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Document 62010CJ0277

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de fevereiro de 2012.
Martin Luksan contra Petrus van der Let.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Handelsgericht Wien.
Reenvio prejudicial ― Aproximação das legislações ― Propriedade intelectual ― Direito de autor e direitos conexos ― Diretivas 93/83/CEE, 2001/29/CE, 2006/115/CE e 2006/116/CE ― Partilha dos direitos de exploração de uma obra cinematográfica, por via contratual, entre o realizador principal e o produtor da obra ― Regulamentação nacional que atribui esses direitos, exclusivamente e de pleno direito, ao produtor do filme ― Possibilidade de derrogação a essa regra mediante acordo entre as partes ― Direitos a remuneração subsequentes.
Processo C‑277/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:65

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (TERCEIRA SECÇÃO)

9 de fevereiro de 2012 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos — Diretivas 93/83/CEE, 2001/29/CE, 2006/115/CE e 2006/116/CE — Partilha dos direitos de exploração de uma obra cinematográfica, por via contratual, entre o realizador principal e o produtor da obra — Regulamentação nacional que atribui esses direitos, exclusivamente e de pleno direito, ao produtor do filme — Possibilidade de derrogação a essa regra mediante acordo entre as partes — Direitos a remuneração subsequentes»

No processo C-277/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria), por decisão de 17 de maio de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de junho de 2010, no processo

Martin Luksan

contra

Petrus van der Let,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský (relator), R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de maio de 2011,

vistas as observações apresentadas:

 

em representação de M. Luksan, por M. Walter, Rechtsanwalt,

 

em representação de P. van der Let, por Z. van der Let-Vangelatou, Rechtsanwältin,

 

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

 

em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

 

em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e F. W. Bulst, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 6 de setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação:

 

dos artigos 2.° e 4.° da Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61);

 

dos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO L 248, p. 15);

 

do artigo 2.o da Diretiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa à harmonização do prazo de proteção dos direitos de autor e de certos direitos conexos (JO L 290, p. 9); e

 

dos artigos 2.°, 3.° e 5.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o realizador principal de um filme documentário, M. Luksan, ao produtor deste filme, P. van der Let, a propósito da execução do contrato mediante o qual o primeiro cedeu ao segundo os seus direitos de autor e certos direitos de exploração sobre o referido filme.

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção de Berna

3

O artigo 14 bis da Convenção de Berna para a proteção das obras literárias e artísticas (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na versão resultante da alteração de 28 de julho de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»), dispõe:

«1)   Sem prejuízo dos direitos de autor de qualquer obra que possa ter sido adaptada ou reproduzida, a obra cinematográfica é protegida como uma obra original. O titular do direito de autor sobre a obra cinematográfica goza dos mesmos direitos que o autor de uma obra original, incluindo os direitos referidos no artigo precedente.

a)

A determinação dos titulares do direito de autor sobre a obra cinematográfica fica reservada à legislação do país em que a proteção é reclamada.

b)

Todavia, nos países da União em que a legislação reconhece entre esses titulares os autores das contribuições prestadas à realização da obra cinematográfica, estes, se se comprometeram a prestar tais contribuições, não poderão, salvo estipulação em contrário ou particular, opor-se à reprodução, entrada em circulação, representação e execução públicas, transmissão por fio ao público, radiodifusão, comunicação ao público, legendagem e dobragem dos textos da obra cinematográfica.

c)

A questão de saber se a forma de compromisso acima referido deve, para a aplicação da subalínea b) precedente, ser ou não um contrato escrito ou um ato escrito equivalente é regulada pela legislação do país da União onde o produtor da obra cinematográfica tem a sua sede ou a sua residência habitual. Fica, todavia, reservada à legislação do país da União em que a proteção é reclamada a faculdade de prever que este compromisso deva ser um contrato escrito ou um ato escrito equivalente. Os países que fazem uso dessa faculdade deverão notificar o diretor-geral, através de uma declaração escrita, que será imediatamente comunicada por este último a todos os outros países da União.

d)

Por ‘estipulação em contrário ou particular’ deve entender-se qualquer condição restritiva contida no dito compromisso.

3)   A menos que a legislação nacional decida de outro modo, as disposições da alínea 2), b), supra não são aplicáveis nem aos autores dos argumentos, dos diálogos e das obras musicais, criadas para a realização da obra cinematográfica, nem ao realizador principal desta. Todavia, os países da União cuja legislação não contenha disposições prevendo a aplicação da alínea 2), b), já citada, ao referido realizador deverão notificar o diretor-geral desse facto, por meio de uma declaração escrita, que será imediatamente comunicada por este último a todos os outros países da União.»

O Tratado da OMPI sobre direito de autor

4

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre direito de autor. Este Tratado foi aprovado, em nome da Comunidade Europeia, através da Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6).

5

O Tratado da OMPI sobre direito de autor prevê, no seu artigo 1.o, n.o 4, que as partes contratantes devem observar o disposto nos artigos 1.° a 21.° da Convenção de Berna.

Direito da União

Diretiva 93/83

6

O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 93/83 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, será considerado autor ou um dos autores o realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual. Os Estados-Membros podem prever que outras pessoas sejam consideradas coautores.»

7

O capítulo II desta diretiva, intitulado «Radiodifusão de programas por satélite», compreende o artigo 2.o, que, sob a epígrafe «Direito de radiodifusão», enuncia:

«Nos termos do disposto no presente capítulo, os Estados-Membros garantirão aos autores o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite de obras protegidas pelo direito de autor.»

Diretiva 2001/29

8

O quinto, nono a décimo primeiro, vigésimo, trigésimo primeiro e trigésimo quinto considerandos da Diretiva 2001/29 têm a seguinte redação:

«(5)

O desenvolvimento tecnológico multiplicou e diversificou os vetores da criação, produção e exploração. Apesar de não serem necessários novos conceitos para a proteção da propriedade intelectual, a legislação e regulamentação atuais em matéria de direito de autor e direitos conexos devem ser adaptadas e complementadas para poderem dar uma resposta adequada à realidade económica, que inclui novas formas de exploração.

[...]

(9)

Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear-se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10)

Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços a pedido. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

(11)

Um sistema rigoroso e eficaz de proteção do direito de autor e direitos conexos constitui um dos principais instrumentos para assegurar os recursos necessários à produção cultural europeia, bem como para garantir independência e dignidade aos criadores e intérpretes.

[...]

(20)

A presente diretiva baseia-se em princípios e normas já estabelecidos pelas diretivas em vigor neste domínio, nomeadamente [a Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42), conforme alterada pela Diretiva 93/98, a Diretiva 92/100, conforme alterada pela Diretiva 93/98, a Diretiva 93/83, a Diretiva 93/98 e a Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20)], desenvolvendo-os e integrando-os na perspetiva da sociedade da informação. Salvo disposição em contrário nela prevista, a presente diretiva não prejudica as disposições das referidas diretivas.

[...]

(31)

Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. [...]

[...]

(35)

Em certos casos de exceção ou limitação, os titulares dos direitos devem receber uma compensação equitativa que os compense de modo adequado da utilização feita das suas obras ou outra matéria protegida. Na determinação da forma, das modalidades e do possível nível dessa compensação equitativa, devem ser tidas em conta as circunstâncias específicas a cada caso. Aquando da avaliação dessas circunstâncias, o principal critério será o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos. [...]»

9

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 prevê:

«Salvo nos casos referidos no artigo 11.o, a presente diretiva não afeta de modo algum as disposições comunitárias existentes em matéria de:

[...]

b)

Direito de aluguer, direito de comodato e certos direitos conexos com os direitos de autor em matéria de propriedade intelectual;

c)

Direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo;

d)

Duração da proteção do direito de autor e de certos direitos conexos;

[...]»

10

O artigo 2.o desta diretiva, que tem por epígrafe «Direito de reprodução», dispõe:

«Os Estados-Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)

Aos autores, para as suas obras;

b)

Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

c)

Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

d)

Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes;

e)

Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.»

11

O artigo 3.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», enuncia:

«1.   Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2.   Os Estados-Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

a)

Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

b)

Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

c)

Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes; e

d)

Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

3.   Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

12

Sob a epígrafe «Exceções e limitações», o artigo 5.o, n.os 2, alínea b), e 5, desta mesma diretiva prevê:

«2.   Os Estados-Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.o nos seguintes casos:

[...]

b)

Em relação às reproduções em qualquer meio efetuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de caráter tecnológico, referidas no artigo 6.o, à obra ou outro material em causa;

[...]

5.   As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

Diretiva 2006/115/CE

13

A Diretiva 92/100 foi revogada pela Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 376, p. 28). Esta última codifica e retoma, em termos análogos, as disposições da Diretiva 92/100. Atendendo à época dos factos do litígio no processo principal (março de 2008), a Diretiva 2006/115 é aplicável ratione temporis, pelo que é à luz desta diretiva que o Tribunal de Justiça irá examinar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

14

Os quinto e décimo segundo considerandos da Diretiva 2006/115 enunciam:

«(5)

A continuidade do trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige que estes aufiram uma remuneração adequada. Os investimentos exigidos, em especial para a produção de fonogramas e filmes, são particularmente elevados e arriscados. O pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser efetivamente assegurados através de uma proteção legal adequada dos titulares envolvidos.

[...]

(12)

É necessário introduzir um sistema que garanta que os autores e os artistas intérpretes ou executantes obtenham uma remuneração equitativa irrenunciável, devendo os autores e artistas ter a possibilidade de confiar a gestão desse direito a sociedades de gestão coletiva do direito de autor que os representem.»

15

O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva dispõe:

«É considerado autor ou um dos autores o realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual. Os Estados-Membros podem prever que outras pessoas sejam consideradas coautores.»

16

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Titulares e objeto do direito de aluguer e do direito de comodato»:

«1.   O direito exclusivo de permitir ou proibir o aluguer e o comodato pertence:

a)

Ao autor, no que respeita ao original e às cópias da sua obra;

b)

Ao artista intérprete ou executante, no que respeita às fixações da sua prestação;

c)

Ao produtor de fonogramas, no que respeita aos seus fonogramas;

d)

Ao produtor da primeira fixação de um filme, no que se refere ao original e às cópias desse filme.

[...]

4.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6, quando seja celebrado, individual ou coletivamente, um contrato de produção de filmes entre artistas intérpretes ou executantes e um produtor, presume-se que o artista intérprete ou executante abrangido por esse contrato transmitiu o seu direito de aluguer, caso não existam cláusulas contratuais em contrário, e sem prejuízo do disposto no artigo 5.o

5.   Os Estados-Membros podem prever uma presunção análoga à prevista no n.o 4 relativamente aos autores.

[...]»

17

O artigo 5.o, n.os 1 e 2, desta mesma diretiva estatui, sob a epígrafe «Direito irrenunciável a uma remuneração equitativa»:

«1.   Sempre que um autor ou um artista intérprete ou executante transmita ou ceda o seu direito de aluguer relativo a um fonograma ou ao original ou cópia de um filme a um produtor de fonogramas ou filmes, assiste ao referido autor ou artista o direito a auferir uma remuneração equitativa pelo aluguer.

2.   O direito a uma remuneração equitativa pelo aluguer não pode ser objeto de renúncia por parte dos autores ou dos artistas intérpretes ou executantes.»

Diretiva 2006/116/CE

18

A Diretiva 93/98 foi revogada pela Diretiva 2006/116/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao prazo de proteção do direito de autor e de certos direitos conexos (JO L 372, p. 12). Esta última codifica e retoma, em termos análogos, as disposições da Diretiva 93/98. Atendendo à época dos factos do litígio no processo principal (março de 2008), a Diretiva 2006/116 é aplicável ratione temporis, pelo que é à luz desta diretiva que o Tribunal de Justiça irá examinar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

19

O quinto considerando da Diretiva 2006/116 enuncia:

«As disposições da presente diretiva não deverão afetar a aplicação, pelos Estados-Membros, das alíneas b), c) e d) do n.o 2 e do n.o 3 do artigo 14 bis da Convenção de Berna.»

20

O artigo 2.o desta diretiva dispõe, sob a epígrafe «Obras cinematográficas ou audiovisuais»:

«1.   O realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual será considerado autor ou coautor. Os Estados-Membros terão a faculdade de designar outros coautores.

2.   O prazo de proteção de uma obra cinematográfica ou audiovisual expira setenta anos após a morte do último dos seguintes sobreviventes, quer sejam ou não considerados coautores: o realizador principal, o autor do argumento cinematográfico, o autor do diálogo e o compositor de música especificamente criada para utilização em obras cinematográficas ou audiovisuais.»

Direito nacional

21

O § 38, n.o 1, da Lei sobre os direitos de autor (Urheberrechtsgesetz, BGBl. 111/1936), conforme alterada pela lei federal publicada no Bundesgesetzblatt für die Republik Österreich I, 58/2010 (a seguir «UrhG»), enuncia:

«Os direitos de exploração sobre obras cinematográficas produzidas a título profissional revertem […] para o proprietário da empresa (produtor da obra cinematográfica). Os direitos de remuneração legais do autor revertem para o produtor e ao autor da obra cinematográfica, em partes iguais, desde que não sejam irrenunciáveis e que o produtor não tenha acordado disposições em contrário com o autor [...]»

22

O § 42b, n.o 1, da UrhG prevê:

«Se, atenta a sua natureza, for previsível, que uma obra radiodifundida, uma obra posta à disposição do público ou uma obra fixada em videograma ou fonograma produzido para fins comerciais seja reproduzida, através da sua fixação em videograma ou fonograma, nos termos do § 42, n.os 2 a 7, para uso pessoal ou privado, o autor terá direito a uma remuneração equitativa (remuneração das reproduções efetuadas em suportes de registo), sempre que o material de suporte seja comercializado a nível nacional e a título oneroso; considera-se material de suporte de registo os videogramas ou fonogramas virgens, próprios para essas reproduções ou outros videogramas ou fonogramas destinados a esse fim.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

O demandante no processo principal, M. Luksan, é o argumentista e realizador principal de um filme documentário intitulado «Fotos von der Front» (Fotografias da frente de batalha), tendo por tema a fotografia de guerra alemã na segunda guerra mundial. É pacífico que este filme documentário, que faz uma crítica à ambivalência da fotografia de guerra, constitui uma obra cinematográfica, protegida a este título como uma obra original.

24

O demandado no processo principal, P. van der Let, produz obras cinematográficas e outras obras audiovisuais, com fins comerciais.

25

No mês de março de 2008, as partes celebraram um «contrato de realização e autoria» (contrato de produção audiovisual) no qual ficou definido que M. Luksan seria argumentista e realizador principal do filme em questão e que P. van der Let produziria e exploraria o referido filme. Nos termos desse contrato, M. Luksan cedeu a P. van der Let todos os seus direitos de autor e/ou direitos conexos sobre este filme. Todavia, essa cessão excluía expressamente certos modos de exploração, a saber, a colocação à disposição do público em redes digitais, bem como a difusão através de «closed-circuit television» e de «pay TV», ou seja, a difusão (codificada) em circuitos fechados de utilizadores, mediante o pagamento de uma remuneração adicional.

26

Além disso, o contrato não continha nenhuma disposição explícita relativa aos direitos de remuneração legais, como a remuneração das reproduções efetuadas em suportes de gravação, prevista no § 42b da UrhG («Leerkassettenvergütung», literalmente «remuneração por cassetes vazias»).

27

O litígio no processo principal tem origem no facto de o produtor P. van der Let ter disponibilizado o filme em questão na Internet e cedido os direitos, para o efeito, à Movieeurope.com. Assim, o filme podia ser descarregado a partir deste sítio Internet, sob a forma de «video on demand». O produtor disponibilizou igualmente na Internet o «trailer» do filme, por intermédio do You Tube, e cedeu os direitos de «pay TV» à Scandinavia TV.

28

Nestas circunstâncias, o realizador, M. Luksan, intentou uma ação contra o produtor, P. van der Let, no órgão jurisdicional de reenvio. O demandante sustenta que, visto os modos de exploração que o contrato lhe reserva (o direito de difusão em circuitos fechados de utilizadores através de «video on demand» e de «pay TV»), a exploração que o produtor fez do filme em causa no processo principal constitui uma violação do referido contrato e dos seus direitos de autor.

29

Contra estes argumentos, P. van der Let alega que, por força da «cessão legal» prevista no § 38, n.o 1, primeira frase, da UrhG, todos os direitos de exploração exclusivos sobre o filme em causa revertem a seu favor, enquanto produtor do filme, e que as convenções que derrogam esta regra ou uma reserva com os mesmos efeitos são nulas.

30

Além disso, P. van der Let sustenta que os direitos de remuneração legais previstos na UrhG, nomeadamente a «remuneração das reproduções efetuadas em suportes de gravação», partilham do destino dos direitos de exploração. Por conseguinte, pelo facto de o contrato lhe conferir a totalidade dos direitos de exploração do filme, reverte igualmente a seu favor a totalidade dos direitos de remuneração legais. Com efeito, P. van der Let alega estar no direito de receber não só a metade dos direitos de remuneração legais, em virtude do artigo 38.o, n.o 1, segunda frase, da UrhG, na sua qualidade de produtor, mas também a outra metade desses direitos, que reverte, em princípio, para o autor do filme (M. Luksan, enquanto realizador), em conformidade com esse mesmo artigo. Com efeito, sustenta que é permitida convenção derrogatória dessa disposição legal.

31

M. Luksan contesta essa tese e pede ao órgão jurisdicional de reenvio que declare que a metade dos direitos de remuneração legais reverte a seu favor.

32

Segundo as indicações da decisão de reenvio, a doutrina e a jurisprudência austríacas consideram que o § 38, n.o 1, primeira frase, da UrhG prevê a atribuição originária e direta dos direitos de exploração apenas ao produtor do filme, em vez de uma «cessão legal» ou uma presunção de transferência desses direitos. Com base nessa interpretação do § 38, n.o 1, da UrhG, padecem de nulidade as convenções que derrogam esse princípio da atribuição direta e originária.

33

Quanto aos direitos de remuneração legais, nomeadamente a «remuneração das reproduções efetuadas em suportes de gravação», o § 38, n.o 1, segunda frase, da UrhG dispõe que estes direitos revertem para o produtor e para o autor do filme, em parte iguais, ao mesmo tempo que permite expressamente convenções derrogatórias desse princípio, mesmo no que diz respeito à metade que reverte para o autor do filme.

34

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio parece entender que o § 38, n.o 1, primeira e segunda frases, da UrhG, como até agora interpretado pela doutrina e pelos órgãos jurisdicionais austríacos, é contrário ao direito da União. Com efeito, segundo este órgão jurisdicional, uma interpretação conforme ao direito da União impõe que se considere que o § 38, n.o 1, primeira frase, da UrhG estabelece uma presunção ilidível de cessão. Além disso, o realizador principal dispõe do direito a uma remuneração equitativa, ao qual não é possível renunciar. Quanto aos direitos de remuneração legais, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, mesmo que o § 38, n.o 1, segunda frase, da UrhG atribua a metade desses direitos ao autor do filme, o que pensa ser equitativo, não deveria ser permitido derrogar esta regra de repartição.

35

O órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se as disposições pertinentes da UrhG, que conferem certos direitos ao produtor independentemente das disposições contratuais, são aplicáveis tal como foram interpretadas até agora pelos órgãos jurisdicionais austríacos, ou se se impõe uma interpretação contrária e conforme ao direito da União.

36

Foi nestas condições que o Handelsgericht Wien decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As disposições de direito da União Europeia em matéria de direitos de autor e de direitos de proteção conexos, em especial o disposto no artigo 2.o, n.os 2, 5 e 6, da Diretiva 92/100/CEE, sobre o direito de aluguer [e] o direito de comodato, no artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 93/83/CEE, sobre a radiodifusão por satélite e a retransmissão por cabo, e no artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 93/38/CEE, sobre o prazo de proteção, em conjugação com o artigo 4.o da Diretiva 92/100/CEE, com o artigo 2.o da Diretiva 93/83/CEE e com os artigos 2.°, 3.° e 5.°, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, devem ser interpretadas no sentido de que os direitos de exploração da reprodução, da radiodifusão por satélite e dos restantes atos de difusão pública, através da sua colocação à disposição do público, são sempre devidos por força da lei diretamente (originariamente) ao realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual ou a outros autores cinematográficos definidos pelo legislador dos Estados-Membros e não diretamente (originariamente) e exclusivamente ao produtor da obra? As normas dos Estados-Membros que atribuem ope legis os direitos de exploração diretamente (originariamente) e exclusivamente ao produtor da obra contrariam o direito comunitário?

2)

No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

a)

Segundo o [d]ireito da União Europeia, fica reservado ao legislador dos Estados-Membros, também relativamente a outros direitos para além do direito de aluguer e do direito de comodato, no que concerne [a]os direitos de exploração na aceção [da primeira questão] devidos ao realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual ou a outros autores definidos pelo legislador dos Estados-Membros, prever uma presunção legal de cessão desses direitos ao produtor da obra e, em caso afirmativo, devem ser respeitadas as condições previstas no artigo 2.o, n.os 5 e 6, da Diretiva 92/100/CEE, em conjugação com o disposto no artigo 4.o da mesma?

b)

A titularidade originária desse direito relativamente ao realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual ou a outros autores definidos pelo legislador dos Estados-Membros também se deve aplicar aos direitos conferidos pelo legislador de um Estado-Membro a uma remuneração equitativa como a denominada Leerkassettenvergütung [remuneração por cassetes vazias] prevista no § 42b da Urheberrechtsgesetz (UrhG) [Lei dos direitos de autor] austríaca ou ao direito a uma compensação equitativa nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE?

3)

No caso de resposta afirmativa à segunda questão[, alínea b)]:

Segundo o direito da União Europeia, fica reservado ao legislador dos Estados-Membros, no que concerne [a]os direitos na aceção [da segunda questão, alínea b)] que são devidos ao realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual ou a outros autores definidos pelo legislador dos Estados-Membros, prever uma presunção legal de cessão desses direitos ao produtor da obra e, em caso afirmativo, devem ser respeitados o artigo 2.o, n.os 5 e 6, da Diretiva 92/100/CEE, em conjugação com o seu artigo 4.o?

4)

No caso de resposta afirmativa à terceira questão:

O disposto numa lei de um Estado-Membro que, embora reconheça ao realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual ou a outros autores definidos pelo legislador dos Estados-Membros o direito a 50% dos direitos de remuneração legais, define este direito como disponível, e por conseguinte como não irrenunciável, em matéria do direito de autor e dos direitos conexos, é compatível com as disposições de direito da União Europeia anteriormente referidas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições dos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 93/83, por um lado, e dos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29, conjugados com os artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2006/115 e o artigo 2.o da Diretiva 2006/116, por outro, devem ser interpretadas no sentido de que os direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição) revertem de pleno direito, direta e originariamente, para o realizador principal, na qualidade de autor da referida obra. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições acima mencionadas se opõem a uma legislação nacional que atribui, de pleno direito e exclusivamente, os direitos em causa ao produtor da referida obra.

38

A título preliminar, importa relembrar que os diversos direitos de exploração da obra cinematográfica ou audiovisual foram objeto de várias diretivas. Em primeiro lugar, o capítulo II da Diretiva 93/83 regulamenta o direito de difusão por satélite. De seguida, os direitos de reprodução e de comunicação ao público mediante colocação à disposição são regulados, respetivamente, pelos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29. Por fim, o direito de aluguer e de comodato é visado nos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2006/115.

39

Quanto à Diretiva 93/83, o seu artigo 1.o, n.o 5, dispõe que é considerado autor ou um dos autores o realizador principal de uma obra cinematográfica ou audiovisual.

40

Do mesmo modo, no que respeita à Diretiva 2006/115, o artigo 2.o, n.o 2, dispõe que é considerado autor ou um dos autores o realizador principal de uma obra cinematográfica.

41

Em contrapartida, no que diz respeito à Diretiva 2001/29, importa notar que não dá nenhuma indicação explícita quanto ao estatuto do realizador principal da obra cinematográfica.

42

Nestas condições, coloca-se, em primeiro lugar, a questão de determinar qual é a situação do realizador principal da obra cinematográfica, à luz dos direitos de exploração regulados pela Diretiva 2001/29.

43

A este respeito, resulta do vigésimo considerando da Diretiva 2001/29 que esta assenta nos princípios e nas regras já estabelecidos pelas diretivas em vigor neste domínio, nomeadamente as Diretivas 92/100, relativa ao direito de aluguer e ao direito de comodato (atual Diretiva 2006/115), e 93/98, relativa à harmonização do prazo de proteção dos direitos de autor (atual Diretiva 2006/116). Prevê-se que a Diretiva 2001/29 desenvolva esses princípios e essas regras e os integre na perspetiva da sociedade da informação. Por conseguinte, as disposições da Diretiva 2001/29 devem aplicar-se sem prejuízo das disposições destas duas últimas diretivas, salvo se a Diretiva 2001/29 dispuser de maneira diferente (v., neste sentido, acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C-403/08 e C-429/08, Colet., p. I-9083, n.os 187 e 188).

44

Ora, o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/116 enuncia, sob a epígrafe «Obras cinematográficas ou audiovisuais», a regra segundo a qual o realizador principal de uma obra cinematográfica é considerado autor ou coautor, reservando aos Estados-Membros a faculdade de designar outros coautores.

45

Assim, essa disposição deve ser interpretada no sentido de que, seja qual for a opção de direito nacional, o realizador principal da obra cinematográfica beneficia, de qualquer modo, contrariamente aos restantes autores dessa obra, do estatuto de autor por força da Diretiva 2006/116.

46

Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2006/116 fixa o prazo de proteção da obra cinematográfica ou audiovisual. Essa disposição implica necessariamente que essa obra, nomeadamente os direitos do autor e dos coautores desta e, em especial, os do realizador principal, seja efetivamente protegida juridicamente.

47

Dado que a Diretiva 2001/29 não dispõe em sentido diferente e que as suas disposições se devem aplicar sem prejuízo das disposições da Diretiva 2006/116, bem como das disposições da Diretiva 2006/115, nomeadamente do seu artigo 2.o, n.o 2, os artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29 devem ser interpretados de forma a serem garantidos os direitos de autor do realizador principal da obra cinematográfica estabelecidos nesses artigos.

48

Resulta do que precede que, à luz do conjunto dos direitos de exploração em causa, incluindo os regulados pela Diretiva 2001/29, o realizador principal da obra cinematográfica é considerado o seu autor ou um dos seus coautores.

49

Em segundo lugar, importa determinar se os direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição) revertem de pleno direito, direta e originariamente, para o seu realizador principal, enquanto autor da referida obra, ou se, sendo caso disso, esses direitos podem reverter direta, originária e exclusivamente para o produtor da referida obra.

50

No que respeita ao direito de difusão por satélite, o artigo 2.o da Diretiva 93/83 consagra apenas ao autor o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite de obras protegidas pelo direito de autor.

51

No que respeita ao direito de reprodução, o artigo 2.o da Diretiva 2001/29 reconhece como titulares desse direito os autores, no que diz respeito às suas obras, e os produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes.

52

Do mesmo modo, no que respeita ao direito de comunicação de obras mediante colocação à disposição do público, o artigo 3.o da Diretiva 2001/29 estabelece esse direito a favor dos autores, no que diz respeito às suas obras, e dos produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes.

53

Assim, as disposições mencionadas nos três números precedentes atribuem, a título originário, ao realizador principal, na qualidade de autor, os direitos de exploração da obra cinematográfica, em causa no processo principal.

54

Todavia, não obstante essas disposições de direito derivado, o Governo austríaco, nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, invoca as disposições conjugadas dos n.os 2, alínea b), e 3 do artigo 14 bis da Convenção de Berna, relativo às obras cinematográficas, que o autorizam a conferir esses mesmos direitos apenas ao produtor da obra.

55

Com efeito, decorre dessas disposições, lidas em conjunto, que, a título derrogatório, uma legislação nacional pode recusar ao realizador principal certos direitos de exploração da obra cinematográfica, como, nomeadamente, o direito de reprodução e o direito de comunicação ao público.

56

A este respeito, importa, antes de mais, relembrar que todos os Estados-Membros da União aderiram à Convenção de Berna, alguns deles, antes do dia 1 de janeiro de 1958 e, outros, antes da data da respetiva adesão à União.

57

No que se refere, mais precisamente, ao artigo 14 bis da Convenção de Berna, relativo às obras cinematográficas, importa notar que este artigo foi introduzido no seguimento das revisões da Convenção adotadas em Bruxelas, em 1948, e depois, em Estocolmo, em 1967.

58

Assim, a Convenção de Berna reveste as características de uma convenção internacional na aceção do artigo 351.o TFUE, nos termos do qual, designadamente, as disposições dos Tratados não prejudicam os direitos e as obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à União, anteriormente à data da respetiva adesão, entre um ou mais Estados-Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro.

59

Em seguida, importa notar que a União, dado que não é parte contratante na Convenção de Berna, está, não obstante, obrigada, por força do artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre direito de autor, no qual ela é parte, que faz parte da sua ordem jurídica, e que a Diretiva 2001/29 visa implementar, a observar os artigos 1.° a 21.° da Convenção de Berna (v., neste sentido, acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.o 189 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a União deve observar, designadamente, o artigo 14 bis da Convenção de Berna.

60

Nestas condições, coloca-se a questão de saber se as disposições das Diretivas 93/83 e 2001/29 citadas nos n.os 50 a 52 do presente acórdão devem ser interpretadas, tendo em conta o artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre direito de autor, no sentido de um Estado-Membro poder, na sua legislação nacional, com base no artigo 14 bis da Convenção de Berna, no uso da faculdade que este artigo de fonte convencional lhe confere, recusar ao realizador principal os direitos de exploração da obra cinematográfica, em causa no processo principal.

61

A este respeito, importa, antes de mais, relembrar que a disposição do artigo 351.o, primeiro parágrafo, TFUE tem por objeto precisar, em conformidade com os princípios de direito internacional, que a aplicação do Tratado não afeta o compromisso do Estado-Membro em causa de respeitar os direitos dos Estados terceiros decorrentes de uma convenção anterior à sua adesão e de observar as suas obrigações correspondentes (v. acórdãos de 28 de março de 1995, Evans Medical e Macfarlan Smith, C-324/93, Colet., p. I-563, n.o 27, e de 14 de janeiro de 1997, Centro-Com, C-124/95, Colet., p. I-81, n.o 56).

62

Contudo, quando essa convenção permite a um Estado-Membro tomar uma medida que se afigura contrária ao direito da União, sem todavia a isso o obrigar, o Estado-Membro não deve adotar tal medida (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Evans Medical e Macfarlan Smith, n.o 32, bem como Centro-Com, n.o 60).

63

Essa jurisprudência deve igualmente poder aplicar-se mutatis mutandis, quando, em razão de uma evolução do direito da União, uma medida legislativa tomada por um Estado-Membro em conformidade com a faculdade oferecida por uma convenção internacional anterior se afigure contrária a esse direito. Numa situação como essa, o Estado-Membro em causa não pode invocar essa convenção para se exonerar das obrigações posteriormente nascidas do direito da União.

64

Ora, ao prever que o realizador principal da obra cinematográfica é considerado o autor ou um dos coautores desta, o legislador da União exerceu as competências da União em matéria de propriedade intelectual. Nestas condições, os Estados-Membros deixaram de ser competentes para adotar disposições que ponham em causa essa regulamentação da União. Por conseguinte, deixaram de poder invocar a faculdade conferida pelo artigo 14 bis da Convenção de Berna.

65

Em seguida, importa notar que uma medida legislativa conforme descrita no n.o 60 do presente acórdão não se afigura compatível com o fim prosseguido pela Diretiva 2001/29.

66

Com efeito, resulta do nono considerando da Diretiva 2001/29, a qual rege nomeadamente os direitos de reprodução e de comunicação ao público, que o legislador da União, entendendo que a proteção dos direitos de autor era essencial para a criação intelectual, quis garantir aos autores um nível de proteção elevado. Assim, a propriedade intelectual foi reconhecida como parte integrante da propriedade.

67

Ora, uma vez que a qualidade de autor foi reconhecida ao realizador principal da obra cinematográfica, afigurar-se-ia incompatível com o fim prosseguido pela Diretiva 2001/29 admitir que sejam recusados a esse criador os direitos de exploração em causa.

68

Por fim, importa relembrar que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei, na medida do necessário ao interesse geral. O n.o 2 desse mesmo artigo dispõe que é protegida a propriedade intelectual.

69

Atendendo ao que se concluiu no n.o 53 do presente acórdão, deve considerar-se que o realizador principal da obra cinematográfica adquiriu legalmente, por força do direito da União, o direito de fruir da propriedade intelectual dessa obra.

70

Nestas condições, o facto de uma legislação nacional lhe recusar os direitos de exploração em causa equivale a privá-lo do seu direito de propriedade intelectual legalmente adquirido.

71

Resulta do que precede que as disposições das Diretivas 93/83 e 2001/29 citadas nos n.os 50 a 52 do presente acórdão não podem ser interpretadas, tendo em conta o artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre direito de autor, no sentido de um Estado-Membro poder, na sua legislação nacional, com base no artigo 14 bis da Convenção de Berna, no uso da faculdade que este artigo de fonte convencional lhe confere, recusar ao realizador principal os direitos de exploração da obra cinematográfica, em causa no processo principal, uma vez que essa interpretação, em primeiro lugar, não respeitaria as competências da União nesta matéria, em seguida, não seria compatível com o fim prosseguido pela Diretiva 2001/29 e, por fim, não seria conforme com as exigências decorrentes do artigo 17.o, n.o 1, da referida Carta dos Direitos Fundamentais, que garantem a proteção da propriedade intelectual.

72

Atendendo às considerações que precedem, cabe responder à primeira questão submetida que as disposições dos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 93/83, por um lado, e dos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29, conjugados com os artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2006/115 e o artigo 2.o da Diretiva 2006/116, por outro, devem ser interpretadas no sentido de que os direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de reprodução, direito de difusão por satélite e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição) revertem de pleno direito, direta e originariamente, para o realizador principal. Por conseguinte, essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que confira, de pleno direito e exclusivamente, os referidos direitos de exploração ao produtor da obra em questão.

Quanto à segunda questão, alínea a)

73

A título preliminar, importa relembrar que o legislador da União tinha estabelecido, no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 92/100, uma presunção de cessão do direito de aluguer a favor do produtor da obra cinematográfica.

74

O artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2006/115, que retoma os termos do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 92/100, prevê doravante que quando um contrato sobre a produção de um filme é celebrado entre artistas intérpretes ou executantes e o produtor do referido filme, presume-se que o artista abrangido por esse contrato, sob reserva de cláusulas contratuais contrárias, cedeu ao produtor o seu direito de aluguer.

75

Além disso, o artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2006/115, que retoma os termos do artigo 2.o, n.o 6, da Diretiva 92/100, habilita os Estados-Membros a prever uma presunção análoga em relação aos autores.

76

Atendendo a esta precisão preliminar, deve entender-se que o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o direito da União pode ser interpretado no sentido de que reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer essa presunção de cessão igualmente em relação aos direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição), e, no caso de resposta afirmativa, em que condições.

77

No que se refere ao objetivo subjacente às disposições da Diretiva 2006/115 evocadas na questão prejudicial, importa fazer referência ao quinto considerando desta diretiva, que relembra, por um lado, que a continuidade do trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige que estes aufiram uma remuneração adequada e, por outro, que os investimentos, em especial os exigidos para a produção de fonogramas e filmes, são particularmente elevados e arriscados. O pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser efetivamente assegurados através de uma proteção legal adequada dos titulares envolvidos.

78

Resulta, nomeadamente, desse quinto considerando da Diretiva 2006/115 que deve ser encontrado um equilíbrio entre, por um lado, o respeito dos direitos e interesses das diversas pessoas singulares que contribuíram para a criação intelectual do filme, a saber, o autor ou os coautores da obra cinematográfica, e, por outro, o respeito dos direitos e interesses do produtor do filme, que tomou a iniciativa e a responsabilidade da realização da obra cinematográfica e que assume os riscos ligados a esse investimento.

79

Nestas condições, podemos concluir que, no quadro da Diretiva 2006/115, o dispositivo de presunção de cessão do direito de aluguer a favor do produtor do filme foi concebido para responder a uma das finalidades a que se refere o quinto considerando da referida diretiva, a saber, permitir ao produtor amortizar os investimentos que efetuou para fins da realização da obra cinematográfica.

80

Assim sendo, o dispositivo de presunção de cessão não podia deixar de responder igualmente aos interesses do realizador principal da obra cinematográfica. A este respeito, importa notar que não põe de modo algum em causa a regra segundo a qual o autor é titular de pleno direito, direta e originariamente, do direito de aluguer e de comodato em relação à sua obra. Com efeito, tendo reservado expressamente a hipótese de «cláusulas contratuais contrárias», o legislador da União pretendeu assim que o realizador principal conservasse a possibilidade de, por via contratual, convencionar em sentido diferente.

81

Assim, esse dispositivo de presunção é concebido, em conformidade com a exigência de equilíbrio mencionada no n.o 78 do presente acórdão, de forma a garantir que o produtor do filme adquira o direito de aluguer da obra cinematográfica, prevendo ao mesmo tempo que o realizador principal possa livremente dispor dos direitos que detém na qualidade de autor, a fim de salvaguardar os seus interesses.

82

Ora, o objetivo que visa garantir um rendimento satisfatório do investimento cinematográfico excede o simples quadro da proteção do direito de aluguer e de comodato regulado pela Diretiva 2006/115, já que figura igualmente noutras diretivas pertinentes nesta matéria.

83

Assim, o décimo considerando da Diretiva 2001/29 confirma que o investimento necessário para criar produtos, como filmes ou produtos multimédia, é considerável. Uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual é, por conseguinte, necessária para permitir um rendimento satisfatório do investimento (v., igualmente, neste sentido, acórdão de 13 de julho de 2006, Comissão/Portugal, C-61/05, Colet., p. I-6779, n.o 27).

84

Ora, importa igualmente sublinhar que o legislador da União precisou explicitamente, no quinto considerando da Diretiva 2001/29, que, embora as regras existentes em matéria de direitos de autor e direitos conexos devam ser adaptadas e completadas para poderem dar uma resposta adequada à realidade económica, que inclui novas formas de exploração, a proteção da propriedade intelectual não exige, em contrapartida, nenhum conceito novo.

85

Nestas condições, uma vez que, por um lado, em 2001, por ocasião da adoção da Diretiva 2001/29, se considera que o legislador da União manteve os diferentes conceitos da proteção da propriedade intelectual elaborados no quadro das diretivas anteriores e que, por outro, no caso vertente, não dispôs diversamente, há que considerar que o legislador não pretendeu afastar a aplicação de um conceito como o da presunção de cessão, no que diz respeito aos direitos de exploração regulados pela referida diretiva.

86

Decorre do que precede que um dispositivo de presunção de cessão, como o previsto inicialmente, no que respeita ao direito de aluguer e de comodato, no artigo 2.o, n.os 5 e 6, da Diretiva 92/100, em seguida retomado, em substância, no artigo 3.o, n.os 4 e 5, da Diretiva 2006/115, deve igualmente poder aplicar-se no que diz respeito aos direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição).

87

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda questão, alínea a), que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, dos direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição), desde que essa presunção não revista natureza inilidível que exclua a possibilidade de o realizador principal da referida obra convencionar em sentido diferente.

Quanto à segunda questão, alínea b)

88

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito a uma remuneração equitativa, como a compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 a título da exceção dita «de cópia privada», reverte de pleno direito, direta e originariamente, para o realizador principal, na qualidade de autor ou de coautor da obra cinematográfica.

89

A título preliminar, importa precisar que, uma vez que a questão submetida se refere apenas à compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 a título da exceção de cópia privada, ser-lhe-á dada resposta apenas do ponto de vista do direito de reprodução e do respectivo direito a compensação equitativa.

90

Desde já, importa relembrar que, nos termos do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29, os Estados-Membros conferem, em princípio, aos autores o direito exclusivo de autorização ou proibição da reprodução direta ou indireta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, das suas obras.

91

O artigo 2.o, alínea d), desta mesma diretiva confere um direito idêntico aos produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e cópias dos seus filmes.

92

Daí decorre que tanto o realizador principal, na qualidade de autor da obra cinematográfica, como o produtor, enquanto responsável pelos investimentos necessários à produção da referida obra, devem ser considerados os titulares, de pleno direito, do direito de reprodução.

93

Além disso, por força do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta mesma diretiva, os Estados-Membros podem prever exceções ao direito de reprodução exclusivo dos titulares do direito de reprodução, quando se trate de reproduções efetuadas em qualquer suporte, por uma pessoa singular, para uso privado e com fins não direta ou indiretamente comerciais (exceção de cópia privada), na condição, todavia, de garantir que, em contrapartida, os titulares de direitos em causa recebam o pagamento de uma compensação equitativa.

94

Sendo um desses titulares o realizador principal da obra cinematográfica, deve, por conseguinte, ser considerado um beneficiário de pleno direito, direta e originariamente, da compensação equitativa devida a título da exceção de cópia privada.

95

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda questão, alínea b), que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que, na qualidade de autor da obra cinematográfica, o realizador principal deve beneficiar, de pleno direito, direta e originariamente, do direito à compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 a título da exceção dita «de cópia privada».

Quanto à terceira e quarta questões

96

Com estas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, dos direitos a remuneração que revertem para o realizador principal da referida obra.

97

A este respeito, é pacífico que a disposição de direito interno em causa no processo principal que estabelece a referida presunção permite ao realizador principal da obra cinematográfica renunciar aos seus direitos a uma remuneração equitativa.

98

Assim, importa examinar previamente se o direito da União se opõe a uma disposição de direito interno que permita ao realizador principal da obra cinematográfica renunciar aos seus direitos a uma remuneração equitativa.

99

A título preliminar, importa precisar que, uma vez que as questões submetidas se referem aos direitos a remuneração na aceção da questão precedente, ser-lhe-á dada resposta apenas do ponto de vista do direito de reprodução e do direito à compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 a título da exceção de cópia privada.

100

Como se sublinhou no n.o 93 do presente acórdão, resulta do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 que, nos Estados-Membros que decidiram instituir a exceção de cópia privada, os titulares de direitos em causa devem, em contrapartida, receber o pagamento de uma compensação equitativa. Decorre desta redação que o legislador da União não desejava admitir que os interessados pudessem renunciar a receber a referida compensação.

101

Além disso, uma vez que o artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva instaura uma exceção ao direito de reprodução exclusivo do autor sobre a sua obra, essa disposição deve ser objeto de uma interpretação restritiva que implica que essa exceção não pode ser alargada para além do que explicitamente impõe a disposição em causa. Ora, esta última autoriza apenas uma exceção ao direito de reprodução e não pode ser alargada aos direitos a remuneração.

102

Esta conclusão é corroborada, no plano do contexto, pelas disposições do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2006/115, lidas à luz do décimo segundo considerando desta mesma diretiva, e que retoma os termos, respetivamente, do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/100 e do décimo quinto considerando desta última diretiva, à qual se refere o órgão jurisdicional de reenvio. Essas disposições precisam que o direito de obter uma remuneração equitativa pelo aluguer não pode ser objeto de renúncia por parte dos autores.

103

É certo que, no quadro das Diretivas 92/100 e 2006/115, o legislador da União utilizou o termo «remuneração» em vez do termo «compensação» empregue pela Diretiva 2001/29. Contudo, este conceito de «remuneração» tem igualmente por objeto instituir uma indemnização para os autores, pois está prevista para compensar um prejuízo causado a estes últimos (v., neste sentido, acórdão de 30 de junho de 2011, VEWA, C-271/10, Colet., p. I-5815, n.o 29).

104

Ora, conforme se sublinhou nos n.os 84 e 85 do presente acórdão, considera-se que o legislador da União, por ocasião da adoção da Diretiva 2001/29, manteve os conceitos da proteção da propriedade intelectual elaborados no quadro das diretivas anteriores, sob reserva de não ter expressamente disposto em sentido diverso.

105

No presente caso, no que diz respeito ao direito à compensação equitativa devida aos autores a título da exceção de cópia privada, não resulta de nenhuma disposição da Diretiva 2001/29 que o legislador da União tenha pensado na possibilidade de o beneficiário desse direito renunciar a ele.

106

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, sob pena de ficarem privadas de todo o efeito útil, as disposições do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 impõem ao Estado-Membro que introduziu a exceção de cópia privada no seu direito nacional uma obrigação de resultado, no sentido de que este Estado tem o dever de assegurar, no âmbito das suas competências, uma cobrança efetiva da compensação equitativa destinada a ressarcir os titulares dos direitos lesados pelo prejuízo sofrido (v., neste sentido, acórdão de 16 de junho de 2011, Stichting de Thuiskopie, C-462/09, Colet., p. I-5331, n.o 34). Ora, impor aos Estados-Membros essa obrigação de resultado de cobrar a compensação equitativa a favor dos titulares de direitos afigura-se concetualmente inconciliável com a possibilidade de esse titular renunciar a essa compensação equitativa.

107

Resulta de quanto precede que o direito da União se opõe a uma disposição de direito interno que permite ao realizador principal da obra cinematográfica renunciar ao seu direito a uma compensação equitativa.

108

Por maioria de razão, o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção ilidível de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, dos direitos de remuneração que revertem para o realizador principal da referida obra, uma vez que essa presunção implicaria privar este último do pagamento da compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29. Ora, conforme se sublinhou no n.o 100 do presente acórdão, o realizador principal, na qualidade de titular do direito de reprodução, deve necessariamente receber o pagamento da referida compensação.

109

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à terceira e quarta questões submetidas que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, do direito a compensação equitativa que reverte para o realizador principal da referida obra, quer essa presunção seja formulada de modo inilidível quer seja suscetível de derrogação.

Quanto às despesas

110

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

As disposições dos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, por um lado, e dos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, conjugados com os artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, e o artigo 2.o da Diretiva 2006/116/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao prazo de proteção do direito de autor e de certos direitos conexos, por outro, devem ser interpretados no sentido de que os direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de reprodução, direito de difusão por satélite e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição) revertem de pleno direito, direta e originariamente, para o realizador principal. Por conseguinte, essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que confira, de pleno direito e exclusivamente, os referidos direitos de exploração ao produtor da obra em questão.

 

2)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, dos direitos de exploração da obra cinematográfica como os que estão em causa no processo principal (direito de difusão por satélite, direito de reprodução e quaisquer outros direitos de comunicação ao público mediante colocação à disposição), desde que essa presunção não revista natureza inilidível que exclua a possibilidade de o realizador principal da referida obra convencionar em sentido diferente.

 

3)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que, na qualidade de autor da obra cinematográfica, o realizador principal deve beneficiar, de pleno direito, direta e originariamente, do direito à compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 a título da exceção dita «de cópia privada».

 

4)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não reserva aos Estados-Membros a faculdade de estabelecer uma presunção de cessão, a favor do produtor da obra cinematográfica, do direito a compensação equitativa que reverte para o realizador principal da referida obra, quer essa presunção seja formulada de modo inilidível quer seja suscetível de derrogação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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