presente acórdão, este artigo exige que os Estados-Membros instituam um regime de melhoria do desempenho no regime de tarificação. De igual modo, há que julgar improcedente, pelo mesmo motivo, o argumento do Reino de Espanha respeitante à declaração relativa à rede ferroviária para 2010.

    67. No que se refere às sanções previstas nos artigos 88.° e 89.° da LSF, deve salientar-se que estas não fazem parte do regime de tarificação, uma vez que figuram no título VII da LSF, intitulado «Regime de sanções e de fiscalização». Além disso, estas sanções punem certas infrações relacionadas com as perturbações da rede que são causadas apenas pelas empresas de transporte ferroviário, e não pelo gestor da infraestrutura.

    68. Por último, no que diz respeito à taxa de reserva prevista na legislação espanhola, importa observar que a possibilidade de o gestor da infraestrutura cobrar essa taxa a título da capacidade ferroviária solicitada, mas não utilizada, como prevista no artigo 12.° da Diretiva 2001/14, tem uma finalidade mais limitada do que a de incentivar a redução das perturbações e a melhoria do desempenho da rede, isto é, a de utilizar de modo eficiente a capacidade.

    69. Resulta das considerações que precedem que a segunda acusação da Comissão deve ser acolhida.

    Quanto à quinta acusação, relativa à violação dos artigos 13.°, n.° 2, e 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14

    Argumentos das partes

    70. A Comissão alega que a prioridade de repartição de capacidade da infraestrutura referida no artigo 11.°, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 (a seguir «primeira prioridade de repartição») é contrária ao artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que deixa ao Ministro do Equipamento e dos Transportes uma apreciação discricionária, apesar de o referido artigo 14.° dispor que devem ser fixadas regras específicas de repartição de capacidade.

    71. A Comissão sustenta igualmente que a prioridade de repartição de capacidade da infraestrutura referida no artigo 11.°, alínea b), ponto 4, do referido despacho ministerial (a seguir «quarta prioridade de repartição) é, por um lado, contrária ao artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, na medida em que, na prática, pode levar a que uma empresa de transporte ferroviário beneficie do direito de utilizar indefinidamente um canal horário, privando assim de efeito útil a proibição, estabelecida nesta disposição, segundo a qual os canais horários não podem ser concedidos por uma duração superior ao simples período de vigência do horário de serviço.

    72. Por outro lado, a Comissão considera que a quarta prioridade de repartição não respeita o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, na medida em que, na prática, pode impedir o acesso a canais horários mais atrativos para os novos utilizadores, geralmente empresas estabelecidas em Estados-Membros que não o Reino de Espanha, e manter as vantagens dos utilizadores habituais, que são geralmente empresas espanholas, o que é discriminatório.

    73. O Reino de Espanha contesta que a primeira prioridade de repartição seja contrária ao artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14. Com efeito, o critério de repartição aí enunciado deixa em aberto a possibilidade de, em circunstâncias especiais ou excecionais, dar prioridade a outro tipo de serviços, diferente dos serviços de transporte de mercadorias, a fim de evitar um congestionamento da rede ferroviária. Especifica que, desde a entrada em vigor do Despacho Ministerial 897/2005, o Ministério do Equipamento e dos Transportes nunca utilizou esta possibilidade, o que demonstra a ausência de qualquer exercício de poder discricionário na matéria.

    74. O referido Estado-Membro contesta também que a quarta prioridade de repartição seja contrária aos artigos 13.°, n.° 2, e 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14.

    75. Com efeito, o critério previsto no artigo 11.°, alínea b), ponto 4, do referido despacho ministerial é um mero critério, entre outros, que permite repartir a capacidade quando esta não for suficiente ou quando haja vários pedidos para um mesmo canal horário. Segundo o Reino de Espanha, este critério implica uma discriminação racional e justa, na medida em que é razoável ter em conta o histórico de utilização efetiva da capacidade dos operadores, a fim de otimizar a utilização da rede ferroviária.

    76. O referido Estado-Membro remete para o artigo 22.°, n.° 4, da Diretiva 2001/14, segundo o qual, em caso de congestionamento da infraestrutura, os critérios de prioridade têm em conta a importância do serviço para a sociedade, em relação a qualquer outro serviço que seja excluído em virtude do primeiro.

    77. Segundo o mesmo Estado-Membro, o artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 não proíbe de maneira absoluta que uma empresa goze indefinidamente de um canal horário. Esta interpretação é confirmada pelo facto de esta disposição prever, no segundo parágrafo, a possibilidade de celebrar acordos-quadro relativos à utilização da capacidade da infraestrutura ferroviária em causa, por uma duração superior a um único período de vigência do horário de serviço.

    78. Na réplica, a Comissão alega, no que diz respeito à primeira prioridade de repartição, que o artigo 11.°, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 não faz nenhuma referência à existência de circunstâncias excecionais ou específicas como as referidas pelo Reino de Espanha. Acrescenta que a simples existência da primeira prioridade constitui, em si, uma fonte de insegurança jurídica para os operadores.

    79. No que se refere à quarta prioridade de repartição, a Comissão salienta que o artigo 12.° da Diretiva 2001/14 prevê expressamente a possibilidade de os gestores da infraestrutura aplicarem uma taxa de reserva, a fim de rentabilizar ao máximo a exploração do sistema ferroviário.

    80. A referida instituição especifica que o artigo 22.° da Diretiva 2001/14 só é aplicável no caso de uma infraestrutura congestionada, ao passo que o artigo 11.°, alínea b), ponto 4, do Despacho Ministerial 897/2005 é aplicável não só neste caso mas também, de maneira geral, desde que haja sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário. Em qualquer caso, nenhuma das disposições deste artigo 22.° permite aos Estados-Membros adotarem um critério de repartição como o que é objeto da presente acusação.

    81. A Comissão sustenta que a possibilidade, prevista no artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, de celebrar acordos-quadro constitui uma exceção à regra geral, e a aplicação desta exceção está subordinada às condições previstas no artigo 17.° da Diretiva 2001/14.

    82. Na tréplica, o Reino de Espanha alega que, no que respeita à primeira prioridade de repartição, embora o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 não preveja de forma explícita a situação em que circunstâncias excecionais impõem que se modifiquem as prioridades previamente fixadas, também não proíbe que essa situação seja tida em conta.

    83. No que diz respeito à quarta prioridade de repartição, o referido Estado-Membro considera que o facto de tomar em consideração canais horários equivalentes, quando é tido em conta o histórico de utilização, acrescenta um elemento de insegurança jurídica, na medida em que a natureza equivalente destes não está definida.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    84. Em primeiro lugar, no que respeita à argumentação da Comissão relativa à não conformidade da primeira prioridade de repartição com o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, importa recordar que o artigo 11.°, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 prevê que se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede estiver congestionada, o Ministro do Equipamento e dos Transportes pode, se for caso disso, fixar prioridades de repartição para os diferentes tipos de serviços em cada linha, tendo especialmente em conta os serviços de transporte de mercadorias.

    85. O artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 prevê expressamente que os Estados-Membros devem fixar regras específicas de repartição da capacidade. Segundo esta disposição, estes Estados podem também definir um quadro para a repartição da capacidade, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.° da Diretiva 91/440.

    86. Importa salientar que, segundo o considerando 13 da Diretiva 2001/14, os regimes de repartição de capacidade devem proporcionar indicações claras e consistentes que permitam às empresas de transporte ferroviário tomar decisões racionais.

    87. Daqui resulta que as regras específicas de repartição da capacidade previstas no artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 não podem ser interpretadas no sentido de que conferem um poder discricionário ao Ministério do Equipamento e dos Transportes para atribuir as capacidades da infraestrutura, como observou o advogado-geral no n.° 91 das suas conclusões.

    88. Esta constatação é confirmada pelo artigo 20.º, n.° 2, da Diretiva 2001/14, que dispõe que só o gestor da infraestrutura pode dar prioridade a serviços específicos, mas unicamente nos casos visados nos artigos 22.° e 24.° desta diretiva, relativos, respetivamente, ao congestionamento da infraestrutura e à infraestrutura especializada.

    89. Daí decorre que não se pode considerar que o artigo 11.°, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 respeita a exigência prevista no artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, de que devem ser fixadas regras específicas de repartição de capacidade.

    90. Esta constatação não é posta em causa pela interpretação que o Reino de Espanha faz da primeira prioridade de repartição, segundo a qual esta deixa em aberto a possibilidade de, em circunstâncias especiais ou excecionais, dar prioridade a outro tipo de serviço, diferente do de transporte de mercadorias. Com efeito, a redação do artigo 11.°, alínea b), ponto 1, do Despacho Ministerial 897/2005 não faz nenhuma referência à existência de «circunstâncias especiais ou excecionais», uma vez que o único critério mencionado nesta disposição é o que consiste em ter em especial consideração os serviços de transporte de mercadorias. Também, o facto de esta mesma disposição nunca ter sido aplicada até agora pelo Ministério do Equipamento e dos Transportes não anula de modo algum a possibilidade de este fixar, se for caso disso, prioridades de repartição suplementares nos termos da referida disposição. A mera existência desta primeira prioridade de repartição constitui, em si, uma fonte de insegurança jurídica para os operadores, como observa a Comissão, e não se pode considerar que respeita a exigência prevista no artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14.

    91. Em segundo lugar, no que se refere, por um lado, à alegada não conformidade da quarta prioridade de repartição com o artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, há que recordar, a este respeito, que, por força do primeiro parágrafo desta disposição, o período máximo de utilização de uma capacidade de infraestrutura específica sob a forma de canais horários corresponde a um único período de horário de serviço. O segundo parágrafo da mesma disposição prevê que uma empresa ferroviária pode, por força de um acordo-quadro, conforme previsto no artigo 17.° dessa diretiva, utilizar a capacidade de infraestrutura ferroviária por uma duração superior a um único período de vigência do horário de serviço.

    92. Como decorre, nomeadamente, do considerando 11 da Diretiva 2001/14, um dos objetivos desta é assegurar um acesso equitativo e não discriminatório das empresas de transporte ferroviário à rede ferroviária. À luz deste objetivo, a proibição de utilizar a capacidade de infraestrutura por uma duração superior ao período de vigência do horário de serviço, prevista no artigo 13.°, n.° 2, primeiro parágrafo, desta diretiva, destina-se a evitar que uma empresa beneficie do direito de utilizar indefinidamente um canal horário. Contudo, o segundo parágrafo do mesmo número admite uma exceção a essa proibição, desde que tenha sido celebrado um acordo-quadro entre o gestor da infraestrutura e a empresa de transporte ferroviário, conforme previsto no artigo 17.° da mesma diretiva.

    93. A este respeito, há que observar que a legislação espanhola pertinente, a saber, o artigo 11.°, alínea b), ponto 4, do Despacho Ministerial 897/2005, prevê, se houver sobreposição de pedidos para um mesmo canal horário ou se a rede estiver congestionada, a tomada em consideração da repartição e da utilização efetiva, pelo requerente, de horários de serviço anteriores aos canais horários cuja utilização é requerida, sem que esta tomada em consideração esteja subordinada à celebração de um acordo-quadro.

    94. Por outro lado, no que se refere ao argumento da Comissão relativo ao alegado caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição, há que recordar que o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 dispõe que o gestor da infraestrutura deve garantir, em especial, que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito da União.

    95. A este respeito, há que salientar, como o próprio Reino de Espanha, aliás, reconhece, que o critério de utilização efetiva da rede, enquanto critério de repartição de capacidade da infraestrutura, é discriminatório na medida em que, quando haja sobreposição de pedidos para um mesmo canal ou quando a rede esteja congestionada, conduz à manutenção de vantagens para os utilizadores habituais e ao bloqueio do acesso dos novos utilizadores aos canais horários mais atrativos.

    96. O referido Estado-Membro justifica este caráter discriminatório com a prossecução do objetivo que consiste em garantir uma utilização mais eficiente das infraestruturas.

    97. Contudo, mesmo admitindo que esse objetivo seja suscetível de justificar o caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição, basta referir que, para o atingir, não é de forma alguma necessário que a medida em causa provoque uma discriminação entre os operadores da rede nem que bloqueie o acesso de novos utilizadores à mesma.

    98. Com efeito, a Diretiva 2001/14 contém disposições específicas que visam incentivar a utilização eficiente da capacidade da infraestrutura, sem deixar de garantir um acesso equitativo e não discriminatório à rede ferroviária, como observou o advogado-geral no n.° 97 das suas conclusões. A título de exemplo, o artigo 27.°, n.° 2, desta diretiva prevê a possibilidade de o gestor da infraestrutura definir as condições em que serão tidos em conta os anteriores níveis de utilização dos canais horários, ao determinar as prioridades para o processo de repartição de capacidade. De igual modo, o artigo 12.° da mesma diretiva dispõe que o gestor da infraestrutura pode aplicar uma taxa de reserva sobre a capacidade pedida, mas que não foi utilizada, para incentivar a utilização eficiente da capacidade da infraestrutura.

    99. Além disso, o caráter discriminatório da quarta prioridade de repartição não pode ser justificado pela sua alegada conformidade com o artigo 22.°, n.° 4, da Diretiva 2001/14, segundo o qual, em caso de congestionamento da infraestrutura, os critérios de prioridade têm em conta a importância do serviço para a sociedade, em relação a qualquer outro serviço que seja excluído. Com efeito, a este respeito, basta referir que esta disposição não prevê nenhum critério de repartição como o visado pela quarta prioridade de repartição, na medida em que, em conformidade com o segundo parágrafo da dita disposição, em caso de infraestrutura congestionada, a repartição de capacidade da infraestrutura deve ser efetuada «em condições não discriminatórias».

    100. Resulta das considerações que precedem, que a quinta acusação da presente ação deve ser acolhida. Por conseguinte, há que julgar procedente na íntegra a ação da Comissão.

    101. Consequentemente, há que declarar que o Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 4.°, n.° 1, 11.°, 13.°, n.° 2, e 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

    Quanto às despesas

    102. Por força do disposto no artigo 138,°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que o condenar nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a República Checa e a República Francesa, que intervieram no processo, suportarão as suas próprias despesas.

    Parte decisória

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

    1) O Reino de Espanha, não tendo tomado as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 4.°, n.° 1, 11.°, 13.°, n.° 2, e 14.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

    2) O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

    3) A República Checa e a República Francesa suportam as suas próprias despesas.

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