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Document 62010CJ0300

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 23 de outubro de 2012.
    Vítor Hugo Marques Almeida contra Companhia de Seguros Fidelidade‑Mundial SA e.a.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
    Seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis — Diretiva 72/166/CEE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 84/5/CEE — Artigo 2.°, n.° 1 — Diretiva 90/232/CEE — Artigo 1.° — Direito a indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis — Responsabilidade civil do segurado — Contribuição do lesado para o dano — Limitação do direito a indemnização.
    Processo C‑300/10.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:656

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    23 de outubro de 2012 ( *1 )

    «Seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis — Diretiva 72/166/CEE — Artigo 3.o, n.o 1 — Diretiva 84/5/CEE — Artigo 2.o, n.o 1 — Diretiva 90/232/CEE — Artigo 1.o — Direito a indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis — Responsabilidade civil do segurado — Contribuição do lesado para o dano — Limitação do direito a indemnização»

    No processo C-300/10,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Portugal), por decisão de 22 de abril de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2010, no processo

    Vítor Hugo Marques Almeida

    contra

    Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, SA,

    Jorge Manuel da Cunha Carvalheira,

    Paulo Manuel Carvalheira,

    Fundo de Garantia Automóvel,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice-presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, L. Bay Larsen, A. Rosas, M. Berger, E. Jarašiūnas, presidentes de secção, E. Juhász, J.-C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado-geral: V. Trstenjak,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 22 de maio de 2012,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de V. Marques Almeida, por A. Novo, advogada,

    em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e S. Nunes de Almeida, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e F. Wannek, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Guerra e Andrade, N. Yerrell e G. Braun, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 5 de julho de 2012,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Diretiva»), do artigo 2.o, n.o 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 224; a seguir «Segunda Diretiva»), e dos artigos 1.° e 1.°-A da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33, a seguir «Terceira Diretiva»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre V. Marques Almeida e a Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, SA (a seguir «Fidelidade-Mundial»), J. Cunha Carvalheira, P. Carvalheira e o Fundo de Garantia Automóvel, a propósito da indemnização, por estes últimos, a título da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, dos danos sofridos por V. Marques Almeida num acidente de viação.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Primeira Diretiva:

    «Cada Estado-Membro […] adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

    4

    O artigo 2.o, n.o 1, da Segunda Diretiva dispõe:

    «Cada Estado-Membro tomará as medidas adequadas para que qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro, emitida em conformidade com o n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva], que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos por:

    pessoas que não estejam expressa ou implicitamente autorizadas para o fazer; ou

    pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução que lhes permita conduzir o veículo em causa; ou

    pessoas que não cumpram as obrigações legais de caráter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo em causa,

    seja, por aplicação do n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva], considerada sem efeito no que se refere ao recurso de terceiros vítimas de um sinistro.

    Todavia, a disposição ou a cláusula a que se refere o primeiro travessão do n.o 1 pode ser oponível às pessoas que, por sua livre vontade, se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que a seguradora possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo tinha sido roubado.

    Os Estados-Membros têm a faculdade — relativamente aos sinistros ocorridos no seu território — de não aplicar o disposto no n.o 1 no caso de e na medida em que a vítima possa obter a indemnização pelo seu prejuízo através de um organismo de segurança social.»

    5

    O artigo 1.o da Terceira Diretiva prevê:

    «Sem prejuízo do n.o 1, segundo parágrafo, do artigo 2.o da [Segunda Diretiva], o seguro referido no n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo.

    […]»

    6

    Nos termos do artigo 1.o-A da Terceira Diretiva, introduzido neste diploma pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, que altera as Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/26/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho] relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO L 149, p. 14):

    «O seguro referido no n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva] assegura a cobertura dos danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas que, em consequência de um acidente em que esteja envolvido um veículo a motor, têm direito a indemnização de acordo com o direito civil nacional. O presente artigo não prejudica nem a responsabilidade civil nem o montante das indemnizações.»

    Direito português

    7

    Nos termos do artigo 503.o, n.o 1, do Código Civil:

    «Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.»

    8

    O artigo 504.o, n.o 1, deste código dispõe:

    «A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.»

    9

    Nos termos do artigo 505.o do referido código:

    «Sem prejuízo do disposto no artigo 570.o, a responsabilidade fixada pelo n.o 1 do artigo 503.o só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.»

    10

    O artigo 570.o do mesmo código prevê:

    «1.   Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

    2.   Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    11

    Em 12 de junho de 2004, um veículo no qual viajava V. Marques Almeida entrou em colisão com um veículo propriedade de J. Cunha Carvalheira e conduzido por P. Carvalheira.

    12

    Na colisão, V. Marques Almeida, passageiro no lugar dianteiro do veículo, que não tinha posto o cinto de segurança, foi projetado através do para-brisas, o que lhe provocou cortes profundos na cabeça e no rosto.

    13

    Na data da colisão, o proprietário do veículo no qual se encontrava V. Marques Almeida tinha contratado na Fidelidade-Mundial um seguro que cobria a responsabilidade civil resultante da circulação deste veículo. Em contrapartida, não existia nenhum contrato de seguro que cobrisse esta responsabilidade relativamente ao veículo propriedade de J. Cunha Carvalheira.

    14

    Na sequência desse acidente, V. Marques Almeida intentou no tribunal português competente uma ação pedindo a condenação solidária da Fidelidade-Mundial, de J. Cunha Carvalheira, de P. Carvalheira e do Fundo de Garantia Automóvel no pagamento de 65000 euros, a título dos danos que sofreu no acidente, bem como do montante a liquidar a título das eventuais operações cirúrgicas de que viesse a necessitar.

    15

    Essa ação foi julgada improcedente com base no artigo 570.o do Código Civil, pelo facto de os danos sofridos por V. Marques Almeida terem sido devidos a culpa própria sua, a saber, não ter posto o cinto de segurança, em contraordenação ao disposto no artigo 82.o, n.o 1, do Código da Estrada.

    16

    V. Marques Almeida interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães.

    17

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a jurisprudência nacional maioritária, aplicada pelo tribunal de primeira instância, a responsabilidade da pessoa vítima de um acidente de viação na produção dos danos que sofreu exclui, de acordo com os artigos 505.° e 570.° do Código Civil, a responsabilidade objetiva daquele que tiver a direção efetiva do veículo em causa, conforme prevista no artigo 503.o, n.o 1, do referido código

    18

    Daí decorre que, em circunstâncias como as do processo principal, não sendo demonstrado que os condutores dos veículos automóveis que colidiram cometeram um facto culposo e tendo sido apurado que a culpa do passageiro lesado está na origem dos danos que sofreu, o referido passageiro não poderá ser indemnizado com base na responsabilidade objetiva prevista no artigo 503.o, n.o 1, do Código Civil.

    19

    Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial dos acórdãos de 30 de junho de 2005, Candolin e o. (C-537/03, Colet., p. I-5745), e de 19 de abril de 2007, Farrell (C-356/05, Colet., p. I-3067), que a mesma tende a proteger em especial os passageiros de veículos sinistrados. O Tribunal de Justiça julgou assim inaplicáveis as disposições legais e contratuais que, num Estado-Membro, afastem, em determinadas circunstâncias, a obrigação de indemnizar os referidos passageiros, contrariando as disposições da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas.

    20

    Atendendo a esta jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Guimarães tem dúvidas quanto à compatibilidade do regime de responsabilidade civil aplicável no litígio no processo principal com as disposições pertinentes do direito da União.

    21

    Nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «As normas dos artigos 3.°, n.o 1, da [Primeira Diretiva], 2.°, n.o 1, da [Segunda Diretiva] e 1.° e 1.°-A da [Terceira Diretiva], devem ser interpretad[as] no sentido de que se opõem a que o direito civil nacional, designadamente através das normas constantes dos artigos 503.°, n.o 1, 504.°, 505.° e 570.° do Código Civil, imponha que em caso de colisão de dois veículos, não sendo o evento imputável a qualquer dos condutores a título de culpa, e da qual resultaram danos corporais para o passageiro de uma dessas viaturas (o lesado que exige indemnização), a indemnização a que este se mostrar com direito lhe seja recusada ou limitada com o fundamento na contribuição do referido passageiro para a produção dos danos, uma vez que o mesmo seguia na viatura, sentado no lugar ao lado do condutor, sem que tivesse colocado o cinto de segurança, como é obrigatório nos termos da legislação nacional?

    Sendo que se apurou que aquando da colisão entre as duas viaturas envolvidas, por causa desta e pelo facto de não ter colocado o cinto de segurança, o aludido passageiro embateu violentamente com a respetiva cabeça no vidro para-brisas, partindo-o, o que lhe provocou cortes profundos na cabeça e na cara?

    E tendo ainda em conta que, não dispondo uma das viaturas envolvidas de seguro válido e eficaz transferido para qualquer entidade seguradora à data do sinistro, são demandados na ação, para além da Seguradora do outro veículo interveniente, o proprietário do veículo sem seguro, o seu condutor e o Fundo de Garantia Automóvel, os quais, por estar em causa a responsabilidade objetiva, poderão responder solidariamente pelo pagamento da dita indemnização?»

    Quanto à questão prejudicial

    Observações preliminares

    22

    Importa de imediato assinalar que o artigo 1.o-A da Terceira Diretiva, conforme alterada pela Diretiva 2005/14, não se aplica aos factos do processo principal, nem ratione materiae nem ratione temporis, como acertadamente realçou o Governo alemão. Com efeito, por um lado, esta disposição visa unicamente o direito a indemnização dos danos sofridos pelos peões, ciclistas e outros utentes da estrada não motorizados. Ora, no momento da colisão que lhe causou os danos sofridos, V. Marques Almeida era passageiro de um veículo automóvel.

    23

    Por outro lado, esta disposição foi inserida na Terceira Diretiva pela Diretiva 2005/14, cujo artigo 7.o dispõe que a mesma entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, a saber, em 11 de junho de 2005, e cujo artigo 6.o, n.o 1, prevê a sua transposição, o mais tardar, em 11 de junho de 2007. Ora, o acidente de viação que deu origem ao litígio no processo principal ocorreu em 12 de junho de 2004.

    24

    Por conseguinte, há que considerar que a questão prejudicial visa apenas a interpretação dos artigos 3.°, n.o 1, da Primeira Diretiva, 2.°, n.o 1, da Segunda Diretiva e 1.° da Terceira Diretiva.

    Quanto à questão submetida

    25

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 3.°, n.o 1, da Primeira Diretiva, 2.°, n.o 1, da Segunda Diretiva e 1.° da Terceira Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais que, no caso de colisão entre dois veículos automóveis que tenha causado danos corporais ao passageiro de um desses veículos, sem que seja possível imputar a culpa aos condutores dos referidos veículos, permitem limitar ou excluir a responsabilidade civil dos segurados, e, por conseguinte, a indemnização desse passageiro pelo seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, apenas com fundamento na contribuição do mesmo para a produção dos referidos danos.

    26

    A este propósito, importa recordar que o objetivo da Primeira e da Segunda Diretiva, como resulta do seu preâmbulo, é, por um lado, assegurar a livre circulação tanto dos veículos com estacionamento habitual no território da União como das pessoas que neles viajam e, por outro, garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (acórdãos de 28 de março de 1996, Ruiz Bernáldez, C-129/94, Colet., p. I-1829, n.o 13; de 14 de setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C-348/98, Colet., p. I-6711, n.o 24; de 17 de março de 2011, Carvalho Ferreira Santos, C-484/09, Colet., p. I-1821, n.o 24; e de 9 de junho de 2011, Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, C-409/09, Colet., p. I-4955, n.o 23).

    27

    Por conseguinte, a Primeira Diretiva, conforme precisada e completada pela Segunda e Terceira Diretivas, impõe aos Estados-Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros vítimas que esse seguro deve cobrir (v. acórdãos, já referidos, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, n.o 27; Carvalho Ferreira Santos, n.o 27; e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 24).

    28

    Importa porém recordar que a obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (acórdãos, já referidos, Carvalho Ferreira Santos, n.o 31 e jurisprudência referida, e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 25).

    29

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas, como decorre do seu objeto e da sua redação, não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados-Membros e que, no estado atual do direito da União, os Estados-Membros são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos (acórdãos, já referidos, Carvalho Ferreira Santos, n.o 32 e jurisprudência referida, e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 26).

    30

    Assim sendo, os Estados-Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, aplicável de acordo com o seu direito nacional, esteja coberta por um seguro conforme com as disposições das três diretivas supramencionadas (acórdãos, já referidos, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, n.o 29; Farrell, n.o 33; Carvalho Ferreira Santos, n.o 34; e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 27).

    31

    Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros devem exercer as suas competências neste domínio, no respeito do direito da União, e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas do seu efeito útil (acórdão Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, já referido, n.o 28).

    32

    Como o Tribunal de Justiça já precisou, estas diretivas ficariam privadas desse efeito se, com fundamento na contribuição do lesado para a produção do dano, uma regulamentação nacional, definida com base em critérios gerais e abstratos, recusasse à vítima o direito de ser indemnizada pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis ou limitasse esse direito de modo desproporcionado. Por conseguinte, só em circunstâncias excecionais, com base numa apreciação individual, poderá este direito ser limitado (acórdão Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, já referido, n.o 29).

    33

    O Tribunal de Justiça concluiu assim que o artigo 2.o, n.o 1, da Segunda Diretiva e o artigo 1.o da Terceira Diretiva se opõem a uma regulamentação nacional que permita negar ou limitar de modo desproporcionado, apenas com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, o direito do referido passageiro a ser indemnizado pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Candolin e o., n.o 35, e Farrell, n.o 35).

    34

    Todavia, importa salientar que, no litígio no processo principal, por um lado, diferentemente das circunstâncias que deram lugar aos acórdãos, já referidos, Candolin e o. e Farrell, o direito a indemnização das vítimas de um acidente de viação não é afetado devido a uma limitação da cobertura da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis por disposições em matéria de seguro, mas sim, à semelhança dos litígios que deram origem aos acórdãos, já referidos, Carvalho Ferreira Santos e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, devido ao regime nacional de responsabilidade civil em matéria de acidentes de circulação automóvel.

    35

    Com efeito, a regulamentação nacional em causa no processo principal visa apenas determinar o direito da vítima, assim como a eventual extensão desse direito, a uma indemnização no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Em contrapartida, não é suscetível de limitar a cobertura do seguro de responsabilidade civil do segurado.

    36

    Por outro lado, decorre da decisão de reenvio que os artigos 503.° e 504.° do Código Civil preveem uma responsabilidade objetiva em caso de acidente de viação, mas que, sem prejuízo do artigo 570.o desse código, a responsabilidade pelo risco, prevista no artigo 503.o, n.o 1, do referido código, só é excluída, em conformidade com o artigo 505.o deste, quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior. O artigo 570.o, n.o 1, do Código Civil prevê que, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, este pode ser privado, em função da apreciação que o tribunal competente fizer da gravidade das culpas de ambas as partes e das consequências que delas resultaram, de parte ou da totalidade da indemnização (v., neste sentido, acórdão Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, já referido, n.o 32).

    37

    Por conseguinte, contrariamente aos respetivos contextos jurídicos nos processos que deram lugar aos acórdãos, já referidos, Candolin e o. e Farrell, a mencionada regulamentação nacional não tem por efeito, no caso da contribuição da vítima de um acidente de viação para o seu próprio dano, na ocorrência um passageiro de um veículo envolvido nesse acidente, excluir automaticamente ou limitar de modo desproporcionado o direito que lhe assiste a uma indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis que cobre o condutor do veículo implicado no acidente (v. acórdãos, já referidos, Carvalho Ferreira Santos, n.o 43, e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 34).

    38

    Em face das considerações expostas, há que concluir que a legislação nacional em causa no processo principal não afeta a garantia, prevista no direito da União, de que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, determinada de acordo com o direito nacional aplicável, seja coberta por um seguro conforme com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas (v. acórdãos, já referidos, Carvalho Ferreira Santos, n.o 44, e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.o 34).

    39

    Daqui resulta que há que responder à questão submetida que, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 3.o, n.o 1, da Primeira Diretiva, o artigo 2.o, n.o 1, da Segunda Diretiva e o artigo 1.o da Terceira Diretiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a disposições nacionais que, no caso de colisão entre dois veículos automóveis que tenha causado danos corporais ao passageiro de um desses veículos, sem que seja possível imputar a culpa aos condutores dos referidos veículos, permitam limitar ou excluir a responsabilidade civil dos segurados.

    Quanto às despesas

    40

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    Em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, o artigo 2.o, n.o 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e o artigo 1.o da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a disposições nacionais que, no caso de colisão entre dois veículos automóveis que tenha causado danos corporais ao passageiro de um desses veículos, sem que seja possível imputar a culpa aos condutores dos referidos veículos, permitam limitar ou excluir a responsabilidade civil dos segurados.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: português.

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