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Document 62010CJ0434

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 17 de Novembro de 2011.
    Petar Aladzhov contra Zamestnik director na Stolichna direktsia na vatreshnite raboti kam Ministerstvo na vatreshnite raboti.
    Pedido de decisão prejudicial: Administrativen sad Sofia-grad - Bulgária.
    Livre circulação de um cidadão da União - Directiva 2004/38/CE - Proibição de saída do território nacional devido ao não pagamento de uma dívida fiscal - Medida que pode ser justificada por razões de ordem pública.
    Processo C-434/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 -00000

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:750

    Processo C‑434/10

    Petar Aladzhov

    contra

    Zamestnik director na Stolichna direktsia na vatreshnite raboti kam Ministerstvo na vatreshnite raboti

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pela Administrativen sad Sofia‑grad)

    «Livre circulação de um cidadão da União – Directiva 2004/38/CE – Proibição de saída do território nacional devido ao não pagamento de uma dívida fiscal – Medida que pode ser justificada por razões de ordem pública»

    Sumário do acórdão

    1.        Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Direito de saída e de entrada – Âmbito de aplicação

    (Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE; Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 1)

    2.        Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Limitação do direito de entrada e do direito de permanência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública – Princípios gerais – Efeito directo

    (Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 27.°)

    3.        Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Limitação do direito de entrada e do direito de permanência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública – Alcance

    (Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 27.°)

    4.        Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Limitação do direito de entrada e do direito de permanência por razões de ordem pública ou de segurança pública

    (Artigo 21.° TFUE; Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 27.°)

    5.        Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Limitação do direito de entrada e do direito de permanência por razões de ordem pública ou de segurança pública

    (Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 27.°, n.os 1 e 2)

    1.        Uma pessoa que tem a nacionalidade de um Estado‑Membro goza, por força do artigo 20.° TFUE, do estatuto de cidadão da União e pode, portanto, invocar, mesmo relativamente ao seu Estado‑Membro de origem, os direitos relativos a tal estatuto, nomeadamente o direito de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, conferido pelo artigo 21.° TFUE. O direito à livre circulação compreende tanto o direito de os cidadãos da União Europeia entrarem num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem como o direito de saírem deste. Com efeito, as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado seriam esvaziadas de conteúdo se o Estado‑Membro de origem pudesse, sem justificação válida, proibir os seus nacionais de saírem do seu território para entrarem no território de outro Estado‑Membro.

    Prevendo o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, expressamente que todos os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido, têm direito a sair do território de um Estado‑Membro, a fim de se deslocarem a outro Estado‑Membro, a situação de uma pessoa que deseja deslocar‑se, a partir do território do Estado do qual é cidadão, para o território de outro Estado‑Membro, está abrangida pelo direito à livre circulação e permanência dos cidadãos da União nos Estados‑Membros.

    (cf. n.os 24‑27)

    2.        O facto de uma legislação nacional de transposição da Directiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, não se aplicar aos cidadãos do Estado‑Membro em causa não pode ter o efeito de impedir o juiz nacional de assegurar a plena eficácia das normas do direito da União aplicáveis no processo principal, e, mais particularmente, do artigo 27.° da referida directiva. Assim, cabe, se necessário, ao juiz encarregado do processo não aplicar uma disposição de direito nacional contrária ao direito da União, nomeadamente anulando uma decisão administrativa individual tomada com base numa disposição desse género. Por outro lado, as disposições do referido artigo, inequívocas e suficientemente precisas, podem ser invocadas por um particular face ao Estado‑Membro do qual é cidadão.

    (cf. n.os 31‑32)

    3.        Ainda que os Estados‑Membros continuem a ser livres de determinar, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para outro e de uma época para outra, as exigências de ordem pública e de segurança pública, não é menos verdade que, no contexto da União, e nomeadamente enquanto justificação de uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas, estas exigências devem ser entendidas estritamente, de modo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros, sem controlo das instituições da União.

    (cf. n.° 34)

    4.        O direito da União não se opõe a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro que permite a uma autoridade administrativa proibir um cidadão desse Estado de sair do país devido ao não pagamento de uma dívida fiscal da sociedade da qual é gerente, na condição simultânea de a medida em causa ter o objectivo de fazer face, em certas circunstâncias excepcionais que podem resultar, nomeadamente, da natureza ou do montante dessa dívida, a uma ameaça real, actual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade e de o objectivo assim prosseguido não servir unicamente fins económicos. Compete ao juiz nacional verificar se esta dupla condição se mostra preenchida.

    Com efeito, por um lado, não se pode excluir, por princípio, que a não cobrança de créditos fiscais possa estar ligada a exigências de ordem pública. Por outro lado, tendo em conta que a cobrança de créditos públicos, em particular de impostos, visa assegurar o financiamento das intervenções do Estado‑Membro em causa, em função das opções que são a expressão da sua política geral em matéria económica e social, as medidas adoptadas pelas autoridades públicas com vista a assegurar esta cobrança não podem ser consideradas, por princípio, como sendo exclusivamente para fins económicos, na acepção das disposições do artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros.

    (cf. n.os 37‑38, 40, disp. 1)

    5.        Mesmo supondo que a medida de proibição de saída do país, tenha sido tomada de acordo com os requisitos previstos no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados Membros, os requisitos previstos no n.° 2 do mesmo artigo opõem se a tal medida, se a mesma se basear unicamente na existência da dívida fiscal da sociedade da qual o recorrente é um dos sócios gerentes, e apenas devido a essa qualidade, com exclusão de qualquer apreciação específica do comportamento pessoal do interessado e sem referência alguma a qualquer ameaça que ele possa constituir para a ordem pública, e se a proibição de sair do país não for adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e for além do que é necessário para o atingir. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo que lhe foi submetido.

    (cf. n.° 49, disp. 2)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    17 de Novembro de 2011 (*)

    «Livre circulação de um cidadão da União – Directiva 2004/38/CE – Proibição de saída do território nacional devido ao não pagamento de uma dívida fiscal – Medida que pode ser justificada por razões de ordem pública»

    No processo C‑434/10,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Bulgária), por decisão de 24 de Agosto de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de Setembro de 2010, no processo

    Petar Aladzhov

    contra

    Zamestnik direktor na Stolichna direktsia na vatreshnite raboti kam Ministerstvo na vatreshnite raboti,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, A. Prechal, K. Schiemann, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação de P. Aladzhov, por M. Hristov, advogado,

    –        em representação da Comissão Europeia, por D. Maidani e V. Savov, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de Setembro de 2011,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 27.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77).

    2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P. Aladzhov, cidadão búlgaro, sócio‑gerente da sociedade Yu.B.N. Kargo, ao Zamestnik direktor na Stolichna direktsia na vatreshnite raboti kam Ministerstvo na vatreshnite raboti (director‑adjunto da Direcção dos Assuntos de Sófia do Ministério do Interior, a seguir «director‑adjunto»), que tem por objecto a decisão de proibir P. Aladzhov de deixar o território nacional enquanto não satisfizer o crédito fiscal que o Estado búlgaro detém sobre esta sociedade ou não constituir uma garantia que cubra o pagamento integral deste crédito.

     Quadro jurídico

     Direito da União

     Directiva 2004/38

    3        Por força do seu artigo 3.°, n.° 1, a Directiva 2004/38 aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias.

    4        O artigo 4.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

    «Sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, têm direito a sair do território de um Estado‑Membro a fim de se deslocar a outro Estado‑Membro todos os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido, e os membros das suas famílias que, não tendo a nacionalidade de um Estado‑Membro, estejam munidos de um passaporte válido.»

    5        O artigo 27.°, n.os 1 e 2, da referida directiva dispõe:

    «1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

    2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

    O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

     Direito nacional

     Constituição búlgara

    6        Segundo o artigo 35.°, n.° 1, da Constituição búlgara:

    «Qualquer pessoa tem direito a escolher livremente a sua residência, a circular no território do país e a sair dele. Este direito só pode ser objecto de restrições previstas na lei, para a protecção da segurança nacional, da saúde pública, ou a salvaguarda dos direitos e liberdades de outros cidadãos.»

     Lei dos documentos de identidade búlgaros

    7        O artigo 23.°, n.os 2 e 3, da Lei dos documentos de identidade búlgaros (Zakon za balgarskite litschni dokumenti, DV n.° 93, de 11 de Agosto de 1998), conforme alterada em 2006 (DV n.° 105, a seguir «ZBLD»), dispõe:

    «2.      Todos os cidadãos búlgaros têm o direito de deixar o país e de a ele voltar, munidos de um documento de identidade, através das fronteiras internas da República da Bulgária com os Estados‑Membros da União Europeia, bem como nos casos previstos nos tratados internacionais.

    3.      O direito previsto no n.° 2 só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que têm como objectivo a protecção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde dos cidadãos ou dos direitos e das liberdades de outros cidadãos.»

    8        O artigo 75.° da ZBLD prevê:

    «Não podem deixar o país:

    [...]

    5.      As pessoas contra as quais tenha sido requerida a proibição, prevista no artigo 182.°, n.° 2, ponto 2, alínea a), e no artigo 221.°, n.° 6, ponto 1, alíneas a) e b), do Código do Processo Tributário e da Segurança Social.»

     Código do Processo Tributário e da Segurança Social

    9        O artigo 182.° do Código do Processo Tributário e da Segurança Social (Danachno‑osiguritelen protsesualen kodeks, DV n.° 105, de 29 de Dezembro de 2005), conforme alterado em 2010 (DV n.° 15, de 23 de Fevereiro de 2010), dispõe:

    «1.      Caso a dívida não seja paga no prazo legal, a autoridade que apurou o crédito interpela o devedor para este pagar a sua dívida num prazo de sete dias, antes de tomar medidas de cobrança coerciva. Para efeitos da notificação do aviso de pagamento pela autoridade que apurou o crédito, aplicam‑se as disposições pertinentes do capítulo 6. Para os créditos apurados pela Agência Nacional das Receitas Fiscais, a notificação do aviso de pagamento é remetida pelo oficial de justiça.

    2.      a) Juntamente com o aviso de pagamento previsto no n.° 1 ou em momento subsequente, a autoridade referida no n.° 1 pode, sempre que o montante da dívida exceda 5 000 BGN e na falta de garantia num montante igual ao capital acrescido de juros […], pedir às autoridades do Ministério do Interior que não autorizem o devedor e os membros dos seus órgãos de controlo ou de gestão a deixar o país, bem como a retirar‑lhes ou não lhes emitir passaporte ou outro documento análogo que permita passar as fronteiras nacionais.

    […]

    4.      As medidas referidas no n.° 2 podem, segundo a apreciação da autoridade competente, ser tomadas simultânea ou separadamente, tendo em conta o montante da dívida ou o comportamento do devedor até à extinção definitiva desta.»

    10      O artigo 221.°, n.° 6, deste código prevê:

    «No caso de as medidas referidas no n.° 2, ponto 2, ou no n.° 4 do artigo 182.° não serem adoptadas pela autoridade competente, o oficial de justiça pode, caso o montante da dívida exceda 5 000 BGN e na falta de garantia em montante igual ao capital acrescido de juros:

    1.      Pedir às autoridades do Ministério do Interior:

    a)      que proíbam o devedor ou os membros dos seus órgãos de controlo ou de gestão de deixar o país;

    b)      que retirem ou não emitam passaporte ou outro documento análogo que permita atravessar as fronteiras nacionais.»

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    11      P. Aladzhov, cidadão búlgaro, é um dos três gerentes da sociedade Yu.B.N. Kargo.

    12      Através de um aviso de pagamento de 10 de Outubro de 1995, de uma ordem de cobrança de 20 de Agosto de 1999, de um aviso de pagamento de 10 de Abril de 2000 e de uma comunicação de 26 de Setembro de 2001, o Estado búlgaro tentou em vão obter desta sociedade a cobrança de um crédito fiscal num montante global de 44 449 BGN (cerca de 22 000 euros), correspondente ao imposto sobre o valor acrescentado e aos direitos aduaneiros devidos por esta sociedade e respectivos juros.

    13      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que este crédito não prescreveu e que as penhoras ordenadas sobre as contas bancárias da sociedade e sobre os veículos automóveis que lhe pertencem, efectuadas em 19 de Junho de 2009, não asseguraram o pagamento da quantia reclamada, uma vez que as contas não tinham provisão e que não foi possível localizar os veículos.

    14      Consequentemente, a pedido da Agência Nacional das Receitas Fiscais de 30 de Julho de 2009, em conformidade com o artigo 221.°, n.° 6, ponto 1, alíneas a) e b), do Código do Processo Tributário e da Segurança Social, o director‑adjunto, em 25 de Novembro de 2009, proibiu P. Aladzhov de sair do país, com base no artigo 75, n.° 5, da ZBLD, enquanto não satisfizesse o crédito do Estado ou não constituísse uma garantia do seu pagamento integral. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que a competência do director‑adjunto para tomar esta decisão é vinculada.

    15      P. Aladzhov requereu ao órgão jurisdicional de reenvio a anulação desta decisão e alegou que, sendo igualmente director de vendas de uma outra sociedade, a Bultrako AD, importador oficial da marca Honda na Bulgária, esta interdição de se ausentar do país lhe dificultaria seriamente o exercício da sua actividade profissional, que envolve várias deslocações ao estrangeiro.

    16      O órgão jurisdicional de reenvio salientou que P. Aladzhov, enquanto cidadão da União, podia invocar, mesmo perante as autoridades do Estado do qual é cidadão, os direitos correspondentes a este estatuto, nomeadamente o direito à livre circulação, por força dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE e do artigo 45.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União. Observou que este direito não é incondicional e podia ser submetido a restrições ou condições previstas pelo Tratado FUE ou pelas disposições adoptadas para a sua aplicação.

    17      O órgão jurisdicional de reenvio salientou também que, embora o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 preveja que, por razões de ordem pública, possam ser impostas restrições à livre circulação dos cidadãos da União, a Constituição búlgara não prevê tal motivo de restrição à liberdade de circulação dos cidadãos búlgaros. Em contrapartida, esta Constituição reconhece um fundamento baseado na protecção dos direitos e liberdades dos outros cidadãos, que não está previsto na Directiva 2004/38.

    18      O órgão jurisdicional de reenvio indicou, por outro lado, que a decisão em litígio não foi tomada com base na lei que transpôs a Directiva 2004/38 para o direito búlgaro, mas com base noutra legislação.

    19      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observou que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as medidas restritivas da liberdade de circulação de cidadãos da União devem ser justificadas por uma ameaça real, actual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade e devem ser necessárias e proporcionadas. A este respeito, notou também que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já decidiu que o objectivo de cobrança efectiva de créditos fiscais pode ser um motivo legítimo de restrição à liberdade de circulação garantida pelo artigo 2.° do Protocolo n.° 4 à Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (v. TEDH, acórdão Riener c. Bulgária de 23 de Maio de 2006).

    20      O órgão jurisdicional de reenvio constatou igualmente que, embora a Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28), e o Regulamento (CE) n.° 1179/2008 da Comissão, de 28 de Novembro de 2008, que fixa as normas de execução de certas disposições da Directiva 2008/55 (JO L 319, p. 21), prevejam um mecanismo de assistência mútua entre os Estados‑Membros em matéria de cobrança de créditos, não resulta dos autos que tenham sido tomadas medidas ao abrigo deste mecanismo, a fim de cobrar o crédito em causa.

    21      Por fim, salientou que as disposições nacionais respeitantes a este tipo de medidas de proibição de saída do país não impõem que a autoridade administrativa analise os efeitos da medida na situação profissional do interessado ou na actividade comercial da sociedade devedora e, portanto, na sua capacidade de solver a dívida.

    22      Nestes termos, o Administrativen sad Sofia‑grad decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      A proibição de deixar o território de um Estado‑Membro da União Europeia, imposta a um cidadão desse Estado na sua qualidade de gerente de uma sociedade comercial, registada nos termos do direito nacional, devido ao não pagamento de dívidas [à Administração Pública] desta sociedade, está justificada por razões de protecção da ‘ordem pública’ previstas no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 […] quando se verificam as circunstâncias do processo principal e, simultaneamente, as seguintes condições:

    –        A Constituição do referido Estado‑Membro não prevê uma restrição à liberdade de circulação de pessoas singulares para proteger a ‘ordem pública’;

    –        As razões de ‘ordem pública’ como base para aplicar a referida proibição estão previstas numa lei nacional, que foi adoptada para transpor outro acto jurídico da União Europeia;

    –        As razões de ‘ordem pública’ na acepção da norma da referida directiva também abrangem a ‘salvaguarda dos direitos de outros cidadãos’, quando é tomada uma medida para garantir as receitas orçamentais do Estado‑Membro através do pagamento de dívidas ao Estado?

    2)      Tendo em conta as circunstâncias do processo principal, resulta das restrições e condições previstas para o exercício da liberdade de circulação dos cidadãos da União [Europeia], bem como das medidas adoptadas para a sua aplicação em conformidade com o direito da União [Europeia], que é admissível um regime jurídico nacional que prevê que o Estado‑Membro aplique a um cidadão, na sua qualidade de gerente de uma sociedade comercial, registada nos termos do direito [do referido Estado‑Membro], devido ao não pagamento de dívidas [à Administração Pública desse mesmo] Estado, classificadas na sua legislação como ‘de montante significativo’, a medida administrativa de coacção ‘proibição de deixar o país’, quando, para a cobrança dessas dívidas, é admissível a aplicação do sistema de assistência mútua entre os Estados‑Membros, previsto na Directiva 2008/55 […], bem como no Regulamento […] n.° 1179/2008 […]?

    3)      Tendo em conta as circunstâncias do processo principal, o princípio da proporcionalidade e as restrições e condições previstas relativamente ao exercício da liberdade de circulação dos cidadãos da União, bem como as medidas adoptadas para a sua aplicação conforme ao direito da União [Europeia] e os critérios do artigo 27.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2004/38/CE […], devem ser interpretados no sentido de que, caso exista uma dívida [à Administração Pública] de uma sociedade comercial, registada nos termos do direito de um Estado‑Membro, que é classificada como ‘dívida de montante significativo’ na legislação desse Estado‑Membro, se pode proibir uma pessoa singular, gerente da sociedade em causa, de deixar este Estado‑Membro, se estiverem simultaneamente preenchidas as seguintes condições:

    –        A existência de uma dívida ao Estado ‘de montante significativo’ é considerada uma ameaça real, actual e grave, que afecta um interesse fundamental da sociedade, face à qual o legislador entendeu dever introduzir a medida administrativa concreta da ‘proibição de deixar o país’;

    –        Não está prevista uma apreciação das circunstâncias relativas ao comportamento pessoal do gerente e à restrição dos seus direitos fundamentais, como o exercício do seu direito de exercer uma actividade profissional que implique viagens ao estrangeiro no âmbito de outra relação jurídica;

    –        As consequências para a actividade comercial da sociedade devedora e as possibilidades de cobrança da dívida ao Estado não são apreciadas após a proibição ser imposta;

    –        A proibição é imposta na sequência de um pedido, que tem carácter vinculativo, que comprova que existe uma dívida ao Estado ‘de montante significativo’ de uma sociedade comercial concreta, que o montante principal e os juros da dívida não estão garantidos e que a pessoa contra a qual é pedida a aplicação da proibição é membro de um órgão de direcção dessa sociedade comercial;

    –        A proibição é aplicada até ao pagamento integral ou até ser prestada garantia plena da dívida ao Estado, sem estar previsto que o destinatário da medida possa pedir a sua revisão à autoridade que a aplicou e sem se atender aos prazos de prescrição da dívida?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    23      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União se opõe a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro que permite a uma autoridade administrativa proibir um cidadão desse Estado de sair do país pelo facto de a sociedade da qual é gerente não ter pago uma dívida fiscal.

    24      De modo a responder utilmente a esta questão, importa salientar que, enquanto cidadão búlgaro, P. Aladzhov goza, por força do artigo 20.° TFUE, do estatuto de cidadão da União e pode, portanto, invocar, mesmo relativamente ao seu Estado‑Membro de origem, os direitos relativos a tal estatuto, nomeadamente o direito de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, conferido pelo artigo 21.° TFUE (v., nomeadamente, acórdãos de 10 de Julho de 2008, Jipa, C‑33/07, Colect., p. I‑5157, n.° 17, e de 5 de Maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 48).

    25      O direito à livre circulação compreende tanto o direito de os cidadãos da União Europeia entrarem num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem como o direito de saírem deste. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de sublinhar, as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado seriam esvaziadas de conteúdo se o Estado‑Membro de origem pudesse, sem justificação válida, proibir os seus nacionais de saírem do seu território para entrarem no território de outro Estado‑Membro (v. acórdão Jipa, já referido, n.° 18).

    26      O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 prevê aliás expressamente que têm direito a sair do território de um Estado‑Membro, a fim de se deslocarem a outro Estado‑Membro, todos os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

    27      Daqui resulta que uma situação como a de P. Aladzhov, que deseja deslocar‑se, a partir do território do Estado do qual é cidadão, para o território de outro Estado‑Membro, está abrangida pelo direito à livre circulação e permanência dos cidadãos da União nos Estados‑Membros.

    28      Todavia, o direito à livre circulação dos cidadãos da União não é incondicional, podendo ser sujeito a restrições e condições previstas no Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação (v., nomeadamente, acórdão Jipa, já referido, n.° 21 e jurisprudência referida).

    29      Estas restrições e condições decorrem, em particular, do artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, que permite aos Estados‑Membros restringir a liberdade de circulação dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Estas razões, por força do mesmo artigo, não podem, todavia, ser invocadas «para fins económicos».

    30      Assim, para que o direito da União não se oponha a uma medida nacional como a que impede P. Aladzhov de sair do território nacional, claramente não tomada por razões de segurança pública ou de saúde pública, a mesma deve ser justificada por razões de ordem pública e no pressuposto de que estas não sejam tomadas para fins económicos.

    31      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a lei nacional de transposição da Directiva 2004/38 não se aplica aos cidadãos da República da Bulgária.

    32      Porém, essa circunstância não tem, em todo o caso, o efeito de impedir o juiz nacional de assegurar a plena eficácia das normas do direito da União aplicáveis no processo principal, como foi referido no n.° 27 do presente acórdão, e, mais particularmente, do artigo 27.° da Directiva 2004/38. Assim, cabe, se necessário, ao juiz encarregado do processo não aplicar uma disposição de direito nacional contrária ao direito da União, nomeadamente anulando uma decisão administrativa individual tomada com base numa disposição desse género (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 5 de Outubro de 2010, Elchinov, C‑173/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31 e jurisprudência referida). Por outro lado, as disposições do referido artigo, inequívocas e suficientemente precisas, podem ser invocadas por um particular face ao Estado‑Membro do qual é cidadão (v., por analogia, acórdão de 4 de Dezembro de 1974, van Duyn, 41/74, Colect., p. 567, n.os 9 a 15).

    33      Por outro lado, é igualmente irrelevante o facto de, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, a Constituição búlgara, para justificar a restrição à liberdade de circulação dos cidadãos búlgaros, não se basear em razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, mas reconhecer um fundamento de protecção dos direitos e liberdades dos outros cidadãos, que foi o fundamento em que se baseou a ZBLD. Com efeito, importa somente saber se a restrição à livre circulação de um cidadão nacional que é imposta, como no processo principal, para obter a cobrança de um crédito fiscal e que é justificada, segundo o direito nacional, pelo interesse de proteger os direitos dos outros cidadãos assenta num fundamento que possa ser considerado derivado de uma razão de ordem pública, na acepção do direito da União.

    34      O Tribunal de Justiça sempre sublinhou que, embora, quanto ao essencial, os Estados‑Membros continuem a ser livres de determinar, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para outro e de uma época para outra, as exigências de ordem pública e de segurança pública, não é menos verdade que, no contexto da União, e nomeadamente enquanto justificação de uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas, estas exigências devem ser entendidas estritamente, de modo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros, sem controlo das instituições da União (v., nomeadamente, acórdão Jipa, já referido, n.° 23).

    35      O Tribunal de Justiça esclareceu também que a noção de ordem pública pressupõe, de qualquer modo, além da perturbação da ordem social que qualquer infracção à lei implica, a existência de uma ameaça real, actual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade (v., nomeadamente, acórdão Jipa, já referido, n.° 23 e jurisprudência referida).

    36      O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, a este respeito, ao carácter de interesse geral de que se reveste a missão da Administração Pública com vista a assegurar as receitas orçamentais e ao objectivo de protecção dos direitos dos outros cidadãos prosseguido pela cobrança de créditos públicos. Este órgão jurisdicional apresenta ainda o não pagamento da dívida fiscal da sociedade devedora no processo principal como uma ameaça a um interesse superior da sociedade.

    37      Certamente, não se pode excluir, por princípio, como aliás reconheceu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v. acórdão Riener c. Bulgária, já referido, §§ 114 a 117), que a não cobrança de créditos fiscais possa estar ligada a exigências de ordem pública. Todavia, tal só sucederia, à luz das regras de direito da União referentes à livre circulação dos cidadãos da União, em caso de ameaça real, actual e suficientemente grave a um interesse fundamental da sociedade e relacionada, por exemplo, com a importância dos montantes ou com as necessidades da luta contra a fraude fiscal.

    38      Por outro lado, tendo em conta que a cobrança de créditos públicos, em particular de impostos, visa assegurar o financiamento das intervenções do Estado‑Membro em causa, em função das opções que são a expressão da sua política geral em matéria económica e social (v., neste sentido, acórdão de 6 de Setembro de 2011, Lady & Kid e o., C‑398/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24), as medidas adoptadas pelas autoridades públicas com vista a assegurar esta cobrança não podem ser consideradas, por princípio, como sendo exclusivamente para fins económicos, na acepção das disposições do artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

    39      Todavia, os elementos que resultam da decisão de reenvio só por si, tal como referidos no n.° 36 do presente acórdão, não permitem verificar se medidas como as que estão em causa no processo principal foram adoptadas com base em tais considerações e, em particular, não permitem concluir se as mesmas foram adoptadas somente para fins económicos. Compete ao órgão jurisdicional nacional proceder às verificações necessárias a esse respeito.

    40      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o direito da União não se opõe a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro que permite a uma autoridade administrativa proibir um cidadão desse Estado de sair do país devido ao não pagamento de uma dívida fiscal da sociedade da qual é gerente, na condição simultânea de a medida em causa ter o objectivo de fazer face, em certas circunstâncias excepcionais que podem resultar, nomeadamente, da natureza ou do montante dessa dívida, a uma ameaça real, actual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade e de o objectivo assim prosseguido não servir unicamente fins económicos. Compete ao juiz nacional verificar se esta dupla condição se mostra preenchida.

     Quanto à segunda e terceira questões

    41      Com a sua segunda e terceira questões, que devem ser tratadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber em que condições uma legislação como a que está em causa no processo principal pode ser considerada proporcionada e conforme à regra segundo a qual as restrições à liberdade de circulação devem ser baseadas no comportamento pessoal do interessado, tendo em conta, por um lado, que existem instrumentos comunitários de assistência em matéria fiscal e, por outro, que a legislação em causa se caracteriza pela sua severidade e automatismo.

    42      A este respeito, deve recordar‑se que, segundo o artigo 27.°, n.° 2, da Directiva 2004/38, as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e basear‑se exclusivamente no comportamento pessoal da pessoa em questão. Por outro lado, tal como resulta da jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, o comportamento da pessoa em questão deve representar uma ameaça real, actual e suficientemente grave a um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser acolhidas justificações não ligadas directamente ao caso particular em questão ou fundadas em razões de prevenção geral.

    43      Nestas condições, uma disposição legislativa ou regulamentar nacional que confira carácter automático a uma decisão de proibição de saída do país pelo simples facto da existência de uma dívida fiscal, sem ter em conta o comportamento pessoal do indivíduo em causa, não satisfaz os requisitos do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 19 de Janeiro de 1999, Calfa, C‑348/96, Colect., p. I‑11, n.os 27 e 28).

    44      No processo principal, em face da decisão de reenvio, não parece que as disposições do Código do Processo Tributário e da Segurança Social ou as da ZBLD, com base nas quais a Administração decidiu proibir P. Aladzhov de sair do território búlgaro, imponham às autoridades administrativas competentes a obrigação de tomar em consideração o comportamento pessoal do interessado. É verdade que as disposições do Código do Processo Tributário e da Segurança Social parecem não excluir tal consideração, pois deixam às autoridades competentes uma margem de apreciação, ao preverem que estas «podem» pedir a aplicação dessa proibição em cumprimento da ZBLD. Neste contexto, embora as referidas autoridades não estejam impedidas da possibilidade de ter em consideração esse comportamento, deve observar‑se, no entanto, que disposições legislativas como as que estão em causa no processo principal não parecem incluir nenhuma obrigação como a referida acima, a única conforme com as exigências do direito da União.

    45      Por outro lado, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio que, aparentemente, a medida aplicada ao recorrente se baseia unicamente na existência da dívida fiscal da sociedade da qual é um dos sócios‑gerentes, e apenas devido a essa qualidade, com exclusão de qualquer apreciação específica do comportamento pessoal do interessado e sem referência alguma a qualquer ameaça que este constituiria para a ordem pública.

    46      Todavia, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a compatibilidade de medidas nacionais com o direito da União e é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe efectuar as verificações necessárias à apreciação desta compatibilidade (acórdão Jipa, já referido, n.° 28).

    47      Incumbir‑lhe‑á igualmente, no âmbito do controlo do respeito pelo princípio da proporcionalidade, determinar se a proibição de sair do país é adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e não vai além do que é necessário para o atingir (v., neste sentido, acórdão Jipa, já referido, n.° 29). A este respeito, mesmo supondo que a impossibilidade de cobrar a dívida em causa constitui uma ameaça real, actual e suficientemente grave a um interesse fundamental da sociedade, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, ao privar P. Aladzhov da possibilidade de exercer uma parte da sua actividade profissional no estrangeiro e ao privá‑lo, assim, de parte dos seus rendimentos, por um lado, a medida de proibição em causa é adequada para garantir a cobrança do imposto e, por outro lado, é necessária para esse fim. Caber‑lhe‑á igualmente verificar se, para obter essa cobrança, não existem outras medidas alternativas à proibição de sair do país, igualmente eficazes, que não prejudiquem a liberdade de circulação.

    48      Entre essas medidas poderiam, eventualmente, figurar aquelas que as autoridades podem tomar em aplicação da Directiva 2008/55, como referido pelo órgão jurisdicional nacional. Todavia, compete sempre a este último verificar que o crédito do Estado‑Membro em causa esteja abrangido pelo campo de aplicação da referida directiva.

    49      Atendendo às considerações precedentes, importa responder à segunda e terceira questões que, mesmo supondo que a medida de proibição de saída do país, aplicada a P. Aladzhov no processo principal, tenha sido tomada de acordo com os requisitos previstos no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, os requisitos previstos no n.° 2 do mesmo artigo opõem‑se a tal medida,

    –        se a mesma se basear unicamente na existência da dívida fiscal da sociedade da qual o recorrente é um dos sócios‑gerentes, e apenas devido a essa qualidade, com exclusão de qualquer apreciação específica do comportamento pessoal do interessado e sem referência alguma a qualquer ameaça que ele possa constituir para a ordem pública, e

    –        se a proibição de sair do país não for adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e for além do que é necessário para o atingir.

    Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo que lhe foi submetido.

     Quanto às despesas

    50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    1)      O direito da União não se opõe a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro que permite a uma autoridade administrativa proibir um cidadão desse Estado de sair do país devido ao não pagamento de uma dívida fiscal da sociedade da qual é gerente, na condição simultânea de a medida em causa ter o objectivo de fazer face, em certas circunstâncias excepcionais que podem resultar, nomeadamente, da natureza ou do montante dessa dívida, a uma ameaça real, actual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade e de o objectivo assim prosseguido não servir unicamente fins económicos. Compete ao juiz nacional verificar se esta dupla condição se mostra preenchida.

    2)      Mesmo supondo que a medida de proibição de saída do país, aplicada a P. Aladzhov no processo principal, tenha sido tomada de acordo com os requisitos previstos no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, os requisitos previstos no n.° 2 do mesmo artigo opõem‑se a tal medida,

    –        se a mesma se basear unicamente na existência da dívida fiscal da sociedade da qual o recorrente é um dos sócios‑gerentes, e apenas devido a essa qualidade, com exclusão de qualquer apreciação específica do comportamento pessoal do interessado e sem referência alguma a qualquer ameaça que ele possa constituir para a ordem pública, e

    –        se a proibição de sair do país não for adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e for além do que é necessário para o atingir.

    Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo que lhe foi submetido.

    Assinaturas


    * Língua do processo: búlgaro.

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